Trabalhar na assistência social : experiências por entre violências de estado, ofício e testemunho

Abstract

Esta tese aborda os temas Trabalho, Assistência Social e Violência de Estado, por meio das experiências de trabalhadoras ao se verem convocadas a servir como operadoras de um Estado de extermínio. Com base no conceito de Necropolítica, de Achille Mbembe – e suas indagações por Berenice Bento, que apresenta como proposta o conceito de Necrobiopolítica –, este estudo se desenvolve nos resquícios de uma história brasileira engendrada a partir da colonização e da escravização, ou seja, uma história que se construiu na relação entre violência, morte e trabalho. Na criação de meio para se dizer, os diários de campo e a oferta de sonho são disparadores da pesquisa para a construção de um campo de experimentação que objetivou, através de encontros com as trabalhadoras de um Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e de um Centro de Referência Especializada de Assistência Social (CREAS), entender as peculiaridades de um ofício a ser gerido em meio às políticas de morte. Trata-se de pensar a dimensão clínica e ética frente à condição limite de um trabalho operado em contexto atravessado pelas políticas de morte no presente, perspectiva que nos permitiu revisitar e propor um novo significado para o conceito de Trabalho Sujo. Nesse sentido, dedicamo-nos à discussão do traumático e do testemunho, que remetem às problemáticas da Clínica do Testemunho e que aqui adquirem nuances particulares em suas especificidades quando da análise da experiência pelo trabalho, questão que ganha centralidade na tese. O testemunho é apresentado como criação de meio para a ação pelas trabalhadoras, visto que as violências de Estado buscam romper o coletivo de trabalho, condição para fazer viver o ofício, que, por sua vez, é condição para a saúde das trabalhadoras. Uma vez que entendemos o traumático, nesta tese, do ponto de vista do ofício, ao considerarmos que o trauma está na sua própria história, propomos a (repar)ação como emergente do meio, como ato contínuo, através do qual o traumático possa se tornar criação de novos possíveis para a existência.

This dissertation addresses the themes of Work, Social Assistance, and State Violence through the experiences of female workers called upon to act as operators of a State extermination. Grounded in Achille Mbembe’s concept of Necropolitics – and its elaboration by Berenice Bento, who proposes the concept of Necrobiopolitics –, this study delves into the remnants of Brazilian history, shaped by colonization and slavery – a history constructed through the interplay of violence, death, and labor. To create a means for articulation, field diaries and the offering of dreams served as research triggers, fostering the construction of an experimental field aimed at understanding the particularities of a profession managed amidst death policies, through encounters with workers from a Social Assistance Reference Center (CRAS) and a Specialized Social Assistance Reference Center (CREAS). The study examines the clinical and ethical dimensions of labor under extreme conditions shaped by contemporary death policies, enabling a re-examination and re-signification of the concept of Dirty Work. Accordingly, the dissertation focuses on the traumatic and the testimonial, exploring their relevance to the problems of Clínica do Testemunho, which here assumes specific nuances when analyzed through the lens of labor experiences. Testimony emerges as a means of action and creation for the workers, considering that state violence seeks to fracture the collective work environment – a necessary condition for sustaining the profession, which in turn is essential for workers’ well-being. Trauma, in this dissertation, is approached from the perspective of the profession, positing that the trauma resides within its history. Consequently, reparation is proposed as an emergent process within the professional milieu – a continuous act through which the traumatic may give rise to the creation of new possibilities for existence.