A solidão diante da paisagem : um estudo iconográfico de Friedrich, Truffaut e Kiarostami

Abstract

Esta pesquisa define e investiga o que chamei de pathosformel do solitário contemplativo, originalmente cristalizada na pintura "Caminhante sobre o Mar de Névoa" (1818) de Caspar David Friedrich, bem como sua sobrevivência e transformação em duas obras cinematográficas do século XX: "Os Incompreendidos" (1959) de François Truffaut e "Gosto de Cereja" (1997) de Abbas Kiarostami. Fundamentando-se nos conceitos de pathosformel e nachleben desenvolvidos por Aby Warburg, este estudo analisa como esta configuração visual específica (uma figura solitária de costas para o espectador contemplando uma vasta paisagem) migra da pintura romântica para o cinema moderno, mantendo sua potência expressiva enquanto se adapta a novos contextos culturais e tecnológicos. A metodologia empregada baseia-se na "iconologia dos intervalos" warburguiana, organizando as análises segundo o modelo do Atlas Mnemosyne através da justaposição de imagens que revelam correspondências formais e emotivas. A investigação demonstra que a pathosformel do solitário contemplativo articula uma experiência existencial fundamental – momentos de transição existencial em que questões pessoais profundas encontram uma forma de expressão através da relação contemplativa com a paisagem – que transcende períodos históricos e fronteiras culturais. O cinema, através de recursos específicos como duração temporal e alternância de pontos de vista, não apenas reproduz esta configuração visual, mas a expande e complexifica, criando novas possibilidades expressivas. Os resultados confirmam a vitalidade do método warburguiano para a análise de manifestações artísticas contemporâneas e sugerem a necessidade de repensar as relações entre história da arte e estudos cinematográficos através de uma perspectiva que reconheça a vida própria das imagens e sua capacidade de sobrevivência através do tempo.

This research defines and investigates what I have called the pathosformel of the contemplative solitary figure, originally crystallized in the painting Wanderer above the Sea of Fog (1818) by Caspar David Friedrich, as well as its survival and transformation in two twentieth-century films: The 400 Blows (1959) by François Truffaut and Taste of Cherry (1997) by Abbas Kiarostami. Grounded in the concepts of pathosformel and Nachleben developed by Aby Warburg, this study analyzes how this specific visual configuration (a solitary figure seen from behind, contemplating a vast landscape) migrates from Romantic painting to modern cinema, preserving its expressive power while adapting to new cultural and technological contexts. The methodology is based on Warburg’s "iconology of intervals," organizing the analyses according to the model of the Mnemosyne Atlas through the juxtaposition of images that reveal formal and emotional correspondences. The investigation demonstrates that the pathosformel of the contemplative solitary figure articulates a fundamental existential experience—moments of existential transition in which deep personal questions find expression through a contemplative relationship with the landscape—transcending historical periods and cultural boundaries. Cinema, through specific devices such as temporal duration and shifts in point of view, not only reproduces this visual configuration but also expands and complexifies it, creating new expressive possibilities. The results confirm the vitality of Warburg’s method for the analysis of contemporary artistic manifestations and suggest the need to rethink the relationship between art history and film studies through a perspective that acknowledges the autonomous life of images and their capacity for survival across time.