Narrativas de vidas alagadas : implicações da saúde mental coletiva em tempos de desastre climático

Abstract

Neste texto narrativo pretende-se transcrever memórias, imagens e afetos vivenciados a partir do lugar de psicóloga, residente do programa de Saúde Mental Coletiva da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), inserida no contexto das enchentes que atingiram Porto Alegre e o estado do Rio Grande do Sul, em abril/maio de 2024. A narrativa visa transmitir a experiência vivida no trabalho de acompanhante terapêutica realizado com uma usuária de saúde mental e família em alojamentos temporários de refugiados climáticos. Esta pesquisa peripatética se apoiou no método cartográfico para percorrer as paisagens afetivas, os fluxos e territórios existenciais do campo da saúde mental e coletiva e da própria usuária acompanhada. No decorrer da narrativa é problematizada a Rede de Atenção Psicossocial portoalegrense e suas práticas, muitas vezes, manicomiais neste período de enchente, o que mostrou o quanto o Estado não está investindo política e economicamente no campo da saúde mental e coletiva. O objetivo primordial do texto foi refletir sobre os manicômios mentais que ainda habitam os sujeitos e a sociedade e o discurso da saúde como produtor de processos de homogeneização, fragmentação, higienização, exclusão e silenciamento de determinados sujeitos. Observou-se, neste trabalho, que em momentos de inundação de uma cidade, as políticas públicas e os modos de agir do Estado podem contribuir para o aprisionamento das diferenças e o adestramento de determinados corpos, entre eles, o do louco, promovendo políticas públicas enquanto instituições totais que pouco escutam as singularidades.