Intersexualidades e biotecnologias : um estudo antropológico acerca da inserção da hiperplasia adrenal congênita no teste do pezinho

Abstract

O presente trabalho visa a refletir sobre a questão do gerenciamento sociomédico das intersexualidades em um contexto de biomolecularização da sociedade, no qual, cada vez mais intensamente, as biotecnologias são ferramentas cruciais no processo de definição e remodelação dos corpos e produção de subjetividades. Para tanto, inspirada por uma “etnografia dos arquivos”,analiso os artigos científicos que pautaram a inserção da hiperplasia adrenal congênita (HAC), a qual aparece na literatura médica como a causa mais recorrente de intersexualidade, no Programa de Triagem Neonatal;bem como aqueles estudos científicos que, posteriormente, avaliaram essa política.Ainda, utilizo, como fonte de pesquisa, trechos de diários de campo produzidos a partir de duas ocasiões em que pude realizar “observação participante”: em uma aula sobre diferenciação sexual da pós-graduação de genética da UFRGS e quando conheci o Serviço de Referência em Triagem Neonatal de Porto Alegre/RS. Os resultados até então obtidos apontam para uma série de controvérsias em relação à inserção dessa condição nos programas de triagem, tais como o elevado número de casos “falso-positivos” e o fato desta não representar necessariamente um risco à vida dos sujeitos, mas constituir um desvio em relação à norma da dicotomia sexual que é tratado pelos saberes médicos e psicológicos como uma patologia. Assim, a inclusão dessa condição no programa de triagem reflete, entre outros elementos, a forma pela qual um “problema social” é transformado em um “problema de saúde pública” e aponta, portanto, para o papel das novas biotecnologias na produção dos corpos e nas normatizações de gênero e sexualidade contemporâneas.

The present work aims to ponder over the issue of the sociomedical management of intersexualities in a context of biomolecularization of society in which biotechnologies are, more and more intensely, crucial tools on the process of definition and remodeling of bodies and production of subjectivities. Therefore, inspired by an “ethnography of archives”, I analyze scientific articles that have guided the insertion of Congenital Adrenal Hyperplasia (CAH), which appears on the medical literature as the most current cause of intersexuality, in the Newborn Screening Program; as well as those scientific studies that have later evaluated this policy. I also use, as a research source, excerpts of field journals produced on two occasions I was able to be in “participant observations”: a class about sexual differentiation on UFRGS genetics graduate program and when I went after Porto Alegre (RS)’s Reference Service of Newborn Screening. The results so far obtained point to a series of controversies related to the insertion of this condition on screening programs, such as the high number of “false-positive” cases and the fact that it does not necessarily represent a life risk to the patients but constitute a detour in relation to the norm on sexual dichotomy which is treated by the medical and psychological knowledge as a pathology. Thus, the inclusion of this condition in the screening program reflects, amongst other elements, the way through which a “social problem” is transformed into a “public health problem”, and therefore points to the role played by the new biotecnologies on the production of bodies and contemporary gender and sexuality normatizations.

Ce travail propose une réflexion sur la question de la gestion sociomédicale des intersexulités dans un contexte de biomolécularization de la société, dans lequel, de plus en plus intensément, les biotechnologies sont des outils indispensables à la définition et remodelisation des corps et à la production de subjectivités. Pour cela, inspirée par une « ethnographie de fichiers », j'analyse des articles scientifiques qui ont guidé l'insertion de l’Hyperplasie Congénitale des Surrénales (HCS), qui apparaissent dans la littérature médicale comme la cause la plus récurrente de l'intersexualité dans le Programme de Dépistage Néonatal ; ainsi que ceux études scientifiques qui ont par la suite évalué cette politique. Pourtant, j’utilise, comme une source de recherche, des extraits de journaux de champ produits dans deux occasions que je pouvais effectuer des « observations participantes »: une classe du troisième cycle de la génetique de l’ÚFRGS sur différenciation sexuelle et quand je suis allé à connaitre le Service de Réference de Dépistage Néonatal de Porto Alegre/RS. Les résultats obtenus sur l’instant s’agitent d’un certain nombre de controverses quant à l'inclusion de cette condition dans les programmes de dépistage, tels que le nombre élevé de cas de «faux positifs» et le fait que cela ne pose pas nécessairement un risque pour la vie du sujet, mais c’est une dérogation à la norme de dichotomie sexuelle qui est traitée par les connaissances médicales et psychologiques comme une pathologie. Ainsi, l'inclusion de cette condition dans le programme de dépistage reflète, entre autres choses, la façon dont un « problème social » se transforme dans un « problème de santé publique » et donc pointer vers le rôle des nouvelles biotechnologiesdans la production de corps et la normatization de genre et de la sexualité contemporaine.