O romance testemunhal como romance de formação : figurações da violência e da crueldade na obra Memórias de um sobrevivente, de Luiz Alberto Mendes

Abstract

Por que narrar o sofrimento sob a forma de memórias, (auto)biografias ou a partir de outros registros, como o romance? Para além do trabalho de elaboração do sofrimento e da violência, pode-se notar que o testemunho pode fazer parte da construção de sentido a eventos passados, o que não significa a reconstituição virtualmente fidedigna dos eventos, dos participantes (vítimas, perpetradores e testemunhas), dos cenários etc., mas as diferentes formas a partir das quais a violência e o sof rimento são tratados, figurados e significados. A partir desses pressupostos, analisamos o livro Memórias de um sobrevivente, de Luiz Alberto Mendes, no qual é apresentada a “carreira penal” do autor como criminoso. Pretendemos demonstrar que o romance testemunhal, em casos específicos como este, apresenta-se também como espécie de romance de formação: não a formação do indivíduo burguês típico, modelar, consagrado em Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister, de Goethe, mas a formação do indivíduo subalternizado, produto de uma sociedade capitalista periférica marcada por profundas desigualdades, exclusões e toda sorte de violências.

Why narrate suffering in the form of memories, (auto)biographies or f rom other records, such as novels? In addition to the effort to elaborate on suffering and violence, it can be noted that the testimony can be part of the construction of meaning to past events, which does not mean the faithful reconstitution of the events, the participants (victims, perpetrators and witnesses), the scenarios etc., but the different ways in which violence and suffering are treated, figured and signified. Based on these assumptions, we analyzed the book Memórias de um sobrevivente, by Luiz Alberto Mendes, in which the author’s “penal career” as a criminal is presented. We intend to demonstrate that the testimonial novel, in specific cases like this, also presents itself as a kind of Bildungsroman: not as the education of the typical, model bourgeois individual, enshrined in Goethe’s Wilhelm Meister’s Apprenticeship, but the education of the subalternized individual, product of a peripheral capitalist society marked by deep inequalities, exclusions and all kinds of violence.