Performando cuidado nas políticas públicas : uma análise a partir do documento sobre o “método canguru” do Ministério da Saúde (BR)

Abstract

A noção de “cuidado” tem sido discutida há décadas por diferentes disciplinas, considerando-se as formas de cuidar e as características das pessoas cuidadas e cuidadoras. Em alguns campos de atuação e produção de conhecimento, o cuidado aparece como central, como é o caso da enfermagem, na qual tem sido estudado a partir de um resgate histórico de elementos socioculturais e de crítica ao modelo centrado na racionalidade clínica e em padrões de normalidade, enquadrando-se no escopo de uma política voltada para a humanização da atenção à saúde e tenta constituir uma nova ética do cuidado. Assim, a noção de cuidado emerge como central em algumas políticas públicas. O presente estudo pretende realizar uma etnografia do documento que define uma dessas políticas do Ministério da Saúde: “Atenção humanizada ao recém‑nascido de baixo peso: Método Canguru” de 2011. A escolha do documento se deu considerando que é amplamente utilizado em maternidades e hospitais e se propõe a abordar o cuidado materno em todos os aspectos da interação entre mãe e bebê. As questões de pesquisa recaem sobre a produção da categoria “cuidado”: Se a bibliografia aponta para o fato de que ele vai sendo constituído como algo “inato” do ser humano, particularmente das mulheres mães, como as conexões entre cuidado e gênero são performadas no referido documento? O que é necessário para que tais conexões sejam “feitas” como naturais? A análise consiste na descrição mais detalhada do documento e são mapeados alguns de seus enunciados, seguindo a perspectiva Foucaultiana (2001), buscando quais as referências utilizadas para justificar as ações, onde e em quais áreas de conhecimento são produzidos esses estudos, entre outros elementos que permitem entender como a categoria “cuidado” está sendo performada e quais as controvérsias envolvidas. Do ponto de vista teórico-conceitual, utiliza-se as noções de controvérsia e caixa preta de Bruno Latour (2011), bem como as de coordenação, ontologias múltiplas e performatividade de Annemarie Mol (2002). A análise aponta para o modo como a política performa um projeto de família e de cuidadores/as, na medida em que para que o cuidado seja efetivo e contribua para a manutenção da saúde e bem-estar do RN, é preciso identificar um certo sujeito que cuida. Esse sujeito deve passar por um processo de parentalização através de experiências passadas com familiares das gerações anteriores e ter uma relação conjugal estável e satisfatória. Há, ainda, especificidades exigidas para mulheres e homens. Para a mulher são descritas mudanças biológicas e hormonais da gestação que auxiliariam na parentalização, associadas ao reconhecimento social por alterações corporais. Para o homem não são identificadas descrições de ritos sociais nas sociedades modernas que o auxiliariam no processo de parentalização; somente são exigidas relações satisfatórias com os familiares de sua geração anterior, principalmente com seu pai. O processo de parentalização serve para satisfazer necessidades básicas do RN, de acordo com conceito de mãe suficientemente boa de Winnicott. Como esses cuidados são difíceis de mensurar, outros indicadores são levados em consideração, como medidas de temperatura e peso, que são mensuráveis. Percebe-se, assim, como o cuidado, mesmo em uma mesma política, é performado de modo múltiplo apontando para as diferentes materialidades nele engajadas.