A história que nos contam : socialização política e representações sobre a ditadura militar nos livros didáticos brasileiros

Abstract

Esta tese investiga a persistência de valores autoritários e a nostalgia da ditadura militar no Brasil, apesar de mais de três décadas de regime democrático. A hipótese central é que a forma como a memória social do passado autoritário é abordada no ensino contribui para a constituição de valores autoritários e uma nostalgia da ditadura, especialmente no contexto da representação oficial presente nos livros didáticos de história do Brasil. O estudo se concentra no papel da educação e dos livros didáticos de História do Brasil como instrumentos de socialização política, analisando como a ditadura militar (1964-1985) é retratada no período pós-redemocratização. O objetivo é entender a relação entre cultura política e memória social no contexto brasileiro, especialmente no que tange à formação e manutenção de atitudes políticas autoritárias. O trabalho adota uma abordagem metodológica mista, utilizando análise de conteúdo de livros didáticos e dados quantitativos do World Values Survey para identificar tendências na cultura política brasileira. A análise se concentra em três dimensões: a natureza do regime, a representação dos militares e a dimensão econômica do regime. Um achado notável é a evolução na representação do golpe de 1964 e do regime militar em livros didáticos: termos como "golpe" e "ditadura militar" substituem gradualmente descrições mais neutras ou eufemísticas, refletindo uma narrativa histórica mais crítica. Além disso, observa-se uma mudança da abordagem individualizada dos presidentes militares para uma perspectiva coletiva, focando no conjunto dos militares no poder. Paralelamente, a crítica ao desenvolvimento econômico durante a ditadura foi sendo relativizada, com livros didáticos mais recentes retratando aspectos positivos da gestão econômica do regime. O estudo conclui que a forma como a ditadura militar é representada nos livros didáticos de História do Brasil tem implicações significativas para a cultura política do país. Esta representação, que tanto pode perpetuar quanto desafiar os legados autoritários, influenciando as atitudes e percepções dos estudantes em relação à democracia e ao autoritarismo, ainda é marcada por consideráveis continuidades em relação ao passado autoritário. A pesquisa contribui para uma compreensão mais profunda de como a educação histórica nos livros didáticos configura a consciência política e histórica dos estudantes, afetando suas percepções do passado e suas atitudes no presente.

This thesis investigates the persistence of authoritarian values and nostalgia for the military dictatorship in Brazil, despite over three decades of democratic rule. The central hypothesis is that the way the social memory of the authoritarian past is addressed in education contributes to the formation of authoritarian values and a nostalgia for the dictatorship, especially in the context of the official representation found in Brazilian history textbooks. The study focuses on the role of education and Brazilian History textbooks as instruments of political socialization, analyzing how the military dictatorship (1964-1985) is portrayed in the post-redemocratization period. The goal is to understand the relationship between political culture and social memory in the Brazilian context, particularly concerning the formation and maintenance of authoritarian political attitudes. The work adopts a mixed methodological approach, employing content analysis of textbooks and quantitative data from the World Values Survey to identify trends in Brazilian political culture. The analysis focuses on three dimensions: the nature of the regime, the representation of the military, and the economic dimension of the regime. A noteworthy finding is the evolution in the representation of the 1964 coup and the military regime in textbooks: terms such as "coup" and "military dictatorship" gradually replace more neutral or euphemistic descriptions, reflecting a more critical historical narrative. Additionally, there is a shift from an individualized approach to the military presidents to a collective perspective, focusing on the military as a whole in power. Furthermore, criticism of the economic development during the dictatorship has been softened, with more recent textbooks portraying positive aspects of the regime's economic management. The study concludes that how the military dictatorship is represented in Brazilian History textbooks has significant implications for the country's political culture. This representation, which can either perpetuate or challenge authoritarian legacies, influencing students' attitudes and perceptions towards democracy and authoritarianism, is still marked by considerable continuities of the authoritarian past. The research contributes to a deeper understanding of how historical education in textbooks shapes students' political and historical consciousness, affecting their perceptions of the past and their attitudes in the present.