O corpo humano e o ensino de ciências : é possível estabelecer um diálogo entre o corpo ensinado e o corpo vivido?

Abstract

As salas de aula de Ciências e de Biologia são espaços onde diversos saberes experienciais são trazidos à tona e muitos diálogos tornam-se possível. É fundamental, através da prática docente, demonstrar que as Ciências da Natureza acontecem nos mais ínfimos movimentos cotidianos, assim contrapondo à percepção de que ensinar-aprender-avaliar através destes componentes curriculares da Educação Básica (Ciências e Biologia) carrega pouca significância, para além do próprio universo acadêmico, pois reúnem excessiva descrição e continuada memorização. O ensino do corpo humano esquartejado – àquele “corpo ensinado”, composto por diferentes sistemas representados separadamente como setores de uma fábrica, ceifa a identificação e percepção do “corpo vivido”, perpassado intimamente por dimensões históricas, sociais, culturais e políticas que construíram e continuam construindo concepções sobre o corpo humano, e sobre o meu/nosso próprio corpo. O objetivo do trabalho é investigar os conceitos acerca do corpo humano ensinado, ademais de analisar suas relações com o corpo humano vivido. A pesquisa foi realizada em escola privada, município de Canoas. Os sujeitos de pesquisa, foram selecionados com base na compreensão de que é nos anos finais do Ensino Fundamental que os aprendizados específicos acerca do corpo humano (8º ano), e suas repercussões (9ºano), são desenvolvidos e finalizados e por o pesquisador já ter sido professor de Ciências da turma do 9º ano, composta por 29 estudantes, o que faria mais sentido nas análises por já estar apropriado do processo de ensino-aprendizagem vivido. Selecionou-se para o procedimento da coleta de dados um questionário semiestruturado formado por questões de múltipla escolha, e por questões abertas. Optou-se pelo suporte procedimental técnico “análise de conteúdo temático categorial”, inserido no campo da pesquisa qualitativa A partir do exercício de imersão no texto produzido pelos estudantes, foram elencados três temas centrais: relação pessoal com o corpo, compreensões sobre o corpo ideal e a aula de Ciências. A partir dos resultados desta investigação, não há como afirmar que a ideia de corpo ideal é produzida na escola, mas infere-se que a escola tem forte papel na manutenção e perpetuação da delimitação daquilo que é ser homem e ser mulher, daquilo que é um corpo de homem e de mulher, assim como aquilo que é aceitável/normal e aquilo que exclui o outro – a condição obesa, a deficiência física, a etnia, a cor, a altura. Os resultados obtidos nessa pesquisa, sugerem que ao mesmo tempo que um ensino de Ciências problematizador e vinculado as experiências de vida dos estudantes interfere no processo formativo dos estudantes, o ensino, por si só – pelo menos sob o efeito de um ano letivo - não é capaz de traduzir esses conhecimentos novamente como “sabedoria de vida” junto aos estudantes. Considerar o necessário diálogo entre o corpo ensinado e o corpo vivido é uma urgência dentro dos planejamentos do ensino de Ciências. Essa atenção é imediata no sentido de desconstruir narrativas hegemônicas sobre o corpo ideal – representado pelo corpo branco, masculino, heterossexual, jovem, malhado – e que serve de parâmetro para a felicidade, satisfação e aceitação dos demais corpos, entendidos como exóticos, anormais.