Instituto Allotria : ficcionalização documental e autoral na construção de projeções especulativas sobre o presente e o passado

Abstract

A presente tese se constitui como práxis artística e como reflexão acerca dos processos de representação e de apresentação que instauram o Instituto Allotria de Análises e Intervenções Antrópicas Investigativas (IAAIAI). Trata-se de uma instituição científica ficcional apresentada por intermédio de formas documentais e informativas. Ilustração descritiva, ficha de registro, cartografia, comunicação, folheto, questionário, documentário, mostra rememorativa e postal constituem veículos mediante os quais são comunicadas investigações realizadas por pesquisadoras heterônimas vinculadas aos diferentes segmentos estruturais que compõem o IAAIAI. Por intermédio da construção desse corpo poético e da análise dos procedimentos que o instauram – postos em interlocução com práticas artísticas e teóricas referenciais –, formula-se o entendimento de que formas documentais produzem realidades ficcionais que operam como projeções especulativas sobre o presente e sobre o passado. Investiga-se, nesse sentido, de que modo regimes de representação instaurados mediante recursos demonstrativos, informativos, enunciativos, indiciais e protocolares produzem realidades na interface entre fato e ficção. Tal problemática corresponde às três instâncias estruturais desta tese: imaginação, representação e ficcionalização. Tais regimes se inscrevem como pressupostos prospectivos na interface entre arte e ciência: (1) a imaginação opera sobre objetos, memórias, vivências e percepções, significando-os por meio da narração; (2) a representação da realidade se constitui no interior de práticas da visão, social e culturalmente disseminadas, que elaboram regimes do visível inscritos sob formatos documentais por meio do emprego de convenções formais e discursivas; (3) formas documentais empregadas como recursos narrativos instauram fatos e elaboram realidades tanto atuais quanto ficcionais. Por meio da apropriação, do deslocamento e da recontextualização de uma profusão de referências que remontam ao imaginário científico em sentido amplo, elaboram-se ficções de caráter especulativo e contrafactual. Esses construtos – inscritos na interface entre impulso enciclopédico, arquivístico e literário – são elaborados na articulação entre mimese e convenção. Recursos documentais, formas autorais, contextos espaciais e históricos, linguagem e discurso científico são assim ficcionalizados. Tais estratégias situam o corpo poético em questão entre os regimes do documento e da fabulação. Ao elaborarem efeitos-verdade que atuam como vetores de imersão ficcional, elas tensionam o paradigma documental. Em sua dimensão interdisciplinar, o projeto poético simula o formato de um sistema não artístico e elabora cenários alternos para a realidade atual por meio da potencialidade prospectiva da arte, colocando-a em evidência. Em sua condição artefatual, como contraparte da realidade, o IAAIAI se apresenta como uma instância especulativa autolegitimadora e tece comentários sobre a natureza construtiva daquilo que se compreende como fatual. Formas documentais podem, desse modo, ser compreendidas como recursos que intermediam a relação entre realidade e ficção.

This thesis is formulated as an artistic praxis and reflection on the processes of presentation and representation that establish the Allotria Institute for Investigative Analysis and Anthropic Interventions (AIIAAI). The study focuses on a fictional scientific institution that is presented through documentary and informative elements. A team of heteronymous women researchers, linked to different departmental wings of the AIIAAI, carry out and inform their investigations through descriptive illustration, registry entries, cartography, communiqués, leaflets, questionnaires, documentaries, retrospective exhibitions, and postal cards. The construction of this poetic body of work and the procedural analysis that establishes it, alongside artistic practice and theoretical references, demonstrates how documentary forms can produce fictional realities that operate as speculative projections on the past and present. This study is thus an investigation into how these representative modes, established through demonstrative, informative, enunciative, indicative, and protocol-related resources produce realities at the interface of fact and fiction. This line of questioning corresponds to the thesis’s three structural elements: imagination, representation, and fictionalization. These modes are incorporated as the study’s prospective investigatory tools at the interface of art and science: (1) the imagination functions through objects, memories, experiences, and perceptions, granting them meaning through narration; (2) the representation of reality is found through visual practices which, being socially and culturally disseminated, elaborate modes of the visible inscribed in documentary formats through the use of formal and discursive conventions; (3) documentary forms, used as narrative devices, establish facts and develop both current and fictional realities. Speculative and counterfactual narratives are developed through appropriation, displacement, and recontextualization of numerous references that, in the broadest sense, rekindle scientific imagination. These constructs, inscribed at the intersection of encyclopaedic, archival, and literary impulses, are expounded upon through the confluence of mimesis and convention. To this end, documentary resources, authorial forms, spatial and historical contexts, language, and scientific discourse are fictionalized. These strategies place the given poetic body between the modes of documentation and fabulation. The effect of these illusory truths, which act as vectors of fictional immersion, is to create tension in the documentary paradigm. This poetic project, in its interdisciplinary dimension, simulates the format of a non-artistic system and develops alternate scenarios to our present reality through the prospective potential of art, placing it centre stage. In its artefactual form, as a counterpart to reality, AIIAAI represents a self-validating, speculative undertaking that comments on the constructive nature of what can be understood as factual. Documentary forms can thus be understood as resourced that mediate the relationship between reality and fiction.