UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL – UFRGS ESCOLA DE ENGENHARIA E FACULDADE DE ARQUITETURA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESIGN MANLIO MARIA GOBBI DESIGN E TECNOLOGIA: RESGATANDO ÍCONES DE INOVAÇÃO EM MÓVEIS PARA ESCRITÓRIOS VIA ARQUEOLOGIA INDUSTRIAL Porto Alegre 2011 II MANLIO MARIA GOBBI DESIGN E TECNOLOGIA: RESGATANDO ÍCONES DE INOVAÇÃO EM MÓVEIS PARA ESCRITÓRIOS VIA ARQUEOLOGIA INDUSTRIAL Trabalho realizado no Programa de PósGraduação em Design (PGDesign) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Design. Orientador: Prof. Dr. Wilson Kindlein Júnior Porto Alegre 2011 III MANLIO MARIA GOBBI DESIGN E TECNOLOGIA: RESGATANDO ÍCONES DE INOVAÇÃO EM MÓVEIS PARA ESCRITÓRIOS VIA ARQUEOLOGIA INDUSTRIAL Esta Dissertação foi julgada adequada para obtenção do título de Mestre em Design, área de concentração Design e Tecnologia e aprovada em sua forma final, pelo Orientador e pela Banca Examinadora do Curso de Pós-Graduação. _______________________________ Orientador: Prof. Dr. Wilson Kindlein Júnior Banca Examinadora: _______________________________ Prof. Dr. Ari da Rocha Centro de Tecnologia/ UFRGN _______________________________ Prof. Dr. Vilson João Batista DEMEC / UFRGS _______________________________ Profa. Dra. Lauren da Cunha Duarte PGDesign/UFRGS IV AGRADECIMENTOS Evidentemente que meu primeiro agradecimento vai para o Padre Eterno que me permitiu chegar incólume nesta caminhada acidentada. Obrigado Senhor! Quando a gente cria fica num estado de transe e acaba não respeitando as mínimas regras de um convívio familiar, o qual possui uma dinâmica própria e inteligente determinada pela dona de casa. E eu estava permanente envolvido com minhas idéias que não tinham dia nem hora para acontecer. Houve períodos nos quais eu administrava três lojas e mais a fábrica A apresentação dos protótipos sempre ficava par depois do expediente. Minhas desculpas e meus agradecimentos cara Edméa, mãe de meus filhos! A vocês meus filhos Eloisa, Alexandre e Guilherme, também, mais do que agradecimentos minhas escusa por ter dedicado pouco tempo para vocês. Estavam sempre dormindo, quando eu chegava em casa e a fisionomia de vocês era de uma candura enternecedora, transmitindo-me a impressão de que tudo estivesse certo com vocês. O entusiasmo com os protótipos alardeados pelo Célio, que se seguiam dia após dia monopolizava minha atenção fazendo-me perder a noção das horas. Wilson, Liciane e Sandra foram incansáveis no desenvolvimento de minha tese de mestrado. Ao pessoal do Laboratório meus agradecimentos por me aceitarem adentrando, sem muito método um espaço que é só deles. E Clélia que teve a coragem de acreditar em me fazer entender o beabá da Academia. Desculpe pelas brigas e obrigado por teu desvelo e carinho! A vocês, meus caros examinadores, o meu muito obrigado. V PRÓLOGO “A coragem criativa é a mais importante forma de coragem. Se a coragem moral é a correção do que está errado, a coragem criativa é a descoberta de novas formas, novos símbolos, novos padrões segundo os quais uma nova sociedade pode ser construída. Toda a profissão pode exigir e exige coragem criativa. Nos nossos dias a tecnologia e a engenharia, a diplomacia, o comércio e, sem dúvida o magistério, todas essas profissões e dezenas de outras passam por mudanças radicais e precisam de indivíduos corajosos que dirijam e valorizem estas mudanças. A necessidade de coragem criativa é proporcional ao grau de mudança.” Rollo May, 1982 SUMÁRIO RESUMO ....................................................................................................................... 10 ABSTRACT ................................................................................................................... 11 1. 2. 3. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 12 JUSTIFICATIVA ................................................................................................... 17 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ............................................................................... 19 3.1 Panorama geral do Design no Brasil, nas décadas de 1950 e 1960 e 1970 .......... 19 3.2 Panorama geral do Design de Móveis para Escritórios no Brasil à época ........... 20 4. ARQUEOLOGIA INDUSTRIAL: ESTUDO DE CASO DA EMPRESA MANLIO GOBBI E CIA. LTDA. ................................................................................................... 27 4.1 4.1.1 4.1.2 4.2 4.2.1 4.2.2 4.2.3 4.3 4.3.1 4.3.2 4.3.3 4.3.4 4.3.5 4.4 4.5 4.6 5. 6. Antecedentes históricos .................................................................................. 27 Ferruccio Gobbi, Móveis Fergo (São Paulo) .......................................... 27 F. Gobbi Industria Mobiliária S/A (SP) e Manlio Gobbi (POA) ......... 28 Manlio Gobbi & Cia. Ltda. ............................................................................. 33 Estruturação e Gestão de Marketing....................................................... 33 Expansão Empresarial ............................................................................ 36 Autonomia e Design ............................................................................... 40 MaGnalinea .................................................................................................... 54 Desenvolvimento participativo e Design Pleasure ................................ 54 Mesas : Analise do processo construtivo da MaGnalínea ..................... 57 Cadeiras e poltronas................................................................................ 63 Inovações no processo industrial MaGnalínea ....................................... 75 Contrafortes do sistema MaGnalínea ..................................................... 75 MaGnaspazio .................................................................................................. 77 Propriedade Industrial..................................................................................... 91 Transferência do Controle Acionário ............................................................. 92 CONCLUSÕES ...................................................................................................... 94 SUJESTÕES PARA TRABALHOS FUTUROS ................................................... 96 ANEXO 1: Carta De Nizhny Tagil Sobre O Património Industrial .............................. 99 APÊNDICE 1: Imagens detalhadas de mobiliário MaGnalinea, ainda em uso na Faculdade de Arquitetura da UFRGS (2011). .............................................................. 105 APÊNDICE 2: Exemplo de cadeiras da Móveis Gobbi na fase de revenda, anterior à fabricação própria (cadeira dinamarquesa)................................................................... 119 APÊNDICE 3: Depoimento do Arquiteto Günter Weimer...........................................121 APÊNDICE 4: Depoimento do Arquiteto Pedro Simch ............................................... 125 APÊNDICE 5: Entrevista com ex-funcionário da empresa.......................................... 127 APÊNDICE 6: Carta Patente Modelo de Utilidade Gaveteiro para Móveis.................129 APÊNDICE 7: Repercussão Internacional....................................................................134 7 ÍNDICE DE FIGURAS Figura 1: Escrivaninha L’Atelier década de 70. ............................................................. 22 Figura 2: Mesa Sérgio Rodrigues ................................................................................... 22 Figura 3: Desenho de escrivaninha FERGO, década de 60. ........................................... 28 Figura 4: Imagem retirada do Google Maps com a localização da fábrica F. Gobbi Indústria Moboliária S/A, em Sâo Paulo. ....................................................................... 28 Figura 5: Escrivaninha Gobbi 491 com transparência mostrando os gaveteiros. ........... 29 Figura 6: (a) Imagem dos prédios do congresso nacional na cidade de Brasília, idealizada por Juscelino Kubicheck e projetada por Oscar Niemeyer; (b) Esboço da Poltrona Senador, criada pela Gobbi para mobiliar o Senado Federal. .......................... 30 Figura 7: Chegada de Ferruccio Gobbi a Porto Alegre. ................................................. 31 Figura 8: Fachada da loja em São Paulo, localizada na esquina das Avenidas São Luis e Ipiranga. .......................................................................................................................... 32 Figura 9: Localização do primeiro show-room dos Móveis Gobbi, na Avenida Mauá, número 873, 2ª andar, em Porto Alegre. ....................................................................... 32 Figura 10: Revenda da empresa F. Gobbi. (a) Vitrine da loja da Rua Dr. Flores, número 383; (b) Localização da loja. .......................................................................................... 35 Figura 11: Localização da fábrica, na Avenida Sertório, número 574, em Porto Alegre. ........................................................................................................................................ 36 Figura 12: Localização da loja Domus, na rua General Vitorino, esquina com Avenida Professor Annes Dias. .................................................................................................... 37 Figura 13: Loja do IAB, negociada com Manlio Gobbi. (a) Fachada da loja; (b) Localização, na Praça Dom Feliciano, número 67, em Porto Alegre. ............................ 39 Figura 14: Fachada atual do prédio do IAB, mantendo o logo da empresa. .................. 40 Figura 15: Poltrona Barcelona, de Mis Van der Rohe. ................................................... 42 Figura 16: Cadeiras de madeira vergada criada por Thonet. (a) Diferentes elementos da cadeira; (b) Cadeira de balanço. ..................................................................................... 43 Figura 17: Poltrona Phanton. .......................................................................................... 44 Figura 18: Máquinas de calcular e escrever antigas. (a) Máquina de Calcular Summa Prima 20; (b) Máquina de escrever Lettera 22. .............................................................. 44 Figura 19: Móvel com formas inusitadas, de autoria de Joe Colombo. ......................... 45 8 Figura 20: Linha italiana de móveis para escritórios Casteli, utilizando estruturas metálicas. ........................................................................................................................ 47 Figura 21: Modelo de gaveteiro FMI utilizado na época: rígidos, pesados e de alto custo. ............................................................................................................................... 48 Figura 22: Representação de um gaveteiro convencional. ............................................. 49 Figura 23: Charge do gaveteiro, ilustrando a preocupação em eliminar o supérfluo e garantir a funcionalidade dos móveis. ............................................................................ 50 Figura 24: Charge ilustrativa da situação a evitar. ......................................................... 50 Figura 25: Eureka: a solução inovadora do gaveteiro. ................................................... 51 Figura 26: Carta patente definitiva do modelo de utilidade gaveteiro para móveis, depositada em 1966 e obtida em 1975............................................................................ 53 Figura 27: Pirâmide do sucesso, proposta por Bernardinho, técnico da Seleção Brasileira de vôlei. .......................................................................................................................... 55 Figura 28: Pleasure Design: a descontração do ambiente de criação. ............................ 56 Figura 29: Gaveteiros MaGnalinea com aros de alumínio massiço, interligados por cantoneiras, em várias combinações. .............................................................................. 57 Figura 30: Foto de catálogo ilustrativa da peça da linha MaGnalinea. Podem ser visualizados os puxadores, localizados na vertical e a um terço da parte interna da gaveta para facilitar a sua utilização. .............................................................................. 58 Figura 31: Diferentes combinações possibilitadas pela escrivaninha e gaveteiro MaGnalinea. ................................................................................................................... 60 Figura 32: Layout atual (2011) da direção da Faculdade de Arquitetura da UFRGS. ... 61 Figura 33: Detalhe da lateral da mesa localizada na direção da Faculdade de Arquitetura da UFRGS (2011). Destaque é dado para os rebites de fixação. .................................... 61 Figura 34: Diferentes combinações possibilitadas pela escrivaninha e gaveteiro MaGnalinea. ................................................................................................................... 63 Figura 35: Cadeiras com braços inclinados e poltronas deslizantes. .............................. 64 Figura 36: Cadeira com braços inclinados Boxer, ambientada com outros móveis MaGnalinea. ................................................................................................................... 64 Figura 37: Linha presidencial da MaGnalinea. .............................................................. 65 Figura 38: Catálogo da Primeira Bienal Brasileira de Design, registrando a participação do produto da empresa. ................................................................................................... 66 Figura 39: Logotipia exposta na capa do catálogo lançado na época. ............................ 68 9 Figura 40: Foto de catálogo mostrando uma composição de móveis da linha MaGnalegno. .................................................................................................................. 69 Figura 41: Foto de catálogo da linha MaGnalegno. No detalhe, a qualidade no acabamento da floreira, com a utilização de malhetes. .................................................. 70 Figura 42: Composição de mesa e gaveteiro MaGnalinea expostos no catálogo. .......... 71 Figura 43: Imagem do verso do catálogo mostrando a diagramação interna. ................ 72 Figura 44: Imagens do catálogo bilíngüe, considerado uma estratégia mercadológica. (a) Considerações sobre as gavetas e corrediças; (b) Considerações sobre as mesas. ......... 74 Figura 45: Índices de aproveitamento de peças e elementos. ......................................... 76 Figura 46: Ambientação da linha MaGnaspazio. ........................................................... 79 Figura 47: Detalhe do arquivo suspenso. ....................................................................... 79 Figura 48: Desenho de projeto de cinzeiro, preso no painel da divisória. ...................... 80 Figura 49: Catálogo MaGnaspazio. ................................................................................ 81 Figura 50: Croqui de uma composição MaGnaspazio: composição de quatro membros em torno de uma mesa. ................................................................................................... 82 Figura 51: Planta de um andar do edifício Montab, mostrando as diferentes possibilidades de organização de um ambiente com a linha MaGnaspazio. .................. 83 Figura 52: Carta patente dos cubos para acoplamento de paredes divisórias. Depósito em 1974 e obtenção em 1981. ........................................................................................ 84 Figura 53: Layout da Siderúrgica Riograndense em 1972, com o mobiliário MaGnaspazio. (a) Visualização geral; (b) Detalhe dos ambientes separados por painéis. ........................................................................................................................................ 86 Figura 54: Setor de atendimento ao público da Siderúrgica Riograndense na década de 70, mobiliado com móveis da linha MaGnaspazio (todo o mobiliário atrás do guichê). 87 Figura 55: Divisórias da linha MaGnaspazio na cor marrom em outro ambiente da siderúrgica, com junções de borracha que isolam os ambientes. ................................... 88 Figura 56: Divisórias da linha MaGnaspazio na cor laranja em outro ambiente da siderúrgica, com junções de borracha que isolam os ambientes. ................................... 89 Figura 57: Imagem dos armários da linha MaGnaspazio e layout da época. ................. 89 Figura 58: Representação dos encaixes entre os painéis: dobradiça de borracha. (a) Aspecto final; (b) Painéis dobrados, permitindo que fossem assim transportados (já com as dobradiças instaladas) facilitando a montagem. ......................................................... 90 10 RESUMO O estudo a seguir mostra como a arqueologia industrial pode ser utilizada para resgatar ícones, mais especificamente, de Design. Esta dissertação aborda, especificamente, o caso do Design de móveis, num período compreendido entre as décadas de 40 a 80. Trata-se de todo o histórico, desde o nascimento da idéia, sua implantação no mercado e venda da empresa de mobiliário para escritório das linhas MaGnalínea e MaGnaspazio, que acabaram por se tornar os carros chefe da empresa Manlio Gobbi & Cia Ltda. A empresa veio a se tornar líder do mercado no Rio Grande do Sul a mercê do Design diferenciado de seus produtos e da seriedade da política de marketing, pois se tratava de um produto honesto, transparente e de uma modulação inusitada, no qual havia se conseguido a eliminação do supérfluo em prol da utilização de formas simples, num conceito totalmente inovador para a área de móveis para escritórios. Tal conceito agradou plenamente aos seus usuários, transformando-se num verdadeiro ícone e é utilizado largamente até os dias de hoje. Nesta dissertação é feita uma apreciação profunda do Cenário específico e até político da época. Perpassa-se também a realidade histórica da área moveleira, bem como conceitos dos mais variados que auxiliaram na consecução do projeto. A arqueologia industrial realizada neste estudo possibilitou o entendimento do êxito obtido pela empresa, através de características como diferenciação na padronagem de cores, versatilidade dos móveis (possibilitando ao usuário montar diferentes combinações), utilização de diferentes espécies de madeira e de peças nobres (como madeira mássica, alumínio, cubos em zamac). Além disso, é mostrado como surgiu e se desenvolveu a idéia inovadora que acabou por transformar a empresa num verdadeiro núcleo de inovações, devido ao fato do grupo de trabalho ser altamente categorizado e entusiasmado com a repercussão positiva de seu trabalho.Como resultado são gerados subsídios importantes para contribuir com a moderna ciência que trata da Arqueologia Industrial. Palavras-chave: arqueologia industrial, design de produto, inovação, móveis para escritórios. 11 ABSTRACT The project, described below in all its particulars to assess the possibility of developing a product that actually had a promising impact in the decades of 70/80/90. This is all history from the birth of the idea until its market presence, product MaGnalínea and MaGnaspazio, which eventually became the head of the company cars Manlio Gobbi & Cia Ltda. The company went on to become the market leader in Rio Grande do Sul Design mercy of differentiated products and the seriousness of the marketing policy, because it was an honest product, transparent and an unusual modulation, which had achieved the elimination of the superfluous, in a completely new concept for the area of office furniture, a concept that fully pleased its users, becoming a true icon. The project is made a thorough examination of the specific scenario and even political season, it is shown how it emerged and developed the innovative ideas that have transformed the company into a real core of innovation, because the working group was categorized and highly enthusiastic about the positive impact of their work. It covers also the historical reality of the furniture area, as well as a variety of concepts that helped in achieving the project. As a result, are generated substantial subsidies to contribute to modern science that deals with the Industrial Archeology. Key words: industrial archeology, product design, innovation, furniture for offices. 12 1. INTRODUÇÃO Percebemos, ao longo de nossa trajetória de vida, a vocação pela inventiva e o design sobrepujarem a formação acadêmica de Bacharel em Ciências Econômicas. Esta realidade nos impulsionou a buscar um aprofundamento e, aos 75 anos de idade, ingressamos no Mestrado de Design da Escola de Engenharia desta Universidade. A escolha do enfoque da dissertação de mestrado teria que necessariamente contemplar o processo industrial de nossa empresa, pois era sabido que esta estaria entrelaçada com a historia do Design de Moveis para Escritórios no Brasil nas décadas de 60, 70 e 80 e com a nossa própria historia pessoal. Também sentíamos a plena convicção que foram os fatores antropológicos, de pertinência individual e circunstanciais que oportunizaram e modelaram os atributos dos produtos que criávamos e fabricávamos. Neste sentido, qualquer que fosse o enfoque escolhido para esta dissertação, estaria em uma situação bastante peculiar por sermos simultaneamente sujeito e objeto da pesquisa.Neste sentido Edgar Morin, em seu livro Ciência com Consciência, mostra que: “O princípio de explicação da ciência clássica eliminava o observador da observação. A micro física, a teoria da informação, a teoria dos sistemas reintroduzem o observador na observação. A sociologia e a antropologia apelam à necessidade de se situar hic et nunc, isto é, de tomar consciência da determinação etnosociocêntrica que hipoteca toda a concepção de sociedade, cultura, homem. “O sociólogo deve perguntar-se incessantemente como pode conceber uma sociedade de que faz parte. Já o antropólogo contemporâneo indaga a si próprio: Como é que eu, portador inconsciente dos valores da minha cultura, posso julgar uma cultura dita primitiva ou arcaica? Que valem os nossos critérios de racionalidade? A partir daí, começa a necessária auto-relativização do observador, que pergunta “quem sou eu?”, “onde estou 13 eu?”. O eu que surge aqui é o eu modesto que descobre ser o ponto de vista, necessariamente, parcial e relativo. Assim, vemos que o próprio progresso do conhecimento científico exige que o observador se inclua em sua observação, o que concebe em sua concepção; em suma que o sujeito se introduza de forma autocrítica e autoreflexiva em seu conhecimento dos objetos”. Edgar Morin, 2010 Encontra-se, ainda, na carta de Nizhni Tagil, sobre Arqueologia Industrial e Patrimônio Industrial, a resposta ao direcionamento que estava sendo buscado. Eis que a arqueologia industrial permite a transformação de um histórico de vida em um resgate da memória empresarial-industrial de um segmento do Design e da Tecnologia da indústria moveleira do Rio Grande do Sul, inserida em um intervalo de tempo entre meados dos anos 40 até a década de 80. “O patrimônio industrial compreende os vestígios da cultura industrial que possuem valor histórico, tecnológico, social, arquitetônico ou científico. Estes vestígios englobam edifícios e maquinaria, oficinas, fábricas, minas e locais de tratamento e refinação, entrepostos, armazéns, centros de produção, transmissão e utilização de energia, meios de transporte e todas as suas estruturas e infraestruturas, assim como os locais onde se desenvolveram atividades sociais relacionadas com a indústria, tais como habitações, locais de culto ou de educação. A arqueologia industrial é um método interdisciplinar que estuda todos os vestígios, materiais e imateriais, os documentos, os artefatos, a estratigrafia e as estruturas, as implantações humanas e as paisagens naturais e urbanas, criadas para ou pelos processos industriais. A arqueologia industrial utiliza os métodos de investigação 14 mais adequados para aumentar a compreensão do passado e do presente industrial”. Carta De Nizhny Tagil Sobre O Património Industrial (ANEXO 1) O interesse pela preservação do patrimônio industrial é relativamente recente, se comparado com a preocupação por outros tipos de manifestação cultural, e deve ser entendido dentro do contexto de ampliação daquilo que é considerado bem cultural. Segundo Kühl (2008), apesar de haver manifestações incipientes e isoladas voltadas ao legado da industrialização desde finais do século XVIII, um debate mais amplo e fundamentado sobre o tema se iniciou na Inglaterra nos anos 1950, época em que foi utilizado o termo “arqueologia industrial”, com vinculações também à antropologia e à sociologia. Durante os anos 1970 vários outros países começaram a atuar de forma mais sistemática na Arqueologia Industrial, como por exemplo, Suécia, França e Itália (Daumas, 1980; Negri, 1978, Kühl, 2008). Segundo Buchanan (1985), o debate sobre o tema nas reuniões científicas, durante certo período, foi marcado pelas querelas em relação ao emprego ou não da expressão “arqueologia industrial”, questionando-se se sua pertinência em casos em que não fosse necessário o emprego de métodos de arqueologia “tradicional” (em especial as escavações) e em exemplos em que não existissem testemunhos materiais da atividade produtiva. Mas, a arqueologia industrial pode ser entendida de maneira mais ampla, associando-se a fases passadas de manifestações humanas. De fato, conforme enfatiza Buchanan (1985), a arqueologia industrial deve calcar-se nos referenciais teórico metodológicos de vários campos do saber – como a história, a arqueologia, a antropologia, a sociologia, a arquitetura, a restauração – não possuindo referenciais que lhes sejam específicos, ou seja, formulações teórico-metodológicas que digam respeito apenas ao legado da indústria. A arqueologia industrial, assim, não se caracteriza como disciplina autônoma; é um vasto tema de estudo que exige a multidisciplinaridade e articulação de vários campos do saber. O interesse da arqueologia industrial é de fato tratar esse tema de maneira abrangente, com a colaboração das diversas disciplinas envolvidas. Para fundamentar essas análises, segundo Kühl (2008), é necessário desenvolver inventários sistemáticos, alicerçados em processos cognitivos oferecidos 15 pelas ciências humanas, pois somente através desses instrumentos é possível ter uma compreensão suficientemente ampla do processo de industrialização para avaliar o interesse de seus remanescentes – histórico, formal, memorial e simbólico para as comunidades. A arqueologia industrial, segundo Kühl, interessa, assim como a preservação como um todo, às humanidades em geral, estando ligada à antropologia, à sociologia, à geografia, à história – social, do trabalho, econômica, das ciências, da técnica, da engenharia, da arte, do design, da arquitetura, das cidades, etc. Pode ser entendida como um esforço multidisciplinar – de inventários, de registro, de entrevistas, de pesquisas histórico-documentais e iconográficas, de levantamento métrico e análise de artefatos, de edifícios e de conjuntos arquitetônicos, para estudar as manifestações físicas, sociais e culturais do passado, com o intuito de registrá-las, revelá-las e preservá-las. A fotografia, segundo Barthes (1984), remete “sempre ao seu referente”; mas não se torna unicamente simbólica devido à sua subjetividade e complexidade indicial, ao qual é uma marca e um recorte do espaço e do tempo do ato fotografado. Ela é múltipla e intensamente negociada pelas ações do fotógrafo e posteriormente através da mensagem ou da finalidade de sua atuação no meio social. Conforme afirma Kossoy (1998), a imagem fotográfica fornece provas, indícios, funciona sempre como documento iconográfico acerca de uma dada realidade. Trata-se de um testemunho que contém evidências sobre algo. Desta forma, ela une, realidade com o passado, captura a matéria e o ato na sua bidimensionalidade como também, constata que o objeto fotografado realmente esteve lá, naquele espaço-tempo, ou seja, como um certificado legitimador da cena (Michelon e Tavares, 2008). Neste sentido, são apresentadas, nesta dissertação, inúmeras fotos representativas da época em que os fatos aqui descritos ocorreram, servindo como documentação, legitimação e bidimensionalização da realidade vivida. Assim sendo, paralelamente à pesquisa do patrimônio histórico tangível com o oportuno resgate dos locais em que se desenrolaram os acontecimentos, busca-se nesta dissertação, fundamentalmente, trazer à luz os processos empresariais, mercadológicos e industriais de Design e Tecnologia que estiveram por traz dos processos criativos dos produtos que foram desenvolvidos na empresa entre 1960 e 1980, mais especificamente, as marcas MaGnalinea e MaGnaspazio. 16 O crescente interesse da sociedade pelo resgate de diferentes aspectos históricos, sociais, econômicos e culturais através da arqueologia industrial justificam o atual trabalho, que tem como objetivo o estudo sistemático e aprofundado dos fatos e ações que originaram a mudança de paradigmas na construção de móveis para escritórios, com origem no final dos anos 60. Neste sentido, para maior compreensão deste tema, o assunto, introduzido no presente capítulo, será revisado no Capítulo 3, ilustrando os principais nomes e fatos que serviram referência para o Design de móveis para escritórios das décadas de 40 a 80. No Capítulo 4 é apresentado o estudo de caso, objeto desta pesquisa, que originou as consagradas linhas de móveis para escritório MaGnalinea e MaGnaspazio. No Capítulo 5 são apresentadas as conclusões, baseadas na análise realizada no caso estudado. Ao final deste estudo são apresentadas as referências bibliográficas utilizadas. Ainda, como Apêndices, são disponibilizados depoimentos, cópias de plantas, fotos de catálogos e esboços desenvolvidos na época nas diversas fases do desenvolvimento dos produtos, e que servem como documentação dos fatos históricos aqui apresentados. 17 2. JUSTIFICATIVA Segundo a Carta de Nizhni Tagil (2003), o patrimônio industrial se reveste de um valor social como parte do registro de vida dos homens e mulheres comuns, e como tal confere-lhes um importante sentimento identitário. Na história da indústria, da engenharia, da construção, o patrimônio industrial apresenta um valor científico e tecnológico, além de poder apresentar um valor pela qualidade de sua arquitetura, seu design ou de sua concepção. Neste sentido, a arqueologia industrial vem ganhando espaço na pesquisa científica e sua importância vem sendo reconhecida por resgatar aspectos históricos, sociais, econômicos e culturais da sociedade, bem como seus processos empresariais, mercadológicos e industriais. “A importância da arqueologia industrial surge assim, em um momento em que a sociedade pós-industrial, ou da informação, passa por mudanças que determinam novos paradigmas de estudo dominados pela automatização, pela importância central dada aos processos informacionais. Define uma nova era “neo-industrial” na qual é necessário ter presente o passado mais próximo, para compreender melhor o futuro e conformar com isso a imagem e a pessoalidade do lugar em que se vive.” López Garcia, 1992 Devido ao acesso ao acervo histórico da empresa Manlio Gobbi, Industria de Móveis Ldta, de Porto Alegre, que esteve no mercado de moveis para escritório no período de 1959 a 1982, esta dissertação realiza uma ordenação histórica e factual que permita refletir sobre os processos que foram determinantes para o aparecimento das linhas de moveis da empresa com alto grau de inovação MaGnalinea e MaGnaspazio, reconhecidas tanto pelos usuários como pelos profissionais de arquitetura e design. Além disso, faz-se uma análise sobre um procedimento empírico, que mesmo sem os requisitos fundamentais de um processo acadêmico sobre Design, catalisou e concretizou um processo criativo participativo e acima de tudo prazeroso. Sua 18 importância epistemológica se destaca neste momento de transformações industriais arrastadas pela velocidade dos avanços tecnológicos. Neste sentido, este trabalho faz uma reflexão cientificamente fundamentada, de como num contexto de época, com características mercadológicas próprias a confluência de uma capacidade inventiva com o conhecimento de processos produtivos industriais, oportunizou o desenvolvimento de um design inovador, que se consolidou vencedor em um mercado altamente competitivo. 19 3. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 3.1 Panorama geral do Design no Brasil, nas décadas de 1950 e 1960 e 1970 Segundo Petzold (2009), dentro do cenário mundial, os designers de renome apareceram no cenário do varejo, propriamente ditos, na década de 40. No Brasil, pode se dizer que foi nos anos 50. Até ai, o designer como profissional da era industrial, e, portanto, o “fazedor” de Desenho Industrial, era confundido com artista ou artífice. Neste período, o Brasil passava por um forte processo de modernização em diversos setores, como conseqüência da abertura de mercado e da entrada das multinacionais, tudo fazendo parte do modelo de desenvolvimento de JK. Surgem museus patrocinados por grandes empresários, como o MAM-SP (1948), MAM-RJ (1948); destaque ao MASP (1947), que sob a direção de Pietro Maria Bardi, teve o Design como foco de muitas exposições e eventos. Necessário se faz lembrar, que a profissão de designer, como entendemos hoje, naquela época era ainda bem jovem, mesmo que uma escola Bauhaus tenha projetado o Design, mundialmente, desde 1913 até seu fechamento em 1933. Em 1951, também no MASP, surge o primeiro curso de desenho industrial do Brasil no IAC, que abrigou importantes protagonistas que já atuavam como designers, como por exemplo Alexandre Wollner, Emilie Chamie, Ludovico Martino, Antonio Maluf, Mauricio Nogueira Lima e Geraldo de Barros. Em 1962, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, dirigida por Villanova Artigas, incluiu disciplinas de desenho industrial no currículo de arquitetura. Em 1963, no Rio de Janeiro, organizada por designers, artistas, empresários e intelectuais da Associação Brasileira de Desenho Industrial (ABDI), foi criado o primeiro curso superior de design no Brasil (ESDI), promovendo publicações e seminários com o intuito de legitimar o design e criar mercado. Esta movimentação em torno do design, mesmo que ainda não tivesse alcançado o grande publico ou os empresários do “varejo”, deixou a sua “digital “ na indústria moveleira, foco desta dissertação, bem como nos setores da metalurgia, aonde utensílios e eletro domésticos proliferavam, e também no setor gráfico. Casado com a arquitetura modernista, nasce com força peculiar o Design de cunho nacional. 20 3.2 Panorama geral do Design de Móveis para Escritórios no Brasil à época Dentro deste cenário, irrequieto e promissor, o mercado de moveis para escritórios, toma volume e aparece como um campo fértil para a criatividade dos designers e artífices. A elite de profissionais e executivos, assim como a hierarquia profissional de instituições, que compravam móveis finos para seus escritórios, gabinetes salas de reuniões, buscavam demonstrar a afirmação de seu sucesso profissional. Assim, a imponência, as concepções inovadoras e a excelência do acabamento eram elementos sempre bem vistos, por este consumidor. Neste contexto, já desde o final da década de 40, no pós-guerra este mercado se expandiu para suprir a demanda de escritórios empresariais cada vez maiores, bem como ao desdobramento de instituições públicas e privadas e prestadores de serviços. Foi no pós-guerra que começaram a surgir verdadeiras obras de arte em móveis para escritórios, frutos das concepções inovadoras de homens criativos como Sérgio Rodrigues, Milly Teperman, Geraldo de Barros, Ferruccio Gobbi, Karl Bergmiller, Cenachi (pai do Alexandre Cenachi, presidente da Sayer Lack), Michael Arnoult, Jorge Salzupin, Sandro Magnelli entre outros tantos que fizeram por iluminar esta constelação brasileira de produtos tão genuínos com Design avançado em relação ao que se encontrava nas regiões do além mar. Na busca por cativarem um público exigente, a indústria moveleira, hibrida de processos industriais e artesanais, colocava no mercado verdadeiras obras de arte, concebidas por arquitetos, designers e artistas, como Sérgio Rodrigues, Geraldo de Barros, Ferruccio Gobbi, Karl Bergmiller, Michel Arnoult, Sandro Magnelli, Jorge Salzupin entre outros tantos. Na década de cinqüenta, a cidade de São Paulo e seus arredores consolidou-se como um pólo de industrias moveleiras deste setor. Estavam ali sediadas, a Fergo, a F. Gobbi Industria Mobiliária S/A, a Riccó, a Securit, a Brafor, a Escriba, a Ambiente, a Hobjeto, a Italma, o Liceu de Artes e Ofícios, Moveis Teperman, a L’Atelier entre outras. 21 Na década de 60 o setor de Móveis para Escritórios havia atingido um lugar de destaque no panorama nacional graças à coragem empreendedora de empresas paulistas e cariocas como a Fergo, Riccó, Securit, Brafor, Escriba, Ambiente, Hobjeto, Cimo, Kastrup, Italma e F. Gobbi Ind. Mobiliária SA, Liceu de Artes e Ofícios, Teperman, L’Atelier, Oca, entre outras. No Rio Grande do Sul eram poucas as indústrias entre as quais se destacavam Heinz Agte com móveis desenhados pelo arquiteto Cláudio Araújo; Brixner S/A. e Artema que fabricavam móveis, Dasp e, logo após, FMI e Heuser com uma linha própria de escrivaninhas. “Década (1960/70) esta que representou o momento do verdadeiro Design Brasileiro, em que cada linha tinha características diferenciadas que evidenciavam a maioridade daquele empresariado projetista que buscava na sua inventiva a marca registrada de cada linha. Eram empresas que, até mesmo sem se darem conta, acreditavam na força do Design utilizando, quase sempre, arquitetos engenheiros ou “self made” designers, na maioria das vezes, os próprios donos das empresas” Manlio Gobbi, 2008. Estes móveis representaram os tempos áureos da indústria moveleira verde amarela no setor de móveis para escritórios. Móveis autenticamente brasileiros tanto na concepção como na sua fabricação, cujo ferramental para fazê-los em série era, na maioria das vezes, desenvolvido pelas próprias empresas com o assessoramento dos técnicos e engenheiros constituindo-se num autêntico acervo tecnológico e fazendo vir à tona o grande potencial criativo das indústrias daquele período. A Figura 1 mostra um exemplo de escrivaninha produzida pela empresa L’Atelier na década de 1970. 22 Figura 1: Escrivaninha L’Atelier década de 70. No Paraná, tinha destaque a Moveis Cimo e a Kastrup., que assambarcavam o mercado promissor de Curitiba e do norte de Santa Catarina. No Rio de Janeiro, a Oca, com móveis desenhados por Sérgio Rodrigues, eram a grande vedete deste setor. A Figura 2 mostar um exemplo de escrivaninha projetada por Sérgio Rodrigues. Figura 2: Mesa Sérgio Rodrigues No Rio Grande do Sul eram poucas as indústrias, entre as quais se destacavam a Heinz Agte, com móveis desenhados pelo arquiteto Cláudio Araújo, A Heuser com 23 uma linha própria de escrivaninhas, a Brixner S/A e a Artema, que fabricavam os móveis institucionais da linha Dasp1 depois substituidos pela linha FMI2. Foram os tempos áureos da indústria verde amarela do setor de móveis para escritórios. Móveis autenticamente brasileiros tanto na concepção como na fabricação. O ferramental para fazê-los em série era, na maioria das vezes, desenvolvido pelas próprias empresas com assessoramento de técnicos e engenheiros, constituindo-se num verdadeiro acervo tecnológico e fazendo vir à tona o grande potencial competitivo das empresas de então. Foi o momento do verdadeiro Design brasileiro, cada linha com características diferenciadas, evidenciando a maioridade daquele empresariado projetista que buscava, na sua inventiva uma marca registrada para sua linha. Eram empresas que, sem se darem conta, acreditavam na força propulsora do Design utilizando, quase sempre arquitetos, engenheiros ou “self made” designers, na maioria das vezes os próprios donos das empresas. Dentro deste contexto, esta pesquisa aborda com detalhe a trajetória de Ferruccio Gobbi. Mas, infelizmente, num determinado período houve mudanças econômicas e empresariais significativas. Parece um paradoxo, mas foi na fase do milagre brasileiro que esta magnífica estrutura começou a claudicar, refere-se especificamente ao setor de móveis para escritórios onde foi possível visualizar as coisas acontecerem de uma maneira esvaziante para o parque industrial nacional. Tudo em decorrência de decisões políticas que, por mais acertadas que pudessem parecer, traziam em seu bojo aquele cupim (refere-se a uma praga que ataca os moveis) que iria começar a minar todo aquele trabalho maravilhoso de estruturação de uma autenticidade criativa. E foi por aí mesmo que as coisas começaram a declinar. Faltou aos empresários que lideravam o mercado a convicção da competência de seus produtos. Erich Fromm explica muito bem o que estaria por acontecer em sua 1 Departamento Administrativo do Serviço Público, criado pelo Estado Novo em 1938 que tinha como função organizar inspecionar e promover a melhoria dos serviços públicos e também normatizar e fixar os padrões do material para usos dos mesmos. Foi determinado uma linha institucional de moveis, escrivaninhas, arquivos e armários, adequado á época (1940), em madeiras preferencialmente escuras,e em cujos pés tinham as extremidades quase sempre protegidas por ponteira de latão. 2 Os moveis chamados de FMI, vieram a substituir a linha Dasp, por ocasião da retirada do FUNDO MONETÁRIO Internacional, da sede em Brasília, em meados 1959, devido ao rompimento com Juscelino Kubitscheck. O DASP aproveitou a ocasião para modernizar seus equipamentos e elegeu a linha projetada para o FMI como a nova regulamentação de móveis institucionais. 24 obra “A Anatomia da Destrutividade Humana”. E, numa descrição rápida e sucinta, tudo começou mais ou menos assim dinheiro à vontade desde que com as respectivas garantias, a custos baixos e financiamentos a perder de vista. Para que? Para que se pudesse montar novas indústrias “modernas” que, na época exigiam espaços imensos, aqueles pavilhões que a todos assombravam dando a falsa idéia de prosperidade do setor. Faltava então, rechear o interior destes templos de “prosperidade”, e, aí, de novo, dinheiro à vontade para trazer maquinário do exterior com a condição de que fosse contribuir para o progresso industrial da nação. Surgiram então as empresas montadoras de projetos, no Brasil e também no exterior, tudo numa verdadeira venda casada. Foi aos vendedores de maquinário das empresas, notadamente italianas e alemãs que coube a orientação para a compra de máquinas pelos empreendedores brasileiros. E, para “facilitar” mais ainda determinavam, também, qual o produto que seria fabricado para poder ser exportado, pois só eles sabiam o que tal ou qual linha de máquinas era capaz de fabricar. E então definiam, por conseqüência que linha de móveis deveriam produzir. Esta é, até a presente data, a forma de colonização através da Tecnologia e do Design. Vale para inúmeros setores, como o calçadista, o moveleiro, o eletro-eletrônico, o automotivo, etc. Uma lástima, pois as maravilhosas raízes foram arrancadas do solo nacional como se daninhas fossem, por uma questão de falta de convicção de quem as tivesse plantado. Uma vez que a grande maioria caiu na cantilena desses vendedores de máquinas que aceitaram mudar seu perfil e tudo aquilo que tinha sido construído com tanto suor e criatividade ficou de lado. Este novo momento do Brasil foi extremamente lesivo aos interesses nacionais, pois ficavam nas mãos dos estrategistas de fora que não pensavam em outra coisa senão vender seus modernos conjuntos de máquinas. Começou uma verdadeira onda de viabilização de projetos da venda de sistemas completos de fabricação, que recheavam os recém construídos pavilhões brasileiros numa operação de venda conhecida como chave na mão. Na qual, o comprador não havia outra solução senão a de deixar que os especialistas tudo fizessem, inclusive determinassem o seu produto. Daí em diante começava a doce ilusão que bastava inaugurar a fabrica, ligar o equipamento e, de pronto, começar a faturar tranquilamente. Tornou-se então uma época de grandes festas de inauguração com a mídia a divulgar, aos sete ventos, a 25 pujança de nosso empresariado. O que parece um exagero, mas não se trata disso, pois pouquíssimas empresas se beneficiaram realmente deste episódio e tiveram cacife para fazer frente às adequações. Foram bem sucedidas as que, vislumbrando os problemas, fizeram associações inteligentes com as empresas vendedoras, a exemplo do talento estratégico de Lourenço Castellan, proprietário da Florense e que a transformou hoje, graças ao seu carisma pessoal numa potencia digna dos maiores elogios. Ressaltá-se a perspicácia empresarial de Ademar De Gasperi que, passando por momentos de grande turbulência conseguiu consolidar um novo e eficaz modelo produtivo em sua fábrica de móveis Carraro. Outra empresa que soube objetivamente lidar com tal situação foi a Todeschini. Na ocasião era fabricante de acordeões e estava buscando um novo nicho de mercado, as cozinhas, com o assessoramento dos designers Bornancini e Petzold. A empresa conseguiu as máquinas adequadas para seu novo perfil, e tornou-se um sucesso graças à idéia arrojada do diretor Farina. Esta inovação possibilitou a Todeschini tornar-se um dos maiores nomes em cozinhas no Brasil. Entrementes, à maior parte das empresas restaram às dores de cabeça das matérias primas não compatíveis, insumos inadequados (principalmente colas) e que dificilmente credenciariam os produtos com a qualidade necessária para serem exportados. Estes fatos mostram a fundamental importância do binômio Design e Tecnologia para a vida das empresas. A maior parte daquelas empresas, anteriormente tão decantadas pelo seu Design acabou por desaparecer, por vezes mudando de mãos em mãos e, assim sendo, também de filosofia e de produto. Mais um óbice histórico ao desenvolvimento nacional muito semelhante ao que aconteceu quando se transferiu para cá a família real em princípios de 1800 e que determinou que os produtos manufaturados só pudessem vir do exterior, pois queria fazer uma política interessante aos amigos da corte. Assim sendo naquela época, vários empreendimentos já existentes no Brasil, principalmente tecelagens de alta qualidade e aciarias tiveram de rever seus planejamentos e a maioria deles sucumbiu frente àquela política protecionista aos países estrangeiros. 26 Foi nesse momento histórico, aproveitando-se por assim dizer desse hiato numa aceleração interrompida que a Manlio Gobbi S/A deitou suas sementes e teve a façanha de encontrar um terreno para se desenvolver. 27 4. ARQUEOLOGIA INDUSTRIAL: ESTUDO DE CASO DA EMPRESA MANLIO GOBBI E CIA. LTDA. 4.1 Antecedentes históricos 4.1.1 Ferruccio Gobbi, Móveis Fergo (São Paulo) Os contrafortes desta pesquisa passam, obrigatoriamente, pelos laços de sangue de Ferruccio Gobbi, oriundo da Itália, mais precisamente da cidade de Bassano Del Grappa, e de Manlio Maria Gobbi, seu sobrinho, nascido em Porto Alegre em 1937, fundador da Manlio Gobbi & Cia.Ltda. Ferruccio Gobbi, pintor e artista plástico, chegou ao Brasil na década de 30, e se radicando na cidade de São Paulo, exerceu a atividade de publicitário durante os primeiros anos. Imerso desde sua formação, na Itália, em arte e design, após algum tempo, se associou á um abastado conde italiano, se sobrenome Berra, e juntos decidam fundar a Moveis Fergo, uma industria que se dedicaria exclusivamente á fabricação de moveis para escritório, segmento de mercado para uma classe abastada. Eram móveis que fugiam ao lugar comum, tanto em formas como em técnicas de fabricação. A Fergo inovou nos detalhes e nos processos construtivos. De inicio resolveu vestir seus móveis, escondendo as estruturas dos pés e das gavetas. Desenvolveu, por exemplo, cantos de mesa arredondados, na própria linha de fabricação, procedimento este, até então, somente dominado pelo talento profissional dos marceneiros em suas tarefas artesanais. Um desenho ilustrativo de escrivaninha da empresa Fergo é mostrado na Figura 3. Outro item inovador dizia respeito ao detalhe construtivo das gavetas, substituindo o uso de pregos pelo sistema de malhetes do tipo “rabo de andorinha”. Também desenvolveu um sistema inédito na industria de moveis brasileira, de fechamento simultâneo das gavetas. Ferruccio Gobbi, com tal pioneirismo tornou-se o referencia nacional no setor de móveis para escritórios da época. 28 Figura 3: Desenho de escrivaninha FERGO, década de 60. 4.1.2 F. Gobbi Industria Mobiliária S/A (São Paulo) e Manlio Gobbi (Porto Alegre) Com o correr dos tempos, desavenças empresariais levaram Ferruccio Gobbi a terminar a sociedade com o Conde Berra e criar sua própria indústria, uma moderna fábrica em São Paulo, na Vila Leopoldina à Avenida Guaipá, 1473 que chamou de F. Gobbi Industria Mobiliária S/A e que originou a marca Gobbi , moveis para escritório. A Figura 4 ilustra a localização da fábrica na época. Figura 4: Imagem retirada do Google Maps com a localização da fábrica F. Gobbi Indústria Moboliária S/A, em Sâo Paulo. 29 Com um show room, localizado em um dos pontos mais nobres, na época, da cidade de São Paulo, qual seja a esquina das avenidas São Luiz com a Avenida Ipiranga, com um nome e uma marca forte no setor, não tardou a expandir seu mercado para o Rio de Janeiro e Belo Horiozonte, onde abriu duas filiais respectivamente. A linha de móveis que Ferrucicio Gobbi desenvolveu, além de levar a marca registrada de suas inovações quando da fundação da Fergo, se destacava pela ousadia das proporções que emprestavam aos usuários um sentido de magnitude. Um exemplo de escrivaninha desenvolvida na época pode ser visualizado na Figura 5. Figura 5: Escrivaninha Gobbi 491 com transparência mostrando os gaveteiros. Por ocasião do surgimento de Brasília (Figura 6a), a empresa teve presença marcante na montagem dos ambientes institucionais. Por diversas vezes, personalidades como Lúco Costa, Oscar Niemeyer e outros tantos arquitetos responsáveis pela concretização do sonho do Presidente Juscelino Kubicheck, se encontravam com Ferruccio para planejar o mobiliário de Brasília. Muitos móveis da F. Gobbi, conhecido como Moveis Gobbi, acabaram assumiam nomes dos locais para onde foram projetados, a exemplo das poltronas modelo Senador (Figura 6b). 30 (a) (b) Figura 6: (a) Imagem dos prédios do congresso nacional na cidade de Brasília, idealizada por Juscelino Kubicheck e projetada por Oscar Niemeyer; (b) Esboço da Poltrona Senador, criada pela Gobbi para mobiliar o Senado Federal. 31 Dando continuidade ao caminho de expansão, Ferruccio Gobbi chegou a Porto Alegre em 1956 (Figura 7). Seu intento era de continuar sua expansão comercial e, para tanto contou com a companhia de seu sobrinho Manlio para auxiliá-lo na tarefa de conhecer o comércio de seu setor em Porto Alegre e buscar um bom ponto para inicio de suas atividades. Em tal convívio, conhecendo a penetração social que Manlio desfrutava na cidade mercê de seu bom relacionamento, Ferruccio acabou por convidálo para introduzir sua marca no mercado. Manlio, estudante da Faculdade de Ciências Econômicas da PUC, sentiu-se honrado com o convite e o aceitou com entusiasmo. Figura 7: Chegada de Ferruccio Gobbi a Porto Alegre. Ferruccio,de imediato proporcionou-lhe um estágio em São Paulo, aonde lhe foi dado conhecer a organização, show-room e toda a dinâmica de vendas da empresa. A loja de São Paulo é ilustrada na Figura 8. 32 Figura 8: Fachada da loja em São Paulo, localizada na esquina das Avenidas São Luis e Ipiranga. No retorno a Porto Alegre, Manlio Gobbi, bastante motivado pela envergadura e pelo universo da empresa de seu tio, pediu licença de 60 dias à empresa Carlos Lubisco SA, onde trabalhava para, em caráter experimental, coordenar o lançamento dos Moveis Gobbi, para escritório, no mercado portoalegrense. O primeiro show-room em um apartamento alugado, no mesmo prédio da empresa Carlos Lubisco, avenida Mauá, número 873, 2ª andar (Figura 9). Figura 9: Localização do primeiro show-room dos Móveis Gobbi, na Avenida Mauá, número 873, 2ª andar, em Porto Alegre. 33 A empresa tinha como quadro funcional, uma secretaria, um administrativo, Nelson Viero. Seu colega de PUC-RS, três vendedores, assistidos pela competência de Ney Roberto Pacheco da equipe de vendas da Olivetti, e o próprio Manlio nas funções de gerência. Cabe aqui relatar, um fato, que pelo poder da observação, alavancou uma estratégia de venda e se tornou uma peculiaridade do show-room. Pelo motivo do prédio não dispor de elevador, os visitantes e clientes, para vencerem quarenta magníficos degraus de mármore de Carrara, chegavam quase sem fôlego ao show-room e lá, na primeira poltrona que encontravam. Sentavam-se para descansar. Em sua estréia como estrategista de marketing, Manlio Gobbi passou a utilizar então, este “ponto de descanso”, como o ponto de valorização do seu show-room, e passou a colocar, neste local, as poltronas e cadeiras mais convidativas, ousadas ou peculiares que possuía e uma ambientação especial. Frequentemente, o que ali estivesse, acabava por encabeçar a lista de moveis que estes clientes vinham a se interessar e ou a comprar. A recém formada Manlio Gobbi & Cia Ltda, filial de Porto Alegre, da Móveis Gobbi, iniciava assim a árdua tarefa de conquistar um mercado seleto de móveis requintados para escritório. Tinha a seu favor a qualidade comprovada do que vendia e uma grife que trazia seu próprio nome. 4.2 Manlio Gobbi & Cia. Ltda. 4.2.1 Estruturação e Gestão de Marketing A identificação do nome do produto (Móveis Gobbi) com o nome de quem comercializava a mercadoria, (Manlio Gobbi) emprestava sinergia aos negócios e consequentemente uma importante credibilidade ao empreendimento assim que, para fazer jus á isto, precisava de uma política de venda que se estendesse da pré ao pós venda, com um atendimento cuidadoso de todas as etapas. Apenas inaugurada a filial gaúcha dos Móveis Gobbi, foi feito um treinamento, nos métodos mais modernos de vendas. Trazidos de São Paulo pelo zelo profissional de 34 Henrique Gobbi, filho do titular Ferruccio Gobbi, o qual se trasladou para Porto Alegre para somar nos propósitos de sucesso da equipe. Ancorada em uma equipe de vendas bem preparada, a nova empresa, sentia-se apta á iniciar seu árduo trabalho de abrir frentes de venda para um produto que era muito bem vindo, naquele momento (1959) em uma capital que posssuia uma das rendas per capita mais altas do país. Embora a consciência e o conhecimento sobre as ferramentas de gestão de marketing, ainda fossem incipientes, naquela época, Manlio Gobbi era convicto de sua importância para que conseguisse alavancar o sucesso que pretendia para sua empresa e não temeu em formar uma gestão de marketing arrojada e criativa. Umas das inovações introduzidas pela Manlio Gobbi foi o sistema de rádio, no veículo de entrega (uma Kombi), de forma que a operação fosse rastreada pela própria direção da empresa, da saída do móvel da loja até o destino final. Na loja, foi adotado um questionário a ser preenchido pelo cliente, com o intuito de ouvir suas opiniões, cadastrá-lo e inseri-lo nas futuras campanhas promocionais. Manlio Gobbi, também transformou o momento da entrega de móveis em um momento de divulgação de seus produtos. Era colocado um cavalete (nos moldes daqueles usados pelos pintores de quadros) no hall de entrada do edifício, que ostentava um quadro com os dizeres “mais uma entrega de MÓVEIS GOBBI” e uma prateleira onde eram colocados os catálogos dos produtos. Esta operação tinha lugar nos novos prédios empresariais que estavam tomando conta do centro da cidade como, por exemplo, o Edifício Fronteira, recém inaugurado e o Edifício Missões, ambos na Avenida Borges de Medeiros. Era uma estratégia que surtia um efeito multiplicador importante, pois todas as pessoas que transitavam pelos elevadores ou eram já inquilinos ou proprietários de salas, ou eram empresários em busca de locais para suas organizações. Simultaneamente, aproveitando-se de seu bom trânsito nas esferas sociais da cidade, aproveitava as oportunidades que lhe apareciam, para falar em Design, assunto que lhe apaixonava, ainda restrito á uma elite intelectual e para o qual a classe dominante ainda não lhes dava a devida importância. A estrutura mercadológica da empresa em Porto Alegre, em um ano de atuação, demonstrou uma pujança nas vendas, que por muitas vezes ultrapassou o 35 montante de vendas da própria matriz em São Paulo. Este fator, somado à visão empresarial de Manlio Gobbi, que descortinava horizontes maiores para seu futuro, fez com que, de comum acordo com a F.Gobbi, em 1960, a Manlio Gobbi S/A, viesse a se tornar uma revenda e não mais uma filial da F.Gobbi de São Paulo. A Figura 10 mostra a fachada e a localização da empresa. (a) (b) Figura 10: Revenda da empresa F. Gobbi. (a) Vitrine da loja da Rua Dr. Flores, número 383; (b) Localização da loja. 36 4.2.2 Expansão Empresarial Indústria Não tardou para a indústria lançar-se na esfera da fabricação. Agora não mais como uma filial da F.Gobbi, a Manlio Gobbi S/A iniciou a década de 60 , ampliando suas atividades: adquiriu a empresa Model, uma fábrica de móveis com sede na Av, Sertório 574, em frente à Avenida Roosevelt, em Porto Alegre (Figura 11). Figura 11: Localização da fábrica, na Avenida Sertório, número 574, em Porto Alegre. Seu intuito era estender sua atuação para a área de Design, executando projetos e fabricando móveis especiais e, na contrapartida, em condições de oferecer todo o serviço complementar de instalações ao cliente que comprava os móveis revenda, a Loja Manlio Gobbi, localizada na rua Dr Flores, número 383. de sua 37 DOMUS Em sociedade com Cláudio Albuquerque e Antonio Schittini Pinto, foi fundada a loja Domus, num ponto central da metrópole, a esquina das ruas Gal Vitorino e Avenida Professor Annes Dias (Figura 12). A loja foi ousada desde seu início, revendendo móveis residenciais assinados, da Arflex de Milão e da L’Atelier de São Paulo, com os móveis desenhados por Jorge Zalsupin, bem como da Oca do Rio de Janeiro projetados por Sergio Rodrigues. Foi a loja DOMUS que lançou a novidade das poltronas infláveis, no Brasil trazendo-as diretamente da Itália, como o mais recente lançamento da empresa Zanotta, projetadas por renomados arquitetos italianos tais como De Pas, D`Urbino, Lomazzi, Marcos Zanuso. Figura 12: Localização da loja Domus, na rua General Vitorino, esquina com Avenida Professor Annes Dias. Manlio Gobbi, entusiasta do bom design e da arte, achou que poderia fazer de sua loja um espaço de “imersão” neste universo e passou a promover vernissages de lançamento de design industrial juntamente com exposições de artistas, muitos na 38 época ainda promissores como Yeddo Titze e Ado Malagholi, que depois se projetaram internacionalmente. Este binômio, pontos de vendas e fabrica se complementavam e criaram um poder ainda maior de penetração no mercado que passou a englobar também execução e instalação de lojas e complexos empresariais. Sede Própria Consolidando negociações com os arquitetos Salomão Almaleh e Irineu Breitman responsáveis pela construção do prédio do IAB na Praça Don Feliciano, 67, defronte a Santa Casa de Misericórdia, Manlio adquiriu a loja (Figura 13) que daria continuidade às atividade de móveis para escritórios iniciadas na loja da Dr. Flores. 39 (a) (b) Figura 13: Loja do IAB, negociada com Manlio Gobbi. (a) Fachada da loja; (b) Localização, na Praça Dom Feliciano, número 67, em Porto Alegre. 40 A loja, fazendo parte integrante do prédio dos Institutos dos Arquitetos do Brasil, além de se constituir num local de trânsito privilegiado por onde transitavam os carros oriundos de bairros nobres da cidade, estreitava os laços de parceria com a classe dos arquitetos, a maioria dos quais transitavam habitualmente pelas lojas da empresa para se familiarizar com os últimos lançamentos. O IAB mantém até hoje (2011) o logotipo da empresa fixado na fachada do prédio (Figura 14). Figura 14: Fachada atual do prédio do IAB, mantendo o logo da empresa. 4.2.3 Autonomia e Design Referências de Design Segundo Botton (1969), nossa noção de um limite adequado para qualquer coisa, por exemplo, riqueza e estima, nunca é formada de maneira independente. Ela provém da comparação da nossa situação com a de um grupo de referência, composto pelas pessoas que consideramos nossos iguais. Nesse sentido, o convívio com pessoas intimamente ligadas ao Design, como Ferruccio Gobbi, Gui Bonsiepe, Sérgio Rodrigues, Milly Teperman, Sandro Magneli e Jorge Zauzupin, entre outros, auxiliaram Manlio Gobbi na formação de uma cultura de Design. 41 Fortemente influenciado pelo convívio estreito com seu tio Ferruccio Gobbi, a esta altura já tendo se tornado um “expert” dos processos de fabricação e possuidor de uma percepção abrangente do mercado de moveis, Manlio Gobbi passou a admitir que seria possível se lançar no Design de uma linha própria de moveis para escritório. O estreito relacionamento com Gui Bonsiepe foi de muita importância no aperfeiçoamento de sua cultura em Design. Em 1981 por ocasião da montagem do currículo do primeiro curso de Desenvolvimento de Produto da PUC-RS, consolidaram Manlio e Bonsiepe um relacionamento de respeitosa cordialidade. Manlio, na ocasião era diretor da FIERGS e pretendia com o curso sensibilizar os empresários para a importância do design no desenvolvimento de produtos mais competitivos. Neste convívio com Bonsiepe, Manlio aproveitou para plasmar em sua cultura os sete conhecimentos básicos, idealizados por Bonsiepe e que fazem parte de sua obra “Design do material ao digital”, traduzido do italiano “Dall’Oggetto all Interfaccia”, de 1997. 1. Design é um binômio que pode se manifestar em qualquer área do conhecimento e práxis humana. 2. O design é orientado ao futuro. 3. O design está relacionado à inovação.O ato projetual introduz algo novo no mundo. 4. O design está ligado ao corpo e ao espaço, particularmente ao espaço retinal, porém não se limitando a ele. 5. Design visa à ação efetiva. 6. Design está lingüisticamente ancorado no campo dos juízos. 7. Design se orienta à interação entre usuário e artefato.O domínio do Design é o domínio da interface. Ademais, seu grande respeito pelas referências históricas de design oriundas das escolas Bauhaus e de Ulm, já faziam parte de sua pesquisa rotineira sobre o tema. Como exemplo dos trabalhos desenvolvidos na Bauhaus, pode ser citada a poltrona Barcelona, de Mis Van der Rohe (Figura 15) 42 Figura 15: Poltrona Barcelona, de Mis Van der Rohe. O testemunho histórico de Michael Thonet, no século XIX, também sensibilizava Manlio Gobbi, pois, além dele ter revolucionado o ofício da marcenaria com a utilização de autoclaves para vergar a madeira maciça, ele promoveu da racionalização da produção em serie, e propiciou que, com mesmos componentes pudessem ser montados modelos diferentes de móveis. Thonet também ampliou o processo de se “pensar design” contemplando a facilidade de transporte e armazenamento de sua linha de fabricação. Exemplos de cadeiras de madeira vergada de Thonet são mostradas na Figura 16. Por outro lado, o design industrial Nórdico, (Finlândia e Dinamarca) com suas soluções despojadas e flexíveis, num esmerado trabalho em madeiras maciças, lhe pareciam exemplos para serem seguidos (Figura 17). Este feito de Thonet ressoava forte na convicção de Manlio Gobbi, de que era possível melhorar a penetração de sua empresa no mercado no qual estava inserida inovando em processos e métodos de fabricação. 43 (a) (b) Figura 16: Cadeiras de madeira vergada criada por Thonet. (a) Diferentes elementos da cadeira; (b) Cadeira de balanço. 44 Figura 17: Poltrona Phanton. Na vida pratica, em contato com conhecidos produtos da Olivetti como a Lettera 22, de 1948 (Figura 18) , Divisumma eTekne3 admirava a postura de seu gestor Adriano Olivetti, que buscava sempre ligar seus produtos à arte projetual italiana, contratando designers como Marcello Nizzolli, Mario Bellini e Ettore Sottssas. (a) (b) Figura 18: Máquinas de calcular e escrever antigas. (a) Máquina de Calcular Summa Prima 20; (b) Máquina de escrever Lettera 22. Em suas incursões literárias sobre a cultura do desenho industrial na Itália se valeu da obra de Gillo Dorfles, inteligente observador das mutações do cenário industrial na Itália,no pós guerra. Um exemplo pode ser visualizado na Figura 19. 45 “Eis porque, ao apresentar hoje esta cuidadosa escolha do que melhor se vem produzindo em nossso país a partir da Tredicésima Trienalle (1964) no setor de móveis com assinatura tenho certeza de poder afirmar que o nosso móvel detém, comparando com outros países pelo menos uma supremacia de possuir aquela verdadeira qualidade inventiva. Os designers italianos souberam se valer de novos materiais construtivos, de novas técnicas seriais para dar vida a um número imponente de formas diversas, quase todas desenhadas “ad hoc”, ou seja projetadas para serem desenvolvidas em série e não idealizadas para uma ulterior manipulação e acabamento artesanal e que vão desde aquelas mais óbvias indicadas pela tradição moderna àquelas totalmente paradoxais que dificilmente outra nações teriam a coragem de produzir e muito menos de conceber” Gillo Dorfles, 1990 Figura 19: Móvel com formas inusitadas, de autoria de Joe Colombo. 46 Na DOMUS sua proximidade com a Arflex italiana, que promovia os projetos dos principais designers da Itália com um sucesso extraordinário, além da projeção cultural que tal fato trazia em seu bojo, desencadeou em Manlio Gobbi um respeito e admiração pelo dom dos designers e, certamente somou em sua determinação em desenvolver seus dons inatos de projetista de inovações. Ademais sua curiosidade sobre todos assuntos relativos ao “dom da inovação” que ele sentia muito forte em sua trajetória de vida fizeram com que ele fosse buscar respostas no universo das ciências que tratam sobre o comportamento da mente humana. O trecho do texto de Helena Lutterman (1970), a seguir, sintetiza de maneira sutil um dos princípios elementares do bom design, qual seja o da simplicidade. Simplicidade é liberdade “A respeito de sensibilidade nós temos muito a apreender pelas culturas estrangeiras. A ritual atmosfera da cerimônia Japonesa de tomar chá, desenvolvida e mantida através de séculos, é algo difícil de podermos entender ou mesmo trazer para a nossa cultura. Por outro lado nós podemos buscar inspiração em sua serenidade e simplicidade. Uma calma e serenidade na qual cada objeto e cada movimento adquirem a maior importância. O sutil arranjo de flores possui além da qualidade estética uma presença espiritual. A cerimônia revigora mais a alma do que o corpo. Simplicidade deve ser pura e descomplicada. Simplicidade é sempre liberdade daquilo que não é necessário. O desligamento do supérfluo.” (Helena Lutterman, 1970) Na contramão de suas idéias, a moderna linha italiana da Casteli de móveis de escritório, líder de mercado, com estruturas metálicas de excelente qualidade (Figura 20), fortemente comprometida com investimentos vultosos. Tal filosofia de empresa era 47 o exemplo de situação que Manlio procurava evitar em suas projeções para lograr seu intento. Figura 20: Linha italiana de móveis para escritórios Casteli, utilizando estruturas metálicas. O Design do novo produto a ser desenvolvido precisava atender vários requisitos, para fazer frente às empresas concorrentes, neste nicho de mercado. Estas empresas, a exemplo da Casteli, com sistema vertical de produção, ou seja, com todos os seus segmentos, bem como armazenamento e distribuição, dentro de seus parques industriais, era uma situação, de grande empenhativo financeiro, e que Manlio Gobbi queria evitar. A gestão, portanto de qualquer Design que se viesse á pensar, precisava ser enxuta, racionalizando e otimizando-se a produção de seus componentes, ao mesmo tempo em que deveria ser mantido o foco na qualidade estética dos materiais aliado ao 48 aproveitamento racional da matéria prima, minimizando assim os custos enquanto dinamizava-se o processo de montagem e distribuição. Construção de um novo conceito Em inconformidade com os gaveteiros usuais, tipo “caixão” (Figura 21), rígidos e pesados, com a finalidade de acolher o sistema de corrediças das gavetas cuja fabricação concentrava a parte mais onerosa do produto e que exigiam um acabamento primoroso, o direcionamento do conceito dos móveis da empresa apontavam para busca de uma profunda simplificação da forma. Figura 21: Modelo de gaveteiro FMI utilizado na época: rígidos, pesados e de alto custo. Em um estóico questionamento às soluções convencionais estabelecidas para os elementos funcionais das mesas de escritórios, a nova proposta deveria valorizar as partes estruturais do móvel, eliminando peças supérfluas. O arquétipo deveria 49 consolidar a essência do móvel. Este era o ponto de partida, para alterar uma estética estabelecida. Manlio Gobbi, deteve-se em uma analise aprofundada do gaveteiro convencional (Figura 22), o grande entrave para a flexibilização do móvel em si, e a peça mais complexa do processo construtivo. Bem analisado ele sempre existiu como tal para permitir a fixação das corrediças das gavetas. Esconde também a parte das mesmas relegadas a um acabamento descuidado (laterais externas, parte traseira e fundo), bem como não deixa perceber a desproporção do comprimento das gavetas se comparado ao do gaveteiro. Figura 22: Representação de um gaveteiro convencional. Faltava aos produtos uma coerência construtiva capaz de estender à parte interna dos móveis a qualidade percebida na primeira abordagem feita aos mesmos. A parte funcional, no caso as gavetas, eram acobertadas pelo gaveteiro, aquela grande caixa que servia de garagem para as gavetas, cujo acabamento interno era sempre relegado á um segundo plano. A pergunta que guiava a tendência da empresa em valorizar as formas simples, ilustrada na charge da Figura 23, era “Porque manter esta peça se ela era uma das maiores responsáveis pelo preço elevado do produto?”. Em outras palavras, existia a preocupação de que o gaveteiro era uma peça grande, com elevado custo em virtude de sua cobertura ser cara e, além disso, de importância secundária. Buscou-se chegar a um modelo de gaveteiro prezando pelo conceito “ a beleza da simplicidade”. Além disso, era objetivo do grupo evitar o modelo de fábricas imensas, com muitos setores e funcionários (pensamento ilustrado na charge da Figura 24). A empresa Gobbi & Cia Ltda. alcançou tal objetivo, fazendo frente às empresas 50 multinacionais com nunca mais de 30 operários em função de um Design inteligente da linha de produção. Figura 23: Charge do gaveteiro, ilustrando a preocupação em eliminar o supérfluo e garantir a funcionalidade dos móveis. (Fonte: Desenho de Sérgio Parmagnani) Figura 24: Charge ilustrativa da situação a evitar. (Fonte: Desenho de Sérgio Parmagnani) 51 O gaveteiro convencional para ter qualidade estética e estrutural exigia cuidados especiais, pois, além do sistema de meia esquadria necessário para juntar as faces, as lâminas que o revestiam deveriam ser cuidadosamente selecionadas e colocadas respeitando a seqüência do desenho natural da madeira. Num momento de rara felicidade. foi decidido pela eliminação do gaveteiro convencional, aonde foi suprimido o invólucro habitual, tirando partido da própria gaveta e do quadrilátero de sustentação das mesmas (Figura 25). Figura 25: Eureka: a solução inovadora do gaveteiro. (Fonte: Desenho de Sérgio Parmagnani). Foi desenvolvida uma estrutura de sustentação em metal, que abrigava as corrediças das gavetas e funcionavam ao mesmo tempo, como gaveteiro e sustentação do móvel, conferindo uma transparência e resultando e agradabilíssimo efeito estético. As novas gavetas foram feitas com a mesma largura do tampo principal da mesa, aproveitando ao máximo o espaço vertical disponível. Foram construídas em madeira de lei maciça (louro para versão clara do móvel e Imbuia para a versão escura) e cada gaveta era fechada, em seus quatro vértices, por malhetes (rabo de andorinha), com a parte externa das quinas arredondadas e com o fundo em Duraplac® branco, encaixado nas quatro faces da mesma, conferindo uma rigidez ideal ao conjunto. Foram feitos 52 vários protótipos, até se chegar em um resultado final que surpreendeu a todos pela grande abrangência das soluções apresentadas, todas elas inovadoras. Foi providenciado o devido registro no Instituto Nacional de Propriedade Industrial em 14 de janeiro de 1966, que deferiu a inovação como Modelo de Utilidade em 1969 com o numero MU4676425. Concretizou-se assim o arquétipo que daria origem aos produtos futuros da empresa que se chamou inicialmente de Linha Etrusca. Realizando-se um resgate Arqueológico Industrial observa-se a patente definitiva deste móvel, obtida em 1975, mostrada na Figura 26. Alem das vendas a varejo, a Linha Etrusca foi usada na montagem do setor administrativo do Centro de Preparação de Oficiais da Reserva de Porto Alegre. (CPOR PA) na gestão de Aimèe Lamaison. 53 Figura 26: Carta patente definitiva do modelo de utilidade gaveteiro para móveis, depositada em 1966 e obtida em 1975. 54 4.3 MaGnalinea 4.3.1 Desenvolvimento participativo e Design Pleasure Subsequentemente, foi realizada a oportuna contratação do designer Günter Weimer, egresso da Escola de Design Industrial de Ulm. Guinter identificou-se com a equipe de criação já vinculada á empresa, composta pelos Arquitetos Armênio Wendhausen, Carlos Eduardo Warlich, pelo engenheiro Edmundo Cidade e Célio Vigel da Silva, funcionário responsável pela prototipagem. Tais pessoas, sob a orquestração de Manlio Gobbi realizaram o desenvolvimento industrial da MaGnalinea, herdeira da Linha Etrusca, que pelos conhecimentos de Günter acabou por adqurir um traço de contemporaneidade. Pelas mãos de Günter Weimer, foi viabilizada a proposta de otimização do processo produtivo pelo cuidado com o aproveitamento inteligente e ágil dos vários elementos que compunham a nova linha. Paralelamente, o setor de vendas era o veiculo que trazia as demandas do publico alvo, que se tornavam matéria prima para inovações, nas reuniões usuais da empresa. A busca por soluções e as novas idéias para cativarem os usuários foram, passo a passo, desenhando e expandindo a linha de produtos. A equipe de criação possuía uma boa relação interpessoal, o que permitia que os projetos fossem realizados com prazer. Este modo de trabalho é particularmente destacado nos dias atuais pelo ex-técnico da Seleção Brasileira vôlei, Bernardinho, em seu livro “Transformando suor em ouro”. Segundo ele, a impressão que se tem é que todos os treinadores pensam igual: só talento não basta. Para Bernardinho, o sucesso pode ser sumarizado em uma pirâmide, na qual valores como amizade, lealdade, entusiasmo e cumplicidade compõe sua base (Figura 27). A equipe de criação da empresa Manlio Gobbi S/A, a qual interagia com o chão da fabrica, em uma interrelação horizontal, vivia em um permanente brainstorming, aonde o jocoso varias vezes dava origem a soluções inovadoras para grande alegria dos participantes. Os integrantes da equipe interagiam entre si de uma forma totalmente descontraída graças à criatividade jocosa de Armênio Wendausen que frequentemente desenvolvia suas charges nas mesas dos bares da capital, a exemplo do desenho mostrado na Figura 28. Tal figura retrata não só a seriedade como era tratado o assunto Design, mas também 55 evidencia o valor de estima pelo projeto e o prazer envolvido no desenvolvimento dos produtos. Figura 27: Pirâmide do sucesso, proposta por Bernardinho, técnico da Seleção Brasileira de vôlei. 56 Figura 28: Pleasure Design: a descontração do ambiente de criação. 57 4.3.2 Mesas: Analise do processo construtivo da MaGnalínea - Componentes e Detalhes genuínos Esta nova estética espelhava uma vocação bem modernista, da forma seguindo a função, aonde estrutura, gavetas e tampo se conectavam com autonomia e transparência. Os aros de alumínio mássico faziam um conjunto harmonioso com as corrediças, também em alumínio, criando um paralelogramo de sustentação da mesa esteticamente leve e, ao mesmo tempo com uma competente rigidez estrutural. Os puxadores eram posicionados na posição vertical, e localizados a um terço da parte interna da gaveta, exatamente na posição mais adequada para mão do usuário. O modelo de escrivaninha e gaveteiro da linha MaGnalinea, e suas diferentes combinações, são ilustrados na Figura 29, na Figura 30 e na Figura 31. Figura 29: Gaveteiros MaGnalinea com aros de alumínio massiço, interligados por cantoneiras, em várias combinações. 58 Figura 30: Foto de catálogo ilustrativa da peça da linha MaGnalinea. Podem ser visualizados os puxadores, localizados na vertical e a um terço da parte interna da gaveta para facilitar a sua utilização. O Design inteligente proporcionou uma racionalização da produção, que acabou por surpreender a própria equipe de projetistas. Com apenas vinte elementos básicos era possível montar um número impressionante de modelos de mesas. Segundo o depoimento de Günter Weimer (inserido na íntegra como Apêndice no final desta dissertação), “não se tratava de conjugar produtos diferentes no sentido de almejar um sistema de produtos, mas da produção de uma série de elementos concebidos no sentido de poder ser conjugados no momento da montagem e que se prestasse a formação de produtos destinados a atender a diferentes necessidades. Um fator importante na definição dimensional destes elementos foi o da minimização do desperdício do material empregado e na organização racional dos elementos no depósito. Ainda que o tipo de produção não tivesse sido altamente mecanizada pelas próprias condições de investimentos possíveis, uma boa dose dos resultados positivos conseguidos se deveu à racionalização da produção que em boa parte já havia sido conseguida antes da aprovação das propostas de Günter. Estruturas de metalon com vinte linhas de solda foram substituídas por peças dobradas de alumínio, sem solda e, portanto, sem necessidade de realizar esmerados acabamentos. O tradicional uso de gaveteiros que “escondiam” as gavetas já havia sido abolido, o que nos permitiu rever o projeto de modo a tirar partido plástico das corrediças na mesma medida em que elas foram 59 aproveitadas como elementos estruturais da armação que sustentava o conjunto. Elementos de vedação foram transformados em elementos estruturais. Finalmente, houve uma preocupação em simplificar ao máximo a montagem para qual a única ferramenta necessária fosse apenas uma simples chave de fenda”. Tal fato permitiu um ganho fantástico, pois era possível ter para pronta entrega a mesa escolhida pelo cliente (número de gaveteiros, lado esquerdo ou direito e número de gavetas) o que não acontecia com o mobiliário convencional. Em resumo, conforme afirma o Arquiteto Günter, conseguiu-se com a produção de apenas quinze elementos constituintes (seis tampos, três módulos estruturais, duas gavetas e quatro painéis) montar quatorze tipos básicos de mesas de escritório que, por sua vez, podiam ser montadas de modos diferentes, num espectro de pouco menos de 1500 variantes (Figura 31). Isso se constituiu num projeto realmente inovador e que ainda hoje não perdeu a sua atualidade mesmo tendo sido concebido a mais de quarenta anos. Comprovando esta afirmação pode-se visualizar na Figura 32 e na Figura 33 os móveis da linha MaGnalinea, utilizados atualmente na sala da diretoria da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 60 Figura 31: Diferentes combinações possibilitadas pela escrivaninha e gaveteiro MaGnalinea. 61 Figura 32: Layout atual (2011) da direção da Faculdade de Arquitetura da UFRGS. Figura 33: Detalhe da lateral da mesa localizada na direção da Faculdade de Arquitetura da UFRGS (2011). Destaque é dado para os rebites de fixação. Na Figura 33 ficam evidentes os rebites que fixam as corrediças à estrutura dos aros. Na ocasião, a empresa teve dificuldades em conseguir rebites de alumínio, pois, em 1966, só existiam rebites de aço. Foi necessário mudar a idéia fixa que o fabricante 62 dos rebites possuía, de que o rebite de alumínio não teria condições de fixar convenientemente a peça. Era indispensável, entretanto, que não houvesse dois metais diferentes na estrutura para evitar a corrosão. Tal exigência, suportada por conhecimento científico, garantiu a elevada durabilidade do móvel. As gavetas, por sua vez, deslizavam de forma muito suave no gaveteiro, em função de as corrediças serem revestidas com feltro. Corrediças fabricadas de material polimérico, assim como no caso dos rebites de alumínio, não existiam na época. Na busca pelo aprimoramento da linha, vários detalhes foram sendo criados e aprimorados, tanto sob o aspecto ergonômico, como no aspecto funcional. Sensíveis à fluidez da circulação nos espaços ocupados pelos móveis produzidos pela da empresa, os projetistas optaram por construir cantos arredondados para os tampos das mesas, interligados por cantoneiras (Figura 29) Para complementar a solução, toda a periferia dos tampos recebeu um perfil especial, de elastômero com a finalidade de proteger o móvel, seu usuário e os circunstantes nas eventuais batidas que podem acontecer num ambiente onde a circulação de pessoas acontece permanentemente e sem nenhuma orientação de trânsito. As gavetas em madeira massiça, nas espécies louro, pau-marfim, guatambu, imbuia, possuiam as laterais encaixadas por malhetes tipo rabo de andorinha, com as quinas externas arredondas e fundo em Duraplac® branco. Era uma peça tão bem acabada que, pela sua beleza, pode ser utilizada como prateleira, se fixadas à parede. Foi também criado um pequeno tampo com as medidas da gaveta que permitia o aproveitamento do espaço vertical sob o tampo da mesa, possibilitando assim combinações entre gavetas e ou tampos (Figura 34). As máquinas para a montagem das gavetas, bem como a montagem semi-oca dos tampos, foram também desenvolvidas pela empresa. 63 Figura 34: Diferentes combinações possibilitadas pela escrivaninha e gaveteiro MaGnalinea. 4.3.3 Cadeiras e poltronas Ainda restritos a fabricação somente de mesas, até 1972, a empresa era submetida a uma defasagem dos prazos de entrega entre as mesas e as cadeiras, por depender de outros fabricantes para complementar os pedidos de clientes. O arquiteto Carlos Eduardo Warlich foi o responsável pela nova etapa da empresa, qual seja o desenvolvimento de sua primeira linha de cadeiras e poltronas. As cadeiras, projetadas por Warlich, tinham os pés que se montavam com extrema facilidade, pois eram os mesmos quadriláteros sustentadores das mesas. A empresa fornecia aos clientes, como conseqüência cadeiras com pés que deslizavam sobre o piso com total suavidade. A pesquisa de ergonomia gestual inovou no detalhe de braços inclinados conferidos às poltronas giratória de nome Boxer, que aparece fazendo conjunto com mesa, ilustradas na Figura 36 e na Figura 37. A poltrona giratória Boxer foi a primeira cadeira com braços inclinados do Brasil, o que conferiu à empresa, em 1976, a patente correspondente junto ao INPI. Tal poltrona foi fruto de um estudo de ergonomia gestual para modificar o dissabor que a poltrona de braços retos determinava quando seu 64 usuário decidia sair abruptamente da mesa. Tal situação gerava um apertão da mão contra o tampo, provocado pela distensão da mola de regulagem de altura do aparelho giratório. Figura 35: Cadeiras com braços inclinados e poltronas deslizantes. Figura 36: Cadeira com braços inclinados Boxer, ambientada com outros móveis MaGnalinea. 65 A linha presidencial, que pode ser visualizada na Figura 37, apresentava elevada qualidade de acabamento e um efeito estético diferenciado. Além disso, fazia um aproveitamento dos restos de lâminas (mais econômicas), realizado pelo capricho esmerado de uma equipe de mulheres. A poltrona da Figura 37, modelo MaGna 3AR, foi selecionada pelos curadores para participar da 1ª Bienal Brasileira de Design, conforme visualização do catálogo da Figura 38. Figura 37: Linha presidencial da MaGnalinea. Por outro lado, observa-se que a empresa fez uma série de investidas junto aos homens públicos do Rio Grande do Sul procurando demonstrar aos mesmos que as indústrias gaúchas só poderiam crescer à medida que seus produtos fossem prestigiados pelos órgãos de compra do poder público. A expansão mercadológica da MaGnalinea O trabalho desenvolvido dentro da fábrica, no sentido de aprimorar os processos produtivos, era alimentado por uma interação permanente do setor de comercialização da empresa, o qual captava as nuances do mercado e levava a equipe de criação e, subsequentemente, ao chão da fabrica. Isto, com a evolução do processo de consolidação da marca no mercado, denotava eficiência, agilidade e consequentemente qualidade dos produtos da empresa. 66 Figura 38: Catálogo da Primeira Bienal Brasileira de Design, registrando a participação do produto da empresa. 67 As qualidades e os valores agregados do produto, com mesas componíveis e uma gama de opções de montagem, pediam um ferramental de marketing a altura da riqueza e flexibilidade dos móveis. Neste sentido, a confecção do catalogo, cuja capa é exposta na Figura 39, foi de esmerada valia. A marca MaGnalinea rapidamente ganhou mercado e se expandiu. Em 1972 a empresa foi selecionada pelo Itamaraty para expor a MaGnalínea na Feira Internacional de Lisboa (FIL) e, logo após, tal linha foi exposta no Trade Center da Embaixada em Londres. Foi um episódio marcante não só para a empresa, mas para toda a indústria moveleira nacional. Não bastassem essas deferências que a MaGnalinea despertava, a empresa foi chamada para um encontro com o então gerente do Banco do Brasil, Armando Giampaoli Neto que, como não conhecia os proprietários e projetistas responsáveis pela MaGnalinea, queria saber informações sobre a empresa e seus produtos. Em função do estilo diferenciado e autenticamente brasileiro dos móveis MaGnalínea, a empresa foi selecionada para mobiliar a sede italiana do Banco do Brasil em Milão. Tudo aconteceu de maneira muito singular com a passagem do arquiteto pela sede da empresa, no prédio do IAB, quando se surpreendeu positivamente com o Design MaGnalinea. O gerente do Banco do Brasil da época contou aos empresários que havia recebido a visita do arquiteto carioca Antonio Antunes, responsável pelas obras do Banco em Milão e que o arquiteto havia passado pela loja Gobbi, à noite, e havia ficado deveras impressionado com a MaGnalinea. Gostaria então, de ter os móveis mobiliando a sede do banco do Brasil em Milão, pois por palavras textuais do mesmo “o móvel não ficava nada a dever aos móveis italianos”. A negociação foi concluída com sucesso. O arquiteto Antonio Antunes, responsável pelo projeto, determinou móveis brancos, pintados em epóxi. A empresa aproveitou o momento e fez uma divulgação na mídia escrita a qual trouxe uma resposta acima da expectativa. A empresa resolveu, portanto, introduzir mais esta opção de móveis coloridos que desencadeou uma febre de consumo principalmente por conta de consultórios médicos. Foi esquematizada uma cartela de cores que contemplava as cores branca, preta, verde, azul claro e laranja. A cartela de cores foi selecionada pelo técnico em psicodinâmica de cores Hans Peter Struck o qual prestava serviço de consultoria â afamada fabrica de tintas Schelley Williams representada das Organizações Luce. 68 Pouco a pouco foi se consolidando uma equipe de trabalho coesa e extremamente participativa que envidou o melhor de seus esforços para o êxito do empreendimento que aconteceu num abrir e fechar de olhos. Em pouco tempo a empresa tornou-se líder do mercado. Figura 39: Logotipia exposta na capa do catálogo lançado na época. A empresa, além da MaGnalinea, com móveis com aros deslizantes em alumínio, lançou a linha MaGnalegno. Tal linha compreendia móveis exatamente com a mesma estrutura que os móveis da MaGnalinea, entretanto, ao invés de alumínio, madeira. Tal modificação no material permitiu a produção dos móveis com um custo mais baixo, contudo a qualidade era mantida. Pode-se visualizar, na Figura 40, um exemplo de composição de móveis MaGnalegno, onde as cadeiras possuem o mesmo aro característico da MaGnalinea. Nota-se também, na foto de catálogo da Figura 41 a utilização de malhetes para o acabamento da floreira, destacando a qualidade do acabamento. 69 Figura 40: Foto de catálogo mostrando uma composição de móveis da linha MaGnalegno. 70 Figura 41: Foto de catálogo da linha MaGnalegno. No detalhe, a qualidade no acabamento da floreira, com a utilização de malhetes. 71 Um outro fenômeno ocorrido devido à estruturação da planta industrial, foi a preparação de todos os colaboradores inclusive as equipes de vendas externas que iriam trabalhar com esse produto inovador, para aquela época. Analisando-se alguns catálogos da empresa, nota-se um diferencial no Design gráfico do material de divulgação e de comercialização, uma vez que foram desenvolvidos catálogos diferenciados, o que denota uma preocupação com os clientes, por apresentar um rigor estético, de formas, apresentação de cores e principalmente do nome da empresa inserido no logo, constituindo um logotipo de classe internacional presente no mercado brasileiro. Possuía diagramação, com registros fotográficos que muitas vezes tomavam uma página inteira conforme mostram a Figura 42 e a Figura 43. Figura 42: Composição de mesa e gaveteiro MaGnalinea expostos no catálogo. 72 Figura 43: Imagem do verso do catálogo mostrando a diagramação interna. 73 Percebe-se claramente também, uma forte preocupação da empresa com o mercado internacional, uma vez que a maioria dos catálogos tinha impressa a versão para o inglês (ilustrado na Figura 44), o que afirma uma preocupação com as exportações, demonstrando uma ambiciosa visão de mercado. (a) 74 (b) Figura 44: Imagens do catálogo bilíngüe, considerado uma estratégia mercadológica. (a) Considerações sobre as gavetas e corrediças; (b) Considerações sobre as mesas. 75 4.3.4 Inovações no processo industrial MaGnalínea Resguardando a qualidade total dos produtos foi implantado um sistema para a secagem da madeira das gavetas. Os procedimentos convencionais de secagem por estufas tinham custos astronômicos e necessitavam um comprometimento de imensos espaços para sua instalação. Estaria totalmente fora do propósito da empresa. Sabedores da existência de um processo de secagem da madeira pelo frio, foi contratado o especialista Engenheiro Fúlvio Petracco. Com seu assessoramento, foram utilizados somente 20 metros quadrados da planta industrial, pois foi desenvolvido um pequeno equipamento, baseado num aparelho de ar condicionado, capaz de promover a secagem de 5 metros cúbicos de madeira em duas semanas.Não necessitávamos mais que isso. Inovamos em mandar para a secagem a madeira para as gavetas já com um pré-corte e colocadas engaioladas em vários carrinhos. O controle do equipamento era por demais simples e podia ser operado por um operário. Bastava encher as peças com os carrinhos, fechar a porta, ligar o equipamento e esperar pela retirada da umidade que se controlava em um recipiente colocado a vista de todos. Passadas duas semanas, com o recipiente cheio da água extraída da madeira, retiravam-se os carrinhos e a madeira estava pronta, as peças leves, secas e prontas para a usinagem. As peças ficavam com, no máximo, 16% de umidade, proporcionando um acabamento perfeito na área dos malhetes e dando a certeza de que as gavetas não empenariam. 4.3.5 Contrafortes do sistema MaGnalínea A grande produtividade alcançada pela MaGnalinea foi possível graças a utilização de indicadores como os índices de aproveitamento de elementos e de peças, conforme mostra a Figura 45. Observa-se os mesmos elementos e as mesmas peças são utilizados diversas vezes nas combinações, formando modelos diferenciados. 76 Figura 45: Índices de aproveitamento de peças e elementos. 77 4.4 MaGnaspazio A linha MaGnaspazio foi uma complementação da linha MaGnalínea. A MaGnaspazio, consiste numa linha panorâmica com embasamento no sistema anterior. Já de início, ela contou com o troféu de vencer uma importante concorrência para o centro Administrativo do Estado do Rio Grande do Sul, em vista da instalação da Secretaria de Obras do Estado que ocupava dois andares da recém concluída obra. Na ocasião, a empresa concorreu com empresas famosas daquela época, tais como a Herman Miller e L’Atelier de São Paulo entre outras tantas. Destacou-se pelo sistema panorâmico ou “open space”, que era uma filosofia de layout para escritórios. De acordo com dados da época, esta filosofia implantada pela empresa foi decorrente de uma pesquisa feita nas instalações dos concorrentes, em Brasília, em que foram denotadas algumas deficiências daqueles sistemas até então utilizados. A equipe da empresa deslocou-se até Brasília para visitar as instalações já mobiliadas pela concorrente com um produto importado e que, portanto, era portador de uma filosofia “alienígena”. Tais instalações ocupavam um andar inteiro de um prédio cuja planta retangular possuía uma das faces totalmente envidraçada e o sistema implantado reservava um corredor, frente ao envidraçado, no qual estavam colocados dois bebedouros, um em cada extremidade do extenso andar. O diretor do departamento nos recebeu os visitantes com muita cortesia, mas reclamava de ter de receber as pessoas pelas costas, pois, no sistema implantado, a mesa era colocada como prateleira junto ao painel. Desculpou-se também por seu casaco estar usando uma das cadeiras de diálogo como cabide. Reclamava também da fechadura do armário pendurado sobre a mesa, fechadura esta cromada, e que, quase sempre com a chave inserida, acabava por ficar bem na altura de sua testa. Perguntado sobre suas impressões de como se sentia trabalhando inserido no sistema Open Space, respondeu de forma curiosa “sinto muita sede” e de imediato saiu de seu espaço localizado numa das extremidades do corredor e, apontando para os dois bebedouros disse: “aqui está o bebedor desta extremidade, mas eu sinto vontade mesmo é de tomar água naquele bebedor lá, do outro extremo, porque só assim saio de minha baia e dou uma caminhada, curto o panorama e me retempero para voltar à minha rotina de recluso”. Na continuidade da entrevista fez saber dos problemas do cansativo ruído de fundo que acontecia em função de os sons reverberarem nos painéis, com suas 78 superfícies polidas; do alto índice de roubos dos pertences dos funcionários e finalizou a conversa com a expressão “este sistema, de open space não tem nada. Deveria se chamar de sistema labiríntico”. Tais observações se transformaram no tema de casa da empresa e no seu primeiro brainstorming. Daquela reunião saíram as seguintes determinações, utilizadas como linhas guia para o desenvolvimento dos produtos MaGnaspazio: 1. A mesa deve ser colocada ortogonalmente ao painel. 2. O armário suspenso não deve importunar o usuário, mas sim, somar positivamente. 3. O confinamento é negativo devemos perseguir o arejamento psíquico dos diversos atores. 4. Deve haver espaços fechados para casacos e pequenos haveres. 5. Os painéis devem absorver os sons. Surge, desta forma, o conceito da linha MaGnaspazio. Diversas soluções foram propostas pela equipe de criação, o que colocava a empresa à frente de seus concorrentes. É mostrado a seguir, na Figura 46, uma imagem do projeto MaGnaspazio, o qual contempla melhor o usuário, humanizando seu ambiente de trabalho e também inserindo um novo sistema de arquivos suspensos, dispositivos estes que integravam-se ao ambiente (Figura 47). A linha previa, ainda, que acessórios de uso cotidiano (como porta-casacos e objetos, mesa para máquina de escrever, dispositivos para programação visual, etc.) se integrassem ao mobiliário, como ilustrado pelo desenho da Figura 48. 79 Figura 46: Ambientação da linha MaGnaspazio. Figura 47: Detalhe do arquivo suspenso. 80 Figura 48: Desenho de projeto de cinzeiro, preso no painel da divisória. Observa-se nos catálogos que a equipe de vendas, juntamente com o pessoal de marketing, realizava estratégias mercadológicas inovadoras para a época, caracterizando um avanço no meio impresso local, conforme mostra a Figura 49. 81 Figura 49: Catálogo MaGnaspazio. 82 O projeto deteve-se aos mínimos detalhes e esmerou-se na proteção acústica, revestindo painéis com micro agulhado de polipropileno; os testes feitos com o decibilímetro indicavam que, da primeira reverberação do som no painel cerca de 70% já ficava absorvido pelo agulhado de polipropileno. De acordo com os dados da época, ressalta-se que os testes foram feitos na freqüência de 512 ciclos por segundo e observou-se que o agulhado de polipropileno definiu um coeficiente de absorção de 0,68. Além disso, foram criados visores verticais entre os painéis, proporcionando o arejamento psíquico dos usuários e a mesa era colocada ortogonalmente ao painel proporcionando o domínio do ambiente pelos participantes dos diversos núcleos, constituindo-se num fator de fundamental importância para a racionalização da produção, uma vez que adotou como painéis, os próprios tampos das mesas. Conforme se verificou na pesquisa, a linha MagGnaspazio possibilitou a montagem de um sistema que congregava vários setores da organização, permitindo aos mesmos, com um simples girar da cadeira, participarem de reunião, de até quatro membros em torno de uma mesa pelo Núcleo Poliambiental de Reuniões, como pode ser observado na Figura 50. Figura 50: Croqui de uma composição MaGnaspazio: composição de quatro membros em torno de uma mesa. 83 Observa-se que o projeto permitia a inserção de floreiras, tanto nas partes altas dos painéis, como junto ao solo; aquários acrílicos esféricos que enfeitavam a transparência entre os ambientes e também foram desenvolvidos armários que serviam a dois ambientes, fruto de um aprofundado estudo de ergonomia gestual. As inovações propostas denotam que a linha MaGnalínea e MaGnaspazio pensavam na humanização dos ambientes de trabalho e que conferiam ao layout um aspecto de paisagismo totalmente diferenciado do aspecto frio dos sistemas dos concorrentes. Exposto a seguir, uma planta baixa de um dos andares do prédio da Montab, que teve seus oito andares totalmente mobiliados com a MaGnaspazio. Figura 51: Planta de um andar do edifício Montab, mostrando as diferentes possibilidades de organização de um ambiente com a linha MaGnaspazio. A Figura 52 mostra a Carta Patente dos cubos conectores dos painéis permitindo o acoplamento com vazamento ergonômico (MaGnaspazio). 84 Figura 52: Carta patente dos cubos para acoplamento de paredes divisórias. Depósito em 1974 e obtenção em 1981. 85 Com tantas soluções inovadoras, a linha MaGnaspazio trouxe elementos diferenciados, que visavam à humanização dos ambientes de trabalho, conquistando o mercado no ano de 1972. Na Figura 53 é mostrado um registro das instalações mais representativas da MaGnaspazio, montada na sede da Siderúrgica Riograndense, em Sapucaia do Sul, RS, que destaca as combinações das cores dos painéis e do criativo layout. A linha MaGnaspazio foi também utilizada para mobiliar o setor de atendimento ao público da siderúrgica (Figura 54). 86 (a) (b) Figura 53: Layout da Siderúrgica Riograndense em 1972, com o mobiliário MaGnaspazio. (a) Visualização geral; (b) Detalhe dos ambientes separados por painéis. 87 Figura 54: Setor de atendimento ao público da Siderúrgica Riograndense na década de 70, mobiliado com móveis da linha MaGnaspazio (todo o mobiliário atrás do guichê). As características inovadoras e humanizadoras do ambiente de trabalho são destacadas pelo Arquiteto Pedro Simch (depoimento que se encontra inserido na íntegra como apêndice no final desta dissertação). Além da utilização de cores fora do convencional para a época e da disposição dos elementos do mobiliário no estilo Open Office, a linha MaGnaspazio trazia, ainda, painéis que proporcionavam isolamento acústico. Segundo o arquiteto, a linha MaGnaspazio, com as divisórias baixas (Figura 55, Figura 56 e Figura 57) criadas por Manlio Gobbi, viabilizavam o conceito do escritório panorâmico na época chamado de Open Office. Os layouts e espaços resultantes capacitavam as pessoas a se integrarem, a interagirem. Conceito, este, pouco desenvolvido nas empresas. Era o início do fim dos escritórios compartimentados. Ainda, complementa Pedro Simch, os espaços eram remanejados com facilidade e muito frequentemente solucionavam as modificações funcionais impostas pela evolução das operações da empresa, que já despontava como líder em gestão e em eficiência. Outra característica do mobiliário, além da mobilidade e praticidade, era a qualidade acústica necessária ao escritório Aberto, “Open”. As pessoas não estavam preparadas para o trabalho neste novo e enorme ambiente. Os níveis de ruído não podiam ser altos. Os painéis eram revestidos com carpete agulhado e dotados de grande 88 capacidade de absorção acústica e, assim, contribuíam para a qualidade dos ambientes. A estabilidade obtida se devia a uma dobradiça de borracha, contínua, tipo piano, que articulava os painéis de forma a permitir grande mobilidade, mais tarde substituída por 2 pivots que propiciaram mais fluidez aos espaços. Proporcionava também uma infinidade de posicionamentos úteis às configurações espacias inusitadas e desejáveis para os novos escritórios que estavam sendo criados e testados. Eram delicados, porém fortes, com uma novidade: tinham os cantos arredondados assim como as mesas da MaGnalinea. O painel em sua estrutura era o mesmo utilizado na mesa e na divisória. Apresentavam também a possibilidade de serem transparentes, vazados com vidro, o que integrava ainda mais as pessoas. A representação de como os painéis encaixavam-se uns aos outros, com conector em material flexível que substituiu os cubos, é mostrada na Figura 58. Figura 55: Divisórias da linha MaGnaspazio na cor marrom em outro ambiente da siderúrgica, com junções de borracha que isolam os ambientes. 89 Figura 56: Divisórias da linha MaGnaspazio na cor laranja em outro ambiente da siderúrgica, com junções de borracha que isolam os ambientes. Figura 57: Imagem dos armários da linha MaGnaspazio e layout da época. 90 Figura 58: Representação dos encaixes entre os painéis: dobradiça de borracha. (a) Aspecto final; (b) Painéis dobrados, permitindo que fossem assim transportados (já com as dobradiças instaladas) facilitando a montagem. Os novos produtos que se sucederam e que caracterizam o portfólio da empresa conforme dados históricos tiveram a característica de desaguarem em linhas completas de produtos, que aumentavam o acervo comercial da empresa dentro de uma produção extremamente modulada, significando produtividade impar na gestão industrial. O trabalho criativo era sempre executado em equipes que tiveram nomes de expressão como Gunther Weimer, Armênio Wendhausen, Carlos Eduardo Warlich, Edmundo 91 Cidade entre outros tantos, que dividiam as tarefas criativas num procedimento de extrema camaradagem e troca de opiniões. 4.5 Propriedade Industrial Caracterizando o elevado grau de inovação presente nos produtos MaGnalinea e MaGnaspazio, são listadas a seguir as patentes requeridas e concedidas para os produtos dessas linhas. Patente requerida: T.138.807 – Sistema de sustentação para cadeira fixa e/ou giratória (1966). Patente Concedida: nº 07500 – Visor Aplicado à mesa de escritório (1969). Patente requerida: Aperfeiçoamento em mesas de escritório (1969). Patente Concedida: MU467.425 – Gaveteiro para escritórios (1969). Patente Concedida: Ministério da Economia – Elemento reticulado de mobiliário suportando tampos, prateleiras e/ou gavetas (Portugal, 1972). Patente requerida: MUO.063.000 – Sistema de acoplamento de mesa com arquivo espacial (1974). Patente Requerida: MU010.785 – Armário acoplado à parede divisória (1974). Patente Concedida: T010.786 – Cubos para acoplamento de paredes divisórias (1974). Patente requerida: 000.016 – Silenciador para máquina de escrever (1975). Patente requerida: MU000.287 – Sistema de calefação individual para painéis e mesas (1975). Patente requerida: PI 7.505.982 – Sistema de conexão vertical para painéis divisórios auto-sustentáveis (1975). Patente requerida: T.176.425 – Aperfeiçoamento em gaveteiros para móveis (1975). Patente requerida: MUO.002.000 – Poltrona giratória com assento articulado (1976) 92 Patente concedida: MU3.600.530 – Poltrona giratória com braços inclinados (1976). 4.6 Transferência do Controle Acionário Na década de 1980, os ventos de prosperidade apontavam para a necessidade de expansão da empresa. Tal situação preocupava o acionista majoritário Manlio Gobbi, que procurava diminuir suas tarefas, pois era obrigado a se dividir entre fabrica e duas lojas. Assim, passou a aceitar a idéia de admitir novos sócios para dividir tarefas. Sua idéia em gestação era a de deixar aos sócios as áreas de fabricação, financeira e administrativa, ficando a seu encargo as áreas de criação, marketing e vendas. Depois de um tempo de profunda meditação, atendeu a um pedido de Reinaldo Mendes Ribeiro, consultor da empresa e entusiasta dos números da mesma. Propôs a seu irmão, Sergio Mendes Ribeiro com o qual mantinha a empresa Neoform, a abraçar a sociedade com a Manlio Gobbi S/A. Dessa forma, foi assinado o novo contrato social e realizada a mudança da unidade fabril para Cachoeirinha em espaço próprio da Neoform. Na época foi fechado o negócio com o Montepio da Aeronáutica (MONTAB), significando o fornecimento do móbiliário para a nova sede da instituição. Passado um ano, os dois irmãos, donos da Neoform, desentenderam-se entre si e propuseram à Gobbi a venda das ações em seu poder para que a Gobbi continuasse o empreendimento ou então vendesse sua parte, quando então a Neoform assumiria a empresa. Manlio Gobbi, na ocasião, não dispunha do montante da negociação e, querendo continuar o negócio, saiu à procura de um sócio. A primeira negociação foi realizada com a empresa Máquinas Condor que, às vesperas do fechamento, declinou do negócio Em seguida, Sérgio Schapke, então presidente da FIERGS e amigo pessoal de Manlio Gobbi (no momento, diretor da mesma FIERGS), mostrou-se interessado na operação e, dada a relação de amizade, concluíram o negócio com a venda do controle acionário da empresa. Sergio Schapke era dono da Companhia Geral de Industrias (fogões Geral), da Rothus S/A, fabricante dos dispositivos para acendimento de fogões e de uma dezena de outras empresas que cobriam a área de vendas das fábricas.Quem assumiu o controle da Manlio Gobbi foi a Rothus e, com o decorrer do tempo, o que parecia ter sido uma associação interessante começou a ruir. Foram indicados pela Rothus funcionários para diretoria da Gobbi que tiveram dificuldades de ordem comportamental. Foi levado ao 93 conhecimento do Sr.Scapke a delicada situação, entretanto não foi tomada nenhuma providência. Houveram operações de aumento de ações em que Manlio Gobbi, por não poder acompanhar, foi colocado em inferioridade acionária; mais tarde, ocorreram interferências na área de criação, arranhando a filosofia e a credibilidade da empresa. Tal situação desagradou Manlio Gobbi, que, em 1982, desligou-se da empresa. 94 5. CONCLUSÕES O estudo de caso aqui apresentado demonstra um cenário em que o país promoveu a produção industrial e estimulou empreendedores a abrir seus próprios negócios e aos visionários permitiu a conquista de mercados, e sua permanência, fruto este do trabalho árduo aliado à alta competência. Década esta conhecida por milagre econômico, que abriu caminho para a área de Design no mercado Nacional.. Considerando o conceito do produto MaGnalinea, que foi construído naquela época, pode ser observado o seu desdobramento ao longo de vinte e dois anos de presença no mercado gaúcho, se comportou como líder, assumindo a postura de um verdadeiro ícone, através do trabalho criativo sempre executado em equipes multidisciplinares que tiveram nomes de expressão como Gunther Weimer, Armênio Wendhausen, Carlos Eduardo Warlich, Edmundo Cidade, Manlio Gobbi entre outros tantos, que dividiam as tarefas criativas num procedimento de extrema camaradagem e troca de opiniões pela busca constante de soluções inovadoras para a fabricação de móveis para escritório. Tal situação caracterizou para a época um Diferencial Estético Inusitado com Soluções Tecnológicas Inovadoras, Qualidade Percebida, Design Sóbrio, Soluções Ergonômicas tendo um alto Índice de Aproveitamento de Peças, Racionalização da Produção, Fácil Desmontabilidade, Subsídios Ideais para Campanhas de Marketing. Por conseguinte, pode-se afirmar que o desenvolvimento deste design, durante a década de 60 e 70, representou um caso pioneiro na história do Design de Móveis para escritório no Brasil e, em especial no estado do Rio Grande do Sul, consolidando-se como um verdadeiro ícone. A estratégia da empresa representou um avanço importantíssimo para as empresas do setor de móveis, pois demonstrava soluções inovadoras no que se refere às questões de forma, funcionalidade, ergonomia, produto e sacadas de marketing. A idéia de criar o próprio Design nacional foi uma solução corajosa, na contra mão da colonização através da Tecnologia e do Design de vários setores da indústria tais como o moveleiro, o calçadista, o eletro eletrônicos, o automobilístico, entre outros. 95 Tudo isto numa época em que os órgãos públicos que deveriam acompanhar a rapidez dos processos de industrialização se mantinham num marasmo administrativo, haja vistas o transcurso de tempo do processo de patentes. Confirmando tal procedimento, as patentes do gaveteiro e a dos cubos demoraram respectivamente 9 (nove) e 7 (sete) anos do momento da solicitação até o da concessão da patente. O fato de a loja estar instalada no prédio do IAB permitia o contato direto e a constante visibilidade para os móveis de linha de escritórios (MaGnalínea e MaGnaspazio) junto aos arquitetos. Conclui-se que a localização do “show room” influenciou diretamente na possibilidade de especificação e, por conseqüência, na penetração das vendas. A qualidade dos móveis continua flagrante nas instituições e empresas que os possuem há mais de quarenta anos, confirmando o que foi explanado sobre os cuidados da gestão industrial. Entre os usuários da linha pode-se citar a Termolar, a Siderúrgica Rio Grandense,o grupo Gerdau. MontabSaoex,Gboex, direção da Faculdade de Arquitetutra da UFRGS, esta última com uma série de fotos constantes no Apêndice 1, e que documentam a esmerada qualidade dos detalhes construtivos da MaGnalínea. Os móveis MaGnalinea e MaGnaspazio eram dotados de elevada versatilidade, possibilitando diferentes arranjos e combinações. Tal característica permitia que o usuário definisse a organização espacial do mobiliário de seu escritório, fator com alto grau de inovação para a época em que foram projetados. Ainda, o binômio Design e Tecnologia destacado, tanto no que diz respeito à inovação em materiais quanto em processos de fabricação. Tal fato garantiu produtos que, além de inovadores, possuíssem elevada qualidade estética, funcional e estrutural. 96 6. SUJESTÕES PARA TRABALHOS FUTUROS Considerando o levantamento de dados e as conclusões oriundas deste estudo, pode-se delimitar, em linhas gerais, sugestões para a continuidade deste: Verificar a possibilidade de um mercado de reposição para os móveis da MaGnalinea e da MaGnaspazio. Adequar a MaGnalínea e MaGnaspazio para o sistema da computação. Desenvolver estruturas metálicas desmontáveis para propiciar embalagens mais reduzidas e assim poder atingir o mercado externo. Buscar fornecedores de peças massiças com madeiras certificadas, preferencialmente.da região Norte do país. Formar grupo de criação polivalente procurando aproveitar as oportunidades de mercado. Aproveitar recursos, onde exista a possibilidade de desenvolver produtos inovadores. Participar de orgãos de classe buscando parcerias no Brasil e exterior. 97 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS A alma do Design. Centro Português de Design, 2003. BARTHES, R. A câmera clara. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991. BERNARDINHO, 1959. Transformando suor em ouro. Rio de Janeiro: Sextante. 2006. BOTTON, A., 1969 – Desejo de Status/Alain de Botton: Tradução de Ryta Vinagre – Rio de Janeiro: Rocco, 2005. BUCHANAN, R.A.; ANGUS, R. The definition of industrial archaeology. In: L’Etude et la Mise en Valeur du Patrimoine Industriel, 4. Conference Internationale, LyonGrenoble, 1985, pp. 104-108. BUENO, E. Indústria de Ponta: Uma história da industrialização do Rio Grande do Sul, 2009. CARTA DE NIZHNY TAGIL SOBRE O PATRIMÓNIO INDUSTRIAL, 2003. Disponível em: http://www.mnactec.com/TICCIH/. Acessado em 17/08/2011. CARVALHO, B.A. Acústica aplicada à Arquitetura. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 100p. , 1967. DAMETTO, A.P. Universidade Federal de Pelotas, 2009. Dissertação de Mestrado. Os Metais no patrimônio arquitetônico urbano de Pelotas, RS – 1870 a 1931. DAUMAS, M. L’Archeologie Industrielle em France, Paris, Laffont, 1980, p. 38. DORFLES, G. Introdução ao Desenho Industrial, Edições 70, 2002, 136p. 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Porto alegre, 2009. 99 ANEXO 1: Carta De Nizhny Tagil Sobre O Património Industrial CARTA DE NIZHNY TAGIL SOBRE O PATRIMÓNIO INDUSTRIAL The International Committee for the Conservation of the Industrial Heritage (TICCIH) Julho 2003 O TICCIH – The International Committee for the Conservation of the Industrial Heritage (Comissão Internacional para a Conservação do Patrimônio Industrial) é a organização mundial consagrada ao patrimônio industrial, sendo também o consultor especial do ICOMOS para esta categoria de patrimônio. O texto desta Carta sobre o Patrimônio Industrial foi aprovado pelos delegados reunidos na Assembleia Geral do TICCIH, de caráter trienal, que se realizou em Nizhny Tagil em 17 de Julho de 2003, o qual foi posteriormente apresentado ao ICOMOS para ratificação e eventual aprovação definitiva pela UNESCO. Preâmbulo Os períodos mais antigos da história da Humanidade são definem-se através dos vestígios arqueológicos que testemunharam mudanças fundamentais nos processos de fabrico de objetos da vida quotidiana, e a importância da conservação e do estudo dos testemunhos dessas mudanças. Desenvolvidas a partir da Idade Média na Europa, as inovações na utilização da energia assim como no comércio conduziram, nos finais do século XVIII, a mudanças tão profundas como as que ocorreram entre o Neolítico e a Idade do Bronze. Estas mudanças geraram evoluções sociais, técnicas e econômicas das condições de produção, suficientemente rápidas e profundas para que se fale da ocorrência de uma Revolução. A Revolução Industrial constituiu o início de um fenômeno histórico que marcou profundamente uma grande parte da Humanidade, assim como todas as outras formas de vida existente no nosso planeta, o qual se prolonga até aos nossos dias. Os vestígios materiais destas profundas mudanças apresentam um valor humano universal e a importância do seu estudo e da sua conservação deve ser reconhecida. Os delegados reunidos na Rússia por ocasião da Conferência 2003 do TICCIH desejam, por conseguinte, afirmar que os edifícios e as estruturas construídas para as atividades industriais, os processos e os utensílios utilizados, as localidades e as paisagens nas quais se localizavam, assim como todas as outras manifestações, tangíveis e intangíveis, são de uma importância fundamental. Todos eles devem ser estudados, a sua história deve ser ensinada, a sua finalidade e o seu significado devem ser explorados e clarificados a fim de serem dados a conhecer ao grande público. Para além disso, os exemplos mais significativos e característicos devem ser inventariados, protegidos e conservados, de acordo com o espírito da carta de Veneza, para uso e benefício do presente e do futuro (1). 100 (1) A Carta do Patrimônio Industrial deverá incluir as importantes Cartas anteriores, como a Carta de Veneza (1964) e a Carta de Burra (1994), assim como a Recomendação R(90) 20 do Conselho da Europa. 1. Definição de patrimônio industrial O patrimônio industrial compreende os vestígios da cultura industrial que possuem valor histórico, tecnológico, social, arquitetônico ou científico. Estes vestígios englobam edifícios e maquinaria, oficinas, fábricas, minas e locais de processamento e de refinação, entrepostos e armazéns, centros de produção, transmissão e utilização de energia, meios de transporte e todas as suas estruturas e infra-estruturas, assim como os locais onde se desenvolveram atividades sociais relacionadas com a indústria, tais como habitações, locais de culto ou de educação. A arqueologia industrial é um método interdisciplinar que estuda todos os vestígios, materiais e imateriais, os documentos, os artefatos, a estratigrafia e as estruturas, as implantações humanas e as paisagens naturais e urbanas (2), criadas para ou por processos industriais. A arqueologia industrial utiliza os métodos de investigação mais adequados para aumentar a compreensão do passado e do presente industrial. O período histórico de maior relevo para este estudo estende-se desde os inícios da Revolução Industrial, a partir da segunda metade do século XVIII, até aos nossos dias, sem negligenciar as suas raízes pré e proto-industriais. Para além disso, apoia-se no estudo das técnicas de produção, englobadas pela história da tecnologia. (2) Para facilitar a compreensão, a palavra “sítios” será utilizada para referir as paisagens, instalações, edifícios, estruturas e maquinaria, exceto quando estes termos forem utilizados num sentido mais específico. 2. Valores do patrimônio industrial i. O patrimônio industrial representa o testemunho de atividades que tiveram e que ainda têm profundas consequências históricas. As razões que justificam a proteção do patrimônio industrial decorrem essencialmente do valor universal daquela característica, e não da singularidade de quaisquer sítios excepcionais. ii. O patrimônio industrial reveste um valor social como parte do registo de vida dos homens e mulheres comuns e, como tal, confere-lhes um importante sentimento identitário. Na história da indústria, da engenharia, da construção, o patrimônio industrial apresenta um valor científico e tecnológico, para além de poder também apresentar um valor estético, pela qualidade da sua arquitetura, do seu design ou da sua concepção. iii. Estes valores são intrínsecos aos próprios sítios industriais, às suas estruturas, aos seus elementos constitutivos, à sua maquinaria, à sua paisagem industrial, à sua documentação e também aos registros intangíveis contidos na memória dos homens e das suas tradições. iv. A raridade, em termos de sobrevivência de processos específicos de produção, de tipologias de sítios ou de paisagens, acrescenta-lhes um valor particular e devem ser 101 cuidadosamente avaliada. Os exemplos mais antigos, ou pioneiros, apresentam um valor especial. 3. A importância da identificação, do inventário e da investigação i. Todas as coletividades territoriais devem identificar, inventariar e proteger os vestígios industriais que pretendem preservar para as gerações futuras. ii. Os levantamentos de campo e a elaboração de tipologias industriais devem permitir conhecer a amplitude do patrimônio industrial. Utilizando estas informações, devem ser realizados inventários de todos os sítios identificados, os quais devem ser concebidos de forma a proporcionarem uma pesquisa fácil e um acesso livre por parte do público. A informatização e o acesso on-line na Internet constituem objetivos importantes. iii. O inventário constitui uma componente fundamental do estudo do patrimônio industrial. O inventário completo das características físicas e das condições de um sitio deve ser realizado e conservado num arquivo público, antes de se realizar qualquer intervenção. Muitas informações podem ser obtidas se o inventário for efetuado antes do abandono da utilização de um determinado processo industrial ou do fim da atividade produtiva de um sítio. Os inventários devem incluir descrições, desenhos, fotografias, e um registo em vídeo do referido sítio industrial ainda em funcionamento, com as referências das fontes documentais existentes. As memórias das pessoas que aí trabalharam constituem uma fonte única e insubstituível e devem ser também registradas e conservadas, sempre que possível. iv. A investigação arqueológica dos sítios industriais históricos constitui uma técnica fundamental para o seu estudo. Ela deve ser realizada com o mesmo nível de elevado rigor com que se aplica no estudo de outros períodos históricos. v. São necessários programas de investigação histórica para fundamentar as políticas de proteção do patrimônio industrial. Devido à interdependência de numerosas atividades industriais, uma perspectiva internacional pode auxiliar na identificação dos sítios e dos tipos de sítios de importância mundial. vi. Os critérios de avaliação de instalações industriais devem ser definidos e publicados a fim de que o público possa tomar conhecimento de normas racionais e coerentes. Com base numa investigação apropriada, estes critérios devem ser utilizados para identificar os mais significativos vestígios de paisagens, complexos industriais, sítios, tipologias de implantação, edifícios, estruturas, máquinas e processos industriais mais significativos. vii. Os sítios e estruturas de reconhecida importância patrimonial devem ser protegidos por medidas legais suficientemente sólidas para assegurarem a sua conservação. A Lista do Patrimônio Mundial da UNESCO deverá prestar o legítimo reconhecimento ao enorme impacto que a industrialização teve na cultura da Humanidade. viii. Deve ser definido o valor dos sítios mais significativos assim como estabelecidas diretivas para futuras intervenções. Devem ser postas em prática medidas legais, administrativas e financeiras, necessárias para conservar a sua autenticidade. 102 ix. Os sítios ameaçados devem ser identificados a fim de que possam ser tomadas as medidas apropriadas para reduzir esse risco e facilitar eventuais projetos de restauro e de reutilização. x. A cooperação internacional constitui uma perspectiva particularmente favorável para a conservação do patrimônio industrial, nomeadamente através de iniciativas coordenadas e partilha de recursos. Devem ser elaborados critérios compatíveis para compilar inventários e bases de dados internacionais. 4. Proteção legal i. O patrimônio industrial deve ser considerado como uma parte integrante do patrimônio cultural em geral. Contudo, a sua proteção legal deve ter em consideração a sua natureza específica. Ela deve ser capaz de proteger as fábricas e as suas máquinas, os seus elementos subterrâneos e as suas estruturas no solo, os complexos e os conjuntos de edifícios, assim como as paisagens industriais. As áreas de resíduos industriais, assim como as ruínas, devem ser protegidas, tanto pelo seu potencial arqueológico como pelo seu valor ecológico. ii. Programas para a conservação do patrimônio industrial devem ser integrados nas políticas econômicas de desenvolvimento assim como na planificação regional e nacional. iii. Os sítios mais importantes devem ser integralmente protegidos e não deve ser autorizada nenhuma intervenção que comprometa a sua integridade histórica ou a autenticidade da sua construção. A adaptação coerente, assim como a reutilização, podem constituir formas apropriadas e econômicas de assegurar a sobrevivência de edifícios industriais, e devem ser encorajadas mediante controles legais apropriados, conselhos técnicos, subvenções e incentivos fiscais. iv. As comunidades industriais que estão ameaçadas por rápidas mudanças estruturais devem ser apoiadas pelas autoridades locais e governamentais. Devem ser previstas potenciais ameaças ao patrimônio industrial decorrentes destas mudanças, e preparar planos para evitar o recurso a medidas de emergência. v. Devem ser estabelecidos procedimentos para responder rapidamente ao encerramento de sítios industriais importantes, a fim de prevenir a remoção ou a destruição dos seus elementos significativos. Em caso necessário, as autoridades competentes devem dispor de poderes legais para intervir quando for necessário, a fim de protegerem sítios ameaçados. vi. Os governos devem dispor de organismos de consulta especializados que possam proporcionar pareceres independentes sobre as questões relativas à proteção e conservação do patrimônio industrial, os quais devem ser consultados em todos os casos importantes. vii. Devem ser desenvolvidos todos os esforços para assegurar a consulta e a participação das comunidades locais na proteção e conservação do seu patrimônio industrial. 103 viii. As associações e os grupos de voluntários desempenham um papel importante na inventariação dos sítios, promovendo a participação pública na sua conservação, difundindo a informação e a investigação, e como tal constituem parceiros indispensáveis no domínio do patrimônio industrial. 5. Manutenção e conservação i. A conservação do patrimônio industrial depende da preservação da sua integridade funcional, e as intervenções realizadas num sítio industrial devem, tanto quanto possível, visar a manutenção desta integridade. O valor e a autenticidade de um sítio industrial podem ser fortemente reduzidos se a maquinaria ou componentes essenciais forem retirados, ou se os elementos secundários que fazem parte do conjunto forem destruídos. ii. A conservação dos sítios industriais requer um conhecimento profundo do objetivo ou objetivos para os quais foram construídos, assim como dos diferentes processos industriais que se puderam ali desenvolver. Estes podem ter mudado com o tempo, mas todas as antigas utilizações devem ser investigadas e avaliadas. iii. A conservação in situ deve considerar-se sempre como prioritária. O desmantelamento e a deslocação de um edifício ou de uma estruturas? serão aceitáveis se a sua destruição for exigida por imperiosas necessidades sociais ou econômicas. iv. A adaptação de um sítio industrial a uma nova utilização como forma de se assegurar a sua conservação é em geral aceitável salvo no caso de sítios com uma particular importância histórica. As novas utilizações devem respeitar o material específico e os esquemas originais de circulação e de produção, sendo tanto quanto possível compatíveis com a sua anterior utilização. É recomendável uma adaptação que evoque a sua antiga atividade. v. Adaptar e continuar a utilizar edifícios industriais evita o desperdício de energia e contribui para o desenvolvimento econômico sustentado. O patrimônio industrial pode desempenhar um papel importante na regeneração econômica de regiões deprimidas ou em declínio. A continuidade que esta reutilização implica pode proporcionar um equilíbrio psicológico às comunidades confrontadas com a perda súbita de uma fonte de trabalho de muitos anos. vi. As intervenções realizadas nos sítios industriais devem ser reversíveis e provocar um impacto mínimo. Todas as alterações inevitáveis devem ser registradas e os elementos significativos que se eliminem devem ser inventariados e armazenados num local seguro. Numerosos processos industriais conferem um cunho específico que impregna o sítio e do qual resulta todo o seu interesse. vii. A reconstrução, ou o retorno a um estado anteriormente conhecido, deverá ser considerada como uma intervenção excepcional que só será apropriada se contribuir para o reforço da integridade do sítio no seu conjunto, ou no caso da destruição violenta de um sítio importante. 104 viii. Os conhecimentos que envolvem numerosos processos industriais, antigos ou obsoletos, constituem fontes de importância capital cuja perda poderá ser insubstituível. Devem ser cuidadosamente registrados e transmitidos às novas gerações. ix. Deve promover-se a preservação de registros documentais, arquivos empresariais, plantas de edifícios, assim como exemplares de produtos industriais. 6. Educação e formação i. Uma formação profissional especializada, abordando os aspectos metodológicos, teóricos e históricos do patrimônio industrial deve ser ministrada no ensino técnico e universitário. ii. Devem ser elaborados materiais pedagógicos específicos abordando o passado industrial e o seu patrimônio para os alunos dos níveis primário e secundário. 7. Apresentação e interpretação i. O interesse e a dedicação do público pelo patrimônio industrial e a apreciação do seu valor constituem os meios mais seguros para assegurar a sua preservação. As autoridades públicas devem explicar ativamente o significado e o valor dos sítios industriais através de publicações, exposições, programas de televisão, Internet e outros meios de comunicação, proporcionando o acesso permanente aos sítios importantes e promovendo o turismo nas regiões industriais. ii. Os museus industriais e técnicos, assim como os sítios industriais preservados, constituem meios importantes de proteção e interpretação do patrimônio industrial. iii. Os itinerários regionais e internacionais do patrimônio industrial podem esclarecer as contínuas transferências de tecnologia industrial e o movimento em larga escala das pessoas que as mesmas podem ter provocado, promovendo um afluxo do público interessado em conhecer uma nova perspectiva do patrimônio industrial. Nizhny Tagil, 17 de Julho de 2003. 105 APÊNDICE 1: Imagens detalhadas de mobiliário MaGnalinea, ainda em uso na Faculdade de Arquitetura da UFRGS (2011). 106 107 108 109 110 111 112 113 114 115 116 117 118 119 APÊNDICE 2: Exemplo de cadeiras da Móveis Gobbi na fase de revenda, anterior à fabricação própria (cadeira dinamarquesa). Passados 50 anos, as cadeiras ainda encontram-se em uso na Faculdade de Arquitetura da UFRGS. 120 121 APÊNDICE 3: Depoimento do Arquiteto Günter Weimer Depoimento sobre a MaGnalínea Arq. Günter Weimer* Dentre os muitos problemas que se discutia em aula quando eu estava fazendo minha especialização na Hochschule für Gestaltung, em Ulm, um dos temas mais acalorados era o que estava sendo chamado de Systemdesign. O mesmo consistia no seguinte dilema: não bastava se conceber produtos com um bom design se não houver uma coerência formal dentro da diversidade dos mesmos. Explicando melhor: uma das críticas mais ferozes que estavam sendo levantadas era que os produtos que saiam das pranchetas dos designers de Ulm é que eles tinham um defeito que consistiam em cada qual ter sido (bem) resolvido entre si, mas ao se observá-los em conjunto, eles não apresentavam a devida unidade. Cada qual concorria com os demais e não se harmonizavam entre si. É claro que por trás deste tipo de crítica havia uma considerável dose de despeito ao sucesso comercial que esses produtos estavam fazendo no mercado e os fiscais das obras prontas sempre haveriam de achar algum defeito. Na mesma medida em que colocava este tipo de crítica, também choviam opiniões de que os produtos da HfG eram por demais monótonos porque todos eram muito semelhantes. Como prova disso, se dizia que todos tinham a mesma cor cinza claro. Esclareça-se uma questão: esta opinião foi deduzida dos produtos Braun, que estavam fazendo um enorme sucesso dentro da Alemanha e, segundo uma opinião muito pessoal do Hans Gugelot, deveriam ser cinza claros quando destinados ao uso na cozinha. Deviam ser claros para favorecer a limpeza e não deveriam ser demasiado claros para não ressaltar demasiado eventuais impurezas. Quero sublinhar que este tipo de postura se referia só a aparelhos de cozinha. Os famosos barbeadores da Braun não se destinavam à cozinha, não eram cinza, nem claros. Cumpre ressaltar que esta era uma postura pessoal de Gugelot e não podia ser generalizada para todos os professores, nem todos os alunos. Qualquer catálogo da produção da escola pode provar que ninguém tinha medo de usar cores. É bem verdade que o uso de cores não era tão liberal como nós fazemos na nossa terra. Do meu ponto de vista sul-americano, havia sim uma tendência a empregar as cores em seu estado mais puro – se é que isto existe – ou, dito de outra forma, mais próximo das cores 122 primárias. Talvez isso correspondesse a uma herança da Bauhaus sempre propalada, mas difícil de ser comprovada. Especialmente, porque o ideal da Bauhaus consistia na maestria do artesanato e da HfG, era a produção industrial. De qualquer modo, a aspiração de colocar um sistema destro da uma diversificada produção levou a proposições em diversas direções, pois a sistemática de produção de formas coerentes poderia ser no sentido da volumetria, da Gestalt, de cores, de materiais e assim por diante. Este foi inclusive a temática central do último trabalho realizado em conjunto pelos alunos dos últimos dois quartéis do terceiro ano onde foi tentado fazer uma sistematização de todos os produtos colocados em vias e praças públicas. Foi com este tipo de teorização que eu comecei a me ocupar quando, de volta a Porto Alegre, recebi a incumbência de projetar uma linha de mesas de escritório. Aqui obviamente não se tratava de conjugar produtos diferentes no sentido de almejar um sistema de produtos, mas sem essas teorizações, creio que não teria chegado à solução que apresentei e que foi colocada em produção: a produção de uma série de elementos concebidos no sentido de poder ser conjugados no momento da montagem e que se prestasse a formação de produtos destinados a atender a diferentes necessidades. Um fator importante na definição dimensional destes elementos foi o da minimização do desperdício do material empregado e na organização racional dos elementos no depósito. Ainda que o tipo de produção não tivesse sido altamente mecanizada pelas próprias condições de investimentos possíveis, creio que uma boa dose dos resultados positivos conseguidos se deveu à racionalização da produção que em boa parte já havia sido conseguida antes da aprovação de minhas propostas. Estruturas de metalon com vinte linhas de solda foram substituídas por peças dobradas de alumínio, sem solda e, portanto, sem necessidade de realizar esmerados acabamentos. O tradicional uso de gaveteiros que “escondiam” as gavetas já havia sido abolido, o que nos permitiu rever o projeto de modo a tirar partido plástico das corrediças na mesma medida em que elas foram aproveitadas como elementos estruturais da armação que sustentava o conjunto. Elementos de vedação foram transformados em elementos estruturais. Finalmente, houve uma preocupação em simplificar ao máximo a montagem para qual a única ferramenta necessária fosse apenas uma simples chave de fenda. Em resumo, conseguiu-se com a produção de apenas quinze elementos constituintes (seis tampos, três módulos estruturais, duas gavetas e quatro painéis) montar quatorze tipos básicos de mesas de escritório que, por sua vez, podiam ser 123 montadas de modos diferentes, num espectro de pouco menos de 1500 variantes. Isso se constituiu num projeto realmente inovador e que ainda hoje não perdeu a sua atualidade mesmo tendo sido concebido a mais de quarenta anos. * Arquiteto da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRGS, em 1963. Especialista em Desenho Industrial pela Hochschule Für Gestaltung de Ulm, Alemanha em 1967. Mestre em História da Cultura pela PUC-RS, em 1981. Doutor em Arquitetura pela FAU-USP, em 1991. Professor aposentado da FAU-UFRGS. Docente do Departamento de Teoria e História da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da PUC-RS e do PROPUR. 124 125 APÊNDICE 4: Depoimento do Arquiteto Pedro Simch Problemas – a Solução Criativa Arq. Pedro Simch* O Manlio é o Cara que em toda a sua vida apresentou soluções para os problemas cotidianos de nossa sociedade. Anterior ao Design, em sua adolescência já tinha uma visão de quem queria resolver problemas e para tanto criava as soluções, sempre com qualidade estética. Começou, como ele mesmo comenta, com os carrinhos de lomba, em nossa infância, onde desenvolveu a suspensão de seu protótipo com molas do sofá da sala. Bem mais tarde, pelos anos 70, trouxe para nós arquitetos a Linha MaGnalinea, onde desenvolveu toda a sua criatividade com um Design audacioso, inteligente e prático acima de tudo. Foi, em parceria com o arquiteto Günther Weimer, que resolveram, o problema espacial dos escritórios do futuro, na época conhecidos como Open Office, totalmente inovadores. Eu tive o privilégio de estar junto a ele naquela oportunidade e de ser um dos primeiros a usá-los, em 75, no projeto dos escritórios do Grupo Gerdau, na usina Siderúrgica da Riograndense, em Sapucaia do Sul. As soluções que os móveis propiciaram foram impressionantes e definitivas. As mesas, cadeiras e acessórios criados pelo Manlio foram absolutamente perfeitos para aquele projeto inovador. A Linha Magnaspazio, da mesma época, com as Divisórias Baixas criadas pelo amigo Manlio, eram de uma praticidade fantástica, viabilizando o conceito do escritório panorâmico como na época chamávamos o Open Office. Os layouts e espaços resultantes capacitavam as pessoas a se integrarem, a interagirem. Conceito este pouco desenvolvido nas empresas. Era o início do fim dos escritórios compartimentados, onde proliferavam os pequenos feudos de chefetes muitas vezes incompetentes. Os espaços eram remanejados com facilidade e muito frequentemente solucionavam as modificações funcionais impostas pela evolução das operações da empresa. que já despontava como líder em gestão e em eficiência. Outra característica do mobiliário, além da mobilidade e praticidade, era a qualidade acústica necessária ao escritório Aberto, Open. As pessoas não estavam preparadas para o trabalho neste novo e enorme ambiente. Os níveis de ruído não podiam ser altos. 126 Os painéis do Manlio eram excelentes, revestidos com carpete agulhado soft e dotados de grande capacidade de absorção acústica contribuiam para a qualidade dos ambientes. A estabilidade invejável se devia a uma dobradiça de borracha, contínua, tipo piano, que articulava os painéis de forma a permitir grande mobilidade, mais tarde substituída por 2 pivots que propiciaram maios fluidez aos espaços. Proporcionava também uma infinidade de posicionamentos úteis as configurações espaciais inusitadas e desejáveis para os novos escritórios que estavam sendo criados e testados. Eram delicados, porem fortes, com uma novidade: tinham os cantos arredondados ´assim como as mesas da MaGnalinea. Acho que foram os primeiros moveis a se preocupar com os freqüentes choques dos usuários nos cantos vivos e agressivos do mobiliário tradicional. O painel em sua estrutura era o mesmo utilizado na mesa e na divisória. Apresentavam também a possibilidade de serem transparentes, vazados com vidro, o que integrava ainda mais as pessoas. A linha, como um todo, era econômica e permitiu a sua difusão em diversos escritórios da Gerdau. Tínhamos então um problema resolvido com soluções criativas, funcionais e estéticas - pela mente brilhante do Manlio. * Pedro Simch é Arquiteto formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul no ano de 1958. Profissional responsável pelo projeto de arquitetura residencial, comercial, industrial e institucional. Possui 52 anos de atividade no mercado. 127 APÊNDICE 5: Entrevista com ex-funcionário da empresa Entrevistado: Célio Vigel da Silva* 1. Que ele falasse sobre a empresa Começou a trabalhar na empresa desde o ínicio. Quando a empresa tinha uma espécie de garagem alugada. Seu Célio montava, colocava espumas, fazia a dobra. 2. Com relação ao Produto e a tecnologia (Processo e produto) Os equipamentos eram algumas vezes construídos e/ou aperfeiçoados por eles mesmos. Inicialmente os móveis eram apenas montados e entregues. Após as mudanças começou-se a fabricar. 3. Design industrial Móveis planejados. Faziam gaveteiros. 4. Relacionamentos entre funcionários e entre o dono da empresa Relacionamento de camaradagem, todos comprometidos com a qualidade, em realizar as entregas e montagens rápidas. Inclusive mencionou que conheceu sua esposa na empresa a qual trabalhava como costureira. 5. Sistemas de carga, entrega e montagem (logística) O sistema era composto por Manlio, Célio e dois ajudantes. Não dispunham de grande espaço para armazenamento. 6. Clientes: que tipo de relacionamentos acontecia Os clientes eram fiéis e gostavam da qualidade do produto. Alguns davam idéias que contribuíam para o desenvolvimento dos produto. 7. Qual era o comprometimento com a causa (Magnalinea) A maioria dos funcionários entravam as 8h 30min da manhã e saiam após o horário de expediente. Alguns como o seu Célio chegavam a sair da empresa por 128 volta das 11 horas da noite. Para a realização das fotos para o catalogo os registros e montagem eram todos feito na empresas. 8. Questões de acabamento como era detectadas (cuidados com a qualidade final do produto) As questões de acabamento ficavam a cargo do seu Célio e quando não ficavam perfeitos não saiam da fábrica. 9. O que você mais sente falta deste período de sua vida funcional Da vida funcional sente muitas saudades. O pessoal falava vamos fazer assim, eles saiam e iam fazendo os protótipos até dar certo. 10. Sistemas de encaixes utilizados Havia compra ou desenvolvimento de máquinas e equipamentos para a fabricação da Magnalinea. 11. A algo que não foi perguntado e que você considera importante falar. Não. Ele não quis acrescentar. 12. O que você sente pela empresa e qual a influência na sua vida pessoal Saudade dos velhos tempos, dos amigos feitos da agitação do pessoal em criar novos mobiliários, montar e realizar a entrega no primeiro carro da empresa, uma Kombi. 13. E quanto à mudança de direção. Foi muito ruim quiseram mudar a filosofia da empresa. * Célio Vigel da Silva foi o primeiro funcionário da empresa, trabalhando desde 1959. Era responsável pela área de entregas e reparos nos móveis e tornou-se, com o tempo, um exímio prototipista. Mais que um simples funcionário, conhecia profundamente a filosofia da empresa. 129 APÊNDICE 6: Carta Patente Modelo de Utilidade Gaveteiro para Móveis 130 131 132 133 134 APÊNDICE 7: Repercussão internacional Design culture and thinking in industry: A case study of the company Manlio Gobbi & CIA Ltd Gobbi, Manlio Maria Santos, Sandra Souza dos Kindlein Júnior, Wilson Federal University of Rio Grande do Sul. Federal University of Rio Grande do Sul. Coordinator of the Laboratory of Design and Product designer, Master student. Product designer, Master student. Selection of Materials (LdSM/DEMAT/EE/PgDesign/UFRGS) (LdSM/DEMAT/EE/PgDesign/UFRGS) (LdSM/DEMAT/EE/PgDesign/UFRGS) Avenue Osvaldo Aranha, 99 – 6ª floor – 604 Avenue Osvaldo Aranha, 99 – 6ª floor – 604 Avenue Osvaldo Aranha, 99 – 6ª floor – 604 Bonfim. Poa. Brazil. Bonfim. Poa. Brazil. Bonfim. Poa. Brazil. Telephone +55 51 3308.3349 Telephone 3308.3349 Telephone +55 51 3308.3349 gobbidesigner@gmail.com Cel. Phone +55 51 9806.0732 kindlein@portoweb.com.br sandrasouzasantos@bol.com.br ABSTRACT This case study is part of the research work of completing the Master's Manlio Gobbi titled Rescuing an icon; Via Technology & Industrial Archaeology. The research reported below reflects upon the power of design as an array of process management and industrial production that, in seeking to meet a market demand, developed products that stand out as icons of the office furniture sector in the period 1959 to 1982. Keywords – Design, Industrial Archaeology, Industrial Thought. on the value of product usefulness, cost, and in industrial processes in a cast for ease of importing technologies, alien to the local know-how, and to the detriment of the qualification design. In 1963 was created the first Brazilian Association of Industrial Design - ABDI in order to promote dissemination and awareness design with governments and entrepreneurs, and also to bring together the activities and discussions concerning the profession. 1. INTRODUCTION The contemporary furniture industry in Brazil, increasing competition by force, is generating the constant searches for new tools, technologies and creative processes that encourage the development of new products, which allow increase sales and promote the entry into new market niches. In this sense, a phenomenon that is happening in several product categories is the "revival" of products that have time and have become true icons of their time. And this is happening in a very clear and dense in various sectors such as automobiles, furniture, household items among other things, an equation of clever marketing and daring. In this sense, this paper proposes a historical reflection of the company Manlio Gobbi & Co Ltd, with the objective of recovering a path that turned into a product design icon of the office furniture industry. The design developed within that company, with subsequent internal changes of the industrial process, has brought an invaluable contribution to the Brazilian design, in 1960. That decade represented a significant part of the furniture sector, both for its innovative concept as the process which amounted to "isolated phenomena against the current " second Katinsky, in an era marked by the advancement of the multinationals "which became " the project import "a "cheeky everyday reality" (Katinsky, 1983: p. 945-946). In this context, the company Manlio Gobbi, humanizing technology, lowering costs, streamlining processes of industrialization, expanded the vision of industrial management and contributed to the revival of the culture of "do design", in Rio Grande do Sul, extending the concept of era that was focused only 2. RESCUE STORY In Brazil after the war, both in arts and in architecture is a moment lived culturally restless and questioning based on the dialectic of modernist form and function. In the sector of furniture, office furniture, designed excellence of design, products of innovative designs of creative men like Sergio Rodrigues, Geraldo de Barros, Ferruccio Gobbi, Karl Bergmiller, Freddy Van Camp, Michael Arnoult, Sergio Rodriguez, Sandro Magnelli among others. The companies that dominated in this period the national market of furniture for offices, were many, as FERG, RICCI, SECURIT, BRAFOR, SCRIBE, ENVIRONMENT HOBJETO, CIMO, KASTRUP, ITALMA, F GOBBI IND. MOBILIARIA SA SCHOOL OF ARTS AND CRAFTS, TEPERMAN, L'ATELIER, OCA (RJ), among others. Figure 01. Ludovico Belgiojoso; Enrico Peressutti; Ernesto Rogers-- Production Olivetti. Now entering in the 1950 expansion of the furniture industry, is marked by the expansion of industrial-sized plants, accelerated the mechanization of production processes, human resources development and business management "(PAMPLONA 2000: p.222). Under trade, the transformations occurred primarily by the "private initiatives for expansion of consumer credit" (Abramovitz, 2006: p.130) that in a national moment of accelerated urban development, has now spread and consolidated middle class anxius for consumer. In Rio Grande do Sul stood out to HEINZ AGTE with furniture designed by the architect Claudio Araújo; The Brixner S / A. Artemis and manufactured furniture for standardized public offices under the name DASP (Administrative Department of Public Service). Subsequently these have been replaced by the line IMF (International Monetary Fund) already by the way they were called, have revealed the restraints in which more creative. The MOBILE HEUSER, gaucho manufactory, also attended this market with its own line of desks, good quality. The furniture designed by these companies portrayed the cultural context of the modernist era, where human behavior interrelations and exchanged their architecture and art depicting the force of a country that was a promise for the future and development. They were companies that, even without realizing it, believed in the power of design even though not always using architects, engineers and designers, being mostly business owners themselves, "self-made designers responsible for product design. These businessmen dared managements and solutions for the most part, developed with the assistance of technicians and engineers, tool itself, building an authentic accumulated technology and doing bring out the big creative potential latent in various strata of the industrial process from design to the end consumer. This moment lasted until the mid-'60s, when Latin America as a whole, suffered severe political changes that significantly altered the social and cultural relations with a strong reflection in the country's economy. In an attempt to stimulate growth, the military government, established lines of credit for consumers, more flexible financing limits fought longer and interest, creating a vision of development committed to a foreign market. From 64, they moved to economic policies that sought an activation of the construction industry, which will be medium and long term were disfiguring the progress already achieved by the development of indigenous design. Thus both shaping the philosophy of capitalist development in Brazil, enabling the integration of alien technologies, sometimes already obsolete in the countries of origin. These technologies, represented mainly by the market of machinery involved in furniture production, began to dictate the guidelines for product design and made us hostage to an inflexible production process of creative thinking and produce industrial design. The government encouraged "married operations" in which manufacturers project in Brazil connected with foreign companies, directed, as a kind of pre-sale, the product will be produced for export, and that in a chain reaction , ended up inserting on the internal market. Coincidentally, the cluster arrives in industrial parks replacing the savoir-faire of timber and plywood. The furniture companies have turned to foreign markets, they ended up changing hands, changing forms of production, philosophy and design of their products and even disappearing. Thus, at 67, the company Manlio Gobbi, positioning itself in the opposite this context, we started the project that ended in 1969 taking the name of MaGnalínea, and its extension in 1971, the collection MaGnaspazio. Figure 02. Table Ambiance MaGnalínea. 3. COMPANY MANLIO GOBBI The research company was born in February 1959 as a seller of office furniture, the F. Gobbi Furniture Industry SA, to the south. Due to the dynamic marketing printed in the company that exceed the sales of the matrix, it then became a subsidiary and later became a dealer. In a short time, the company purchased its own building, a store in the building of the Institute of Architects of Brazil, and in 1969 with the acquisition of Model Ldta furniture industry, and owning the record of the Patent Granted MU467 .425 - Drawer for escritórios1969 the Manlio Gobbi began the manufacture of MaGnalínea. Figure 03. Image Epoch of Building Institute of Architects of Brazil that was the headquarters of the company. 3.1 The thought of a Company Manlio Gobbi & Cia coupled with Design Management Knowledgeable the concept of design management, which originated in Britain at this time, 60 years, and that meant the management of the relationship between office design and its customers Manlio Gobbi identified that this would be the appropriate process for developing its products that brought in its wake the advanced concepts of flexibility, an agile logistics, according to the profile of its customers. The design management, applied to your industry, maintaining a flow of communication between the company, factory floor, vendors and customers, becoming a two-way street in order to adjust and improve the product and meeting the market demand. where structure, drawers and tops should be interconnected with autonomy and transparency. On the other hand, the production management needed to be streamlined, streamlining and optimizing the production of these components, while it should be kept the focus on quality of materials combined with the rational use of raw materials, reducing costs whilst streamlining the process of assembling and distributing the product. It was then the responsibility of the creative team composed by Gunther Weimer, Armenian Wendhausen, Carlos Eduardo Warlich, Edmundo Cidade with Manlio Gobbi that consolidated the industrial development of MaGnalinea. 3.2 References Methodological Company Sao Paulo at the time was the large industrial park furniture industry, especially in the institutional furniture industry. The distance from Rio Grande do Sul was then a determining factor in the sale, production and delivery to the consumer. The company, who then worked mainly in sales, is thus hostage to the logistics for the sale, but the after sales and requests for particular settings and adjustments arising from the consumer. With a keen sense of the market which was dedicated with a passion for design and construction processes of expert furniture makers, Manlio Gobbi mobilized in order to search not only the sovereignty of selling products manufactured on site and put in check the design of these products could not, in most cases, meet the demands of an everchanging market and large boiling restless. The historical testimony of Michael Thonet in the nineteenth century, that in addition to revolutionize the craft of woodworking with the process of self-clavate and rationalization of production in series, and has extended the concept of design to address the ease of transport, were instrumental in Manlio Gobbi conviction, that it was possible to transform the market reality in which his company was located. Moreover, industrial design Nordic (Finland and Denmark) with its stripped and flexible solutions covering still a neat job with the massive wood were contemporary examples to follow. The furniture of CASTELI and OLIVETTI, Italian companies in the sector of furniture for offices as part of its arsenal of examples of success were major protagonists of this immersion in search of new, preferably from UNKNOWN. His great respect for historical reference design derived from the BAUHAUS school and Ulm, which were landmarks in world history of design were already part of their routine research on the topic. and also influenced his thinking and design, creating new visual patterns, with consequent benefits for the creation and development of products. Lobach was writing them, in Scolari (2008) "are identified as functions Practical, Aesthetic and Symbolic of a product, providing an analysis of relations with the evolution of design thinking, understanding of society and the evolution of products." With the timely hiring the designer Günter Weimer, egress of Ulm, were consolidated basis for setting the company's mobile presented. 3.4 Analysis of the construction process of MaGnalínea The project MaGnalínea as previously described, was designed in a manner defiant to the office furniture manufactured in the 60s. The problem noted by the company with respect to conventional drawers, was talking about, besides the aesthetic aspect, the high cost of this component. Conversely, its manufacture required special care, because, besides the miter system needed to join sides with the slides that the coatings should be carefully selected and placed in the same sequence of the design of the wood grain, as shown below. Figure 04. Construction detail of Drawers. 3.3 The strategy of the company's Design Manlio Gobbi & Cia Ltda To cope with competitors in this niche market, which could afford large investments in parks of machines and therefore could a more competitive cost of its products, Manlio Gobbi decided to pursue the design to break this paradigm. The unconformity with the type drawers "coffin", hard and heavy, the conventional mobile, you will lead the search for simplification of form, clearing the surplus, bringing the structure of the furniture as part of his aesthetic in a marriage, and modernist, the form with function, Well, the new drawers were built in massive hardwoods like Brazilian Walnut and Laurel, with the same width as the main top of the table, leveraging the available vertical space. In which each drawer was closed, in its four corners, finger-jointed (swallowtail), with the outside and the rounded bottom Duraplac in white, seated on four sides of the same, giving an ideal rigidity to the assembly, which oe also meant the end of the nails in the drawers. According to records revealed in the press of time, the drawers with neat finish, could be used as shelves, wall mounted. Figure 05. MasGnalinea drawers with aluminum rims Massif, interconnected by gussets. Figure 08. Drawers with two drawers and two spaces. In addition to the drawer itself was necessary to innovate the system support them. We developed two rectangular frames connected by solid aluminum angles, aluminum which also functioned as both the supporting structure of the unit as a whole. The flexibility that comes from the fact that the drawers could be coupled to the right or left of the top, giving the opportunity to mount a varied combination of tables, and therefore allow different layouts and combinations of functional alternative desktop, as shown in number 06, 09 and 10. Figure 06. Options compositions. Figure 09. Desktop with interchangeable drawers. Figura 07. Detail of a conventional drawer. Figure 10. Composition of mobile options. Figure 11. Mesa Contemporary 60's. The twenty basic combinations made possible the assembly of an impressive number of models of tables, allowing gain a fantastic season for when it comes to office furniture. Another positive feature observed is that the company investigated in this work could have ready for delivery to the table chosen by the client (number of drawers, left or right side, and number of drawers) than did the conventional furniture. In Fig. 14 illustrative picture of the presidential table MaGnalinea, present in several private and institutional clients the time and remain till today. The survey sought to optimize the circulation in the workplace and recommended the definition of rounded corners on tabletops. Completed thus putting the solution across the periphery of the tops a special profile of elastomer in order to protect the furniture, your username and bystanders in any beats that sound happen in an environment where the movement of people takes place permanently and without any direction of traffic. The Intelligent Design has provided an unprecedented rationalization of production as illustrated in the Spreadsheet of combinations. Using the images can be seen that the company could assemble a few pieces with the model that fit better to the client function in the moment of purchase. As for the chairs, stood on his feet with ease, because they were supporters of quadrilaterals tables. The legs quads with rounded corners, slipped on the floor with total smoothness. A survey of ergonomics sign innovated the arms of the chairs, with a nod to eliminate the unpleasantness that the chair arms straight when your user determined resolved abruptly leaving the table, which led to a tightening of the user's hand against the table top, caused by the stretched spring height adjustment of the rotary apparatus. He was given the name Boxer swivel chairs they could do together with the photographic record highlighted in the table below. This was the first chair swivel chair with arms bent in Brazil, and in 1976 was granted the corresponding patent by the INPI (National Institute of Industrial Property). Figure 13. Boxer chairs with arms bent and sliding. Figure 14. Presidential table MaGnallinea. In this historical analysis of the company noted that this has developed tools and machines for assembling the drawers, drawers leading to improvement of the assembly of semi-hollow heads. Another phenomenon that occurred due to the structure of the plant was the preparation of all employees including foreign sales teams that would work with this product so innovative for Figure 12. Spreadsheet of combinations. that time. Analyzing some of the company's catalogs, noticing a gap in the design of promotional materials and marketing, since they were developed different catalogs, which shows a concern for customers, by presenting an aesthetic rigor, forms, presentation color and especially the company name inserted on the logo and is a world-class logo in the Brazilian market. With a great layout, with photographs that often took an entire page as the following figure. Figure 17. Imagens do catalogo bilíngüe. It is observed in the catalogs that the sales team along with marketing personnel moves performed excellent for marketing season which featured a breakthrough in the local printed media, see the following figure. Figure 15 – First Cover Catalog MaGnalinea. Figure 18. Picture of the bilingual catalog with a marketing move. Figure 19. MaGnalinea armchair with Boxer. Figure 16. Images on the back of the catalog and the internal layout. It is clearly the company's concern with the international market since most of the Catalog was printed in English translation, which states a concern with exports and that makes a market vision. Moreover, it is noted that the company made a series of assaults on public men along the Rio Grande seeking to demonstrate to them that the southern industries could only grow as its products were buying prestigious bodies of public power. In 1972 the company was selected by the Foreign Ministry to expose the MaGnalínea at FIL, Lisbon International Fair, and soon after was shown at the Trade Center Embassy in London. The company was invited by the then manager of the Bank of Brazil, Armando Neto Giampaoli to disseminate information about the company and its products, since it had received a visit from Rio architect Antonio Antunes, responsible for the Bank works in Milan and the architect had passed through our shop in the evening and had been very impressed with the MaGnalínea. As a result the company was selected to furnish the headquarters of the Italian bank in Milan, giving the environment the distinctive style of furniture MaGnalínea, authentically Brazilian. 3.5 MagnaSpazio The line was a MaGnaspazio MaGnalínea complementation line. The MaGnaspazio, consists of a line pan with basement under the previous system. From the start she had the trophy for winning a major competition for the State Administrative center of Rio Grande do Sul, in view of the installation of the Secretariat of State for Works which occupied two floors of the recently completed work occasion, the company competed with famous companies of that era, such as Herman Miller and L'Atelier de Sao Paulo among many others. It was highlighted by the system or scenic open space that was a philosophy of office layout. According to data of the time, this philosophy was implemented by the company arising from a survey conducted in facilities of competitors, in Brasilia, where they were denoted some shortcomings of those systems previously used. See below in Figure 20 the image of the project which includes better MaGnaspazio the user, humanizing the workplace and also entering a new file system suspended devices such that integrated into the environment. The project stopped and took great care to detail in the soundproof room, coating panels with micro needled polypropylene; the tests on decibilímetro indicated that the first reverberation of sound in the panel about 70% was already absorbed by the needle polypropylene. According to the data of the time, it is emphasized that the tests were conducted at a frequency of 512 cycles per second and it was observed that the needle of a set micropropileno absorption coefficient of 0.68. (Ref Acoustics Applied to Architecture - Benjamin Carvalho 1967). And viewers have also been established between the vertical panels, providing the users'mental aeration and the table was placed orthogonally to the panel providing the environment for participants in different cores, thereby constituting a factor of considerable importance for the rationalization of production, a since adopted as panels, tabletops own. As noted in the research line MagGnaspazio allowed the assembly of a system that encompassed several areas of the organization, enabling them, with a simple turn of the chair, participate in the meeting, up to four members around a table by the Center Poliambiental Meeting as shown in the figure below. Figure 22. Planta de um andar do edifício MONTAB. It is observed that the project allowed the insertion of flower beds, both in the high parts of the panels as close to the ground; spherical acrylic aquariums that graced the transparency between the environments have also been developed and cabinets that served the two environments, the result of a thorough study ergonomic gesture. The proposed innovations denote the line and MaGnalínea MaGnaspazio thought the humanization of the workplace and the layout gave a totally different aspect of the landscaping aspect of the cold competitors'systems. Below is a floor plan of a floor of the building Montabo, which had its eightstorey fully furnished with MaGnaspazio. Figure 20. MaGnaspazio mother cell system. Figure 21. Details suspension file. 4. CONCLUSIONS The case study presented here demonstrates a scenario in which the country has promoted the industrial production and encouraged entrepreneurs to start their own business visionaries and allowed the conquest of markets, and its permanence, as a result of this hard work coupled with high competence. This decade known as the economic miracle, who pioneered the area of Design to establish itself in the national market. Considering the product concept MaGnalínea which was built at that time, we observe its unfolding over a twenty-two years of market presence gaucho, behaved as a leader, assuming the posture of a true icon, through creative work ever executed in teams expression that had names like Gunther Weimer, Armenian Wendhausen, Carlos Eduardo Warlich, Edmundo City, Manlio Gobbi among many others, who shared the creative tasks in a procedure very camaraderie and exchange of views by the constant search for innovative solutions for the furniture manufacturing office, which featured for the season with a differential Aesthetic Unusual Innovative Technology Solutions, Perceived Quality, Clean Design, Ergonomic Solutions having a high index of Utilization Parts, rationalization of production, easy to dismantle, Grants Ideal for Marketing Campaigns. Therefore, it can be stated that the development of this design during the 60s was a pioneering event in the history of furniture design office in Brazil and in particular the state of Rio Grande do Sul, because the company's strategy represented a major step forward for companies in the furniture sector, as demonstrated innovative solutions with regard to matters of form, functionality, ergonomics, product and balconies markenting. Figure 23. Planta de um andar do edifício MONTAB. With so many innovative solutions, the line MaGnaspazio brought different elements that sought to humanize the workplace, conquering the market in 1972. In the following figure we have a record of installations representing more Magnaspazio seat mounted of Siderurgica Riograndense Sapucaia that highlights the color combinations of panels and the creative layout. 5. THANKS This work was supported by the Laboratory of Materials Design and Selection of the Federal University of Rio Grande do Sul (UFRGS-LdSM) and the Graduate Program in Design (PgDesignUFRGS). Figure 24. Setting Steel headquarters. Figure 25. Enlarged detail of Steel headquarters. 6. REFERENCES [1] BAUDRILLARD, J. A sociedade de consumo. Lisboa, Edições 70. [2] BORJA DE MOZOTA, Brigitte. Design Management. New York: Editora Allworth, 2003. [3] BÜRDEK, B. História, teoria e prática do Design de produtos. São Paulo: Edgard Blücher, 2006, 496 p. [4] CARDOSO, R. Uma introdução à história do Design. São Paulo: Editora Blucher, 2008, 273 p. [5] Erich Fromm. Anatomia da Destrutividade Humana. Rio de Janeiro: Ed. LTC, 1987 [6] ONO, Maristela. Design Industrial e diversidade cultural: sintonia essencial. Estudos de casos nos setores de automóveis, eletrodomésticos e mobiliário. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAUUSP. São Paulo, FAUUSP, 2003. 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