O brincar, a linguagem e a repetição em crianças pequenas com transtorno de linguagem : reflexões sobre limites e alcances da avaliação instrumental

Abstract

O objetivo deste trabalho foi analisar de modo qualitativo o brincar, a linguagem e a repetição em três crianças com Transtorno de Linguagem que apresentaram comportamentos restritos e gestos repetitivos na avaliação instrumental por meio da Escala Labirinto. Os três casos provêm do estudo realizado por Benfica (2023) que abrangeu diagnóstico diferencial entre transtorno do espectro do autismo (TEA) e transtorno de linguagem (TL). Os instrumentos e procedimentos da pesquisa incluíram a avaliação com a Escala Labirinto, que abrange uma anamnese realizada com o responsável e uma avaliação lúdica realizada com a criança, gravada em vídeo e analisada para atribuição da pontuação e realização do diagnóstico diferencial. Também houve a aplicação do Inventário Dimensional de Avaliação do Desenvolvimento Infantil (IDADI), que avalia marcos evolutivos do desenvolvimento, entre os quais a linguagem, por meio de questionário respondido pelos pais. As crianças que confirmaram atraso na linguagem no IDADI, em conjunto com o diagnóstico de TL efetivado pelo(a) fonoaudiólogo(a) foram incluídas na pesquisa de Benfica (2023). Desta pesquisa, foram selecionados três casos, considerando terem apresentado pontuações distintas na subescala de comportamentos rígidos e gestos repetitivos (CRGR) (1,3 e 4), que tivessem a possibilidade de revisão dos vídeos a fim de debater o modo como se apresentou a repetição e o brincar. Estes foram revistos para análise de aspectos como a aquisição da linguagem por meio da análise dos mecanismos enunciativos, as características do brincar a partir de classificação de Kasari et al. (2021) em conjunto com os resultados da escala Labirinto e no IDADI. Os resultados da análise demonstram que as repetições, visualizadas nas pontuações em CRGR estão mais relacionadas ao atraso no nível da brincadeira, sobretudo no acesso ao nível simbólico e a um repertório menos criativo no brincar (Kasari et al., 2021). As repetições são de natureza distinta do que se vê nos casos de TEA, pois a volta ao brinquedo se relaciona menos à rigidez diante da proposta do outro, e mais à preferência pelo brinquedo de maior interesse, pois não houve recusa ou desregulação diante da troca de brinquedos e, principalmente, inclusão e aceitação do outro na brincadeira. Na linguagem, observou-se que a ocupação de um lugar de enunciação pelas crianças e seu progresso nos mecanismos enunciativos se relaciona tanto com seu potencial para falar ou gesticular como com o modo como são sustentadas no diálogo por seu alocutário. O domínio de marcos linguísticos, medido pelo IDADI, não é diretamente proporcional à evolução nos mecanismos enunciativos, considerando os casos estudados, pois a produção de enunciados mais longos e com menos falhas articulatórias não garante o acesso ao terceiro mecanismo enunciativo.

The objective of this study was to qualitatively analyze play, language, and repetition in three children with Language Disorder who presented restricted behaviors and repetitive gestures in the instrumental assessment using the Labyrinth Scale. The three cases come from the study carried out by Benfica (2023) that covered the differential diagnosis between autism spectrum disorder (ASD) and language impairment (LI). The research instruments and procedures included the assessment with the Labyrinth Scale, which includes an anamnesis carried out with the guardian and a playful assessment carried out with the child, recorded on video and analyzed to assign the score and perform the differential diagnosis. The Dimensional Inventory of Assessment of Child Development (IDADI) was also applied, which assesses developmental milestones, including language, through a questionnaire answered by the parents. Children who confirmed language delay in the IDADI, together with the diagnosis of LI made by the speech therapist, were included in the research by Benfica (2023). From this research, three cases were selected, considering that they presented different scores in the rigid behaviors and repetitive gestures (CRGR) subscale (1, 3 and 4), which had the possibility of reviewing the videos in order to discuss how repetition and play were presented. These were reviewed to analyze aspects such as language acquisition through the analysis of enunciative mechanisms, the characteristics of play based on the classification of Kasari et al. (2021) together with the results of the Labyrinth scale and the IDADI. The results of the analysis demonstrate that repetitions, visualized in the CRGR scores, are more related to the delay in the level of play, especially in accessing the symbolic level and to a less creative repertoire in play (Kasari et al., 2021). Repetitions are of a different nature than what is seen in cases of ASD, since the return to the toy is less related to rigidity in the face of the other's proposal and more to the preference for the toy of greatest interest, since there was no refusal or imbalance in the face of the exchange of toys and, mainly, inclusion and acceptance of the other in the game. In language, it was observed that the occupation of a place of enunciation by children and their progress in the enunciative mechanisms is related both to their potential to speak or gesture and to the way in which they are supported in the dialogue by their addressee. The mastery of linguistic milestones, measured by the IDADI, is not directly proportional to the evolution in the enunciative mechanisms, considering the cases studied, since the production of longer statements with fewer articulatory errors does not guarantee access to the third enunciative mechanism.