Narrativas sobre o céu como ferramentas culturais : um encontro entre a memória cultural Mbyá-Guarani e a Ciência oficial

Abstract

A comunidade de pesquisa em Educação em Ciências tem, nas últimas décadas, valorizado o diálogo entre os conhecimentos científicos e os saberes de povos indígenas, buscando minimizar os conflitos presentes nas relações em contextos interculturais. Este estudo busca colaborar com a área e investigar essas interações entre os saberes de uma comunidade Mbyá-Guarani e os conhecimentos científicos, com foco nas narrativas sobre o Sol e a Lua no contexto da educação escolar indígena. O objetivo central da pesquisa é analisar como os estudantes Mbyá-Guarani se relacionam com o discurso científico em termos de domínio, apropriação e resistência, considerando as diferenças epistemológicas entre suas cosmologias. A pesquisa busca reconhecer como a comunidade molda sua visão do céu por meio da sua memória cultural e a relação que isso pode acarretar para o Ensino de Ciências na escola indígena. Por meio de oficinas de Astronomia na escola indígena, foram apresentados conceitos científicos sobre esses fenômenos celestes na visão da cultura científica. A partir de uma perspectiva sociocultural, baseada nos trabalhos de James V. Wertsch, a pesquisa evidencia que a comunidade pode dominar os conceitos científicos, mas que tanto as lideranças quando os estudantes tendem a mobilizar diferentes estratégias ao se depararem com o discurso científico. A pesquisa demonstrou que a tensão entre as formas de conhecimento dessa comunidade MbyáGuarani e as formas de conhecimento da cultura científica se reflete no processo de ensino, evidenciando desafios e oportunidades para a educação intercultural. No entanto, o ensino de ciências frequentemente desconsidera essa diversidade de saberes, podendo contribuir para a substituição dos conhecimentos tradicionais pelos da cultura eurocêntrica. Este estudo contribui para a compreensão do Ensino de Ciências em comunidades indígenas ao destacar a mudança do papel da escola, em que buscava “educar” a comunidade, para então apresentar a sua cultura como estrangeira, comparando e relativizando-as.

The Science Education research community has, in recent decades, valued the dialogue between scientific knowledge and the wisdom of Indigenous peoples, seeking to minimize conflicts present in intercultural contexts. This study aims to contribute to the field by investigating these interactions between the knowledge of a Mbyá-Guarani community and scientific knowledge, focusing on narratives about the Sun and the Moon in the context of Indigenous school education. The main objective of the research is to analyze how Mbyá-Guarani students relate to scientific discourse in terms of mastery, appropriation, and resistance, considering the epistemological differences between their cosmologies. The research seeks to understand how the community shapes its view of the sky through its cultural memory and the implications this may have for Science Education in Indigenous schools. Through Astronomy workshops in the Indigenous school, scientific concepts about these celestial phenomena were presented from the perspective of scientific culture. From a sociocultural perspective, based on the work of James V. Wertsch, the research highlights that the community can master scientific concepts, but both leaders and students tend to mobilize different strategies when confronted with scientific discourse. The research demonstrates that the tension between the forms of knowledge of this Mbyá-Guarani community and the forms of knowledge of scientific culture is reflected in the teaching process, revealing challenges and opportunities for intercultural education. However, science teaching often disregards this diversity of knowledge, which can contribute to the replacement of traditional knowledge with that of Eurocentric culture. This study contributes to the understanding of Science Education in Indigenous communities by highlighting the shift in the role of the school, which previously sought to "educate" the community, to now presenting its culture as foreign, comparing and relativizing them.