Jornalistas metrificados e a plataformização do jornalismo

Abstract

A sociedade contemporânea está imersa em um amplo processo de plataformização (VAN DIJCK; POELL; DE WALL, 2018) e dataficação (VAN DIJCK, 2014). E o jornalismo digital, área de concentração desta tese, deve ser pensado dentro deste contexto, tendo em vista que o uso intenso de dados vem impactando a natureza e a forma dos produtos jornalísticos. Nesse sentido, há pouco mais de uma década, o uso de softwares para medir o comportamento dos leitores em sites de jornais tem transformado o significado e as práticas do jornalismo. A popularização dessas ferramentas, acessadas por meio de programas como Chartbeat e Google Analytics, modifica fluxos, altera rotinas e aciona questionamentos sobre valores fundamentais do jornalismo, como decidir o que é notícia e o que merece ser destacado. A partir dessa problemática, esta tese investiga a percepção dos jornalistas sobre as métricas de audiência e sua influência nas rotinas de produção e nos valores jornalísticos. Para responder aos objetivos propostos, além da revisão bibliográfica, foi adotada a combinação de dois métodos: a entrevista de tipo qualitativa semiestruturada e a análise de conteúdo. O corpus da pesquisa é composto por 12 entrevistas semiestruturadas com profissionais que atuam ou tenham trabalhado nas redações digitais de Folha de S.Paulo, O Estado de S. Paulo, O Globo e Zero Hora/GaúchaZH. Os resultados apontam para a existência de um “jornalista metrificado”, profissional que monitora de forma instantânea, incessante e rotineira o comportamento da audiência e, a partir disso, mobiliza esforços de reportagem e edição para alcançar o maior número possível de leitores. Esses índices de audiência alteram critérios, caso da pauta, edição e reportagem, e valores-notícias são ressignificados. Ainda, há uma transferência de responsabilidades, com o jornalista se corresponsabilizando pelo sucesso ou fracasso comercial do veículo. O profissional, à procura de seguir e superar metas, coloca-se como “empreendedor de si” (DARDOT; LAVAL, 2016), competindo dentro do próprio ambiente da redação e consigo mesmo. Além do impacto emocional, tanto de sofrimento como de satisfação, valores do jornalismo e dos jornalistas são alterados, gerando conflitos, relações de trabalho degeneradas e alteração na percepção do profissional em relação a si próprio.

Contemporary society is immersed in an extensive platformisation (VAN DIJCK; POELL; DE WALL, 2018) and datafication process (VAN DIJCK, 2014). And digital journalism, the focus of this thesis, must be regarded within this context, considering that the intense use of data has been impacting the nature and form of journalistic products. In this sense, for just over a decade, the use of software to measure reader behavior on newspaper websites has transformed the meaning and practices of journalism. The popularization of these tools, accessed via programs such as Chartbeat and Google Analytics, modifies flows, alters routines and triggers questions about the fundamental values of journalism, such as deciding what is news and what deserves to be highlighted. Based on this issue, this thesis investigates journalists' perception of audience metrics and their influence on production routines and journalistic values. To meet the proposed goals, in addition to the literature review, a combination of two methods was adopted: semi-structured qualitative interviews and content analysis. The corpus of the research consists of 12 semi-structured interviews with professionals who work or have worked in the digital newsrooms of the Folha de S.Paulo, O Estado de S. Paulo, O Globo and Zero Hora/GaúchaZH newspapers. The results point to the existence of a “metrified journalist”, a professional who instantly, ceaselessly, and routinely monitors the behavior of the audience and based on that, mobilizes reporting and editing efforts to reach the largest possible number of readers. These ratings change criteria, such as assignments, editing and reporting, and news values are re-signified. Furthermore, there is a transfer of responsibilities, with the journalist taking co-responsibility for the commercial success or failure of the news vehicle. The professional, looking to follow and fulfill goals, positions himself as a “entrepreneurial self” (DARDOT; LAVAL, 2016), competing within the newsroom environment and with himself. In addition to the emotional impact that arises from both suffering and satisfaction, the values of journalism and of journalists are changed, generating conflicts, degenerate work relationships and changes in the professional's self-perception.