Aprendendo com a população de rua : os processos comunicacionais do Boca de Rua e possíveis contribuições às teorias da comunicação

Abstract

Esta pesquisa investiga os saberes comunicacionais que emergem das práticas do Jornal Boca de Rua, projeto que, há um quarto de século, é feito por um grupo de pessoas em situação de rua em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil, em parceria com a Alice (Agência Livre para Informação, Cidadania e Educação). Desde a definição de pautas até a escrita das reportagens e a venda dos exemplares nas ruas, todas as etapas envolvem as pessoas em situação de rua, conferindo ao Boca de Rua uma singularidade que justifica este estudo. Assim, o objetivo principal da pesquisa será compreender como os saberes comunicacionais oriundos desta experiência são formados e de que maneira podem contribuir para o campo da comunicação. Para tanto, a pesquisa adotou uma abordagem etnográfica, fundamentada em observações-participante, combinada com entrevistas em profundidade e análise documental, visando capturar as rotinas e as percepções dos jornalistas do Boca de Rua sobre a comunicação que produzem. A pesquisa identificou dez "zonas de intensidade" que estruturam o funcionamento do Boca de Rua, revelando que a comunicação no projeto vai além do jornalismo produzido. Há, de fato, o desejo de superar um silenciamento socialmente imposto, mas, de maneira mais profunda, a comunicação também se encontra nos processos que possibilitam essa superação: relatos em roda, espaços coletivos de fala e escuta, processos de escrita baseados na oralidade, entre outros. O que o Boca de Rua evidencia é uma comunicação que está não só no produto (um jornal), mas nas forças que animam mudanças e que ressignificam o "morar na rua", reorganizando espaços públicos e papéis sociais. Daí, a pesquisa avançou para uma reflexão teórica, propondo um diálogo entre os saberes comunicacionais do Boca de Rua e perspectivas da Semiótica da Cultura e da bio e da neurosemiótica que entendem, similarmente, a comunicação como um processo dinâmico e catalisador de mudanças. Essa interação resultou na formulação do sistema conceitual da "comunicação de-formativa", proposta que compreende a comunicação como gesto de diferenciação, para além do diálogo entre diferenças já constituídas. Gesto de encruzilhada, a comunicação de-formativa refere-se à produção de novos e inesperados atravessamentos culturais, à excitação de processos tradutórios e à ampliação das possibilidades de combinação entre linguagens distintas, de onde emergem novas formas de se dar sentido (semiotizar) o mundo e as coisas.

Esta investigación explora los saberes comunicacionales que emergen de las prácticas del Jornal Boca de Rua, proyecto realizado desde hace un cuarto de siglo por un grupo de personas sin hogar en Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil, en colaboración con Alice (Agencia Libre de Información, Ciudadanía y Educación). Desde la definición de las pautas hasta la redacción de las reportajes y la venta de los ejemplares en las calles, todas las etapas involucran a las personas sin hogar, lo que confiere al Boca de Rua una singularidad que justifica este estudio. El objetivo principal de la investigación es comprender cómo se forman los saberes comunicacionales derivados de esta experiencia y cómo pueden contribuir al campo de la comunicación. Para ello, se adopta un enfoque etnográfico, basado en observación participante, combinado con entrevistas en profundidad y análisis documental, con el fin de captar las rutinas y percepciones de los periodistas del Boca de Rua sobre la comunicación que producen. La investigación identifica diez "zonas de intensidad" que estructuran el funcionamiento del Boca de Rua, revelando que la comunicación en el proyecto va más allá del periodismo producido. De hecho, hay un deseo de superar un silenciamiento socialmente impuesto, pero, de manera más profunda, la comunicación también se encuentra en los procesos que permiten esta superación: relatos en círculo, espacios colectivos de habla y escucha, y procesos de escritura basados en la oralidad, entre otros. Lo que Boca de Rua evidencia es una comunicación que no solo está en el producto (un periódico), sino en las fuerzas que animan cambios y que resignifican el "vivir en la calle", reorganizando espacios públicos y roles sociales. De ahí, la investigación avanza hacia una reflexión teórica, proponiendo un diálogo entre los saberes comunicacionales del Boca de Rua y perspectivas de la Semiótica de la Cultura, así como de la bio y neurosemiótica, que entienden, de manera similar, la comunicación como un proceso dinámico y catalizador de cambios. Esta interacción resultó en la formulación del sistema conceptual de la "comunicación de formativa", propuesta que comprende la comunicación como un gesto de diferenciación, más allá del diálogo entre diferencias ya constituidas. Como gesto de encrucijada, la comunicación de-formativa hace referencia a la producción de nuevos e inesperados cruces culturales, a la excitación de procesos traductores y a la ampliación de las posibilidades de combinación entre lenguajes distintos, de donde emergen nuevas formas de dar sentido (semotizar) al mundo y a las cosas.

This research investigates the communicational knowledge that emerges from the practices of Jornal Boca de Rua, a project that, for a quarter of a century, has been carried out by a group of homeless people in Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brazil, in partnership with Alice (Agency for Free Information, Citizenship and Education). From defining the topics to writing the reports and selling the copies on the streets, all stages involve homeless people, giving Boca de Rua a uniqueness that justifies this study. The main objective of the research is to understand how the communicational knowledge arising from this experience is formed and how it can contribute to our field of study. The research adopted an ethnographic approach, based on participant observation, combined with in-depth interviews and document analysis, aiming to capture the routines and perceptions of Boca de Rua journalists regarding the communication they produce. The research identified ten "zones of intensity" that structure the operation of Boca de Rua, revealing that communication in the project goes beyond the journalism produced. Indeed, there is a desire to overcome a socially imposed silencing, but more profoundly, communication is also found in the processes that enable this overcoming: storytelling in circles, collective spaces for speaking and listening, and writing processes based on orality, among others. What Boca de Rua demonstrates is that communication is not only in a product (a newspaper), but in the forces that drive change and reframe the experience of "living on the streets", reorganizing public spaces and social roles. Thus, the research advanced into a theoretical reflection, proposing a dialogue between the communicational knowledge of Boca de Rua and perspectives from the Semiotics of Culture and from bio and neurosemiotics, which similarly understand communication as a dynamic process and a catalyst for change. This interaction resulted in the formulation of the conceptual system of "de-formative communication", a proposal that views communication as a gesture of differentiation, more than a dialogue between already established differences. De-formative communication refers to the production of new and unexpected cultural crossings, the stimulation of translational processes, and the expansion of the possibilities for combining different languages, from which new ways of making sense (semiotizing) the world emerge.