Fama, traição e crimes sexuais em domínios angevinos (séculos XIII e XIV)

Abstract

Esta dissertação se insere nos estudos sobre direitos e crimes no período medieval. O objeto é o julgamento do conde Adenolfo IV de Acerra e o divórcio de Tamara e Filipe de Tarento. O recorte espacial é o Reino de Sicília-Nápoles e o recorte cronológico é o final do século XIII e início do século XIV. Busco entender como a dinastia reinante, os angevinos, utilizou os processos judiciais com objetivos políticos a partir da instrumentalização da fama. Para tanto, parto da seguinte pergunta: a fama é uma categoria útil para analisar o exercício de poder dos reis angevinos? Faço uso de cartas editadas nos Registros da Chancelaria Angevina (RCA), a coleção de cartas intitulada Atos do Principado da Moreia, o processo de 1286, localizado nos Archives Départementales du Pas-de-Calais, e as crônicas Historia Ecclesiastica, de Bartolomeu de Lucca, Chronica Astensia, de Ogerio Alferio e Guilielmo Ventura, Crônica da Moreia, de autoria anônima, e a Chronique Latine, de Guilherme de Nangis. Entendo essa documentação a partir da categoria de comunicações políticas e as analiso através da noção de lance de John Pocock. O lance pode ser caracterizado como um “uso da linguagem”, um ato de fala, uma manobra tática e linguística. Concluí que, a partir do desenvolvimento de um discurso que engloba a figura do monarca na ideia de princeps, aliado à construção paralela de um modelo inquisitorial de exercício da justiça, sodomia, traição e adultério, passam a ser entendidos não apenas como transgressões, mas sim verdadeiros ataques à ordem estabelecida, que tem como seu representante maior a figura do monarca. Dessa forma, a partir da mobilização de atos considerados como parte da categoria do nefandum, os angevinos buscaram cumprir objetivos políticos com as condenações: encontrar culpados por derrotas militares, fortalecer a autoridade em momentos de crise, expropriar territórios com objetivos expansionistas e se livrar de alianças que não traziam mais ganhos.

This dissertation is part of studies on rights and crimes in the medieval period. The subject is the trial of Count Adenolf IV of Acerra and the divorce of Tamara and Philip of Tarento. The spatial cut-off point is the Kingdom of Sicily-Naples and the chronological cut-off point is the end of the 13th century and the beginning of the 14th century. I'm trying to understand how the reigning dynasty, the Angevins, used legal proceedings for political purposes, based on the instrumentalization of fama. To do this, I start with the following question: is fama a useful category for analyzing the exercise of power by the Angevin kings? I use letters published in the Records of the Angevin Chancellery (RCA), the collection of letters entitled Acts of the Principality of Morea, the 1286 process located in the Archives Départementales du Pas-de Calais, and the chronicles Historia Ecclesiastica, by Ptolemy of Lucca, Chronica Astensia, by Ogerio Alferio and Guilielmo Ventura, Chronicle of Morea, by anonymous authors, and Chronique Latine, by Guilherme de Nangis. I understand these documents using the category of political communications and analyze them through John Pocock's notion of lance. The lance can be characterized as a “use of language”, an act of speech, a tactical and linguistic manoeuvre. I concluded that, with the development of a discourse that encompasses the figure of the monarch in the idea of the princeps, allied to the parallel construction of an inquisitorial model for the exercise of justice, sodomy, treason and adultery come to be understood not just as transgressions, but as real attacks on the established order, whose greatest representative is the figure of the monarch.