A iconologia de Atalanta : heroísmo e gênero na cerâmica ática (séculos VI-IV A.E.C.)

Abstract

A presente dissertação trata da iconologia da heroína Atalanta, a fim de examinar as relações entre o fenômeno cultural do heroismo e a noção de gênero na Grécia antiga tal como expressas na pintura de vasos produzida em Atenas entre os séculos VI - IV A. E. C. Para tanto, foi analisado um corpus de 42 vasos de fabricação ática com a utilização do método iconológico de Panofsky, acompanhado de um estudo de pathosformel e de comparação sincrônica e diacrônica entre os exemplares. O foco do trabalho foram as mudanças iconográficas e iconológicas da figura de Atalanta, principahnente quanto à sua representação corporal, como expressões de modificações na cultura ateniense. Verificou-se a existência de uma dicotomia entre a Atalanta arcaica e a Atalanta dássica. No período arcaico (século VI A. E. C.), a iconografia e a iconologia de Atalanta foram fortemente calcadas no seu mito, especialmente nos episódios da Caçada do Javali Calidônio e da competição c om Peleu nos Jogos Funerários do Rei Pelias. Suas pathosformeln são ativas e agressivas. Seu corpo foi representado anatomicamente de forma virilizada na maioria dos exemplares. Tais peculiaridades estão vinculadas ao fato de que as atividades míticas de Atalanta giram em torno de atividades consideradas masculinas na Grécia antiga. No período clássico (séculos V - IV A. E. C.), a iconografia de Atalanta voltou-se para as suas relações com Peleu e com Meléagro e a iconologia afastou-se dos episódios miticos e se centrou no mundo erótico e afrodisíaco. Suas pathosformeln são passivas. Seu corpo foi representado anatomicamente de forma feminina na maior parte dos exemplares. Essa inversão iconográfica e iconológica decorre de um processo macro-histórico, que remonta à Idade do Bronze, de perda de proeminência das figuras fenllninas, acentuado, em Atenas, durante o período clássico . Esse processo culminou em uma ideologia ática que ligou o feminino ao espaço interno e às atividades domésticas, o que acarretou uma mudança semiológica na figura de Atalanta, tornando-a mais feminina e colocando em destaque a especulação sobre o mundo de Eros e Afrodite.

This dissertation deals with the iconology of the heroine Atalante in order to examine the connections between the cultural phenomenon on f heroism and the notion of gender in Ancient Greece as expressed in the vase-paintings produced in Athens between the VIth and the IVth centuries BCE. Thus, a corpus of 42 vases of Attic manufacture was an alyzed using Panofsky's iconological method, accompanied by a pathosformel study aud syuchrouic and diachronic comparison between the vases. The dissertation was centered on the iconographical and iconological changes in Atalante's figure, especially its corporeal representation, as expressions of modifications in Athenian culture. It was verified the existence of a dichotomy between the Arcaiaic Atalante and the Classical Atalante. In the Archaic Period (VIth century BCE), the iconography and iconology of Atalante were strougly centered ou her myth, especially in the Calydouian Boar Hunt and the wrestling competition with Peleus in King Pelias' Funeral Games. Her pathosformeln were active and aggressive. Her body was anatomically represented in a virilized way in most of the vases of this period. These peculiarities are linked to the fact that Atalante's mythical activities were considered masculine in Ancient Greece. In the Classical period (Vth and VIth centuries BCE), Atalante's iconography turned to her relationship with Peleus and Meleager aud her iconology moved away from the mythical episodes and focused in the erotic and aphrodisiac world. Her pathosformeln were passive. Her body was anatomically represented as feminine in most of the vases of this period. This iconographic and iconological inversion stems from a macrohistorical process, dating back to the Bronze Age, in which the female figures lost prominence, accentuated , in Athens, in the Classical period. This process culminated in an Attic ideology that linked feminine to the internal space and to domestic activities, which brought about a semiological change in Atalante's figure, making her more feminine and putting in prominence the speculation about the world of Eros and Aphrodite.