A vida do acordo sobre o aquífero Guarani : um estudo de seus efeitos na gestão dos subterrâneos transfronteiriços das águas

Abstract

Há um mundo subterrâneo de águas, que transpassa fronteiras e limites de Estados. Sob o solo brasileiro, vive um dos maiores aquíferos transfronteiriços do mundo: o Aquífero Guarani. Dois terços desse sistema estão no Brasil, e o restante divide-se entre Argentina, Uruguai e Paraguai. Diante da importância ambiental, geopolítica e econômica do Aquífero Guarani, em um contexto inédito na cooperação para a regulamentação de águas subterrâneas na América do Sul, os quatro países assinaram, em 2010, o Acordo Sobre o Sistema Aquífero Guarani. Quais os efeitos desse acordo, na gestão dos subterrâneos transfronteiriços do Aquífero Guarani no Brasil? O cenário desvendado é de um Acordo que, no seu aniversário de dez anos, ainda não entrou em vigor. Sequer foi ratificado pelo Brasil. Esta pesquisa elucida a vida do acordo, desde suas negociações em 2003, perpassando a sua assinatura em 2010, sua aprovação pelo Senado brasileiro, em 2017, até o entendimento de sua significação e expectativas de efeito, no ano de 2019. Para tanto, a metodologia utilizada baseou-se, majoritariamente, na realização de entrevistas semiestruturadas, como forma de acessar o olhar dos agentes sociais envolvidos com o campo de análise. A hipótese de partida desta pesquisa era que o Acordo não teria trazido efeitos na gestão das águas subterrâneas do Aquífero Guarani no Brasil. Através das lentes das pessoas entrevistadas, percebeu-se que o Acordo Sobre o Aquífero Guarani é, inicialmente, resultado de uma problemática de política internacional, e não ambiental: é um instrumento para a proteção da soberania dos quatro países sobre o Aquífero Guarani, mais do que um instrumento de proteção ambiental deste recurso. O fim pretendido, portanto, foi alcançado. As entrevistas elucidaram (i) a convergência de entendimento sobre a importância do Projeto de Proteção Ambiental e Desenvolvimento Sustentável do Sistema Aquífero Guarani, que, de 2002 a 2009, construiu conhecimento e desmistificou tecnicamente o Aquífero; (ii) a pluralidade de visões institucionais sobre as expectativas de efeitos e materialização do Acordo Sobre o Aquífero Guarani no Brasil; (iii) a potência e absoluta necessidade de continuação de construção de conhecimento técnico e jurídico, como a grande alavanca de transformação da nossa relação com a água.

There is a subterranean world of water that spans borders and state boundaries. Under Brazilian soil lives one of the largest transboundary aquifers in the world, the Guarani Aquifer. Twothirds of this system is in Brazil, and the remainder is divided between Argentina, Uruguay and Paraguay. Given the environmental, geopolitical and economic importance of the Guarani Aquifer, in an unprecedented act of cooperation for the regulation of groundwater in South America, the four countries signed, in 2010, the Guarani Aquifer System Agreement (SAG). What are the effects of this agreement on the management of the Guarani Aquifer's transboundary underground? The scenario revealed is that of an agreement which, on the 10th anniversary of its birth, has not yet entered into force. It has not even been ratified by Brazil. The purpose of this paper is to elucidate the life of the agreement, from its negotiations in 2003, its signature in 2010, its approval by the Brazilian Senate in 2017 through to the understanding of its significance and expectations of its effect in 2019. To this end, the methodology used was mainly based on semi-structured interviews as a means of accessing the perspectives of the social agents involved in the field of analysis. The starting hypothesis of this research was that the Agreement would not have had effects on the groundwater management of the Guarani Aquifer in Brazil. Through the lenses of the people interviewed, it was established that the Guarani Aquifer Agreement is initially the result of international rather than environmental policy issues: it is an instrument for defending the sovereignty of the four countries over the Guarani Aquifer, more than an instrument for the environmental protection of this resource. The interviews elucidated (i) the convergence of understanding about the importance of the Guarani Aquifer System Environmental Protection and Sustainable Development Project, which, from 2002 to 2009, built knowledge and technically demystified the Aquifer; (iii) the plurality of institutional views on the expected effects and materialization of the Guarani Aquifer Agreement in Brazil; (iv) the power and absolute need to continue building technical and legal knowledge, as a powerful mechanism for transforming our relationship with water