Epidemiologia de bactérias com fenótipo de resistência antimicrobiana prioritários da OMS em infecções de corrente sanguínea relacionadas à assistência à saúde em hospitais no Brasil

Abstract

Base teórica: A resistência antimicrobiana (RAM) é considerada uma das 10 ameaças globais à saúde pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Estima-se que cerca de 1,27 milhões de mortes em 2019 foram atribuídas à RAM e 4,95 milhões de mortes foram associadas ao desfecho, considerando todas as regiões do mundo. Os principais microrganismos responsáveis por esta alta mortalidade compõem a Lista de Patógenos com fenótipo de resistência Prioritários da OMS: Acinetobacter baumannii resistente aos carbapenêmicos (em inglês, carbapenem-resistant Acinetobacter baumannii - CRAB) e Enterobacterales resistentes aos carbapenêmicos (carbapenem-resistant Enterobacterales - CRE) no grupo de prioridade crítica, e Pseudomonas aeruginosa resistente aos carbapenêmicos (carbapenem-resistant Pseudomonas aeruginosa - CRPA), Staphylococcus aureus resistente à meticilina (methicillin-resistant Staphylococcus aureus - MRSA) e Enterococcus faecium resistente à vancomicina (vancomycin-resistant Enterococcus faecium - VRE) no grupo de prioridade alta. A RAM associada às Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde (IRAS) potencializa o impacto na saúde pública global, particularmente as infecções de corrente sanguínea (ICS). Nas Américas, as ICS foram responsáveis pela segunda maior carga de mortalidade, com 169.000 mortes estimadas como associadas à RAM em 2019. Apesar da gravidade dos dados estimados, estudos contemporâneos que descrevam a prevalência, incidência e mortalidade das IRAS associadas à RAM na América Latina são escassos. Objetivo: Avaliar a ocorrência no Brasil de patógenos classificados como prioritários pela Organização Mundial de Saúde (em inglês, WHO priority antimicrobial resistance phenotype ou WPAP), Enterobacterales, complexo A. baumannii e P. aeruginosa resistentes aos carbapenêmicos, S. aureus resistente à meticilina e E. faecium resistente à vancomicina, em ICSs em pacientes admitidos em hospitais brasileiros, assim como a mortalidade associada, e caracterizar o perfil clonal e genes de resistência de uma amostragem dos patógenos. Métodos: Estudo observacional multicêntrico prospectivo de coorte. Foram incluídos pacientes adultos hospitalizados em instituições de saúde brasileiras, que apresentaram hemoculturas positivas para as bactérias de interesse (Enterobacterales, complexo A. baumannii, P. aeruginosa, S. aureus e E. faecium) independente do seu perfil de suscetibilidade aos antimicrobianos, em 48h ou mais após a internação. A duração da internação hospitalar antes da hemocultura positiva, a admissão em unidade de terapia intensiva (UTI) no episódio de ICS e o desfecho clínico em 28 dias após o episódio de ICS foram recuperados dos prontuários médicos eletrônicos. Isolados de WPAP obtidos dos pacientes foram enviados a um laboratório central para a reidentificação por Espectrometria de Massa de Tempo de Voo de Ionização/Dessorção a Laser Assistida por Matriz (MALDI-ToF-MS), avaliação de genes de carbapenemase por reação em cadeia da polimerase quantitativa (qPCR) seguida por avaliação da temperatura de melting de alta resolução (HRM) e determinação de concentrações inibitórias mínimas (CIMs) de diversos antimicrobianos. Para os trabalhos que compõem esta tese, foi realizado o sequenciamento do genoma completo nos isolados de MRSA. Resultados: Entre 15 de agosto de 2022 e 14 de agosto de 2023, 1114 pacientes apresentaram 1220 episódios de ICSs, o que resultou na obtenção de 1350 isolados de bactérias de interesse. Onze hospitais recrutaram pacientes por 6 meses, dois por 5 meses e um por 3 meses. Dentre todas as bactérias de interesse, as espécies da ordem Enterobacterales foram os isolados mais frequentes (763; 56,5%), seguidos por S. aureus (255; 18,9%), complexo A. baumannii (147; 10,9%), P. aeruginosa (120; 8,9%) e E. faecium (65; 4,8%). Em UTIs, A. baumannii foi mais frequente que S. aureus. K. pneumoniae (73,8%) foi a espécie de Enterobacterales mais comum. Dos 1350 isolados de bactérias de interesse, um total de 524 (38,8%) eram bactérias WPAP. As bactérias CRE foram as bactérias WPAP com maior frequência entre todos os isolados, seguidas por CRAB, MRSA, VRE e CRPA, com ordem semelhante nos isolados de UTI e não UTI. O complexo Klebsiella pneumoniae resistente a carbapenêmicos (carbapenem-resistant K. pneumoniae -CRKP) foi a espécie mais comum (73,8%) entre os isolados CRE. A densidade de incidência de bactérias de interesse em ICS foi de 1,91/1000 pacientes-dia (IC 95% 1,81-2,02): 5,80 (IC 95% 5,27-6,37) e 1,38/1000 pacientes-dia (IC 95% 1,28-1,48) em pacientes de UTI e não-UTI, respectivamente. A densidade de incidência dos isolados WPAP foi de 0,77/1000 pacientes-dia (IC 95% 0,70–0,84), sendo de 3,11/1000 pacientes-dia (IC 95% 2,72–3,53) e de 0,45/1000 pacientes-dia (IC 95% 0,39–0,51) in UTI e não-UTI, respectivamente. Um total de 331 (33,1%) pacientes morreram em 28 dias: 154 (40,5%) de 380 e 177 (28,5%) de 621 daqueles com ICSs por WPAP e não-WPAP, respectivamente, (hazard ratio de 1,36 (IC 95% 1.09–1.69; p=0,007). Dos 524 isolados WPAP, 399 foram enviados ao laboratório central para avaliação, dos quais 197 (49,4%) CRE, 101 (25,3%) CRAB, 52 (13,0%) MRSA, 25 (6,3%) VRE e 24 (6,0%) CRPA. Entres as CRE, 194 (98,5%) apresentavam ao menos um gene de carbapenemase, blaKPC (125/194, 64,4%), blaNDM (55/194, 28,4%), ou ambos blaKPC mais blaNDM (14/194, 7,2%). Dos 101 isolados de CRAB, 84 (83,2%) foram positivos apenas para blaOXA-23, e 16 (66,7%) dos 24 isolados de PARC foram positivos para distintas carbapenemases. Quarenta e sete isolados de MRSA foram submetidos ao sequenciamento do genoma completo e o complexo clonal (CC) mais frequente foi 5 (n = 34, 72,3%), com predomínio das sequence types (ST) 105 (19/34; 55,9%) e 5 (6/34; 17,6%), seguidos por isolados ST8 (9/11; 81,8%) pertencentes ao CC8. Conclusão: Uma alta frequência de bactérias WPAP, particularmente K. pneumoniae resistente aos carbapenêmicos e CRAB, foi encontrada em ICS associadas à assistência à saúde no Brasil, destacando-as como um grande problema de saúde pública no país, que precisa ser manejado. Adicionalmente, o estudo contribuiu para uma compreensão atualizada do perfil epidemiológico do MRSA associado a IRAS no Brasil, visto que suas características moleculares mutáveis representam um grande desafio para as práticas clínicas e de controle de infecções.

Background: Antimicrobial resistance (AMR) is considered one of the top ten global health threats by the World Health Organization (WHO). It is estimated that approximately 1.27 million deaths in 2019 were directly attributable to AMR, with an additional 4.95 million deaths associated with AMR-related complications worldwide. The leading microorganisms responsible for this high mortality are listed in the WHO Priority Pathogens List with resistance phenotypes: carbapenem-resistant Acinetobacter baumannii complex (CRAB) and carbapenem-resistant Enterobacterales (CRE) categorized as critical priority pathogens, and carbapenem-resistant Pseudomonas aeruginosa (CRPA), methicillin-resistant Staphylococcus aureus (MRSA), and vancomycin-resistant Enterococcus faecium (VRE) categorized as high priority pathogens. AMR associated with healthcare-associated infections (HAIs), particularly bloodstream infections (BSIs), significantly amplifies the burden on global public health. In the Americas, BSIs were the second-leading cause of AMR-associated mortality, with an estimated 169,000 deaths in 2019. Despite the severity of these figures, contemporary studies describing the prevalence, incidence, and mortality of AMR-related HAIs in Latin America remain scarce. Objective: To assess the occurrence in Brazil of pathogens classified as WHO priority antimicrobial resistance phenotypes (WPAP) — namely, carbapenem-resistant Enterobacterales, A. baumannii complex, and P. aeruginosa, methicillin-resistant S. aureus and vancomycin-resistant E. faecium—in BSIs among patients admitted to Brazilian hospitals, as well as to evaluate associated mortality. Additionally, to characterize the clonal profiles and resistance genes of a subset of these pathogens. Methods: This was a prospective, multicentre observational cohort study. Hospitalized adult patients in Brazilian healthcare institutions were included if they had positive blood cultures for the target bacteria (Enterobacterales, A. baumannii complex, P. aeruginosa, S. aureus, and E. faecium), regardless of antimicrobial susceptibility profile, collected ≥48 hours after hospital admission. Data on the duration of hospital stay prior to positive blood culture, ICU admission during the BSI episode, and 28-day clinical outcomes were retrieved from electronic medical records. WPAP isolates were sent to a central laboratory for confirmation via Matrix-Assisted Laser Desorption/Ionization Time-of-Flight Mass Spectrometry (MALDI-ToF-MS), detection of carbapenemase genes via quantitative polymerase chain reaction (qPCR) with high-resolution melting (HRM) curve analysis, and determination of minimum inhibitory concentrations (MICs) for various antimicrobials. Whole-genome sequencing was performed on MRSA isolates included in this thesis. Results: Between August 15, 2022, and August 14, 2023, 1,114 patients experienced 1,220 episodes of BSI, yielding 1,350 bacterial isolates of interest. Eleven hospitals participated for six months, two for five months, and one for three months. Among the isolates, Enterobacterales were most frequent (763; 56.5%), followed by S. aureus (255; 18.9%), A. baumannii complex (147; 10.9%), P. aeruginosa (120; 8.9%), and E. faecium (65; 4.8%). In ICUs, A. baumannii was more common than S. aureus. Klebsiella pneumoniae accounted for 73.8% of Enterobacterales isolates. CRE bacteria were the most frequently occurring WPAP bacteria among all isolates, followed by CRAB, MRSA, VRE, and CRPA, with similar order in ICU and non-ICU isolates. Carbapenem-resistant Klebsiella pneumoniae complex (CRKP) was the most common species (73.8%) among CRE isolates. The incidence density of target bacterial BSIs was 1.91 per 1,000 patient-days (95% CI 1.81–2.02): 5.80 (95% CI 5.27–6.37) in ICU patients and 1.38 (95% CI 1.28–1.48) in non-ICU patients. The incidence density of WPAP isolates was 0.77 per 1,000 patient-days (95% CI 0.70–0.84), with 3.11 (95% CI 2.72–3.53) in ICU and 0.45 (95% CI 0.39–0.51) in non-ICU settings. A total of 331 patients (33.1%) died within 28 days: 154 (40.5%) of 380 patients with WPAP-BSI and 177 (28.5%) of 621 with non-WPAP-BSI, yielding a hazard ratio of 1.36 (95% CI 1.09–1.69; p = 0.007). Of 524 WPAP isolates, 399 were sent to the central laboratory: 197 (49.4%) CRE, 101 (25.3%) CRAB, 52 (13.0%) MRSA, 25 (6.3%) VRE, and 24 (6.0%) CRPA. Among CRE, 194 (98.5%) harbored at least one carbapenemase gene: blaKPC (125/194, 64.4%), blaNDM (55/194, 28.4%), or both blaKPC and blaNDM (14/194, 7.2%). Among the 101 CRAB isolates, 84 (83.2%) were positive only for blaOXA-23. Of the 24 CRPA isolates, 16 (66.7%) were positive for various carbapenemase genes. Forty-seven MRSA isolates were subjected to whole genome sequencing and the most frequent clonal complex (CC) was 5 (n = 34, 72.3%), with a predominance of sequence types (ST) 105 (19/34; 55.9%) and 5 (6/34; 17.6%), followed by ST8 isolates (9/11; 81.8%) belonging to CC8. Conclusion: A high frequency of WPAP bacteria—particularly carbapenem-resistant K. pneumoniae and CRAB—was identified in healthcare-associated BSIs in Brazil, underscoring these pathogens as a significant public health concern requiring urgent attention and intervention. Furthermore, the study contributes to an updated understanding of the MRSA epidemiological profile of HA infections in Brazil, as its mutable molecular characteristics represent a major challenge for clinical and infection control practices.