Implantação da Base Nacional Comum Curricular : estudo de caso com dois professores de Física

Abstract

Esta investigação teve por objetivo apresentar um panorama, desde o ponto de vista de dois professores, sobre a implementação de dois documentos normativos recentes, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e a Lei 13.415/2017, homologados em 2017, que visam uma reforma do ensino em todo o território nacional. O estudo buscou compreender a perspectiva de dois professores de Física do Ensino Médio, um de uma escola pública de Porto Alegre e outro de uma escola particular da região metropolitana sobre esse processo de implantação. Buscamos captar suas impressões, expectativas, práticas, sentimentos, dúvidas, resistências e, em alguma medida, comparar esses achados com a literatura existente sobre o tema. Para alcançar esse objetivo, utilizamos a metodologia qualitativa na modalidade estudos de caso, e como ferramenta analítica usamos a análise de conteúdo das falas desses profissionais, nos moldes de Laurence Bardin. Como suporte teórico, escolhemos nos respaldarmos nas ideias de Michel de Certeau, especialmente as expressas em sua obra “A Invenção do Cotidiano”. Certeau discute as astúcias e modos de fazer das pessoas comuns como formas de resistência às imposições dos poderes constituídos. Aplicada à educação, essa perspectiva coloca o professor como oprimido por estratégias governamentais e empresariais, que visam transformar a educação pública, que em nosso país deveria formar cidadãos críticos e pensantes, em uma formação de indivíduos habilitados com conhecimentos técnicos especializados para atender ao mercado de trabalho, deixando de lado a formação humana integral. Acompanhamos os professores em seu espaço escolar e os entrevistamos, com entrevistas abertas, favorecendo a escuta. Nossas análises apontam que que a BNCC e a Lei do novo Ensino Médio trazem para os professores de Física atuantes muitas incertezas, reduzem a carga horária da disciplina de sua formação, acrescentam novas disciplinas, das quais eles não têm familiaridade e lhes faltam conhecimentos e formação continuada, os levando a improvisações, bricolagens, modos próprios de enfrentar essas novas situações que, como Certeau nos ensina, muitas vezes ficam ocultas, invisíveis, obscurecidas pelo rumor do dia a dia escolar. Além disso, os normativos, do ponto de vista de nossos sujeitos de pesquisa, não atendem às necessidades dos alunos, aumentam as responsabilidades dos professores, sobrecarregam-nos com tarefas burocráticas e geram um sentimento de culpa por não terem tempo de introduzir os conteúdos de Física entendidos como básicos e fundamentais para uma formação científica consistente. Percebemos que a escola privada também é alcançada pela BNCC, gerando competitividade entre professores na tentativa de apresentar novas disciplinas e aderir alunos, e, no limite, leva à desmotivação ao ofício de professor. De maneira geral, embora a Base Nacional possa suscitar um sentido de nação e coesão, sua implementação atrapalha a educação, fomenta a desigualdade, desvaloriza o trabalho dos professores e reduz o sentido da educação, como direito social, a substituindo por “direitos de aprendizagem essenciais”.

This investigation aimed to present an overview, from the perspective of teachers, on the implementation of two recent normative documents, the National Common Curricular Base (BNCC) and Law 13.415/2017, approved in 2017, which aim to reform education throughout the national territory. The study sought to understand the perspective of two high school Physics teachers, one from a public school in Porto Alegre and another from a private school in the metropolitan region, on this implementation process. We aimed to capture their impressions, expectations, practices, feelings, doubts, resistances, and, to some extent, compare these findings with the existing literature on the subject. To achieve this objective, we used a qualitative methodology in the form of case studies, and as an analytical tool, we used content analysis of these professionals' statements, following Laurence Bardin's approach. As theoretical support, we chose to rely on Michel de Certeau's ideas, especially those expressed in his work "The Practice of Everyday Life." Certeau discusses the strategies and ways of doing things of ordinary people as forms of resistance to the impositions of established powers. Applied to education, this perspective positions the teacher as oppressed by governmental and corporate strategies, aiming to transform public education, which in our country should form critical and thinking citizens, into a formation of individuals equipped with technical knowledge specialized to meet the labor market, sidelining comprehensive human education. We followed the teachers in their school environment and conducted open interviews, favoring attentive listening. Our analyses indicate that the BNCC and the new High School Law bring many uncertainties to practicing Physics teachers, reduce the class hours of their subject, add new subjects with which they are not familiar and lack knowledge and continuing education, leading them to improvisations, bricolages, and their own ways of facing these new situations which, as Certeau teaches us, often remain hidden, invisible, and obscured by the daily school noise. Moreover, from the perspective of our research subjects, the normative documents do not meet the students' needs, increase the teachers' responsibilities, burden them with bureaucratic tasks, and generate a feeling of guilt for not having time to introduce the Physics content understood as basic and fundamental for a consistent scientific education. We observed that private schools are also affected by the BNCC, generating competitiveness among teachers in the attempt to present new subjects and attract students, ultimately leading to a demotivation in the teaching profession. Generally, although the National Common Curricular Base might evoke a sense of nation and cohesion, its implementation hampers education, fosters inequality, devalues the work of teachers, and reduces the sense of education as a social right, replacing it with "essential learning rights."