Saúde, ciência e controvérsias : quando a palavra se faz cloroquina

Abstract

Esta pesquisa analisa a controvérsia sociocientífica em torno do uso da cloroquina como tratamento para a COVID-19 no Brasil, durante o período pandêmico. O estudo parte da premissa de que o medicamento extrapolou seu valor terapêutico, assumindo uma função simbólica, política e cultural no debate público. A partir de uma abordagem interdisciplinar, fundamentada na Análise de Discurso, o trabalho identifica os sentidos em disputa e os agentes envolvidos na construção do imaginário social sobre a cloroquina. Foram analisadas 88 fontes documentais públicas e cerca de 3856 contribuições da consulta pública da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC). Os resultados revelam que a cloroquina constituiu-se como signo, como materialidade simbólica e política, atravessada por relações de poder, pela economia e pela própria constituição histórica da saúde e da ciência no Brasil. A controvérsia evidenciou disputas de autoridade entre saberes técnico-científicos e crenças populares, além de ter reforçado a medicalização da vida e o uso simbólico dos medicamentos. Conclui-se que o episódio analisado expressa os limites da racionalidade biomédica e aponta a necessidade de incorporar dimensões culturais, e subjetivas nas políticas públicas de saúde e na assistência farmacêutica. A cloroquina e hidroxicloroquina, nesse contexto, são compreendidas como objetos simbólicos, cujo mecanismo operou mais intensamente do que a lógica farmacológica.

This research analyzes the socio-scientific issues surrounding the use of chloroquine as a treatment for COVID-19 in Brazil during the pandemic period. The study is based on the premise that the medication went beyond its therapeutic value, taking on a symbolic, political, and cultural role in public debate. Drawing on an interdisciplinary approach grounded in discourse analysis, this work identifies the contested meanings and the actors involved in shaping the social imaginary surrounding chloroquine. A total of 88 public documentary sources and approximately 3856 contributions from CONITEC’s public consultation were examined. The findings reveal that chloroquine was constituted as a sign—a symbolic and political materiality—traversed by power relations, the economy, and the historical constitution of health and science in Brazil. The controversy highlighted disputes of authority between technical-scientific knowledge and popular beliefs, while also reinforcing the medicalization of life and the symbolic use of medications. The study concludes that the analyzed episode exposes the limits of biomedical rationality and underscores the need to incorporate cultural and subjective dimensions into public health policies and pharmaceutical care. In this context, chloroquine is understood as a symbolic object whose operative mechanism was more powerful than its pharmacological logic.