UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE MEDICINA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE O CUIDADO COM O LUTO PARA ALÉM DAS PORTAS DAS UNIDADES DE TERAPIA INTENSIVA: UMA APOSTA E UMA PROPOSTA TESE DE DOUTORADO NÁRA SELAIMEN GAERTNER DE AZEREDO Porto Alegre, Brasil 2016 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE MEDICINA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE O CUIDADO COM O LUTO PARA ALÉM DAS PORTAS DAS UNIDADES DE TERAPIA INTENSIVA: UMA APOSTA E UMA PROPOSTA NÁRA SELAIMEN GAERTNER DE AZEREDO A apresentação desta Tese é uma exigência parcial do Programa de PósGraduação em Saúde da Criança e do Adolescente, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, para obtenção do título de Doutor. Orientador: Prof. Dr. Paulo Roberto Antonacci Carvalho Co-orientadora: Profa. Dra. Cristianne Maria Famer Rocha Porto Alegre, Brasil. 2016 A994a Azeredo, Nára Selaimen Gaertner de O acadêmico de medicina frente à morte: questões para se (re) pensar a formação / Nára Selaimen Gaertner de Azeredo; orient. Paulo Roberto Antonacci Carvalho; co-orient. Cristianne Maria Famer Rocha. – 2007. 115 f. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal Rio Grande do Sul. Faculdade de Medicina. Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas: Pediatria. Porto Alegre, BR-RS, 2007. 1. Atitude frente à morte 2. Estudantes de medicina 3. Educação de graduação em medicina I. Carvalho, Paulo Roberto Antonacci II. Rocha, Cristianne Maria Famer III. Título. NLM: WS 200 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE MEDICINA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE DA CRIANÇA E ADOLESCENTE ESTA TESE FOI DEFENDIDA PUBLICAMENTE EM: 25 DE ABRIL DE 2016 E, FOI AVALIADA PELA BANCA COMPOSTA POR: Prof. Dr.Clécio Homrich da Silva Universidade de Federal do Rio Grande do Sul Profa. Dra. Vera Lúcia Pasini Universidade Federal do Rio Grande do Sul Profa. Dra. Bruna Pasqualini Genro Hospital de Clínicas de Porto Alegre Á Luiz Lampert Gaertner, meu pai, in memoriam, Que sempre fez da música uma reunião familiar... Que muito antes desta data, acreditou que um dia eu seria “Doutora”. Onde você estiver... Este título é seu... À minha madrinha-mãe, Cecília Yara, in memoriam, que ao longo destes anos, foi meu exemplo de coragem e de amor verdadeiro. (Dedico) Á minha Mãe, Adélia, sem você eu não teria chegado até aqui... A meu marido João Carlos, pois se esquecendo de si, lembrou-se de mim durante todo este período... Aos meus filhos Pedro, André, Thomás, pelo estímulo, pelo exemplo de luta e superação... À minha filha, Júlia, pelo apoio incondicional: nossa parceria me faz uma pessoa melhor todos os dias... AGRADECIMENTOS ESPECIAIS Ao Professor Doutor Paulo Antonacci Carvalho e à Professora Doutora Cristianne Maria Famer Rocha: Vocês me fizeram chegar onde eu jamais imaginei. Acreditaram em mim quando nem eu acreditava. Estiveram ao meu lado em todos os momentos da minha solidão. Minha eterna gratidão... Meu eterno reconhecimento... AGRADECIMENTOS À Universidade Federal do Rio Grande do Sul e ao Programa de Pós Graduação em Saúde da Criança e do Adolescente por acolher as demandas inerentes a este trabalho. Às minhas irmãs, Deborah, Carla, Tatiana e Vivian: seremos sempre as filhas do Dr. Luiz e da Dona Adélia. À minha Tia Mary que me presenteou com a sua música e me estimulou a cantar, a cantar, a cantar... À Adriana Alves dos Santos, amizade e presença nesta trajetória. Aos sujeitos pesquisados por ofertarem sentido a essa busca. Boneca de Pano1 “Boneca de pano Gingando num cabaré Poderia ser boneca de louça Tão moça, mas não é Poderia ser boneca de louça Tão moça, mas não é... Um dia alguém a chamou de boneca E ela sendo mulher, acreditou O tempo foi passando E ela se desmanchando E hoje quem olha pra ela não diz quem é Em vez de boneca de louça Hoje é boneca de pano De um sombrio cabaré”. (VALENTE, 1950) 1 Meu pai sempre cantava para nós e, em todas as festas e reuniões familiares, uma canção chamada ―Boneca de Pano‖ e é com ela que eu começo esta pesquisa. RESUMO AZEREDO, NSG. O cuidado com o luto para além das portas das unidades de terapia intensiva: uma aposta e uma proposta. [Tese]. Porto Alegre: Faculdade de Medicina Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2015. P210. Este estudo teve o propósito de analisar a percepção, a experiência e os sentimentos dos familiares que perderam seu ente querido, bem como dos profissionais que prestaram atendimento a estes pacientes em dois hospitais públicos distintos, em uma UTI para Adultos e na UTI Pediátrica na cidade de Porto Alegre, RS. Foi aplicado um questionário semiestruturado para as enfermeiras e os médicos, que neste estudo são chamados de profissionais. Concomitante, foi realizada uma entrevista aberta com os familiares dos pacientes que morreram dentro destas Unidades. Nas entrevistas, utilizou-se o método de análise de conteúdo interpretativo, buscando compreender as possíveis realidades, expressas ou não, nas mensagens analisadas. Pela análise das entrevistas, pode-se concluir que as famílias têm sentimentos de confiança em relação à equipe assistencial; que a comunicação é clara e compreensível; fazendo-se necessário o planejamento de espaços físicos adequados para que a família possa se sentir mais acolhida dentro das UTI, e urge a aproximação entre os familiares e profissionais a fim de que o sofrimento com a morte deixe de ser apenas um fato gerado pela doença física e tenha entendimento multidimensional. As famílias referem que o apoio institucional está restrito às questões burocráticas (entrega da certidão de óbito) e que não tiveram nenhum tipo de apoio após a morte do seu familiar. Os resultados dos questionários mostram que temas como a morte e o morrer são pouco debatidos, que a equipe precisa ser mais bem preparada para cuidar de pacientes no fim da vida e que a presença da família dentro das UTIs ainda requer maiores discussões, a fim de que possa ser vista como uma parte do cuidado e não como acompanhante/visitante. É possível que, através de ações simples, a instituição hospitalar possa auxiliar as famílias a elaborarem o luto durante o período de internação hospitalar e até mesmo após o óbito dos seus familiares, oferecendo um alívio ao sofrimento, uma segurança em relação à assistência e uma melhor qualidade de cuidado. Descritores: Terapia Intensiva, Pesar/Luto, Relações Familiares Informação e Comunicação em Saúde, Atitude frente à morte. ABSTRACT AZEREDO, NSG. The care with the mourning beyond the doors of intensive care unites: a bet and a proposition. [Thesis]. Porto Alegre: Faculdade de Medicina Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2015. P210. This study had the intention of analyzing the perception, the experience and the feelings of relatives who have lost loved ones, likewise the professionals who care to them in two different public hospitals, one an adult ICU and the other a pediatric ICU at the city of Porto Alegre, RS. A questionnaire was applied to the nurses and doctors, in this study called professionals. Simultaneously, an interview was conducted with the families of the deceased patients at the Unites. In the interviews it was used the method of imperative content, trying to understand the possible realities, expressed or not, of the analyzed messages. Through the analyze of interviews it was possible to intuit that the families had a feeling of trust into the care team; that the communication is clear and understandable; making it necessary the planning of proper physical space, so the families can feel more welcomed in the ICU, and urges an approach between the families and the professionals in order to make the grief less painful and start to be seeing as a multidimensional understanding. The families report that the institutional support is restricted to bureaucratic matters (delivery of death certificate) and that they never had any support after the passing of their family member. The questionnaire‘s results show that the subject of death and dying are little discussed, and that the team needs to be more prepared to care patients at the ends of their lives and the presence of families inside the ICU still requires further discussions, so they can be seen as part of the care and not as a companion or visitor. It is possible that, through simple actions, the hospital institution can help families elaborate mourning during the time of hospitalization and even after the death of their relatives, offering a relive to the pain, a security to the assistance and a better quality of care. Keywords: Intensive Care, Information and Health Communication, Grief/Mourning, Family Relationships, Attitude to death. TABELAS Tabela 1 - A Adesão a Pesquisa Tabela 2 - Caracterização da Amostra Tabela 3 - Visita ampliada Tabela 4 - Discussão sobre a morte na UTI Tabela 5 - Presença da família no momento da morte Tabela 6 - Comunicação do óbito Tabela 7 - Preparo dos profissionais quanto a comunicação do óbito Tabela 8 - Sentimento da família no momento da morte 688 69 70 72 73 74 76 77 SUMÁRIO 1 DAS PALAVRAS INTRODUTÓRIAS À JUSTIFICATIVA DA TEMÁTICA .............................. 12 1.1 De onde eu venho e o que me inquieta............................................................................................ 12 1.2 No que acredito ............................................................................................................................... 16 1.3 O que pretendi: os objetivos da pesquisa ........................................................................................ 20 2 REVISÃO DE LITERATURA: A PROPOSTA QUE ME INSPIRA ............................................... 21 2.1 As transformações da morte: como a uti foi constituindo o conceito de morte .............................. 21 2.2 A UTI como cenário de vida e de morte ......................................................................................... 29 2.3 A difícil despedida: a morte dentro da terapia intensiva ................................................................. 34 2.4 A família no contexto da terapia intensiva...................................................................................... 38 2.5 A criança e sua família no contexto da terapia intensiva ................................................................ 42 2.6 A comunicação na unidade de terapia intensiva ............................................................................. 46 2.7 A UTI como um espaço para a elaboração do luto familiar............................................................ 51 3 METODOLOGIA .............................................................................................................................. 59 3.1 Delineando o caminho escolhido .................................................................................................... 59 3.2 Sujeitos da pesquisa ........................................................................................................................ 61 3.3 Procedimentos de coleta dos dados................................................................................................. 62 3.4 Análise dos dados............................................................................................................................ 64 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO ....................................................................................................... 67 4.1. O que mostram os questionários .................................................................................................... 67 4.2 O que revelam as entrevistas........................................................................................................... 77 4.2.1 As percepções acerca da UTI: ―dentro daquela porta tu tens o céu ou tu tens o inferno‖.... 80 4.2.2 A comunicação da morte em UTI: ―O pesar que não fala endurece o coração já sofrido‖ 108 4.2.3 ―E, chegou ao fim‖: a perda na UTI - morte (in)esperada e elaboração do luto................. 128 4.2.4 Apoio institucional na vivência do luto: ―depois que a gente se retirou de lá, ficou por isto mesmo!‖ ...................................................................................................................................... 145 5 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS: DAS APOSTAS POSSÍVEIS A UMA PROPOSTA DE CUIDADO AO LUTO ........................................................................................................................ 157 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 167 APÊNDICES....................................................................................................................................... 188 Apêndice A.......................................................................................................................................... 188 Apêndice B.......................................................................................................................................... 191 Apêndice C.......................................................................................................................................... 194 Apêndice D.......................................................................................................................................... 195 Apêndice E .........................................................................................................................................1956 12 1 DAS PALAVRAS INTRODUTÓRIAS À JUSTIFICATIVA DA TEMÁTICA 1.1 De onde eu venho e o que me inquieta Ao me comover com a beleza da música, eu me reencontro com a minha própria beleza. Por isso, a música me traz felicidade. (ALVES, 2010, p.91) Quando criança, na verdade, não tão criança, sempre quis ser cantora... Meu pai dizia que ser cantora era uma forma de lazer e não uma profissão. Porém, a música exercia e exerce sobre mim um poder que se transforma em potência, emoção, prazer, sensibilidade e realidade. Com a maturidade, deixei ir embora esse sonho de ser cantora, mas jamais deixei a música; ela continua comigo, ensinando-me acerca da necessária ressensibilização e ressignificação do humano que há em mim e no outro, resgatando um sentido de unicidade na vida, na perda, na morte e no cuidado. Sou cantora por lazer e enfermeira de profissão, e esta é a minha trajetória... Parece que foi ontem, mas já faz muito tempo, o dia de minha formatura na Faculdade de Enfermagem. Era dezembro. O calor intenso não era maior que a alegria daquela conquista. Sempre abraçada pelo orgulho vibrante e presente no rosto dos meus pais. Meu filho mais velho, Pedro, tinha três anos e, a todo o momento, perguntava-me que roupa esquisita era aquela... era a sua estranheza manifesta acerca de um ambiente, vestes e pessoas desconhecidas. Nos braços, eu carregava a pequena Júlia, com apenas 20 dias de vida. Era o meu momento. Estava feliz, muito feliz... e minha família sempre ao meu lado, dividindo conquistas e dores. Era a materialização de um sonho, às vezes sentido, ao longo daqueles cinco anos, como pesadelos. Era a realização de uma difícil caminhada... Na minha graduação, houve momentos em que sentia prática e teoria como dois mundos distantes e incomunicáveis. Este parecia ser um sentimento partilhado por quem cuidava, e principalmente, para quem era cuidado, mas não ouvido. Participando dessas vivências, já nessa época, experimentava a sensação de que o sofrimento nem sempre é sinônimo para dor, o medo não se associa somente à doença em si, e o cuidado ao morrer não se encerra no momento da morte. Formada, comecei a trabalhar em um pequeno hospital de Porto Alegre. Todas as manhãs, partia para o ―trabalho‖ imbuída da crença de que seria capaz de mudar algumas práticas há muito cristalizadas nas unidades hospitalares. Acreditava que, em algum momento, como uma magia, haveria espaço para uma unicidade integradora entre sentir e 13 fazer, enquanto modos de integrar o cuidado, o cuidador e quem era cuidado. Não foram poucos os dias que me dei por vencida. Não havia espaço dentro das rotinas hospitalares para nada além da prática e da técnica... Transferida para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) daquele hospital, confesso que vivenciei uma ―paixão à primeira vista‖; ainda que o ambiente de trabalho fosse pesado, o grau de exigência elevado, o erro inadmissível, e o ―controle necessário e absoluto‖. Naquele setor, as perdas eram (são) estatisticamente previstas dentro dos índices prognósticos e dos escores de gravidades. Estavam (estão) ―protegidas‖ nos percentuais esperados. Mas ali, morte e vida misturavam-se em um turbilhão de sentimentos e percepções presentes em todos e em cada ser particular daquela equipe. A essa ambivalência entre controlar e sentir, morte e vida, entreguei-me de corpo e alma; sabendo que, para além da rotina e da técnica, era necessário (a criação de) um espaço para ouvir, falar, sentir, chorar... Em uma unidade em que a tecnologia era vista como o que havia de melhor, algumas perguntas vislumbravam-se necessárias: Que benefício real esta tecnologia traz aos pacientes? E quando não há mais benefício? Em que momento o paciente deixa de ser sujeito de sua vida? A condição dentro da UTI é a de sujeitado? Se considerarmos que a equipe decidia tudo, parece- me que sim. E a família dos pacientes, quem as cuida e acolhe, particularmente nos momentos de perda? Ao que me parecia (e de certa forma, ainda me parece), as famílias eram (são) um cuidado extra, um cuidado a mais que, raramente, é tido como parte da ―rotina‖ dos profissionais dentro dos hospitais, dentro das UTIs; fazê-lo é ―quase‖ que uma opção individual e não uma obrigação profissional e/ou institucional. Algum tempo depois, participei de concurso público para o Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) – a vaga era para UTI Pediátrica – e também para o Hospital Nossa Senhora da Conceição (HNSC), em que a vaga era para UTI Adulto. Fui aprovada em ambos. Minha opção foi trabalhar com pacientes adultos. Começava aqui outra etapa de minha trajetória... Neste período, meu filho Thomás havia nascido e minha família havia sido completada. Ao longo dos últimos anos nessa instituição, trabalhando em terapia intensiva, minha trajetória me autoriza a dizer que, nas UTIs, a morte e o morrer se fazem presentes com uma frequência inquietante. Mesmo para nós, profissionais da saúde, que convivemos rotineiramente com esta situação, sua concretização (ainda) traz uma inevitável sensação de impotência e fracasso. Apesar disso, é preciso cuidar e acompanhar a morte de cada paciente e a vivência inicial do luto de seus familiares. 14 Certamente, esse acompanhar não é uma tarefa fácil, na medida em que,na maioria das vezes, se correlaciona à vivência de angústia, sofrimento e dor para paciente, família e equipe. A despeito disso, é imperativo que nos preparemos para cuidar da morte, do morrer, do luto e do sofrimento como parte de nossa missão cotidiana de profissionais, e não mais como desafio a ser vencido. Nesse sentido é essencial tencionar a equipe de saúde para o desempenho de um cuidado ético e humanizado, para além do meramente técnico; que torne viável o estar presente e o estar com o outro, em uma posição de auxílio e de escuta. Afinal, a atuação da equipe multiprofissional é primordial e indispensável quando se deseja proporcionar o máximo de conforto ao paciente em fase final de vida; ajudando-o, juntamente com sua família, a vivenciar o processo de morrer com dignidade e a aproveitar da melhor forma possível o tempo que lhe resta. Entretanto, profissionais de saúde e familiares, em algumas situações, acabam se afastando do doente, em uma tentativa de evitar o presenciar do sofrimento quando nada mais ou muito pouco, se tem a oferecer em termos de cura; e quando a irreversibilidade do quadro clínico fica evidente. As histórias de vida presenciadas dentro do meu ambiente de trabalho ensinaram-me que esse afastamento nos enfraquece como profissionais e como pessoas. E isso por que as relações (com os) dos familiares no cenário de morte de um de seus entes podem nos ensinar a falar mais com o coração e menos com a técnica; demonstrando o poder mágico do toque, da companhia, do não estar só. Isso tudo é altamente terapêutico para quem está doente (KUHL, 2002). Por mais difícil que seja estar próximo dos doentes (e de seus familiares) na hora da sua morte, isso nos torna mais sensibilizados à compreensão de que a morte também compõe a vida; proporcionando-nos sentimentos de paz e aceitação. Contudo, no meio social, há pouco conhecimento sobre o processo de morte e morrer. Criou-se uma falsa redoma na tentativa de ocultá-lo, como se isto fosse possível; na ilusão de que, negando a sua existência, conseguiremos nos afastar dele. As UTIs, em particular, colaboram na manutenção dessa fantasia, quando tomam para si a tarefa de lidar com a morte, excluindo a família desse cuidado; embora não possam retirar dela a vivência do luto que lhe compete, já que a perda é, sobretudo, deles. Só que o quê se exclui não se cuida; então, em um ambiente de exclusão, que joga a família para fora da UTI, como podemos olhar para o morrer e o luto, entendê-los em todas as suas características, e cuidar das pessoas/famílias enlutadas? Estudar a comunicação da morte, o luto e como as famílias enfrentam/sentem/vivenciam este momento sempre fez parte do meu desejo. Não acredito que 15 no cenário hospitalar, onde a morte está rotineiramente presente, esses assuntos ainda possam ser tratados como supérfluos ou como tabus. E, depois de tantos anos vivendo estes momentos como profissional, no ano de 2014 vivenciei-o como filha... Meu pai, que há dois anos havia sofrido um Acidente Vascular Cerebral e vinha lutando bravamente por sua vida, morreu no dia 1º de abril de 2013. Por ironia, morreu no dia da mentira; ainda que essa fosse, para nós, a mais dura das verdades: a morte. Durante um período precisei parar e elaborar o meu luto. Assim, elaborando minha perda, enlutada, esta pesquisa foi cuidadosamente embalada e guardada em uma ―gaveta‖. A dor infinita foi aos poucos se transformando em saudades... A convivência entre nós duas, eu e a saudade, foi se transformando em uma convivência pacífica e oscilante... Voltei à minha rotina e retomei a direção deste enorme privilégio que é viver. Neste período de dor, de infinita saudade e de união familiar, o processo do luto nos mobilizou (me mobilizou) a ir ao encontro de um sentido reconstrutivo, que deu mais significado e propósito a minha vida. Sem dúvida, posso dizer mais do que nunca, que a vivência do luto é um ensinamento poderoso, embora doloroso. O luto traz consigo permissão para que possamos viver a desorganização e a confusão; ao mesmo tempo em que, igualmente, apresenta a habilidade para ajudar a curar a si mesmo e a buscar ajuda para isso. De muitas formas, o luto pode trazer força àqueles que o vivenciam, fortalecendo-os e acarretando-lhes maturidade. A dor do luto é tanto parte da vida quanto a alegria de viver, sendo o preço que pagamos pelo amor e compromisso com o outro. Ignorar isso ou fingir que não é bem assim é cegar-se emocionalmente, é não se preparar para as perdas que irão ocorrer em nossa vida, e também para ajudar os outros a enfrentar suas próprias perdas (PARKES, 1998). Pode-se afirmar que a sensação de pesar, permeada pelo entorpecimento e sofrimento inicial, enquanto reações ao luto têm maior intensidade imediatamente após a morte, diminuindo com o tempo (PARKES, 1998). Por isso mesmo, a comunicação com familiares enlutados, especialmente da má notícia, deve receber especial atenção; sendo vital no curso do processo da perda. Embora existam particularidades de cada núcleo familiar quanto à cultura, crença, valores, modo de expressão de sentimentos e dúvidas, de forma geral, uma comunicação clara e empática sempre facilita a adaptação/vivência do luto. Para o que se precisa sempre seguir o pressuposto da verdade lenta e progressivamente suportável. A proximidade nessa circunstância, o estar junto, o ouvir e o apoio da equipe multiprofissional, podem auxiliar e 16 contribuir para uma melhor experiência do luto na sua etapa inicial (GENEZINI, 2012). Da mesma maneira, é preciso não adiar a comunicação do prognóstico negativo nas UTIs, já que essa atitude limita o tempo para as famílias prepararem-se para a morte e o morrer de seu familiar (GUTIERREZ, 2012a). Em locais como as Salas de Emergência, onde médicos e enfermeiros tem o desagradável dever de informar aos familiares sobre mortes inesperadas e prematuras, muito pode ser feito para amenizar o impacto do luto. Se a comunicação for efetivada de maneira sensível e solidária, sem pressa, de forma a garantir uma experiência menos traumática possível, esses profissionais terão garantido a mitigação do horror que pode advir de experiências traumáticas com a morte (PARKES, 1998). Frente a isto, considero ser fundamental conhecer mais sobre esta temática para obter algumas respostas às perguntas que frequentemente me faço e assim, quem sabe, ter novos caminhos para as inquietações que permeiam meu passado e meu presente. Trazer a morte e a família para o centro das discussões não é tarefa fácil; contudo, através deste estudo, estou disposta a assumir o desafio de conhecer e analisar as percepções e vivências, de familiares e profissionais, durante a experiência da morte e de comunicação da morte de um ente internado em UTI pediátrica e adulto, de dois hospitais de grande porte da região Sul do país. Este trabalho é parte de uma pesquisa maior que vem sendo desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Saúde da Criança e do Adolescente da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 1.2 No que acredito [...] Existe um momento na doença crítica em que o sofrimento da desesperança e a impotência se tornam mais intolerável que a própria dor. Neste ponto, a diferença entre dor e sofrimento torna-se evidente. (PESSINI, 2006, p.20) Que a vida é curta, não é novidade. É preciso vivê-la como se a cada dia findássemos uma nova etapa. É necessário vivermos melhor, para que nos sintamos inteiros e participantes do mundo. Para tal, precisaremos superar o preconceito de falar sobre a morte porque ela coloca a vida em perspectiva. Se olharmos através dessa perspectiva conseguiremos alcançar melhor os nossos propósitos, por que teremos a ousadia de refletirmos sobre nosso passado, presente e futuro. Olhar para a morte e para a comunicação da morte é o desejo dessa busca. 17 Esta pesquisa começou bem antes... Há bastante tempo... Aos poucos. Desde muito, percebo que, uma vez estando à técnica dominada, questões pertinentes ao sentimento afloravam em mim com muito mais potência, a cada novo paciente, a cada nova família, a cada morte vivenciada no meu cotidiano de trabalho. De uma coisa eu tinha (e tenho) certeza: técnica nenhuma, sozinha, pode dar conta do cuidado para com alguém. É necessário unir autores com pacientes, exames com histórias de vida, procedimentos com sentimentos. E, será necessário para sempre. Todo este aprendizado mobilizou, em mim, um turbilhão de certeza e milhares de incertezas; que me trouxeram algumas verdades, entre elas, que somente a teoria não ―forma‖ melhores profissionais. O que nos faz melhores é a forma como agimos e como sentimos, são as atitudes. Manter a paixão para com a aquilo que escolhemos fazer e manter a compaixão para com aqueles que necessitam dos nossos cuidados, isso sim nos faz melhores! Acredito nesse cuidado... Um cuidado que abrange mais do que um momento de atenção, de zelo ou de desvelo; que representa uma atividade de ocupação, de preocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro (BOFF, 2015). Um cuidado que é muito mais que uma atitude; é um sentimento. E que produz a certeza de que, quando somos cuidados, não estamos sozinhos e, desta forma, até mesmo ou especialmente no fim da vida, ficamos menos vulneráveis e mais protegidos. As pessoas querem e desejam ser cuidadas! Cotidianamente, os pacientes chegam a UTI procurando manter a vida. Esta é a nossa finalidade, este é o nosso trabalho. No entanto, a morte, não raramente, também é nossa companheira, embora tantas vezes temida e indesejada. Contemplar o espírito da morte permite abrir nosso coração para a vida, já que ambas compõe a mesma estrada, com suas retas e curvas (GIBRAN, 2013). Trabalhando em uma UTI tive várias chances de crescer: com o aprendizado da técnica, com a transformação da escuta, com a solidariedade para com o outro. Contudo, foi (é) o sofrimento o que mais me move(u). O sofrimento é um grande aprendizado! Cedo ou tarde, acabamos descobrindo que uma coisa é discorrer sobre o sofrimento racionalmente, a outra, é discorrer sobre ele vivenciando-o como sujeito que sofre (LEWIS, 2006). A UTI, em específico, gera demandas e sofrimentos intensos para familiares e internados, consumindo-lhes energia física, mental e emocional; e diante da possibilidade da morte ou da certeza da finitude existe uma exacerbação desses aspectos e, com isso, da necessidade de ser cuidado. Parece, então, ser correto pensar no binômio família-paciente como um cuidado necessário e norteador da assistência dentro das UTIs. Quando se abre mão 18 de cuidar desse binômio potencializam-se sofrimentos, angústias, medos, sentimentos de impotência e desamparo; além de se dificultar a vivência do luto, podendo torná-lo, inclusive, prolongado e traumático. Sem dúvida, a presença da família durante a hospitalização é de extrema importância, por viabilizar o transmitir de tranquilidade, coragem, segurança e força ao paciente; já que estar próximo, estar junto significa para o paciente, cuidar e dividir o processo da doença, da internação e, para alguns, o final da própria vida. De fato, a presença de familiares queridos auxilia na manutenção da identidade, ofertando ao doente segurança e proteção em uma situação de exposição, impotência e insegurança (BERGBOM e ASKWALL, 2000). Ao mesmo tempo, aproximar-se dessa família e cuidar dela é também uma necessidade, e deve ser uma das metas das equipes de terapia intensiva, particularmente, frente à possibilidade da morte. Que a morte compõe a vida é uma grande verdade. Por ter esta certeza, acredito ser necessário que, o processo de morrer, seja assistido de modo humanizado e holístico, e que a comunicação da morte seja parte desse cuidado. Tal concepção inclui a família como participante disso tudo, não só como cuidadora, mas como alguém que deverá também ser ajudada. Entendo que um aproximar-se da família, em circunstâncias de morte e morrer, ofertando-lhe apoio, pode contribuir para uma melhor experiência do luto. Nessa conjuntura, o profissional de saúde deve estimular as competências dos indivíduos, para que o próprio sistema familiar seja capaz de promover sua reestruturação, lançando mão de seus recursos (quando disponíveis) nesse enfrentar do processo de luto (GENEZINI, 2012); isso começa já na comunicação da morte e/ou de sua possibilidade. Destarte, profissionais que acompanham pacientes na fase final de vida, particularmente durante a vivência do luto antecipatório de seus familiares, precisam levar em consideração a intensidade do valor afetivo dessa vivência para cada familiar. É imperativo compreender as reações psíquicas e comportamentais que podem acontecer, entendendo que há um tempo interno para aceitação e elaboração da perda, peculiar a cada membro da família (GENEZINI, 2012). Entender, apoiar e respeitar o tempo dessas famílias é uma forma de cuidar. Com indivíduos adultos, mas especialmente no caso de morte de crianças, a literatura tem demonstrado que os pais são muitas vezes mal preparados para lidar com a dor que experimentam quando seu filho está morrendo; e mesmo quando o prognóstico é pobre e a morte iminente, o cuidado à criança que morre ainda se concentra no desejo da cura. Quando 19 se vislumbra a importância de se trabalhar com a questão do luto antecipatório se permite tempo para começar a trabalhar a perspectiva da morte, e do luto a ela atrelado, antes que ela de fato aconteça (RINI e LORI, 2007). Acredito que a satisfação com o atendimento prestado em fim-de-vida, para paciente e família, assim como, a comunicação adequada da morte, pode afetar positivamente a resposta e a vivência do luto dos familiares envolvidos no processo de morrer. Por isso, pesquisas como essa, acerca da comunicação da morte e da vivência da morte nas UTIs, olhada sob a perspectiva dos profissionais que cuidam e dos familiares cuidados, representam contribuições e melhorias aos processos comunicacionais efetivados nas UTIs. Apontam, pois, caminhos/estradas a serem percorridas para tal, ainda que não sejam de todo fáceis e correspondam à milhas trilhadas e montes escalados. Já dizia a música Estrada, do Cidade Negra (1989): Você não sabe o quanto eu caminhei Pra chegar até aqui Percorri milhas e milhas antes de dormir Eu nem cochilei Os mais belos montes escalei Nas noites escuras de frio chorei, ei, ei, ei... A vida ensina e o tempo traz o tom Pra nascer uma canção Com a fé do dia a dia encontro a solução Quando bate a saudade eu vou pro mar Fecho os meus olhos e sinto você chegar Você chegar! Quero acordar de manhã do teu lado E aturar qualquer babado Vou ficar apaixonado No teu seio aconchegado Ver você dormindo e sorrindo É tudo que eu quero pra mim(...) Quero acordar de manhã do teu lado E aturar qualquer babado Vou ficar apaixonado No teu seio aconchegado Ver você dormindo é tão lindo É tudo que eu quero pra mim Tudo que eu quero pra mim (...) Meu caminho só meu pai pode mudar Meu caminho só meu pai 20 1.3 O que pretendi: os objetivos da pesquisa A morte do homem começa no instante em que ele desiste de aprender. (TEIXEIRA, sd) Por acreditar que a família é parte ativa no cuidado de seu familiar, o objetivo central desta pesquisa foi: Conhecer e analisar a percepção, a experiência e os sentimentos dos familiares que perderam seu ente querido, bem como dos profissionais que prestaram atendimento a eles, sobre a vivência da morte e da comunicação da morte, na UTI do Hospital Nossa Senhora da Conceição e na UTI Pediátrica do Hospital de Clínicas, ambos na cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. E como objetivos específicos dessa investigação, têm-se:  Descrever e analisar onde e como se deu a comunicação entre profissionais e familiares de pacientes internados nas UTIs (linguagem, tempo e local utilizado);  Descrever e analisar os sentimentos dos familiares em relação ao momento do óbito;  Identificar se os familiares receberam algum tipo de apoio dos profissionais das UTIs em estudo durante a vivência da morte e sua comunicação;  Analisar como os profissionais (enfermeiros e médicos)/instituição percebem-se preparados para lidar com a comunicação e com a presença dos familiares no momento do óbito dos pacientes internados nas UTIs do estudo. 21 2 REVISÃO DE LITERATURA: A PROPOSTA QUE ME INSPIRA Ler significa reler e compreender, interpretar. Cada um lê com os olhos que tem. E interpreta a partir de onde os pés pisam. Todo ponto de vista é à vista de um ponto [...]. Sendo assim, fica evidente que cada leitor é coautor. Porque cada um lê e relê com os olhos que tem. Porque compreende e interpreta a partir do mundo em que habita. (BOFF, 1998, p.9) Em o Pequeno Príncipe, a personagem raposa coloca que ―rito é o que faz com que um dia seja diferente dos outros dias; uma hora, das outras horas‖ (SAINT-EXUPÉRY, 2014, p.37). Compartilho, agora, meu rito de leitura e reflexão. Assim sendo, nas próximas páginas apresentarei alguns dos muitos autores que (re) significaram a minha prática e, que ainda que não saibam, impulsionaram a minha trajetória, acalmaram as minhas dúvidas e estiveram comigo nas minhas inquietações. Espero que as horas dispensadas na leitura desta pesquisa sejam, para todos, também um rito de reflexão. 2.1 As transformações da morte: como a uti foi constituindo o conceito de morte Temos que aprender, juntamente com a anamnese clínica, a obter também uma anamnese da pessoa e de seu sofrimento. (GIGLIO, 2013, p.30) Desde a criação do mundo, já era sinalizado que o homem possuía (possui) medo do que lhe é desconhecido, sendo que a morte e o morrer figuram nesse grande imaginário desconhecido ao longo do tempo. A despeito do desenvolvimento social, das mais incríveis descobertas e da incessante busca pelo mundo ―perfeito‖, aspectos referentes à morte e ao morrer continuam objeto de reflexões e ações, influenciadas por diversos fatores e abraçadas pela subjetividade de todos nós. Ao que convém destacar que a morte em si não é tão somente um evento biológico, antes sim, uma construção social. Frente a isto, o morrer não se diferencia de outras dimensões das relações sociais, de jeito que, em cada momento histórico, há uma produção de práticas e retóricas que constroem o seu significado (MENEZES, 2006, p. 18). Diferentemente de outras épocas, nos dias de hoje, quando pensamos ou falamos sobre a morte e/ou o morrer das pessoas, não somos remetidos, como outrora, a um espetáculo ou a 22 um entretenimento— como na era dos gladiadores—, ou às fogueiras em praças públicas, ou à caça às bruxas, ou aos suplícios na roda; naquele tempo, ―nenhum sentimento de identidade unia esses espectadores àqueles que, na arena, lutavam por suas vidas‖ (ELIAS, 2001, p. 8-9), por exemplo. O modelo de morte nos dias atuais foi se configurando através dos acontecimentos. A morte de hoje é institucionalizada pelas técnicas médicas, ocorrendo dentro do cenário hospitalar. Essas mudanças em sua configuração são advindas das transformações sociais e culturais que ocorreram ao longo de várias décadas. São elas ―extremamente lentas por sua própria natureza ou se situam entre longos períodos de imobilidade‖ (ARIÈS, 2012, p. 20). Philippe Aries historiador precursor na investigação sobre as transformações nas atitudes coletivas frente à morte no Ocidente estabeleceu concepções de morte para os diferentes períodos históricos, descrevendo suas transformações ao longo do tempo (AURELIANO, 2011). Do século V até o final do século XVIII, a morte era esperada pelo moribundo. Nesse período, ―não se morre sem se ter tido tempo de saber que se vai morrer‖ (ARIÈS, 2012, p. 27). A morte era avisada por intermédio de simbologias naturais e por uma convicção íntima de que iria acontecer (KOVÁCS, 2003a; ARIÈS, 2012). Esse evento é representado pela clássica cena do moribundo reunido com seus familiares em torno do leito, fazendo suas últimas recomendações e despedidas. Aquele que estava morrendo tinha o dever de cumprir os últimos atos do cerimonial tradicional. Processava-se o lamento da vida; uma recordação triste, mas muito discreta; direcionada aos seres e às coisas amadas. Todo o cerimonial, em si, era bem-querido e cumprido com simplicidade, dispensando gestos de emoção excessiva e dramaticidade (ARIÈS, 2012). Essa é a ―morte domada‖, característica da Alta Idade Média; ritualizada, comunitária e encarada com dignidade e resignação. Nessa época, a morte era um ritual público; confiada à Igreja, esperada e preparada pelo próprio moribundo, que a aceitava e presidia o seu protocolo. O aposento (leito) do enfermo era local de acesso livre ao público, e o moribundo morria rodeado por familiares, amigos, vizinhos e crianças (ARIÈS, 2012). Durante a segunda metade da Idade Média houve uma aproximação entre três categorias de representações mentais: a morte, o reconhecimento por parte de cada indivíduo da sua própria biografia e o apego apaixonado às coisas e aos seres. Surge então, entre os séculos XI-XII, a ―morte de si‖, que perdura até o século XIV. Essa ideia de morte, ao mesmo tempo em que reconhece a finitude da própria existência, coincide com o nascimento de um anseio mais subjetivo e interiorizado da morte ―do eu‖. Com isso, apesar de continuar um 23 evento público no leito do moribundo, o morrer adquire certa dramaticidade e um forte encargo emocional, antes não reconhecido. O enfermo segue (ainda) sendo o centro da ação, presidindo e determinando como deve ocorrer o seu ritual de despedida (ARIÈS, 2012), mas toma também algumas decisões particulares acerca do pós-morte. Pode-se dizer que, no século XV há algo de ―individualização na morte‖, o moribundo passa a tomar maiores decisões em torno do post-mortem; existe a organização de testamentos que, a partir do século XVI, tornam-se responsabilidade de um tabelião. Nesse período, a morte tem dois sentidos: o religioso (a Igreja se encarregava de harmonizar um ―bom destino‖ à alma) e o temporal (o testamento assegurava o legado dos bens) (CHIAVENATO, 1998). A partir século XVIII, o homem ocidental dá à morte um significado novo, passando a exaltá-la e dramatizá-la; de modo que, no século XIX, o morrer deixa de ser uma solenidade. As pessoas, diante da morte, passam a expressar a sua dor; uma manifestação que se deve a um sentimento: o medo da separação (ARIÈS, 2012). O morrer, tão presente e familiar no passado, torna-se indigno e elemento de interdição – a ―morte interdita‖. Aqueles que estão próximos ao moribundo tendem a poupálo e a ocultar-lhe a severidade de sua situação de saúde. Este sentimento foi, mais tarde, suplantado por outro, peculiar da modernidade, que é o impedir, não somente ao moribundo, mas a todo coletivo social, a vivência da inquietação e da emoção, demasiadamente fortes e intoleráveis, causadas pela simples presença da morte em plena vida feliz (ARIÈS, 2012). A conspiração do silêncio em relação ao doente visa mantê-lo na ignorância de seu estado para que ele não sofra e para que não faça sofrer os que estão à sua volta. No entanto, tal encenação não dura por muito tempo; afinal, o paciente sabe o que está se passando, seja pelas informações de seu próprio corpo, seja pelo que capta em seu entorno (KOVÁCS, 2003a; LIMA, REGO e SIQUEIRA –BATISTA, 2015). A despeito disso, a interdição da morte levou as imagens da morte a se tornarem: Cada vez mais raras, desaparecendo completamente no decorrer do século XX; o silêncio que, a partir de então, se estende sobre a morte significa que esta rompeu seus grilhões [ou laços] e se tornou uma força selvagem e incompreensível. (ARIÈS, 2012, p.159) De fato, durante séculos, a morte foi um evento próximo e familiar; no entanto, como vivemos em um mundo sujeito a transformações, nos tempos atuais, ela tornou-se um ―evento solitário, principalmente quando ocorre em um hospital, dentro de uma UTI‖ (KOVÁCS, 2003a, p. 30). Existe hoje uma preocupação em afastar as crianças dos moribundos e das 24 coisas relacionadas à morte; que nos amedronta tanto ―a ponto de não mais ousarmos dizer o seu nome‖ (ARIÈS, 2012, p. 36). Essa vontade de fazê-la desaparecer sem que os espectadores se deem conta, tornandoa despercebida, teve mais força quando a morte foi deslocada para o hospital. Isso aconteceu entre 1930 e 1950, na medida em que o hospital se tornou o local onde se prestam os cuidados que já não se podem oferecer em casa (ARIÈS, 2012). As considerações de Martin Heidegger sobre a morte encontram-se basicamente em sua obra fundamental denominada Sein und Zeit, publicada em 1927 e traduzida para o português como ―Ser e Tempo‖. Nesta obra, o autor analisa a morte do ser humano como um caminho para a descoberta do próprio sujeito (ser). Assim, para Heidegger (2006), a morte pertence à própria estrutura existencial. Ao começar a viver, o homem já tem idade para morrer. É bem verdade que o problema fundamental da filosofia pautada por este autor, vista como um todo, não é a existência, mas a questão do ser. Ao desenvolver na sua obra principal (Ser e Tempo), o horizonte da existência, o autor cria em seu pensamento posterior à abordagem de uma filosofia da história e de uma reflexão aliada à poesia. O ponto de partida de Heidegger, ou o que coloca o problema do ser, é o esquecimento do ser, que o filósofo diagnostica em toda a tradição filosófica ocidental, começando com Platão e se estendendo até Nietzsche (WERLE, 2003). Heidegger (2006) nos mostra que a questão do sujeito (ser) não se colocar como mortal privilegiado é da mesma maneira o que faz ser capaz de questionar o próprio sujeito (ser) e, que possui uma compreensão do ser Seinsverständnis. Este mortal é o homem, que Heidegger chama de ―ser-aí” – Dasein. Este o homem enquanto um mortal que existe imediatamente em um mundo. Nesta perspectiva Heidegger nos convida a enxergar para o tempo como um horizonte aberto, nos fazendo perceber, que entre muitas possibilidades que nos aguardam, uma ocorrerá com toda certeza: a possibilidade da impossibilidade da morte. E frente a isto, o autor relaciona a morte ao tempo. Deste modo, somos lembrados que em cada vivencia, já poderemos perceber este passar e, ao vivenciamos o tempo em nós mesmos como esse passar, vivenciarmos a maneira como a vida se dá. ―O Dasein sabe de sua morte… O Dasein sente que vai passar‖ (SAFRANSKI, 2005, p.172). Sem dúvida, cada ser social, cada sociedade, detentora de suas particularidades e culturas, vivencia ou vivenciou a morte de modos distintos. Enquanto na sociedade capitalista ocidental este fenômeno é considerado abjeto e aterrorizante, em tempos distantes, a finitude era vivenciada de forma plena, pacífica e conformada. 25 Nesse contexto, observa-se que o conceito de morte evoluiu acompanhando à evolução tecnológica e científica do mundo; de modo que, no Século XX, sua conceituação passa a vincular-se à ideia de um acontecimento puramente biológico, separado do sentimento humano. Define-se a ideia de morte cerebral. Entretanto, a despeito dessa sua significação científica, os aspectos humanos e transcendentais envoltos na morte vêm sendo cada vez mais debatidos pela sociedade contemporânea (PESSINI, 2002; 2007). De certa forma, com os recursos destinados à manutenção do prolongamento da vida, a Medicina criou hoje a ―morte hospitalar‖. Esse hospital, enquanto um lugar para morrer, é silencioso. Para nós, profissionais da saúde, a morte passa a ser controlada, medicalizada e monitorizada. Para o paciente, o morrer torna-se solitário e, geralmente, traz consigo uma enorme angústia, que acompanha a ideia de mistério embutida na palavra morte (MENEZES, 2001). Essa solidão, com sua não possibilidade de comunicação e de despedida, é parte integrante da morte nos dias de hoje. Talvez, também, por isso, por ser tão solitário e angustiante, o morrer nesses locais seja tão duro e tão difícil para a maioria das pessoas (ESSLINGER, 2004). Nunca antes os indivíduos morreram de forma tão higiênica como em nossa sociedade moderna, e em condições tão propícias à solidão (ELIAS, 2001). Cada vez mais, a morte se dá em ambientes hospitalares, dentro das UTIs, onde o paciente em processo de morte, em muitos casos, recebe prioritariamente dispositivos invasivos ao invés de conforto, analgesia (FUGULIN et al., 2012), e presença humana. Há, cada vez mais, uma dificuldade em se precisar o exato momento da morte, na medida em que ela deixou de ser um fato imediato, para tornar-se uma sequência de fenômenos gradativamente processados nos vários órgãos e sistemas de manutenção da vida (FRANÇA, 2001). O fato é que o desenvolvimento tecnológico transformou a definição da morte de tal forma que se aceita que o paciente gravemente enfermo em final de vida seja mantido por um longo período de tempo em uma UTI (KOVÀCS, 2003; PESSINI, 2009). O conhecimento a respeito da vida em geral e o avanço das tecnologias e da ciência (visando à vida e à sobrevivência humana) contribuíram para a soma de tentativas preocupadas em se afastar a iminência da morte. Sob este aspecto, os processos de vida e de morte são organizados por procedimentos de saber e poder que tentam controlá-los e modificá-los (FOUCAULT, 1985). Ao que parece, a criação das UTIs correlacionou à morte ao insucesso biomédico; de jeito que, o tempo que define o esgotamento das possibilidades de resgate das condições de 26 saúde do paciente, tem sido um tanto quanto delongado (MENEZES, 2004; PESSINI e BARCHIFONTAINE, 2012). É inegável a importância do avanço tecnológico para a medicina. O ―curar‖ ressignificou o papel da Terapia Intensiva. O poder de intervenção e a melhoria da qualidade técnico-científica são hoje uma realidade. Mas será que refletimos sobre o impacto deste poderoso avanço na vida dos pacientes? Quanto mais avançamos na ciência, mais parece que tememos e negamos a realidade da morte! Será que o fato de nos concentrarmos em equipamentos de alta tecnologia não é uma tentativa desesperada de rejeitar a proximidade da morte? Afinal, essa morte, que se apresenta na face amargurada do outro ser humano, é algo tão apavorante e incômodo, a nos lembrar, nossa impotência, nossas limitações, nossas falhas; e particularmente, a nossa própria mortalidade (KÜBLER-ROSS, 1998). Destarte, nossa sociedade lida com a morte tentando negá-la, como se fosse possível excluí-la de seu cotidiano. Parece que somos condicionados a não aceitar a morte como uma etapa normal em nossas vidas. Em face da dor, do sofrimento e da morte, nossa atitude primeira é a negação; processando-se tentativas inúmeras de prolongar a vida à custa de dispositivos hospitalares. Afasta-se a morte do convívio social, dando-lhe o caráter da presença incomoda e mítica, que como tal, deve ser ocultada e distanciada (PITTA, 1994). A morte traz consigo a equivocada conotação de se tratar de uma doença. O doente, no fim da vida, sobretudo pelo desejo da família, e especialmente por não saber lidar com a situação, é encaminhado ao hospital unicamente para morrer ou para prolongar um pouco mais os seus dias, para ―o manejo máximo possível‖. Com isso, a expectativa de vivenciar o processo de morrer, de maneira irrestrita, torna-se arcaica e, na contemporaneidade, é totalmente rejeitada (COMBINATO e QUEIROZ, 2006). Nessa conjuntura, o morrer no cenário hospitalar, muitas vezes, resume-se a um fenômeno técnico; o doente está sozinho, ainda que rodeado de ―aventais brancos‖. Parecenos que quem está morrendo não consegue encarar ou introduzir a morte em seus horizontes, já que não teve oportunidade de discutir este assunto durante a vida. Da mesma maneira, também os familiares e amigos não encaram essa etapa como parte da vida, estando sobre o risco de desenvolver longos processos de luto. Desde a metade do século XIX, o deslocamento da morte de casa para o hospital, em certa medida, repassou ao médico os poderes de decisão da família e do moribundo, que agora, desconhecem o mundo especializado da doença (ARIÈS, 2012). Frente a isto, ―[...] no 27 hospital, o médico é ao mesmo tempo um homem de ciência e um homem de poder‖ (ARIÈS, 2012, p. 289). Por conseguinte, o local de morte tem acompanhado o lugar onde se prestam cuidados aos moribundos. Antes, eram as casas ou os asilos para os miseráveis e peregrinos, que com o decorrer do tempo foram sendo substituídos pelo centro médicos; e hoje, pelos hospitais com função curativa, ambientes privilegiados para morrer. O problema desta drástica transformação é que, ao morrer nos hospitais, com a morte sendo encarada como inimiga a ser combatida, a maioria das pessoas parte sozinha, de forma mecânica e solitária; isso dificulta um encarar desse processo de maneira calma. Quando, na verdade, a morte deveria ser tratada como parte integral da vida, aquela que realça a existência humana. Por que, ao delimitar o tempo de vida, ela impulsiona os indivíduos a realizarem algo produtivo neste espaço de tempo (KÜBLER-ROSS, 1998). Pessini e Barchifontaine (2012, p.427) destacam esse poder da morte: A morte tem o poder de colocar todas as coisas nos seus devidos lugares. Longe do seu olhar, somos prisioneiros do olhar dos outros, e caímos nas armadilhas dos seus desejos. Deixamos de ser o que eles desejam que sejamos. Diante da morte, tudo se torna repentinamente puro. Não há lugar para mentiras. Por certo, o anseio pela imortalidade implica não ignorar a morte, mas reconhecer a sua chegada. A mesma consciência que rejeita reconhecer a morte, negando-a como aniquilamento, é igualmente capaz de reconhecê-la como acontecimento. Este evento indica quão profundo deve ser a reflexão individual (e também social) no que alude à finitude humana (MORIN, 1997). Enquanto a única certeza no domínio da vida, enquanto um ―findar‖ que sempre existiu e sempre existirá, a morte exige a indagação e a descoberta do ser que reside no interior humano. Ambos, nascimento e morte, são partes integrais da existência humana (RODRIGUES, 2006). De maneira semelhante, a consciência da morte também enquanto a morte do outro, é importante na medida em que desempenha uma função no que diz respeito à vida. Nenhuma experiência se iguala àquela da morte de uma pessoa à qual estamos afetivamente ligados, com quem constituímos um ―nós‖, com quem edificamos uma comunidade que parece romper-se com o morrer (RODRIGUES, 2006). Acompanhar o morrer do outro tem muito a ensinar àqueles que vivem, inclusive sobre o que é importante na vida. As perdas que advém com o findar da vida do outro 28 embaralham o dia a dia, mas trazem oportunidades ricas de rever os rituais de acompanhamento daquele que parte, e de preparar-se para o luto. A música Metade, de Adriana Calcanhotto (1994), pode ser utilizada aqui como uma expressão do embaralhar que se produz com as perdas, e de certa forma, da fase inicial do luto: Eu perco o chão Eu não acho as palavras Eu ando tão triste Eu ando pela sala Eu perco a hora Eu chego no fim Eu deixo a porta aberta Eu não moro mais em mim... Eu perco as chaves de casa Eu perco o freio Estou em milhares de cacos Eu estou ao meio Onde será que você está agora?... Eu perco o chão Eu não acho as palavras Eu ando tão triste Eu ando pela sala Eu perco a hora Eu chego no fim Eu deixo a porta aberta Eu não moro mais em mim... Eu perco as chaves de casa Eu perco o freio Estou em milhares de cacos Eu estou ao meio Onde será que você está agora? A despeito disso, na sociedade brasileira, a morte é marcada pelo subterfúgio e negação; muitas são as circunstâncias em que não há o reconhecimento social do morrer, dificultando-se, com isso, a expressão do pesar, o partilhar de sentimentos e pensamentos conflitantes, e o próprio apoio social e profissional, necessários à reorganização psíquica frente à crise desencadeada pelas perdas (CASSELATO, 2005). Em muitos casos, o morrer significa apenas renunciar; renunciar a própria vida, renunciar aqueles e aquilo que amamos. Claro que morrer é, também, o desaparecimento de um ser que interage. Diante do que, o vazio da morte é também um vazio interacional, por trazer consigo a ideia de ruptura da existência da pessoa como sujeito, consigo mesmo e com os outros, da privação de quem está morrendo em relação a sua comunidade e cultura (AZEREDO, 2007). Mas se continuarmos a encarar a morte como um vulto sombrio e incógnito, a tendência de todos nós será a de negá-la para si e para os outros; e assim, evita-se olhar para o 29 morrer e para os seus ritos. Na atualidade, afastar a morte para longe dos olhos tem sido um meio de distanciá-la de nossas mentes; é ―quase‖ mais comum que a experienciemos no cinema, onde sabemos se tratar de ficção e ―faz de conta‖, do que na vida diária, em sociedade. Mesmo nos hospitais, territórios permitidos para o morrer, a partida é as escondidas ou protelada tanto quanto possível; mais do que nunca vive-se a obstinação terapêutica; particularmente nas UTIs. Talvez seja necessário resgatar o conceito de morte apregoado por Hipócrates, o ―Pai da Medicina‖ no Ocidente, enquanto algo imutável (ananké). Essa noção influenciou na criação de postulados que regem a atividade médica (e, igualmente, outras profissões da saúde), tais como o célebre primum non nocere (não causar dano), isto é, beneficiar o paciente ou, no mínimo, não prejudicá-lo. Isso nos ensina que não se deve mais atuar em direção à cura, quando a doença se mostrar fatal (ZAIDAHFT, 1990). Nesse sentido, a morte, nas UTIs, deveria acontecer após a discussão de dilemas bioéticos, como: a escolha do local onde morrer, os tratamentos que se pretendem administrar ou a possibilidade de escolher formas múltiplas de interrupção da vida mantida futilmente. 2.2 A UTI como cenário de vida e de morte Durante todo este tempo (que durou a hospitalização), eu não era um, mas dois. Um que padecia de uma doença e outro que assistia a tudo o que acontecia a este doente. Eu estava ao mesmo tempo vivendo um pesadelo e assistindo a ele. (SARAMAGO, 2010, p.59) O conceito de Unidade de Tratamento Intensivo nos remete, inicialmente, a doenças graves, a grande densidade tecnológica e a equipes altamente qualificadas. Os cuidados ali dispensados abrangem uma vigilância constante do paciente, por uma equipe multidisciplinar, e o uso de sofisticadas tecnologias, na busca do reestabelecimento da saúde (SILVA, CAMPOS e PEREIRA, 2011). Ao mesmo tempo, tais unidades têm sido correlacionadas à terminalidade e, consequentemente, à morte. Sem dúvida, a UTI é o domínio hospitalar mais comumente associado à morte (FRIZON et al., 2011). A admissão de um paciente neste setor, na maioria das vezes, é visto como um indício da gravidade de seu estado e, portanto, supõe uma forte possibilidade de que o desfecho seja a morte (SILVA, CAMPOS e PEREIRA 2011). Então, a despeito de ser um lugar concebido para a cura, os usuários e a própria sociedade ainda não conseguem 30 identificá-las como locais para recuperação ou de vida. Tudo isso por que, as UTIs, mantêm, para os leigos, um ideário de tratar-se de um lugar de separação, impotência e ameaça real de morte (GONÇALVES, 2007). A ideia da UTI como uma unidade de monitoração de pacientes graves foi idealizada pela enfermeira Florence Nightingale, que em 1854, transformou a forma de cuidados de enfermagem dispensados aos soldados feridos na Guerra da Criméia, reduzindo enormemente as taxas de mortalidade (AÚGE, 1995). Nessa época, as precárias condições da hospitalização geravam alta mortalidade entre os 4000 soldados hospitalizados, com índices de óbito atingindo os 40%. Florence, ao assumir o atendimento aos feridos nos Campos de Scurati2, adotou cuidados simples, como reformas no ambiente e medidas de higiene; derrubando a mortalidade para 2%. Respeitada e adorada, ela tornou-se importante personagem de decisão médica, sendo referência entre os combatentes (KRUSE, 2004; WEIL e TANG, 2011). As primeiras noções de cuidado intensivo surgiram e evoluíram a partir da observação dessa enfermeira, e de sua equipe, sobre a importância de se agrupar e alocar aqueles feridos com risco de morte em um local mais próximo da equipe; a fim de se garantir um melhor controle e vigilância de sua situação e de seus cuidados. Dessa forma, os enfermeiros poderiam se certificar de que os doentes mais graves receberiam maior atenção (SOCIETY OF CRITICAL CARE, 2006). Podemos dizer que Florence Nightingale foi uma das figuras centrais no desenvolvimento do conceito de cuidados intensivos. Seguramente sua atuação foi a primeira ação efetiva na direção do que seria hoje chamado de UTI. Todavia, o destino lhe reservou um penoso golpe, em 1856, ao contrair tifo e ficar com sérias restrições físicas, precisou retornar da Criméia. Incapaz de exercer seu trabalho físico dedicou-se, em 1859, à formação em enfermagem na Inglaterra; onde já era reconhecida por sua importância profissional e técnica. Fundou a Escola de Enfermagem no Hospital Saint Thomas - Londres, em 24/06/1860, onde mantinha curso de um ano para enfermeiros, ministrado por médicos em um conjunto de lições teóricas e práticas (PADILHA e MANCIA, 2005). A fundação dessa escola marca o início da Enfermagem Moderna em todo o mundo (COSTA et al., 2009). Florence faleceu em 13 de agosto de 1910, deixando um legado de persistência, competência, amor à profissão, e de compaixão e atenção para com o próximo. 2Os campos de Scurati localizam-se na Criméia. A Guerra da Crimeia foi um conflito que se estendeu de 1853 a 1856, na península da Crimeia (no mar Negro), no sul da Rússia e nos Bálcãs. 31 A primeira UTI, do ponto de vista técnico e instrumental, foi criada no Hospital Johns Hopkins, em 1927, em Boston (Estados Unidos da América), pelo Dr. W. Dandy, um estudante de Harvey Cushing. Tratava-se de uma unidade formada por três leitos e destinada à recuperação de pacientes em pós-operatórios de neurocirurgia (ROSENGART, 2006). Com a epidemia de poliomielite na Europa, particularmente na Dinamarca (1952), e também nos EUA (1948), a existência de inúmeras mortes em função de paralisia respiratória causada pelo comprometimento bulbar, desencadeou uma necessidade veemente por pesquisas para melhoramento de terapias ventilatórias (ROSENGART, 2006). No auge da epidemia a situação no cenário hospitalar era de caos total; hospitais estavam lotados e diversas vítimas da doença, que necessitavam de cuidados ventilatórios, eram ventiladas manualmente por estudantes, na sua grande maioria de Medicina. Nesse ponto, pode-se dizer que, a introdução de ventiladores por pressão negativa é que levou a necessidade de cuidados intensivos de enfermagem. O idealizador desse equipamento foi Bjorn Ibsen, em Copenhague em 1953, tendo sido reproduzidos na busca por manutenção da vida das crianças afetadas pela epidemia. A apropriada ventilação desses pacientes, além do monitoramento contínuo de seus sinais vitais e da administração de medicamentos, acarretou o surgimento da primeira Unidade de Terapia Intensiva identificada como tal (BERTHELSEN, CRONQVIST, 2003). Tanto na Criméia, como mais tarde na Dinamarca, a despeito do intervalo de tempo decorrido entre esses dois eventos, o cuidado e a monitorização requerida pelos pacientes se mostrou mais ágil e eficaz quando eles eram agrupados em um único local e atendidos por uma única equipe; o que favorecia a anteriormente mencionada presteza na assistência (SOCIETY OF CRITICAL CARE MEDICINE, 2006). Então, durante a década de 1950, o uso de ventilação mecânica levou à organização de unidades de terapia respiratória intensiva em muitos hospitais americanos e europeus, as quais eram unidades gerais de terapia intensiva para pacientes muito graves, incluindo aqueles em pós-operatório. Os pacientes que primeiramente usufruíram da assistência intensiva nesses moldes foram os soldados feridos na Segunda Guerra Mundial3 e posteriormente, na Guerra da Coréia4. Naquela ocasião, os pesquisadores ingleses e norte-americanos, concluíram, ao fim dos anos 1960, que os enfermos graves possuíam problemas fisiopatológicos comuns, e que suas sobrevidas dependiam do rigoroso controle de suas funções corporais. Esse controle, 3 Período compreendido entre 1939 a 1945. 4 Período compreendido entre 1950 a 1953 32 aliado às novas drogas e técnicas para tratamento da falência múltipla de órgãos e de septicemia, constituíram as ―tecnologias de salvamento‖ que reforçaram o desenvolvimento da terapia intensiva (MENEZES, 2013). Portanto, a expansão das UTIs ocorreu especialmente em virtude da Segunda Guerra Mundial, embora sua atuação se voltasse principalmente ao atendimento dos doentes cirúrgicos. Entretanto, no final da primeira metade do século XX, as tecnologias de suporte de vida tornaram-se mais acessíveis a outros grupos de pacientes, sobretudo pelo uso da ventilação mecânica associada à técnica cirúrgica de traqueostomia. Em 1958, 25% dos hospitais dos hospitais norte americano, aproximadamente, com mais de 300 leitos já contavam com serviços de Unidades de Terapia Intensiva. Sendo que os benefícios advindos desse tipo de organização do trabalho, resultaram na disseminação desses setores para quase todos os hospitais, sobretudo, a partir de 1960 (SOCIETY OF CRITICAL CARE MEDICINE, 2006). O médico Peter Safar é reconhecido como o primeiro Médico Intensivista e preconizador do Suporte Avançado de Vida para UTI. No ano de 1956 teceu investigações acerca da reanimação cardiopulmonar (massagem cardíaca externa), inventando a "respiração boca a boca‖, que ainda hoje é muito utilizada em situações de emergência. Para seus experimentos contava com voluntários da sua equipe, que eram submetidos à sedação mínima. Destarte, através de seus experimentos, concretizou as técnicas de manutenção de métodos extraordinários de vida (GUIMARÃES et al., 2009). No ano de 1962, na cidade de Baltimore (USA), Safar instituiu a primeira UTI cirúrgica, na Universidade de Pittsburgh, e criou a primeira disciplina de "Medicina de apoio crítico". Esse médico é também o responsável pelos primeiros estudos sobre indução da hipotermia em pacientes críticos. Como última contribuição elaborou os projetos das ambulâncias- UTI de transporte. Em 1970, em Los Angeles (EUA), um grupo de 29 médicos com interesses comuns no cuidado pioneiro aos pacientes críticos (entre eles: Peter Safar, Max Weil, Willian Showmaker), reuniu-se para formar a Society of Critical Care Medicine. E em 1972 fundaram a Associação Mundial de Medicina de Emergência (ROSENGART, 2006). Passados quatorze anos, em 1986, a Câmara Americana de Especialidades Médicas consentiu a certificação de competências em cuidados críticos para quatro áreas primárias: Anestesiologia, Medicina Interna, Pediatria e Cirurgia. O desenvolvimento de novos e complexos procedimentos cirúrgicos, como o transplante de fígado, pulmão, intestino delgado 33 e pâncreas, criaram, por sua vez, um novo e importante papel de cuidados intensivos póstransplante (ROSENGART, 2006). Nesse breve relato histórico podemos, pois, ressaltar a extraordinária contribuição de três personagens na idealização das UTIs: Florence, por ter preconizado as vantagens da criação de uma área separada do hospital para recuperação de pacientes cirúrgico; Dr. Dandy, por ter a ousadia de abrir uma unidade de três leitos para pós-operatório de neurocirurgia, no Hospital Johns Hopkins, começando assim, os cuidados intensivos; e Dr Safar, por ter comprovado e implementado medidas de reanimação cardiopulmonar, e por ter criado a primeira disciplina para estudo do paciente crítico. Da concepção inicial de UTI à atualidade, já se passaram 161 anos, desde então, a Medicina vem avançando muito. Valoriza-se hoje a Medicina Baseada em Evidências para tomada de decisão, que se traduz na prática da Medicina que integre a experiência clínica à capacidade de analisar criticamente e de aplicar racionalmente a informação científica existente, visando melhorar a qualidade assistencial (LOPES, 2000). Deste modo, pode-se dizer que a UTI representa, tanto na dimensão do significado simbólico quanto na prática, a preocupação contemporânea com a cura e com o prolongamento e/ou manutenção da vida. Por tal, o trabalho nesse setor requer contínua capacitação e formação dos profissionais, na intenção de se contemplar, para além dos questionamentos técnicos e das melhores evidências, também as questões relativas às consequências de uma internação no setor para doentes e seus familiares, e as condições de trabalho da equipe de saúde (MENEZES, 2013). Afinal, estar internado em uma UTI sujeita o indivíduo à fragilidade da condição humana, desencadeando uma desestabilização emocional importante, com aumento dos mecanismos de defesa e redução da tolerância à frustração (GUANAES e SOUZA, 2004). Obviamente, essa vivência traz consigo uma grande fragilidade, reativando processos psíquicos primitivos intensos em todos os envolvidos no ato de cuidar, sejam os próprios doentes, seus familiares ou profissionais de saúde. De fato, a hospitalização tem sido vista, ao longo do tempo, como fator desencadeante de estresse, capaz de gerar alterações físicas e psíquicas, tanto para a pessoa que está internada quanto para seus familiares. Sentimentos e sensações de medo, raiva, solidão, dor, angústia, desamparo, prejuízo da autonomia, perda de papeis sociais e a incerteza acerca do futuro, não são incomuns. Isso, particularmente porque, tornar-se paciente, muitas vezes, é também estar impedido do contato mais próximo com familiares e amigos. 34 Para os profissionais existe um imenso desgaste ao trabalhar em UTI, especialmente por lidarem com todas as angústias advindas de seus pacientes e familiares; e, sobretudo, por terem de conviver cotidianamente com a morte e o morrer do outro sem o devido preparo, apoio e suporte. Por mais que a ―medicina intensiva‖ tenha avançado, a falta de mecanismos institucionais que auxiliem no alívio e elaboração destes sentimentos segue sendo uma realidade, o que poderá vir a afetar a saúde mental dos membros da equipe. 2.3 A difícil despedida: a morte dentro da terapia intensiva Tudo aquilo que sei do mundo, mesmo por ciência, eu sei a partir de uma visão minha ou de minha experiência no mundo sem a qual os símbolos da ciência não poderiam dizer nada. (MERLEAU-PONTY, 2006, p.3) A morte é a única certeza da condição humana, e unicamente os homens têm consciência de sua finitude, razão pela qual o ser humano tem pavor da sua possibilidade, como se ela não fizesse parte do seu viver (FREUD, 1974). ―Revelamos uma tendência inegável para por a morte de lado, para eliminá-la da vida‖ (FREUD, 1974, p.327). Embora seja coerente relevar que, quando se toma à morte em perspectiva, entende-se melhor o passado, o presente e o futuro. O fato é que todos nós, ao longo da nossa história, vivenciamos ou vivenciaremos a morte de alguém querido, independente da nossa vontade. Assim como também temos a consciência de que um dia morreremos, ainda que esse sentimento não se faça presente em nossas ações diárias, de jeito que, evitamos pensar em nosso próprio morrer. Há então, o paradoxo da morte (in)esperada para si próprio. E se a morte do outro nos abala tanto, é justamente por que nos lembra da consciência da sua inexorabilidade para todos os humanos, incluindo nós mesmos. Experimentamos o morrer do outro como se uma parte de nós também morresse (KOVÁCS, 2010; HENNEZEL, 2004). Conforme já dito, até pouco tempo atrás, o homem enfrentava a sua morte em casa, acompanhado de sua família e amigos; onde expressava seus desejos e vontades livremente, permitindo que fossem atendidos. Muito raramente um doente era encaminhado ao hospital para morrer. 35 Diante disso, [...] a morte de um homem modificava solenemente o espaço e o tempo de um grupo social que podia estender-se à comunidade toda, por exemplo, a aldeia. Fechavam-se as persianas do quarto do agonizante, acendiam-se velas, usava-se água benta; a casa enchia-se de vizinhos, de parentes, de amigos sérios e de outros que cochichavam. O sino tocava na igreja de onde saía a pequena procissão que levava o Corpus Christi [...] (ARIÈS, 2012, p. 159). A aceleração do processo de interdição da morte pode estar no deslocamento do local em que ela se efetiva. Já não se morre em casa, entre os seus, mas em geral, sozinho, em um leito hospitalar. Em casa, não existe mais a emoção e a perturbação da morte, o hospital dá novo sentido ao ato de morrer (ARIÈS, 2012). Entretanto, ao transformar o hospital no local onde as pessoas adoecem e morrem, as questões inerentes a este ato— que antes eram compartilhadas socialmente através da morte domiciliar— ficam totalmente restritas ao âmbito hospitalar (PITTA, 1994). Estar doente já é por si só um estado de vulnerabilidade, que suscita muitas incertezas; e quando não há um tratamento humanizado, a pessoa se vê a sós com o seu sofrimento e o enfrentamento de sua doença. Na verdade, o hospital lida com a morte tentando escondê-la atrás de biombos ou de boxes isolados. Nesse caso, para muitos pacientes, resta uma condição de conformismo e abandono, na medida em que vão perdendo, ao longo da internação, sua identidade e o direito de opinar, às vezes, até de morrer oportunamente. Não obstante, no espaço hospitalar tal como se configura hoje, a morte é algo inevitável. Contudo, embora cotidiana, segue assustadora para aqueles que a vivenciam ou cuidam do morrer do outro. Tememos a morte por não sabermos quando iremos encontrá-la. É como se estivéssemos vislumbrando o nosso fim, mesmo negando-o, na morte de quem cuidamos (STEDERFORD, 1986). Nesse contexto o nome ―morte‖, muitas vezes, sequer é pronunciado, prefere-se bem mais a expressão ―foi a óbito‖, pois lembra-nos menos de uma associação com fracasso, vergonha e impotência. E assim, morre-se no hospital, em intensa solidão, de modo asséptico, frio e desolador, ao invés de se morrer junto ao calor humano no seio da família e dos amigos (HENNEZEL, 2006). Na UTI essa é uma realidade constante. Sem dúvida, a existência da morte faz com que nossa vulnerabilidade humana seja explicitada. A morte de alguém nos aproxima de nossa porção mortal, independente de nossa condição social, não admitindo suborno ou concessões. Pela simples razão de que ela— a morte— não pode ser vencida, a despeito de todo o avanço científico e tecnológico dos nossos tempos; no máximo, poderá ser retardada, e às vezes, até inoportunamente (MORIN, 1997). E 36 como uma comunidade, é de algum modo, eu mesmo, então, experimento algo de morte dentro de mim com a morte do outro. Esse morrer de alguém é testemunha de minha precariedade, forçando-me a pensar nos meus próprios limites (RODRIGUES, 2006). Destarte, o medo que temos da morte se deve a essa constrangedora evocação da nossa própria vulnerabilidade. A morte de alguém que amamos não é apenas uma perda, mas também uma aproximação com a nossa própria finitude, como um prova ou um aviso à própria vida. Longe dessa lembrança, por acreditarmos que somos eternos, deixamos de aproveitar cada um dos momentos de nossa existência. Ao recebermos a notícia de uma doença terminal, a vida nos oportuniza lembrarmos que estamos frente a frente com nossas fragilidades e com a certeza de nosso fim (REZENDE, 2000). Apesar disso, na medida em que a morte se aproxima maior parece ser a necessidade de tomar uma distância emocional em relação a ela, já que nossa angústia cresce quando nos aproximamos da situação limite na qual nos deparamos com o paciente vivo próximo da morte (QUINTANA, CECCIM e HENN, 2002). De fato, é muito difícil falar e se aproximar da morte em uma sociedade que a nega e tenta desesperadamente esquecer sua possibilidade. Para muitos, ela é tão somente sofrimento (EIZIRIK et al., 2001). Hoje, a própria preparação do corpo morto não é mais realizada pelos familiares, a presença destes e dos amigos foi substituída por cortejos fúnebres rápidos e discretos. Ao mesmo tempo, no que se refere aos familiares, não é socialmente desejável que demonstrem os seus verdadeiros sentimentos, para que não incomodem as outras pessoas (não envolvidas com o luto) com um assunto tão detestável (COMBINATO e QUEIROZ, 2006; KÜBLERROSS, 2008). Aqueles que possuem o privilégio de acompanhar alguém em seus últimos momentos sabem que eles entram em um espaço de tempo muito íntimo. A pessoa, antes de morrer, tentará depositar naqueles que a acompanham o essencial de si mesma. Mediante um gesto, uma palavra, às vezes somente um olhar tratará de dizer o que lhe importa verdadeiramente e que nem sempre pôde ou soube dizer (HENNEZEL, 2002). A despeito disso, a morte faz parte do existir, e não há como contorná-la, embora, em algumas situações, até os mais experientes paralisem-se em frente a ela. Por isso é preciso que os profissionais, questionem-se: O que é viver? O que é morrer? Quando parar? O que é morrer dignamente? Desejamos e exigimos uma vida digna. Mas também é certo que, a cada um de nós, deveria ser permitido o direito de refletir como seria para si morrer dignamente. Diante de 37 inúmeras doenças crônicas e degenerativas, tem sido difícil definir o momento a partir do qual o paciente deixa de apresentar chances de recuperação, ainda mais em casos de doenças não imediatamente fatais; e essa indecisão é algo bastante comum nas UTIs. Por certo, somente a evolução clínica do paciente poderá determinar se os cuidados com intenção curativa deverão ser continuados ou interrompidos, pois, apesar da preservação da vida ser considerada geralmente como o melhor interesse para o paciente, existem exceções que merecem reflexão e cujos princípios éticos em que estão fundamentadas devem ser apontados (CONSTANTINO e HIRSCHHEIMER, 2005). A manutenção a dignidade humana na condição e enfermidade e diante a possibilidade da morte, passa inevitavelmente pelo acolhimento, pela alteridade e pelo reconhecimento do outro, de seus valores e seus desejos. E isso está intimamente relacionado com o sentido que cada um dá a sua vida, tal qual ela se apresenta; daí por que a morte pode se tornar solitária, difícil, desesperada, indigna, ou então, breve e digna (MARQUES, 2005). Assim, no contexto das UTIs, é preciso lembrar que... O conceito constitucional da dignidade da pessoa não pode ater-se a um simples direito de que essa pessoa não pode ser torturada, humilhada, pelo poder e pela autoridade do Estado. Teríamos que entender que a pessoa tem o direito de não ser humilhada pela tortura do sofrimento inútil, irremediável e atroz. (SAMPEDRO, 2005, p. 79) Muitas vezes, preocupado com o que está acontecendo com ele, o paciente busca nas pessoas à sua volta a confirmação de suas suspeitas. É neste momento que pode ocorrer uma falha na comunicação, pois os familiares, bem como a equipe, sentem receio em falar sobre a doença e sobre o pouco tempo de vida que lhe resta, por achar que o paciente não está preparado para assimilar tal informação. Temem que ele não consiga lidar com o pânico, e que isso desencadeie uma depressão profunda (PESSINI e BERTACHINI, 2006). Mas esse temor, que é, sobretudo do outro de deixar alguém partir, tira do paciente o direito de despedir-se dos seus e de preparar-se para o partir da vida, retira-lhe a possibilidade de resolver pendências e o leva a condição de solidão e a sensação de ser enganado e manipulado. Quando afinal, o medo é particularmente daqueles que ficam. A música Atrás da Porta, de HOLLANDA e HIME (1972), interpretada por Elis Regina, representa um pouco do que é esse medo do outro de encarar a morte dos seus: 38 Quando olhaste bem nos olhos meus E o teu olhar era de adeus, juro que não acreditei Eu te estranhei, me debrucei Sobre o teu corpo e duvidei E me arrastei, e te arranhei E me agarrei nos teus cabelos Nos teus pelos, teu pijama Nos teus pés, ao pé da cama Sem carinho, sem coberta No tapete atrás da porta Reclamei baixinho Dei prá maldizer o nosso lar Pra sujar teu nome, te humilhar E me vingar a qualquer preço Te adorando pelo avesso Pra mostrar que ainda sou tua Até provar que ainda sou tua. 2.4 A família no contexto da terapia intensiva Há momentos na vida em que sentimos tanto a falta de alguém que o que mais queremos é tirar esta pessoa de nossos sonhos e abraçá-la. (LISPECTOR, s.d.) A família de um indivíduo pode ser considerada seu abrigo; e como tal, um local de cuidado, formação, educação, solidariedade e desenvolvimento de valores culturais. Razão pela qual desempenha um papel de fundamental importância na vida de seus membros, tanto nos instantes de saúde quanto nos de doença (WERNET, 2001). Pode-se dizer que A família é uma instituição social, variando através da história e apresentando até formas e finalidades diversas numa mesma época e lugar, conforme o grupo social que está sendo observado. Ela é a única em seu papel determinante no desenvolvimento da sociabilidade, da afetividade, e do bem estar físico dos indivíduos, sobretudo no período da infância e da adolescência. (PRADO, 1983, p.12) Ao longo do tempo, e principalmente na era cristã, a família enquanto instituição social adquiriu maior solidez. A despeito disso, sua concepção e papéis assumidos para o seus membros, vem sofrendo transformações; muitas das quais, ocasionadas por evoluções sociais que modificaram seus conceitos fisiológicos, ideológicos e políticos. De certa forma, os valores culturais e sociais das famílias foram questionados, modificados e/ou abalados no contexto da sociedade atual (ARIÈS, 1981; SAMARA, 1998). 39 Nesse sentido, a família pode ser compreendida hoje como uma unidade dinâmica constituída por pessoas que se reconhecem e se organizam como tal; partilhando vivências e convivendo entre si, na intenção de construir uma história de vida conjunta. Estes indivíduos podem se unir afetivamente ou por laços consanguíneos. De qualquer maneira, esse grupo possui crenças, valores e conhecimentos comuns, que são influenciados por sua cultura e nível socioeconômico; além de compartilharem direitos e responsabilidades na busca de crescimento, desenvolvimento, saúde e bem-estar de todos os membros (ELSEN et al., 1992). Destarte, considerando os vínculos e as partilhas que unem famílias e seus membros, é fácil concluir que, no contexto de uma internação, essa instituição também necessita de cuidado e acolhimento; já que também vivencia o adoecimento, passando por abalo emocional e incertezas quanto ao futuro. Para o indivíduo hospitalizado, a família é o seu grupo social de maior importância, quem o auxilia no equilíbrio emocional, na busca pela felicidade e bem-estar (RIBEIRO e SANTOS, 2008). Por isso, a internação de um familiar tende a elevar o nível de estresse desse grupo, particularmente, ante um diagnóstico grave e/ou irreversível em termos de curabilidade. Em semelhante conjuntura, a comunicação entre equipe-família pode ser dificultada, considerando as difíceis circunstâncias emocionais envolvidas na hospitalização. A vulnerabilidade aí vivenciada e experienciada traz à tona a necessidade de que a equipe de saúde busque e mantenha um bom relacionamento com paciente e família, colocando-se disponível para uma comunicação efetiva, afetiva, clara e dinâmica. No caso de internação em UTI, os familiares dos pacientes podem experimentar sentimentos de incerteza e impotência diante do inevitável e do desconhecido, tendendo a se colocarem na defensiva e a não se abrirem para um relacionamento autêntico com a equipe de saúde; cultivando, até mesmo, certo distanciamento (PETTENGILL e ANGELO, 2005). Também é comum certa ambivalência na compreensão do quadro do paciente. Em muitos momentos há o predomínio da esperança de uma cura milagrosa, a despeito dos prognósticos desfavoráveis. Em outros, a angústia tomará conta do familiar que presencia o processo de deterioração daquele familiar que lhe é querido. E haverá outros instantes [particularmente diante do apoio necessário da equipe] em que prevalecerá a percepção reconfortante do amor e dos cuidados dispensados no final de vida (FERREIRA e MENDES, 2013). Ao que tudo indica, a angústia gerada pela possibilidade da perda e pela separação imposta, somada ao longo tempo de permanência dos pacientes nas UTIs, são fatores que têm suscitado depressão, ansiedade, distúrbios do humor e níveis elevados de estresse (RAMOS, 40 2014; SOARES, 2007), em pacientes e familiares. Tanto que, essa experiência e suas consequências são descritas por alguns sobreviventes como traumática; podendo estar associada ao risco significativo, a curto e/ou em longo prazo, de mudança da vida física e psicológica (WILLIAMS, 2009). Frente a isto, parece ser essencial o uso de estratégias que amenizem o sofrimento decorrente dessa circunstância, o que pode ser viabilizado pela incorporação de acolhimento efetivo no cotidiano desses ambientes, e mediante a criação e manutenção de vínculo entre o profissional de saúde e aquele que precisa ser cuidado, seja paciente ou familiar (WILLIAMS, 2009). Nesse ponto, familiares descrevem que desejam estar próximo ao doente e receber informações precisas sobre o que se passa, bem como, esperam poder expressar livremente seus sentimentos e obter respostas adequadas às suas dúvidas. Tudo isso aumentaria a satisfação da família e diminuiria os efeitos deletérios do adoecimento e internação (RAMOS, 2014). Sendo assim, é importante lembrar que a família, frequentemente, sente-se desapoiada e temerosa à beira do leito de um familiar que está gravemente enfermo. Os tubos, curativos, fios e aparelhos, tão habituais aos profissionais, são amedrontadores e ameaçadores para eles. A possibilidade de tocar naquele seu familiar internado é causa de medo e de afastamento (MAESTRI et al., 2012). Daí por que a família deve ser acolhida em seus questionamentos! Os diálogos precisam ocorrer diariamente, sem necessidade de detalhamento técnico, pelo contrário, com linguagem acessível. Afinal, uma comunicação efetiva e afetiva minimiza dificuldades e incertezas, diminui o nível de ansiedade e fortalece o sentimento de segurança; facilitando e promovendo, com isso, o bom relacionamento entre equipe-família-paciente. Cuidar da família implica perceber o outro nos seus gestos e falas, em seus conceitos e limitações, sendo capaz de nutrir conversas e informações pertinentes ao que o indivíduo quer saber; dividindo esforços e responsabilidades. A informação deve ser clara e objetiva, incluindo esclarecimentos sobre o diagnóstico, prognóstico e tratamento do paciente, bem como, sobre os equipamentos, sondas, cateteres e drenos nele existentes (PUGGINA et al., 2014). Dentro da Política Nacional de Humanização, o acolhimento aos familiares é parte essencial do processo de internação e do próprio adoecimento. Suas dúvidas deverão ser esclarecidas, e seus medos e anseios amenizados por meio de um atendimento que respeite as suas necessidades (BRASIL, 2004). Portanto, o relacionamento equipe-família não pode mais ser algo protocolar, burocrático e despersonalizado (VILA, 2001). 41 Ao concebermos que o papel da família durante a internação é primordial e insubstituível, é necessário entendermos, igualmente, que essa família não pode ficar limitada a condição de observadora do cuidado, mas que, junto com a equipe de saúde, seja também uma cuidadora. Ou seja, ela deve ser envolvida, no dia a dia, como parte integrante da prática do cuidado; sendo para tal considerado suas angústias, dúvidas e expectativas, a fim de que, uma vez atendida, sinta-se capaz de desenvolver um cuidado congruente e de qualidade (FREITAS, KIMURA e FERREIRA 2007). Embora, não são todos os membros da família que se mostram capazes e preparados para cuidar do paciente; o que pode, inclusive, gerar conflitos intrafamiliares, que devem ser administrados pela equipe. Sem dúvida, nas situações de doença e de morte, existem perturbações e desestruturação da dinâmica familiar, sendo possível, inclusive, ocorrer manifestações patológicas, dependendo do tipo de doença do internado, do seu grau de incapacidade e da função/ do papel exercido naquele grupo pelo indivíduo doente (HANSON, 2005). Na verdade, o ajuste familiar é influenciado, justamente, por fatores como idade do paciente e diagnóstico, por sua representação para a família, pelas relações individuais existentes e pela estrutura psicológica geral do sistema familiar. Além disso, cada unidade traz consigo suas crenças, seus padrões de funcionamento, segredos e legados (CARTER e MCGOLDRICK, 2001). Há, pois, uma necessidade premente de apoio no encarar dos fatos (HANSON, 2005). No caso de pacientes em fase final de vida e frente ao morrer, a unidade familiar está diante de decisões, lembranças e vivências repletas de sentimentos e carga emocional; merecendo atenção especial e direcionada por parte dos envolvidos no cuidado (BROMBERG, 1997). Obviamente, a descoberta da doença e sua evolução para terminalidade, levanta uma circunstância de transformação para todo o sistema familiar, exigindo um reajustamento de sua estrutura, dos papéis e padrões de comunicação, e das relações afetivas estabelecidas (MOREIRA, 2001). Por certo, são muitos os sentimentos presentes nas ocasiões em que a família precisa estar perto de seu familiar que está morrendo. Neste momento, é imprescindível se evitar, ao máximo, o surgimento de conflitos e tensões entre família, paciente e equipe de saúde (HULL apud ESSLINGER, 2004). Em tal contexto, todos os profissionais envolvidos no processo de morrer precisam entender que aquele que está morrendo faz parte da história daquela família e, como tal, deve ser cuidado como parte integrante desse sistema; de forma a permitir que a morte seja vivenciada com menos culpa e menos sofrimento. Para o que, é imperativo ouvir as famílias tanto quanto possível, acolhendo-as e tornando mais leve as intervenções e a despedida. 42 Quando paciente e família compreendem a proximidade da morte e compartilharem essa experiência com a equipe de forma aberta, diminuem os sentimentos de solidão e de derrota, ofertando lugar a uma relação de cumplicidade e de leveza, em substituição ao sofrimento e ao peso intolerável da possibilidade da morte (REZENDE, 2000). Pode ser necessário ainda, dar suporte psicológico a esses familiares, a fim de se evitar complicações somáticas e psicológicas do luto; e tornar viável o reconhecimento da hipótese da perda e a obrigação de encontrar respostas às mudanças que estão ocorrendo em suas vidas (PESSINI, 2002). A humanização do cuidado de enfermagem está, pois, para além de consentir ou não a visita do familiar; ela implica o estabelecimento de uma relação de confiança e de ajuda, na qual a equipe tem a missão de identificar as reais necessidades dos familiares. Quanto mais cedo esta interação acontecer, melhor será para a família e, consequentemente, para o paciente (PAULI e BOUSSO, 2003). Entretanto, para isso, é relevante que se abandone o estereótipo da família que cada um constituiu como base em sua própria experiência, viabilizando uma visão mais ampliada das diversas formas de funcionamento familiar existentes na rotina da UTI. Afinal, [...] Família é um prato difícil de preparar. São muitos os ingredientes. Reunir todos é um problema. [...] Pouco importa a qualidade da panela, fazer uma família exige coragem, devoção e paciência. Não é para qualquer um. (AZEVEDO, 2013, p.11) [...] Enfim receita de família não se copia, se inventa. A gente vai aprendendo aos poucos, improvisando e transmitindo o que se sabe no dia a dia [...]. Aproveite ao máximo. Família é o prato que quando se acaba, nunca mais se repete. (Idem, p.1314) 2.5 A criança e sua família no contexto da terapia intensiva As Unidades de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) foram planejadas para oferecer cuidados e tratamentos completos a crianças criticamente enfermas. Para tal, dispõem de recursos humanos, máquinas, equipamentos e dispositivos complexos, a fim de que o objetivo de cuidar com qualidade seja adequadamente cumprido (MORAES e COSTA, 2009). Por se tratar de uma unidade fechada de cuidados, a equipe multidisciplinar do setor (principalmente a enfermagem) permanece grande parte do seu tempo ao lado da criança e de seus familiares. Esta possibilidade de convívio mais próximo, entre equipe e família, é capaz 43 de criar vínculos afetivos, favorecendo a participação da família nos cuidados prestados. É nesse contexto de convívio com os seus, que a recuperação da criança é favorecida. Ao mesmo tempo, dessa conjuntura sobressai à necessidade de que a comunicação seja uma ferramenta praticada com competência e habilidade (MAIA, SILVA e FERREIRA, 2014). Sem dúvida, a presença da família nesse ambiente (a UTIP) viabiliza o efetivar de um relacionamento mais próximo e intenso com a equipe de saúde e auxilia na segurança da assistência prestada a criança; além de ser ela uma fonte direta de informações sobre a evolução da doença, e, sobretudo, uma fonte de afeto, de segurança e de mediação/facilitação da adaptação da criança ao hospital. Essa presença possibilita, pois, uma conjuntura emocional mais satisfatória para todos os envolvidos no cuidado (GOMES e ERDMANN, 2005). Por certo, para a recuperação de uma criança em risco de morte dentro da UTI, é de fundamental importância esse papel e presença dos pais no apoio emocional ao filho doente. Não obstante, em muitas situações, esta presença está carregada de fragilidade e medo. É preciso, pois, que um mecanismo de ajuda seja oferecido, e que a equipe possa atuar de forma segura, proporcionando aconchego para os pacientes e seus familiares. Foi justamente pela necessidade de se oferecer uma assistência de maior qualidade à criança, e de se garantir um convívio harmonioso e salutar entre família e equipe, que surgiu a expressão ―cuidado centrado no paciente e na família‖, em meados de 1969. Sua pretensão seria a compreensão do significado de um cuidado de qualidade para familiares de crianças internadas, e a discussão da autonomia de pacientes e familiares frente as suas necessidades de saúde (JOHNSON et al., 2008). Portanto, essa terminologia tem sua origem no entendimento de que a família, por seus elementos, é essencial no cuidado de seus membros; sendo o isolamento social um fator de risco à saúde, em especial para os indivíduos mais dependentes como os muito jovens, os mais velhos e aqueles com doença crônica. Daí por que há a recomendação de que profissionais incentivem a manutenção, dentro do hospital, da ligação natural existente entre pacientes, suas famílias e redes de apoio. Sem dúvida, o cuidado centrado na família tem o objetivo de promover a saúde e o bem-estar dos indivíduos e de seus familiares, resgatando a dignidade e o compartilhamento das decisões. Nessa perspectiva, a definição de família é dada pelos seus próprios membros e as ações não se restringem ao corpo biológico, tendo em vista que o apoio emocional, social e de desenvolvimento são considerados componentes primordiais do cuidado à saúde. Entretanto, ainda que seja centrado na família, esse cuidado não suprime a competência 44 individual de cada membro em relação à tomada de decisão sobre sua própria saúde (JOHNSON et al., 2008; .RUSINOVA et al., 2015). Assim sendo, essa filosofia assistencial implica uma abordagem de cuidado como um processo de planejamento, prestação e avaliação baseados em parceria, com benefícios mútuos para pacientes, famílias e provedores. Destina-se a pacientes de todas as idades e pode ser praticado em qualquer tipo de serviço de saúde, por todos os profissionais ali alocados, como forma de atingir melhorias nas práticas assistências e no próprio serviço como um todo (JOHNSON et al., 2008). Os pressupostos centrais dessa filosofia são (WINKELSTEIN, 2006; ELSEN, 2000; JOHNSON et al., 2008):  Dignidade e respeito: os profissionais de saúde ouvem e respeitam as escolhas e perspectivas do paciente e da família;  Incorporação do conhecimento, dos valores, das crenças e da cultura do paciente e da família no planejamento e prestação do cuidado; e  Informação compartilhada: os profissionais de saúde comunicam e dividem as informações úteis com os pacientes e a família, de maneira completa e imparcial, de forma acurada e no momento oportuno. Então, para se efetivar sua participação no cuidado e na tomada de decisão; pacientes e famílias devem ser encorajados e apoiados a fazerem parte desse processo, escolhendo seu nível de atuação (WINKELSTEIN, 2006; ELSEN, 2000). Em se tratando de Brasil, apenas no final da década de 80 a família começou a participar do cuidado à criança hospitalizada. A UTIP do Hospital de Clínicas de Porto Alegre passou a implementar a prática do cuidado centrado na família e no paciente em 1979. Contudo, São Paulo foi o primeiro estado brasileiro a assegurar aos pais o direito de acompanhar seus filhos durante toda a internação, conforme Resolução SS de nº-165, de 1988 (GOMES e ERDMANN, 2005). Mais tarde, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº. 8069, de 1990) regulamentaria a situação da criança hospitalizada em todo o país; assegurando em seu artigo 12 o direito, para um dos pais ou responsável, de permanecer junto à criança e adolescente internado; para o que cabe às instituições de saúde proporcionar as condições necessárias para a sua permanência em tempo integral (ECA, 1990). Entretanto, embora saibamos que a presença da família é uma das práticas mais efetivas para o minimizar de traumas psicológicos da hospitalização na criança; esta ainda não é a realidade de todos os estados brasileiros, especialmente nas UTIs pediátricas e neonatais (BRASIL, 1990). 45 Certamente, o acolhimento dos familiares nas UTIs pediátricas, neonatais ou adultas, está para além do permitir a entrada e/ou a sua permanência dentro da unidade. Acolher é constituir uma relação de confiança e de sinceridade entre equipe, família e paciente; proporcionando e permitindo meios para a sua inserção no processo de cuidado, assumindo a postura de educadores, elucidando dúvidas e preparando os pais para o processo de alta hospitalar (PASSOS et al., 2015). No caso de crianças em fase final de vida, a ajuda mais significativa que os profissionais da saúde podem dar a qualquer parente e a própria criança, é partilhar com eles os sentimentos que surgirem, antes que a morte chegue, auxiliando-os no seu enfrentamento, de modos racionais ou não. Obviamente, a morte é um tema que obriga a uma reflexão acerca das prioridades de vida, trazendo para a lembrança, de forma imperiosa e mais do que qualquer outro sentimento, a importância das relações familiares. E sendo essa uma experiência que abrange todo o sistema familiar, convém que no cuidado da criança durante o processo de morte, contemple- se a família nesse contexto de cuidado (WONG e MOK, 2001; ROMÁN, SORRIBES e ESQUERRO, 2001). A música Encontros e Despedidas, de Maria Rita (1985), nos ajuda a refletir sobre as partidas, os encontros e desencontros que acontecem na UTIP, e os sentimentos que acompanham familiares e pacientes durante essa vivência de estar internado em uma UTI ou de ter alguém que ama na condição de risco de ir ou ―lutando para ficar‖, às vezes, desejando ir, às vezes negando a ida, outras voltando através de manobras de reanimação. Mande notícias do mundo de lá Diz quem fica Me dê um abraço, Venha me apertar tô chegando Coisa que gosto é poder partir Sem ter planos Melhor ainda é poder voltar Quando quero Todos os dias é um vai-e-vem A vida se repete na estação Tem gente que chega pra ficar Tem gente que vai pra nunca mais Tem gente que vem e quer voltar Tem gente que vai e quer ficar Tem gente que veio só olhar Tem gente a sorrir e a chorar E assim, chegar e partir São só dois lados da mesma viagem O trem que chega É o mesmo trem da partida A hora do encontro É também de despedida A plataforma dessa estação É a vida desse meu lugar É a vida desse meu lugar É a vida 46 2.6 A comunicação na unidade de terapia intensiva Escreve-se sempre para dar a vida, para liberar a vida aí onde ela está aprisionada, para traçar linhas de fuga. Para isto, é necessário que a linguagem não seja um sistema homogêneo, mas um desequilíbrio, sempre heterogêneo. (DELEUZE, 1992, p. 176) A comunicação é à base do relacionamento entre seres humanos. É um processo vital e recíproco, capaz de influenciar e afetar o comportamento das pessoas. Nesse sentido, a comunicação efetiva e o relacionamento colaborativo entre profissionais de saúde e a família do paciente são componentes essenciais à qualidade dos cuidados prestados e, consequentemente, à qualidade da assistência hospitalar. Isso é tão mais relevante quando se considera que a hospitalização em UTI impõe certo desequilíbrio no sistema familiar, pela vivência de uma crise deflagrada pelo risco da perda de um de seus membros e pelas alterações de papéis sociais advindas da internação. Em semelhante contexto, o ato de se comunicar é tido como uma estratégia básica para a humanização da assistência, na medida em que auxilia na percepção de cada ser humano como um indivíduo único, com necessidades específicas; otimizando, pois, o exercício da autonomia, a interação e o diálogo aberto entre quem cuida e quem é cuidado (FORTES e MARTINS, 2000). Diante disso, é necessário pensar a comunicação interpessoal como um processo bidirecional que depende tanto do emissor quanto do receptor da mensagem, e que se manifesta no verbal e no não-verbal. Sendo, por isso, importante decodificar corretamente sinais corporais de afastamento e insegurança, interpretando o silêncio de maneira adequada. Da mesma forma, é essencial expressar-se adequadamente, com postura corporal aberta e disponível, demostrando segurança pelo tom de voz e pela escolha adequada das palavras; sendo tudo isso efetivado em um local tranquilo e reservado (PUGGINA et al., 2014). Evidentemente, a comunicação é um fator importante na formação do vínculo, na medida em que permite a troca de mensagens que influenciam o comportamento dos 47 envolvidos nesse ato. É por meio da habilidade de comunicar-se, que o homem se relaciona e transmite os seus conhecimentos para o mundo (SILVA, 2012). A competência ou capacidade interpessoal para se comunicar de modo efetivo e afetivo permite ao profissional decodificar, decifrar e perceber integralmente o paciente e sua família, viabilizando uma interação adequada entre as partes (MACHADO, 2006). Ao que convém destacar que uma comunicação clara e constante é também um modo de reduzir a ansiedade e a angústia decorrente do enfrentamento da possibilidade da morte, da separação e das mudanças na rotina de vida, vivenciadas pelos familiares; que em muitos momentos percebem àqueles que lhe são queridos em maior gravidade do que realmente estão tamanha a aflição e sofrimento em que se encontram (RIBEIRO e SANTOS, 2008). Para o profissional, o conhecimento acerca e o reconhecimento dos sinais não verbais, manifestos por pacientes e familiares, é de suma importância na identificação das dúvidas, medos, ansiedades, angústias, entre outros tantos sentimentos que podem surgir com a hospitalização. O relacionamento com o familiar pode se tornar terapêutico à medida que a família confia e ajuda na promoção da assistência ao seu ente, o que se alcança por intermédio do diálogo e do respeito mútuo (SIQUEIRA et al., 2006). Obviamente, tanto a angústia originada da possibilidade de perda e separação, com o longo tempo de permanência dos pacientes nas UTIs, tem requerido melhorias na comunicação interpessoal que se processa entre todos os atores envolvidos no cenário de cuidado; aí compreendendo, necessariamente, a família. Por certo, a comunicação nessas situações mais graves e estressantes torna-se mais complexa, particularmente quando se considera a influência dos inúmeros fatores que interferem na compreensão e expressão dos sentimentos daqueles que as vivenciam (MORITZ, 2007). Nesse sentido, a comunicação do diagnóstico e prognóstico ao paciente fora de condições terapêuticas e a seus familiares, é uma difícil tarefa para a equipe de saúde. Além do confronto com uma situação para a qual a sociedade ocidental não os prepara, ou seja, o encarar da perspectiva da morte; este também não é um assunto privilegiado nas formações em saúde do meio acadêmico (MENDES, LUSTOSA e ANDRADE, 2009). Nesse ponto, torna-se difícil administrar a notícia e ter a certeza de ter sido compreendido. Buckman (1992) instituiu um protocolo configurando estratégias para uma comunicação eficaz, chamado SPIKES - Setting Up the Interview; Perception; Invitation; Knowledge; Emotions; Strategy and Summary. Este protocolo é composto por seis passos expressos pelas iniciais da proposta, cujo objetivo é habilitar o médico e a equipe de saúde a 48 contemplar os quatro objetivos mais importantes da entrevista de más notícias, que são: recolher informações dos pacientes, transmitir as informações médicas, proporcionar suporte ao paciente e induzir a sua colaboração no desenvolvimento de uma estratégia ou plano de tratamento para o futuro. Os seis passos são: 1- Planejar a situação de comunicação (S – Setting Up the Interview): Identificar um ambiente reservado; analisar a trajetória do paciente, inteirando-se da sua história; envolver amigos e parentes no processo e despedida. 2- Perceber do paciente o que ele sabe sobre a doença (P – Perception): Identificar do paciente e do seu familiar o que eles sabe das informações prestadas, corrigi-las ou ajustá-las com informações mais precisas. 3- Encorajar o paciente a expor suas dúvidas (I – Invitation): É fundamental entender o grau de detalhamento que o próprio paciente quer obter sobre seu caso, colocando-se sempre disponível para outros esclarecimentos. Buscar ser claro de forma delicada 4- Conhecimento e Informação ao Paciente (K – Knowledge): Ser claro, preciso e objetivo, no entanto dar tempo ao paciente, evitando o excesso de informação e os detalhes dispensáveis. 5- Ser emocionalmente solidário (E – Emotions): Conversar, perguntar sobre as emoções dos pacientes com respostas afetuosas. Estimular a aparecimento do emocional do paciente e seus familiares, e ser capaz de acolher as reações negativas à notícia. 6- Apontar os próximos passos (S – Strategy and Summary): Estratégia e resumo que sejam capazes de recordar o que foi dito; constatar se pacientes e familiares sentem-se seguros para discutir o que foi feito até o momento. Sempre proporcionar outras possibilidades de cuidados e tratamentos (BUCKMAN, 1992). Outro protocolo, denominado CLASS, também propõe passos a serem seguidos na relação e comunicação entre médico-paciente, onde o C remete ao contexto físico (context); L à habilidade de escutar e perceber (listening); A ao conhecimento das emoções e de como explorá-las (acknowledge); S à estratégia a ser adotada (strategy); e o último S refere-se à síntese (summary) (PETRILLI et al., 2000). Em relação ao Contexto Físico destaca-se a importância da privacidade e da disposição das pessoas envolvidas de maneira a garantir o contato visual, sem a presença de barreiras físicas. Sugere-se que nesse encontro seja lançado mão do toque afetuoso em membros superiores do paciente/familiar, como demonstração de apoio, de proximidade e de envolvimento; observando-se sempre sua receptividade a essa ação (PETRILLI et al., 2000). 49 Quanto à Habilidade de Escutar convém salientar a necessidade de se estabelecer um relacionamento que permita ao paciente e ao familiar expressar o que pensam e o que estão sentindo, de maneira tranquila. Recomenda-se ouvir, olhar, adotar posturas positivas, repetir palavras-chave utilizadas pelo paciente/familiar, e tornar claros os tópicos ambíguos ou obscuros (SILVA, 2005). No item Conhecimento das Emoções evidencia-se a relevância de utilizar linguagem compreensível ao paciente e familiar, ofertando informações aos poucos, conforme a receptividade dos indivíduos envolvidos na conversa. As respostas às dúvidas devem ser pausadas e acolhedoras, buscando-se compreender os sentimentos despertados na medida em que forem surgindo, inclusive a negação da doença e da terminalidade da vida. Nesse ponto a atitude empática precisa estar presente, balizando a comunicação (PETRILLI et al., 2000). A resposta empática consiste, basicamente, em identificar a emoção, sua causa e origem, respondendo de uma forma que mostre a compreensão da conexão entre uma e outra (SILVA, 2005). No quesito Estratégia sugere-se que o profissional avalie e considere as expectativas do paciente quanto às condições emocionais, sociais e econômicas envolvidas em sua doença; propondo uma estratégia onde a qualidade de vida e a mobilização da família atenda a fase de resposta em que ele se encontra (raiva, negação, barganha, aceitação). Esquematiza-se, então, uma proposta terapêutica e um plano de cuidado (PETRILLI et al., 2000). Já a Síntese envolve o término da entrevista com o paciente e comtempla três componentes principais: um resumo dos principais tópicos discutidos, o questionamento ao paciente se existe algum tópico que ainda deseje discutir e um roteiro claro para o próximo encontro (PETRILLI et al., 2000). Destarte, cada um desses protocolos coloca aos profissionais de saúde alguns princípios ao se lidar com a comunicação de más notícias; orientando-os sobre: como perguntar, como tomar conhecimento e lidar com as emoções do paciente e de sua família, como dar repostas empáticas, e como dar apoio e ouvir suas preocupações. Sobre isso, nunca se deve desdenhar do valor de apenas ouvir o paciente e sua família, sendo para tal essencial estar por perto, mesmo quando se pensa não fazer nada. Por tudo isso, pode-se dizer que a dificuldade de estabelecer um diálogo adequado com o paciente sem perspectivas de cura, inicia-se já na comunicação do diagnóstico. Neste delicado momento, é comum a ocultação de informações mais precisas, em geral sustentada pelo argumento de que essa notícia poderia levar o paciente à depressão, e ao consequente agravamento da doença. No entanto, sob esse manto de proteção, podem estar encobertas 50 dificuldades do próprio profissional, que receia que a comunicação de um diagnóstico desfavorável diminua-lhe a admiração recebida do enfermo; ou especialmente, por temer se envolver no sofrimento que essas situações inexoravelmente apresentam (MENDES, LUSTOSA e ANDRADE, 2009). Quando se dá a negação da morte por parte do profissional, com a interdição da própria palavra e sua substituição por outros termos, muitas vezes, existe conjuntamente um dificultar no entendimento da informação que ele passa. A exclusão da palavra do vocabulário médico é uma forma de não reconhecimento da condição de finitude. Por que diante do uso desse termo, diante do olhar singular para o paciente em iminência da morte, é preciso um confronto angustiante com a possibilidade da própria finitude (MONTEIRO et al., 2015). Entretanto, quando a morte se aproxima, a atenção e o cuidado com paciente e família devem continuar e até mesmo aumentar. É preciso deixar falar, deixar chorar, deixar desabafar, tantas vezes isso se fizer necessário. È imperativo permitir que ambos participem da vida um do outro, estimulando o encontro entre eles; todavia, tão importante quanto, é também ficar à disposição para fazer parte disso tudo verdadeiramente. Destarte, é necessário ajuda e assistência desde a confirmação de um chamado ―diagnóstico desfavorável‖, até os meses posteriores à morte de um membro da família. Vale lembrar ainda que, a ausência advinda da perda, quando elaborada adequadamente torna-se presença com menos sofrimento. Óbvio que a presença traz consigo a saudade, e talvez, por isso mesmo, seja tão difícil assimilar qualquer perda; particularmente porque ela carrega em si todas as perdas anteriores e o medo de novos sofrimentos. Por tudo isso, o cuidado no cenário hospitalar, precisa ser realizado com o outro, o que está além do meramente técnico. Esse cuidado acontece quando se estabelece uma relação de ajuda, que envolve respeito, compreensão, empatia e trocas. E para que essa troca aconteça, a comunicação adequada é essencial, principalmente, em situações de fase final de vida (SILVA, 2012). Assim, é preciso capacitar os profissionais da saúde no uso da linguagem verbal e não verbal, para serem capazes de identificar e compreender as necessidades das famílias, bem como, para desenvolverem uma cultura institucional que promova um bom relacionamento entre todos. Esse relacionamento entre equipe de saúde, paciente e família deve ter por objetivo ajudar o paciente e seus familiares, de forma estruturada, através de interações planejadas e de conhecimentos da comunicação terapêutica eficiente. Diante do que, é relevante estimular comportamentos positivos e adequados para expressão e percepção dos sinais verbais e não verbais nos processos comunicacionais, já que 51 a interação interpessoal efetiva e o estabelecimento de relacionamento terapêutico podem ser identificados, na dinâmica da assistência em UTI, como preceitos importantes para um cuidado mais holístico e humanizado (SIQUEIRA et al., 2006). Nesse ponto convém destacar que a comunicação não verbal é, sem dúvida, um dos grandes desafios na UTI, sendo necessária toda a atenção para a captação e compreensão dos sinais e mímicas expressas. Um olhar atento ao paciente e família, cheio de receptividade, confiança e intencionalidade, são essenciais. De fato, é necessário criar esse ambiente de confiança, que respeite as singularidades e perceba o outro, um ambiente que capte, decodifique e traduza o que esse outro sente; somente aí a ajuda efetiva se tornará possível (BAX e ARAÚJO, 2012). Para além disso, a comunicação é ainda elemento fundamental para o equilíbrio e o bom funcionamento da própria equipe de trabalho e, consequentemente, do serviço. Não exageramos quando afirmamos que, uma boa comunicação é essencial para a eficácia e bom desempenho de qualquer grupo. E para tal, ela precisa não apenas transmitir um significado, mas também ser compreendida/recebida da mesma maneira como foi intencionalmente emitida (ROBBINS, 2007). No relativo à internação pediátrica, em específico, torna-se necessário acrescer, também, que as necessidades de informação, segurança e suporte estão intimamente interligadas, na proporção em que informações claras e objetivas sobre a evolução do estado da criança diminuem a ansiedade e garantem segurança/confiança; o que, por sua vez facilita a própria comunicação entre a família e equipe de saúde (PUGGINA et al., 2014). Assim sendo, se faz necessário tecer uma reflexão crítica sobre nosso posicionamento diante das famílias, para que a comunicação seja sempre um aprendizado e uma vivência de ajuda, de aproximação e de acolhimento no difícil processo de estar internado dentro de uma UTI. 2.7 A UTI como um espaço para a elaboração do luto familiar A morte não tem segredos. Não abre portas. É o fim de uma pessoa. O que sobrevive é o que ela ou ele deram a outras pessoas, o que permanece nas memórias alheias. (ELIAS, 2001, p. 77) O homem é o único ser vivo que tem consciência de sua finitude (FREUD, 1974), razão pela qual sofre antecipadamente a possibilidade de sua morte, mesmo que seja difícil 52 conceber o fim de si mesmo como um fato concreto. Em nossa sociedade ocidental, a negação da morte faz com que o processo de elaboração da perda seja mais doloroso e difícil. E, é este processo natural e esperado de elaboração da perda que chamamos de luto. Em termos de definição pode-se dizer que o luto é uma reação normal, até mesmo esperada, diante do rompimento de uma relação significativa, tendo impacto sobre o indivíduo e sua família, muitas vezes a longo prazo. Expressa, pois, a perda de vínculos do indivíduo (PARKES, 1998). Trata-se de uma reação à perda, que pode ser de uma pessoa muito querida ou de algo abstrato, como por exemplo, um ideal (FREUD, 1917). Portanto, o luto não é um estado ou um conjunto de sintomas deflagrados pela perda e que, aos poucos, se desvanece; mas é um processo em que há uma sucessão de quadros clínicos que se mesclam e se substituem. Inicialmente, o enlutado vivencia um entorpecimento, que dá lugar à saudade ou procura pelo outro, e estes, por sua vez, cedem lugar à desorganização e ao desespero; e é só depois dessa desorganização que se dá a recuperação. Entretanto, existem diferenças de uma pessoa para a outra no que diz respeito à vivência de cada uma dessas fases, tanto no que se refere à duração quanto à forma de experienciá-la, podendo o indivíduo ir de uma a outra e voltar a viver novamente a mesma etapa (PARKES, 1998). Com o luto, há um estado de espírito penoso e um desinteresse pela realidade, à medida que o sujeito enlutado passa a se interessar somente por aquele (ou aquilo) que perdeu, procurando encontrá-lo em todos os lugares. Afinal, no caso da morte de alguém querido, o enlutado precisará elaborar a perda do afeto e das representações psíquicas e sociais envolvidas nesta perda (FREUD, 1917). De fato, a morte reporta prioritariamente ao vínculo rompido de forma irreversível, real e concreta. Aí, estão representadas duas pessoas: aquela que foi perdida e a que perdeu, lamentando esta falta, como um pedaço de si que também morreu (KOVÁCS, 2010). Pode-se dizer, que o traço mais característico do luto são os episódios agudos de dor, acompanhados de muita ansiedade; que se iniciam logo após a perda, ocorrendo frequente e espontaneamente. Nessas ocasiões, o enlutado sente muita saudade da pessoa que morreu e chora ou chama por ela. À medida que o tempo passa, esses episódios tornam-se menos comuns ou ocorrem somente quando provocados por algum estímulo que traga a perda à mente (PARKES, 1998). O processo de enfretamento do luto através da passagem por diferentes fases foi estudado por alguns autores. Kübler-Ross (2008), por exemplo, dividiu o processo de luto em cinco etapas. Na fase da negação o indivíduo, para sua defesa psíquica, recusa a condição de 53 terminalidade, evitando contato com a realidade ou com o assunto morte e morrer; o que pode se dar temporariamente ou sustentar-se até o fim da vida. Na fase da revolta, a pessoa se revolta contra o mundo, sente-se injustiçada e não se conforma em estar passando pela situação. Em função de sentimentos de ira, revolta e ressentimento, que se alastram em todas as direções, torna-se mais difícil lidar com o indivíduo. Na fase da barganha, o indivíduo negocia, inicialmente com ele próprio e depois (geralmente) com Deus, fazendo promessas em busca do prolongamento da vida (no caso do moribundo) ou pelo alívio da dor e/ou males físicos. Sobretudo as barganhas espirituais, podem estar psicologicamente, associadas a culpas secretas. Na fase da depressão, a pessoa se recolhe para seu mundo interior, isolando-se melancolicamente e sentindo-se impotente diante das circunstâncias. É possível que se evidencie um alheamento acompanhado de um sentimento de grande perda. As dificuldades do tratamento e hospitalização prolongada aumentam essa tristeza que, aliada a outros sentimentos, podem levar à depressão clínica. E, por fim, na fase da aceitação e adaptação, o desespero desaparece, permitindo que a pessoa enxergue a realidade como realmente é, o que facilita o olhar para a morte e a vivência da perda. No caso de pacientes terminais, essa é uma das etapas em que a família pode precisar de maior ajuda, compreensão e apoio por parte da equipe de saúde, na proporção em que o paciente já encontra certa paz e o seu interesse pelo que e quem lhe cerca começa a diminuir. È possível que a expressão dessas fases do luto funcione como um mecanismo de defesa que auxilia no enfrentamento do processo desconhecido do morrer; quando os conflitos de ordem emocional, material, psicológica, familiar, social, espiritual, entre outros, nascem de forma acentuada, afetando inteiramente o relacionamento com os profissionais (KÓVACS, 2010; KÜBLER-ROSS, 2008). Bowlby (2004), ao estudar o assunto, também estipulou algumas fases para o luto. A fase de choque, que pode durar de horas a semanas, seria acompanhada de sentimentos de desespero e raiva, ou de um estado de total desligamento, mesmo quando sob tensão. Na fase de desejo, existe o desejo pela presença daquele que morreu e a procura da pessoa perdida; o que faz com que coexistam dois processos contraditórios: a realidade da perda e com ela o desespero, inquietação, insônia e preocupação, e por outro lado, a esperança do reencontro, com a ilusão de que nada tenha acontecido ou mudado. A fase da busca da figura perdida não tem duração definida, podendo ser acompanhada por uma fase de desorganização e desespero. Por último, há a fase da reorganização, em que se dá uma maior aceitação da perda e o pensamento de que é imprescindível um novo recomeço. 54 Todos nós, em diferentes medidas e momentos, apresentamos dificuldades em lidar com os sentimentos relacionados à doença, ao envelhecimento e à morte. Isso tendo em vista que essas circunstâncias nos remetem a pensamentos relativos à nossa própria finitude, à separação e ao afastamento do mundo dos vivos. Com isso, ―[...] a morte do outro se torna dramática e insuportável e se inicia um processo de afastamento social da morte‖ (MENEZES, 2004, p. 27). O consenso atual exige que se esconda aquilo que antigamente era preciso exibir, e se dissimule o sofrimento. Com isso, os enlutados tentam não demonstrar a sua dor ou expressar o seu luto, não por indiferença ou por insensibilidade, mas por medo de perder o controle sobre si e mostrar publicamente sua depressão (ARIÈS, 2012). De certo modo, em nossa sociedade, temos dificuldade em aceitar que os enlutados precisam viver o tempo do luto e, quando somos forçados a vê-los, sentimo-nos em situação difícil, temos pena e acabamos por evitar, ao máximo, o contato com esses indivíduos; temos dificuldade em demonstrar expressões afetivas e ofertar ajuda. A crescente desconsideração pelo luto formal significa que as pessoas enlutadas recebem pouco apoio da sociedade e de suas próprias famílias, em particular (PARKES, 1998). Afinal, eles nos lembram de coisas que não queremos encarar. Nesse sentido, o luto e o sofrimento em função de morte, ou pela iminência dela, não raramente, são tratados como um problema a ser vivido apenas pela pessoa que enfrenta a perda, na sua individualidade. Nessa condição, a dor se transforma em algo inaudível e indizível (FLACH et. al., 2012). O fato é que, muitas vezes, o indivíduo não tem quem o escute e o compreenda; e o outro, por sua vez, não escuta para não se incomodar ou envolverse. Com isso, o silêncio prevalece, fazendo com que o enlutado se isole em sua angústia e dor (FREIRE, 2006). Em semelhante conjuntura, a livre expressão do luto é como que uma inadequação social. O indivíduo tende a afastar-se do pertencimento social, aprofundando seu sofrimento ao não ter como e com quem compartilhá-lo; o que tende a potencializar a tristeza diante do mundo, da vida e de si mesmo (FREIRE, 2006). Há muito tempo, o pesar pelo luto tem sido apresentado como um sintoma e como uma das causas principais da melancolia ou do que hoje chamamos de depressão clínica (PARKES, 1998). Nesse enfrentamento do luto, a primeira fonte de apoio dos indivíduos é (ou deveria ser) sua família, e na sequência, amigos, religião, grupos de apoio e profissionais de saúde. Entretanto, é visível uma insuficiência de recursos para ajuda, tanto na família quanto no âmbito social. Durante essa vivência, existem muitos relatos de conflitos familiares relativos 55 à: falta de auxílio; percepções conflitantes sobre o morto; acusações de falta ou excesso nas manifestações do luto; redistribuição e papéis familiares após a morte; responsabilidades de cada indivíduo e para o coletivo familiar. Da mesma maneira, pode haver um afastamento dos amigos em função da falta de experiência com a perda, dificuldade em conviver com a morte e medo de piorar as coisas (PARKES, 1998). Parece, então, que o luto expõe os sujeitos a uma situação de vulnerabilidade e, também, ao risco de vulnerabilidade para o funcionamento familiar. Ambos, família e indivíduo, se beneficiam de: auxílio para a compreensão da realidade da morte; compartilhamento do pesar advindo da perda; e ajuda para entender e inserir a perda em um contexto de vida. Isso tudo pode contribuir para um necessário reorganizar do sistema familiar (WALSH e MCGOLDRICK, 1995). Entretanto, se o paciente e sua família, quando em luto, não forem devidamente estimulados, as características do luto tenderão a se aproximar da manifestação da melancolia. Worden (2012), em seu livro Grief Counseling and Grief Therapy. A Handbook for the Mental Health Practitioner, nos fala sobre o luto e mostra algumas possíveis intervenções nas quais os profissionais de saúde poderão auxiliar a elaborar perda. O autor faz o seguinte questionamento: O que é que normalmente se sente, pensa e faz perante a perda de um familiar querido. Para este autor são estes os sentimentos comuns no processo de luto: 1. Tristeza: É o sentimento mais comum encontrado no enlutado, muitas vezes manifestando-se por meio do choro. 2. Raiva: Este sentimento apresenta-se de forma muito confusa para os familiares, do mesmo modo, a raiva é a origem de problemas advindos do processo de sofrimento após a perda. O sentimento de raiva acontece de duas maneiras: uma da sensação de frustração por não haver nada que se pudesse fazer para evitar a morte e, a outra maneira se apresenta como uma experiência regressiva que ocorre após a perda de alguém muito próximo, na qual a pessoa se sente indefesa e incapaz de existir sem o outro. Assim, o sentimento de raiva a acompanha estes sentimentos de ansiedade. O autor também nos aponta que, uma das formas; formas ineficazes de lidar com a raiva são deslocá-la ou direcioná-la erradamente para outras pessoas, culpabilizando-as pela morte deste familiar. 3. Culpa: e autocensura: É normal que no início do processo de luto, haja um sentimento de culpa tais como: por não se ter sido suficientemente bondoso ou por não ter levado a pessoa mais cedo para o hospital. No entanto, a parte das vezes, a culpa é irracional e irá desaparecer através do teste com a realidade. 56 4- Ansiedade: Poderá variar de uma leve sensação de insegurança até um forte ataque de pânico e, quanto mais intensa e durável for este sentimento de ansiedade, mais implica em uma reação de sofrimento patológica. O autor diz que a ansiedade surge de duas fontes: dos familiares que temem a incapacidade de levarem a vida sem a presença daquele que morreu e, de uma sensação aumentada da consciência da sua própria mortalidade. 5- Solidão: Com frequência a solidão é descrita como o sentimento mais expressado pelos familiares e amigos, particularmente aqueles que perderam os seus cônjuges ou que estavam habituados a uma próxima relação. 6- Fadiga: Poderá ser experimentada, em algumas ocasiões como apatia ou indiferença. Quanto mais ativa for à pessoa, mais surpreendente e angustiante um elevado nível de fadiga. 7- Desamparo: Frequentemente está presente na fase inicial da perda. 8- Choque: Este sentimento poderá ocorrer mais comumente no caso de morte inesperada, podendo também existir em casos cuja morte era previsível. 9- Anseio: Ansiar pela pessoa que morreu e desejá-la fortemente de volta é uma resposta natural à perda. Na medida em que este sentimento abranda, poderá ser um sinal de que o sofrimento está a chegar ao fim. 10- Emancipação: Descrita como libertação poderá ser um sentimento positivo após a perda. Como exemplo, no caso de uma jovem que perde o seu pai que era um verdadeiro tirano e a oprimia por completo. 11- Alívio: Principalmente quando a pessoa querida sofria de doença prolongada ou dolorosa. Embora, seja um sentimento de culpa acompanha normalmente desta sensação de alívio. 12- Torpor: Não sendo incomum, algumas pessoas, relatam a ausência de sentimentos após a perda. Sentir-se entorpecidas é habitual no início do processo de sofrimento. Contudo, logo após o conhecimento da morte poderá ser uma reação saudável bloquear inicialmente as sensações, como uma espécie de defesa contra o que de outra forma seria uma dor esmagadora e insuportável. Worden (2012), também descreva algumas sensações físicas que poderão ser normalmente sentidas após a perda, são elas: vazio no estômago; aperto no peito; nó na garganta; hipersensibilidade ao barulho; sensação de despersonalização, isto é, nada parecer real; falta de fôlego ou sensação de falta de ar; fraqueza muscular; falta de energia; boca seca. Da mesma forma, descreve pensamentos habituais após a perda, tais como: descrença– não acreditar na notícia da morte; confusão de pensamentos, sem conseguir ordena-los; dificuldade de concentração ou esquecimento de fatos; preocupação com obsessão por 57 pensamentos sobre aquele que morreu; sensação de presença; alucinações visuais e auditivas; são uma experiência frequente nos enlutados; são normalmente experiências ilusórias passageiras, que ocorrem habitualmente após poucas semanas da perda. Comportamentos usualmente manifestados após a perda: distúrbios do sono – insónias; distúrbios do apetite - normalmente há uma redução, mas também pode haver um aumento do apetite; comportamentos de distração - "aéreo"; isolamento social; sonhos com a pessoa falecida; evitar lembranças da pessoa falecida; procurar e chamar pelo familiar perdido; suspirar; hiperatividade, agitação; chorar; ter sempre perto de si objetos que lembrem a pessoa perdida e guardar objetos que pertenciam à pessoa que morreu (WORDEN, 2012). Ao que tudo indica, essa é uma importante tarefa para os profissionais de saúde, particularmente nas UTIs; embora, ao longo do tempo, esses indivíduos tenham recebido pouco ou nenhum preparo para tal. A despeito disso, ―[...] a experiência mostra que é possível auxiliar o paciente e a família para que obtenham uma aceitação tranquila da real situação‖ (PARKES, 1998, p.195). È menos uma questão do que dizer e mais uma questão de ―quanto, quando e como dizer‖; e esse é um processo que requer tempo [paciência], empatia e confiança (PARKES, 1998). Nesse ponto deve-se entender que mesmo que vida não pare diante da morte, é preciso calma para acompanhar o luto do outro, é preciso aprender a viver a própria vida em sua magnitude. A música Paciência, de Lenine e Falcão (2006) dá uma ideia disso tudo: Mesmo quando tudo pede Um pouco mais de calma Até quando o corpo pede Um pouco mais de alma A vida não para Enquanto o tempo Acelera e pede pressa Eu me recuso, faço hora Vou na valsa A vida é tão rara Enquanto todo mundo Espera a cura do mal, e a loucura finge Que isso tudo é normal Eu finjo ter paciência O mundo vai girando Cada vez mais veloz A gente espera do mundo E o mundo espera de nós Um pouco mais de paciência Será que é tempo 58 Que lhe falta pra perceber? Será que temos esse tempo Pra perder? E quem quer saber? A vida é tão rara Tão rara Eu sei, a vida é tão rara A vida não para não Claro que não podemos assumir que todos os profissionais se sintam preparados para cuidar do enlutado, mas esse preparo, para abordar a morte e cuidar no morrer e no luto, precisa ser pensado nas formações profissionais e em serviço. Isso passa, necessariamente, por uma melhor compreensão da morte e sua dimensionalidade histórico-temporal. É preciso, pois, entender que: A morte não é terrível. Passa-se ao sono e o mundo desaparece – se tudo correr bem. Terrível pode ser a dor dos moribundos, terrível também a perda sofrida pelos vivos quando morre uma pessoa amada. Não há cura conhecida. Somos parte uns dos outros. (ELIAS, 2001, p. 76) Destarte, é essencial que sejam tecidas reflexões acerca dos discursos sobre a morte e o luto, suas ideologias e valores culturais. É necessário que a morte, como qualquer outra prova que nos afasta do conforto centrado na nossa suposta invulnerabilidade, seja cuidadosamente encarada e digerida, para que se torne viável sua assimilação (KUBLERROSS, 2008). È preciso romper com um padrão que tem a morte como um assunto estritamente pessoal, concebido e encarado de maneira individual e singular (SCHILLING 2002). Não há mais como o homem viver como se nunca fosse morrer, por que aí, acaba morrendo como se nunca tivesse vivido. Não cabe mais pensarmos na morte como um estranho que atinge somente o outro. 59 3 METODOLOGIA 3.1 Delineando o caminho escolhido [...] claro que quando chegar ao fim do meu passeio saberei mais, mas também é certo que saberei menos, precisamente por mais saber, por outras palavras, a ver se me explico, a consciência de saber pouco [...]. (SARAMAGO, 1989, p.72) Presenciar e perceber o sofrimento das famílias e dos pacientes dentro da UTI, particularmente no período de morte e comunicação da morte de seus componentes mais próximos, instigou-me a buscar entender melhor esse processo. ―A percepção de um problema deflagra o raciocínio e a pesquisa, levando-nos a formular hipótese e a realizar observação‖ (ALVES-MAZZOTTI e GEWANDSZNAJDER, 2004, p.65). Esta pesquisa teve a pretensão de conhecer e analisar as percepções e vivências, bem como a comunicação entre profissionais e familiares durante a experiência de morte de um ente internado em UTI pediátrica e adulto, em dois hospitais de grande porte da região Sul do país. Salienta-se que a comparação dos processos praticados nos diferentes serviços não foi objetivo desta pesquisa. Deste modo, esta pesquisa foi assentada no campo da saúde com interface nas ciências sociais, caracterizando-se como um estudo exploratório-descritivo de abordagem qualitativa e cunho social. A abordagem qualitativa de cunho social mostrou-se adequada, na medida em que se interessa pelos significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes resultantes de ação humana objetiva; apreendidos do cotidiano, da experiência e da explicação das pessoas que o vivenciam. Responde, pois, a questões muito particulares, trabalhando com uma realidade não quantificável e com um universo de significados, crenças e valores que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis (MINAYO, 2007). Ou seja, procura entender a questões do significado e da intencionalidade inerente ao comportamento humano (MINAYO, 2007). Uma pesquisa nessa linha de ação é capaz de proporcionar maior envolvimento com um determinado problema, tendo como objetivo torná-lo compreensível ou criar hipóteses que auxiliem na sua compreensão (GIL, 2010). Ela surge fazendo frente a um contexto tradicional positivista, que intenciona aplicar, nas ciências humanas, os princípios usados nas ciências naturais. 60 Este modo de investigação possui uma objetividade e validade conceitual, e tem o ambiente natural como fonte direta de dados. Assim sendo, o pesquisador é um instrumento da pesquisa, preocupando-se com o processo de seu desenvolvimento como um todo e não simplesmente com o resultado ou com o produto final (TRIVIÑOS, 2009). As posições sociais assumidas pelos indivíduos demonstram os significados próprios que os sujeitos envolvidos no estudo preceituam sobre o objeto (objetivo) em investigação. Evidentemente, esta percepção influencia a suas condutas, direcionando suas ações no âmbito da sociedade em geral (MINAYO, 2007). O foco desse estudo, da mesma maneira, exigiu uma proposta de ação que reportasse a pesquisadora a uma visão geral de um fenômeno pouco conhecido e explorado (a percepção e vivência da morte e da comunicação da morte em UTI), o que pode ser efetivado por meio da pesquisa exploratória. E uma vez ocorrendo essa aproximação com a problemática proposta, a preocupação desse estudo também se voltou para a descrição mais abrangente e aprofundada das percepções/vivências dos indivíduos investigados; centrando sua atenção no específico, no individual e no peculiar, o que se deu pelo uso da pesquisa descritiva (MARTINS e BICUDO, 1989; GIL, 2010). Frente ao colocado, o método de pesquisa adotado, permitiu compreender a percepção dos profissionais de saúde— aqui neste estudo médicos e enfermeiros atuantes nas UTI Adulto do Hospital Nossa Senhora da Conceição (HNSC) e na UTI Pediátrica do Hospital de Clínicas (HCPA), ambos na cidade de Porto Alegre—, e dos familiares, ao vivenciarem a morte e a comunicação da morte de um ente querido internado em uma das UTIs do estudo. A escolha destes dois cenários de investigação está para além da relevância que estes hospitais têm para o Rio Grande do Sul e demais estados do país, ela também se liga ao significado que tais instituições tiveram, e tem, para a minha trajetória profissional. O HNSC, onde trabalho como enfermeira intensivista, possui(u) papel fundamental em minha construção profissional, em como me constituí enfermeira. A Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) por meio do HCPA, por sua vez, acolheu-me por inteira, através do Programa de Pós-Graduação em Saúde da Criança e Adolescente, e vem me aperfeiçoando como pesquisadora. São eles hospitais com vasto programa de Residência Médica e Multiprofissional. Um deles é hospital-escola; o outro, hospital de ensino. Ambos, portanto, têm grande relevância na pesquisa e na assistência à saúde. 61 3.2 Sujeitos da pesquisa Participaram da pesquisa em questão, cinco familiares de pacientes que vivenciaram a morte e a comunicação da morte de um ente internado na UTIP do HCPA; e 20 familiares que experienciaram esse processo na UTI Adulto do HNSC, no período entre o primeiro semestre de 2013 e o primeiro semestre de 2015. A identificação desses familiares ocorreu através dos dados contidos nos prontuários dos pacientes que morreram nestas unidades; tendo sido convidados a participar do estudo, via contato telefônico, 94 familiares de pacientes com internação igual ou superior a sete dias, cujo desfecho foi o óbito. Desses, 25 manifestaram aceite da proposta e foram entrevistados. Assim, no caso dos familiares, foi adequado aos interesses desta investigação o uso de amostragem proposital, intencional e deliberada de participantes, por ser ela capaz de incluir entre os sujeitos, sem fixação prévia de números, aqueles cujas características pudessem trazer informações substanciais ao assunto em pauta (TURATO, 2003) e melhor atender aos objetivos da pesquisa. Nesse caso, o número de participantes foi orientado pelo princípio da exaustão dos dados; ou seja, na medida em que as informações se tornaram repetitivas, a coleta foi encerrada. Também se incluíram como sujeitos dessa busca, os profissionais médicos e enfermeiros que cuidaram de pacientes e familiares em vivência da morte e da comunicação da morte em uma das UTIs em estudo. A princípio, foram convidados a participar dessa fase toda população desses dois grupos de profissionais, que se encontravam exercendo atividades nas referidas unidades, durante o primeiro semestre de 2014 no caso do HCPA e no segundo semestre de 2013, no caso do HNSC; o que totalizou 124 indivíduos no HNSC e 33 no HCPA. Foram excluídos da investigação àqueles que não aceitaram participar da proposta e profissionais afastados em função de férias, atestados e licenças. Dos indivíduos que preencheram os critérios de inclusão, 150 profissionais responderam à pesquisa (123 profissionais no HNSC e 27 no HCPA). Então, no caso dos profissionais, a proposta não foi trabalhar a partir de uma determinada amostra, mas sim na ideia de um censo, que abarcaria a totalidade da população (PEREIRA, 2009). Desta maneira, não foi necessário à aplicação de um cálculo de amostragem para a realização desta etapa da pesquisa. 62 3.3 Procedimentos de coleta dos dados Na intenção de se minimizar a perda de sujeitos, nesta pesquisa, foram adotadas algumas estratégias, quais sejam: explicação clara dos objetivos do estudo; demonstração da relevância da investigação para a melhoria dos cuidados aos pacientes e familiares internados nas UTIs; prestação de esclarecimentos sempre que necessários; e disponibilização do projeto de pesquisa para aqueles que desejassem uma apreciação mais profunda (MEDRONHO, 2009). Apesar da adoção dessas estratégias, nessa pesquisa, houve a perda de alguns sujeitos, o que não significou uma perda da legitimidade dos dados levantados, já que o objetivo pretendido é descritivo e não a generalização de conclusões; assim como também, não há uma preocupação com representatividade estatística (MEDRONHO, 2009). Nesse sentido, os sujeitos dessa investigação foram convidados, pela pesquisadora, a participarem da pesquisa e tiveram o livre arbítrio para decidirem sobre. Todos aqueles que aceitaram, assinaram, sem exceção, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice A). Os profissionais médicos e enfermeiros, com aceite à proposta, responderam a um questionário semiestruturado autoaplicável (Apêndice B), enquanto que os familiares (neste estudo: pais, irmãos, netos, cônjuges e cuidadores), por sua vez, foram submetidos a entrevistas semiestruturadas (Apêndice C). Os questionários utilizados foram construídos com base na literatura pertinente e em função dos objetivos pretendidos, atendendo ainda, questões referentes à experiência e a curiosidade da pesquisadora e de seus orientadores. Esse instrumento foi validado através de um estudo piloto efetuado com enfermeiros de outro setor do HNSC. Pode-se dizer que o questionário, enquanto instrumento de busca, traduz de maneira clara e direta, os objetivos da pesquisa, contendo itens bem redigidos. As questões devem ser preferencialmente fechadas, mas com alternativas suficientemente exaustivas para abrigar a ampla gama de respostas possíveis, limitando-se aos interesses da investigação (GIL, 2010). Configura, pois, uma série ordenada de perguntas objetivas, que devem ser respondidas por escrito (LAKATOS e MARCONI, 2002). Antes de sua aplicação, a pesquisadora realizou uma conversa junto aos profissionais, tornando claro e público os objetivos e a metodologia da pesquisa. A coleta em si foi efetivada nas dependências das UTIs em estudo, em horário de trabalho, no período que compreendeu o segundo semestre de 2013 no caso do HNSC e o primeiro semestre de 2014 63 no caso do HCPA, envolvendo diurno e noturno. O recolhimento dos instrumentos foi realizado por intermédio de urna disponibilizada em áreas de uso comum nas UTIs, retiradas ao término de cada turno de trabalho. Já para a realização das entrevistas, o que se deu no período compreendido entre o primeiro semestre de 2013 até o primeiro de 2015, a pesquisadora acessou o contato dos familiares por meio de busca em dados dos prontuários dos pacientes que morreram nessas unidades. Assim, tanto os registros contendo a data do óbito, quanto os dados de identificação dos familiares, foram retirados do censo diário das UTIs, e repassados para uma planilha da pesquisadora (Apêndice D), na intenção de que dados não fossem perdidos. Após dois meses da ocorrência do óbito, a pesquisadora realizou contato telefônico com os familiares desse cadastrado, convidando-os a participarem de uma entrevista que objetivava conhecer e analisar a percepção destes em relação à perda e a comunicação da morte de seu familiar nas UTIs em estudo. A entrevista é, em si, uma conversa dirigida a uma finalidade (MINAYO, 2007). Nela, o roteiro é invisível, permitindo que a informação ocorra de forma não estruturada, buscandose encontrar aquilo que é relevante para a compreensão das vivências relatadas. Não há, pois, uma sequência rígida durante a entrevista, mas sim uma preocupação, por parte do pesquisador, em tornar visível as percepções e o comportamento dos sujeitos através de suas falas. Assim sendo, trata-se de um instrumento privilegiado de coleta por oportunizar a possibilidade de se revelar as condições estruturais, os valores, os símbolos e ao mesmo tempo, transmitir através de um porta-voz, as representações de um grupo em dadas condições sócio históricas, culturais e econômicas (MINAYO, 2007). No caso dos familiares da UTI do HNSC foram realizadas 94 ligações. Destas, 40 aceitaram participar do estudo (42,55%), outros 40 recusaram sua participação e 14 ligações não foram atendidas (14,89%). Dos 40 familiares que se disponibilizaram, agendaram-se as entrevistas aleatoriamente (conforme atendimento das ligações). Entretanto, mesmo após o aceite, 08 indivíduos declinaram e não compareceram a entrevista após duas tentativas de agendamento. Outros 11 gostariam de participar, mas em outro momento, já que ainda se sentiam muito fragilizados pela morte de um dos membros de sua família. Enquanto que 01 familiar mostrou-se extremamente hostil à pesquisa, embora tenha confirmado sua participação de início; sendo também excluído dessa investigação. A perda desses sujeitos foi um dos limitadores do estudo em questão. 64 Sobre os familiares de crianças falecidas na UTI pediátrica do HCPA, realizou-se um total de 22 ligações. Destas, 9 familiares aceitaram participar do estudo (40.90%), 5 recusaram sua participação (22.72%) e um total de 3 ligações não foram atendidas (36.36%). Dos nove familiares que confirmaram sua participação, 3 não compareceram à entrevista e um solicitou que sua participação se desse em outro momento. Nenhum familiar mostrou-se hostil diante do tema ou da possibilidade de participação na pesquisa. Para todos os casos, a entrevista foi acordada, previamente, entre as partes em termos de data e horário, e gravadas digitalmente, mediante autorização dos entrevistados. O local de escolha para os familiares do HNSC foram às dependências da própria instituição, tendo sido garantida a privacidade, a segurança e tranquilidade necessárias. Por outro lado, para as famílias do HCPA, o local de escolha foi as suas próprias residências, nas cidades em que residiam. Todas as entrevistas foram transcritas, a fim de se possibilitar a uma melhor análise dos dados. Os entrevistados foram denominados da seguinte forma: EP1 (entrevista pediátrica 1) e assim sucessivamente, para familiares do HCPA; EA1 (entrevista adulto 1) e assim sucessivamente, para familiares do HNSC. Desta maneira garantiu-se o necessário anonimato em todas as etapas da pesquisa. Por fim, ressalta-se que essa etapa de coleta dos dados somente foi efetivada após submissão e aprovação da pesquisa nos Comitês de Ética de ambas as instituições onde foi realizada. Da mesma forma, o estudo apenas foi efetivado posteriormente a sua liberação pela Chefia da UTI Pediatria do HCPA e da Gerência de Internação do HNSC. Na sua concretização, seguiram-se às recomendações acerca de pesquisas com seres humanos expressas na Resolução MS/CNS 466/2012 (CNS, 2012). 3.4 Análise dos dados Os dados provenientes dos questionários, respondidos pelos profissionais de ambas as UTIs em estudo, foram analisados nos softwares SPSS e MINITAB 17.1. Para caracterizar a amostra, usaram-se estatísticas descritivas. O teste exato de Fisher, por sua vez, foi utilizado a fim de comparar a proporção de citações entre os hospitais. Enquanto que, na verificação da associação entre as variáveis independentes e dependentes de interesse, utilizou-se o teste quiquadrado. Ressalta-se, ainda, que diante de uma frequência de respostas muito pequena (entre cinco e dez), empregou-se a correção de continuidade de Yates, no teste qui-quadrado de Pearson. 65 O nível de significância α=0,05 foi adotado na avaliação da significância dos resultados dos testes apresentados. Para caracterizar a amostra foram utilizadas estatísticas descritivas. Para comparar a proporção de citações entre os hospitais foi utilizado o teste exato de Fisher. Para verificar a associação entre as variáveis independentes e dependentes foi utilizado o teste qui-quadrado. Como a frequência de respostas foi muito pequena (entre 5 e 10), foi utilizada a correção de continuidade de Yates, no teste qui-quadrado de Pearson. Utilizando o nível de significância analisados nos softwares SPSS e MINITAB 17.1. Primeiramente, foram apresentadas as estatísticas descritivas a fim de caracterizar os dados e amostras. Depois foram comparadas as proporções de citação de cada sentimento entre os hospitais e finalmente verificada a associação entre as variáveis independentes e dependentes. As análises realizadas inicialmente serão:  Estatísticas descritivas.  Teste de hipóteses Exato de Fisher para comparar proporções.  Teste de hipóteses Qui-quadrado para avaliar a associação entre as variáveis de interesse. Já os dados originados das entrevistas dessa pesquisa foram processados através da Análise de Conteúdo (BARDIN, 2011); a qual configura um método de análise interpretativa que oferece sentido às pesquisas de cunho social; buscando compreender as possíveis realidades, expressas ou não, nas mensagens analisadas. Trata-se de um conjunto de técnicas para análise da comunicação que visa obter, por meio de procedimentos sistemáticos, indicadores que permitam a inferência de conhecimento relativo às condições de sua produção/recepção; sendo que, seu interesse não reside na descrição do conteúdo em si, mas no fundamentar de impressões e juízos intuitivos. Pretende, pois, não apenas compreender o sentido manifesto, mas desviar o olhar para outra significação, outra mensagem que esteja ao lado dessa primeira revelada ou por ela encoberta; buscando sentidos escondidos e significados profundos que se convenha desvendar. É como um realçar daquilo que está em segundo plano (BARDIN, 2011). Então, a partir das respostas às entrevistas, construíram-se quatro categorias de análise quais sejam: percepção da UTI, a comunicação, a perda e o apoio institucional. A construção destas teve por base a regularidade com que determinados elementos apareceram e se 66 repetiram nas entrevistas, bem como, levando-se em consideração a importância de informações que, embora singulares, foram de extrema relevância (AZEREDO, 2007). 67 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO É fácil trocar as palavras, Difícil é interpretar os silêncios! É fácil caminhar lado a lado, Difícil é saber como se encontrar! É fácil beijar o rosto, Difícil é chegar ao coração! (Fernando Pessoa, s/d) Este tópico deseja trazer, aos olhos dos que o contemplarem, a discussão e interpretação dos achados desta pesquisa. Obviamente, o que se pretende aqui não é mais do que fazer emergir significados e pôr em evidência determinados aspectos da vivência do cuidado diante da morte e da comunicação da morte em UTIs, bem como, da assistência ao luto nesses ambientes— sob minha ótica de pesquisadora, ancorada no referencial teórico da tanatologia, e com base no que revelam as palavras dos familiares entrevistados e as respostas dos questionários profissionais; explorando, com isso, as potencialidades de tais achados. Dada à complexidade do tema e do recorte proposto, optou-se por dividir esse capítulo em dois momentos: o primeiro volta-se à compreensão do que pensam os profissionais de saúde acerca da comunicação e da presença dos familiares no momento do óbito dos pacientes, enquanto que o segundo remete à interpretação dos depoimentos dos entrevistados (as famílias), conglomerando quatro categorias de análise. 4.1. O que mostram os questionários Nesta pesquisa os questionários foram aplicados a fim de caracterizar a população estudada nesta etapa – enfermeiros e médicos. Os dados a seguir foram abstraídos deste instrumento e serão apresentados nas tabelas abaixo. Esta investigação permitiu conhecer a percepção dos profissionais quanto à presença da família na UTI, comunicação de más notícias e discussões sobre final de vida em ambos os cenários deste estudo (UTI A5- UTI P6). Os profissionais da UTI P não participaram das discussões relacionadas à visita ampliada, pois neste local os familiares já permanecem junto aos pacientes internados. Nesta perspectiva, a investigação realizada com os profissionais de saúde e a percepção dos familiares de pacientes internados nestas UTIs possibilitou compreender como 5UTI Adulto do HNSC 6 UTI Pediátrica do HCPA 68 vem sendo vivenciado o processo da morte e do luto nestas UTIs. Acredita-se que estes dados não são representativos para além da UTI A e P. A população de profissionais foi constituída por 150 sujeitos, sendo: 123 profissionais do UTI A (61 enfermeiros e 62 médicos) e 27 profissionais (13 enfermeiros e 14 médicos) da UTI P. A porcentagem de adesão dos enfermeiros e médicos à pesquisa está representada na tabela a seguir: Tabela 1 - A Adesão a Pesquisa Estatísticas UTI A UTI P Enfermeiros 61/61 (100,0%) 13/19 (68,42%) Médicos 62/63 (98,41%) 14/14 (100,0%) Fonte: Tabela elaborada pela autora (2016) A caracterização da população do estudo em relação a variável idade (tabela 2) mostra que a maioria dos profissionais da saúde da UTI A 51,2% tem idade entre 31 a 40 anos. Em relação ao UTI P, a maioria dos profissionais de saúde 37% tem idade de 41 a 50 anos (ou mais). A população do estudo em relação ao gênero foi composta da seguinte forma: gênero feminino foi formado por 53 enfermeiras e 19 médicas no cenário da UTI A, representando 58,5% daquela população. No que diz respeito ao gênero masculino, nesta mesma UTI, a população foi constituída de 43 médicos e 08 enfermeiros, perpetrando um percentual 41,5% dos sujeitos daquele cenário. Na UTI P o gênero feminino foi composto de 13 enfermeiras e 09 médicas o que concebe 81,5% do total deste gênero na unidade em questão, enquanto o gênero masculino foi constituído de 05 médicos perfazendo 18,5% da população estudada daquele cenário. A tabela a seguir mostra o perfil e as características demográficos da amostra que participaram deste estudo em ambos os cenários desta pesquisa. 69 Nas UTIs deste estudo observa-se maior prevalência do gênero feminino. A inserção da mulher no mercado de trabalho da saúde é um fenômeno crescente que vem sendo estudado com o objetivo de compreender a expansão no mundo do trabalho e das especificidades do setor saúde que representa mais de 70% da força de trabalho feminina. O que difere são as profissões que estão passando por um processo de feminização mais recente, como é o caso da medicina. Na década de 1970 as mulheres incluíam 11%, nos anos 1980 já eram 22% e, na década seguinte, 33%; para as próximas décadas o prognóstico é de 50% (MACHADO et al, 2011). Neste contexto, conforme Aperibens e Barreira (2008), a enfermagem foi à primeira profissão feminina universitária no Brasil, amparando programas de saúde pública e garantindo o funcionamento dos serviços de saúde. Da mesma forma, as autoras Lopes e Leal (2005) refletiram sobre o universo sócio-histórico do cuidado de saúde pela enfermagem na 70 perspectiva da divisão de gênero no trabalho. Dados de 1990 a 2003 mostraram a estabilidade em relação ao gênero, com predominância feminina nas diferentes categorias da enfermagem (enfermeiro, técnico e auxiliar). A United Nations Educational Scientific and Cultural Organization (UNESCO), vem sinalizando um número cada vez mais crescente do gênero feminino na participação de pesquisas, sinalizando que 29% dos pesquisadores no mundo são mulheres. Esse número aumenta quando os dados são analisados apenas na América Latina, onde as mulheres representam 46% dos cientistas. Já, no Brasil, a participação das mulheres na ciência é ainda maior, chegando a igualar ao número dos pesquisadores do gênero masculino (GROSSI et al, 2016). Em relação à percepção da visita ampliada na UTI A os profissionais responderam a seguinte questão: Em sua opinião a visita ampliada deveria acontecer? Para estes profissionais, a visita ampliada teve como significado flexibilidade e permanência dos familiares para além dos horários já estabelecidos pela instituição hospitalar. Os resultados mostraram que os profissionais mais jovens tem melhor aceitação da família junto ao paciente internado quando comparado com profissionais que trabalham há mais de 20 anos nesta UTI. Esta questão pode estar relacionada com o ensino dentro das faculdades da área da saúde, em especial nos cursos de graduação de medicina e enfermagem. Algumas iniciativas vêm proporcionando aos alunos do curso de medicina o desenvolvimento de habilidades e competência para o enfrentamento do processo de morte. 71 A prova disto são alguns cursos ofertados para os alunos de medicina, onde tema sobre a morte e o morre, humanização e acolhimento vêm preparando os futuros profissionais (JO E AN, 2013; LEIGHTON E DUBAS, 2009). Outro estudo propõe a inclusão de disciplina curricular que permita o acolhimento das emoções dos alunos de medicina, o que, muitas vezes, não é proporcionado pelo currículo formal que se dedica de modo enfático às questões técnicas, em detrimento das emoções (LEEUW, PARKES E THIEN, 2014). A grande maioria dos enfermeiros acredita que os familiares devam permanecer nas UTIs somente em casos de terminalidade 18 (29,5%). Embora haja divergência de opiniões entre os profissionais, enfermeiros e médicos, independente do tempo de atuação em terapia intensiva concordam com a presença da família em algum momento dentro da UTI. E que, o profissional enfermeiro, consegue ter um envolvimento com os familiares ajudando-o em suas necessidades (ROBICHAUX e CLARK, 2006; ROBICHAUX e CLARK, 2006;). Os achados apresentados, no que diz respeito à visita ampliada, parece se estender para outros cenários, não especificamente só das UTIs. Este argumento é respaldado por ainda haver espaços de discussões nas instituições de saúde, onde o modelo da reprodução biomédica cartesiano segue vigente histórico-socialmente. Para Beck et al. (2007) e Amestoy, Schwartz, Thofehrn,(2006) a recuperação de conceitos e práticas humanizadoras tem se tornado imperativa, bem como desafiadora. Em meio aos desejos e necessidades vindos dos sujeitos nas práticas e nas relações no campo da saúde, estratégias governamentais começaram a serem traçadas e culminaram com a publicação do Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar – PNHAH e, posteriormente, com a Política Nacional de Humanização da atenção e gestão em saúde – PNH (BRASIL, 2004; 2010). A humanização possui um relevante papel no processo de trabalho na saúde, uma vez que acarreta mudanças na busca de um atendimento integral ao indivíduo onde suas necessidades de saúde sejam acolhidas. É necessário, adotar uma prática na qual os profissionais, pacientes e familiares considerem o conjunto destes aspectos como parte estruturante da assistência humanizada, possibilitando assumir uma posição ética de respeito ao outro. É ter capacidade de ser frágil, de chorar, de ser vulnerável, porém, ter vigor, lutar, resistir, compreender (OLIVEIRA e SOUZA, 2013). O envolvimento da família com o paciente é um dos pilares da humanização. Assim, a presença dos familiares junto ao paciente internados nas UTIs tem colaborado para o sucesso do tratamento, uma vez que o afastamento poderá trazer distúrbios emocionais que irão influenciar no desenvolvimento físico e social daqueles que estão internados, refletindo na sua 72 recuperação. Os dados sugerem que os profissionais do estudo se sensibilizam frente à morte o que contribui para flexibilização dos horários de visitas. Contudo, os anos trabalhados dentro de UTI, me faz acreditar que humanizar está além da permissão de outros horários ou da relação por tempo estabelecido para família, é estar atendo, com um olhar cuidadoso, para as necessidades da família e supri-la de acordo com os limites institucionais. No questionário a pergunta em relação às discussões sobre a temática da morte era a seguinte: Temas como a morte/ morrer e família são discutidos pela equipe da UTI onde você trabalha? Segue os dados na tabela: Pelas respostas dos profissionais, a tabela acima mostra que os enfermeiros da UTIA, em sua maioria, 75,4% referem que estes temas são pouco discutidos nos ambientes de trabalho e que apenas 19,7% responderam que frequentes ou muito frequentes estes temas surgem. Da mesma forma, na UTIP 61,5% dos enfermeiros responderam que raramente ou pouco frequente estes temas são debatidos. Em contrapartida, 38,5% dos enfermeiros desta UTI, referem que estes temas são debatidos com frequência. Freitas et al.(2016) sinaliza que muitos dos enfermeiros que atuam nas UTIs, apresentam ao longo do tempo, mais dificuldade de encontrar formas para enfrentar as situações de terminalidade. Muitos destes profissionais acabam se isolando e não partilhando com os demais membros da equipe suas angústias, temores e sofrimento. A importância de estes temas serem debatidos com conjunto dos profissionais de saúde tem se destacado no âmbito da UTI. Os enfermeiros devem ser estimulados a fazerem parte das discussões, porque suas atividades acompanham mais de perto e com mais assiduidade o cotidiano das pessoas com doença terminal e de seus familiares. A participação nas discussões e na tomada de decisão, além de promover a 73 integração entre todos os envolvidos neste processo, é uma ferramenta de comunicação importante, também se deve considerar que os enfermeiros são diretamente responsáveis pela busca de recursos necessários para a melhor qualidade de vida da pessoa doente e pela adequada preparação para o processo de morrer, quando isso for inevitável (VICENSI, 2016; SILVA, R S; CAMPOS, A E R; PEREIRA, 2011). A implementação de rounds multidisciplinares é uma boa estratégia para aproximar os profissionais de temas e discussões difíceis. Outro dado relevante apresentado na tabela acima é de que 68,8% dos médicos da UTIA, com tempo de formado de 0 a 10, responderam que estas discussões são pouco frequentes em dentro do seu ambiente de trabalho. Entretanto, na UTIP, 71,4% dos médicos com tempo de formado entre 0 a 10 anos responderam que estes temas são frequentemente discutidos. Acredito que a presença da família dentro das UTIs venha a ser, ao mesmo tempo uma necessidade e um estímulo, para que estas discussões passem a fazer parte do cotidiano da Terapia Intensiva. É importante reconhecermos que as discussões sobre o processo de morte é um valioso aliado, não apenas para atuar com eficiência e mais dignidade na área de saúde, mas também para recuperar a compreensão da morte como fenômeno natural/normal, como parte integrante da vida. Outra questão do questionário aplicado foi em relação à presença da família no momento da morte do seu familiar. A pergunta: Em sua opinião, a família deveria estar presente no momento da morte do seu familiar? Os resultados desta questão estão apresentados na tabela 5: No que se refere à presença da família no momento da morte, médicos e enfermeiros de ambas as UTIs opinaram positivamente a presença da família na UTI durante o processo de 74 morte. Em relação ao gênero, os dados apresentados foram: profissionais do gênero feminino parecem mais favoráveis à presença da família quando comparada com profissionais ao masculino. Ao relacionar o tempo de atuação a esta questão profissionais da UTI pediátrica entre 11 e 20 anos de atuação na sua grande maioria (91,7%) acreditam que a família deva estar na UTI no momento da morte do paciente. Parece haver um consenso entre os profissionais deste estudo, da necessidade cada vez maior diminuir o sofrimento de pacientes e familiares na hora da morte. A presença da família neste momento tem sido descrita como uma das maneiras de auxiliar a elaboração do luto (KHALAILA, 2013). Percebe-se, cada vez mais, a crescente necessidade de que os profissionais, dentro das UTIs, adulto ou pediátrica, desenvolvam habilidades a fim de que seja possível realizar intervenções de apoio junto aos familiares durante os difíceis momentos de uma internação acompanhada da morte (ROBICHAUX e CLARK, 2006). Esta necessidade faz com que os profissionais revejam sua postura diante da morte no sentido de reduzir as angústias, a insegurança, as ansiedades, as dúvidas e as tristezas de pacientes e famílias (TOMLINSON et al., 2012). Outro dado revelado na tabela acima é de que a alternativa ―não tenho certeza‖ foi respondida por 33,3% da UTIA e 30,8% na UTIP na categoria médica. Entre os médicos mais jovens (0 a 10 anos de formado), esta alternativa obteve um percentual de 32,3% na UTIA e 42,9% na UTIP. Este dado vem reforçar a importante das discussões sobre a presença da família, morte e luto, a fim de que a presença dos familiares não seja um incomodo nas UTIs, mas sim parte integrante da dimensão cuidadora. A próxima pergunta do questionário apresentada nesta etapa foi a seguinte: Em sua prática profissional, com que frequência você comunica o óbito aos familiares? Os resultados geraram a tabela abaixo: 75 A relevância dos dados apresentados nesta tabela afere que os enfermeiros, principalmente da UTIA 83,3% não participam deste momento e na UTIP que os enfermeiros da 77,8% participam com pouca frequência destes momentos, contudo quando comparado à UTI adulto esta comunicação tem maior relevância. A comunicação do óbito para as famílias ainda está centralizada na figura do médico em ambos os serviços. A despeito dos avanços tecnológicos, a comunicação continua sendo a instrumento primário e indispensável com a qual os profissionais de saúde, pacientes e familiares trocam informações. As informações que alteram as perspectiva de vida, são consideradas comunicação das más notícias. E esta, é, possivelmente, uma das tarefas mais difíceis que estes profissionais têm que enfrentar, uma vez que provoca um impacto emocional naqueles que a recebem. A lembrança desta comunicação fica para sempre na memória de quem recebeu. Não conseguimos transformar uma má noticia em boa noticia. Deste fato, advém a obrigação desta comunicação ocorrer da forma mais adequada possível (local, habilidade para falar e ouvir, empatia). A presença da equipe cuidadora na hora da comunicação do óbito poderá ser encarada como uma forma de apoio não só para as famílias, mas também para a equipe. O vínculo estabelecido entre os familiares e a equipe multiprofissional deve estar representado no momento da má noticia. Estar junto nesta comunicação poderá ser uma estratégia de apoio. Assim, ao ser vista como uma atividade multidisciplinar deverá envolver e promover aos profissionais uma formação adequada sobre este tema. Os enfermeiros deverão tornar-se parte deste processo como parte integrante da sua atuação profissional (ARBABI et al.,2010;WARNOCK et al.,2010). Em relação ao sentir-se preparado, para comunicação do óbito, o questionário continha a seguinte pergunta: Você se sente preparado para dar a notícia de óbito aos familiares dos pacientes? As respostas apresentadas mostraram que os profissionais que atuam em UTIP consideram-se preparados para comunicar o óbito as família (médicos 100% e enfermeiros 83,3%). Acredita-se que este fato esteja associado ao vínculo estabelecido pelos profissionais e familiares durante a internação na UTI. Os médicos que atuam em UTIA quase em sua totalidade (98,3%) consideram-se preparados para comunicar o óbito (98,3%). Em contrapartida, são poucos os enfermeiros de UTI adulto que se sentem aptos para tal situação (29,8%). Como esta representada na tabela 7 a seguir: 76 Ainda sobre a tabela 7, nota-se que, neste estudo, os sujeitos que compõem a categoria dos enfermeiros têm uma baixa participação nos momentos de discussão sobre a morte, da mesma maneira que não faz parte de suas atividades à comunicação de más noticia. Parece que o fato de estar ou não preparado para esta comunicação esta associada às perguntas e, consequentemente, as suas repostas anteriores. Autores como Andrade et al. (2013) e Wilkinson(1991) reconhecem que em termos de boa comunicação, essa é uma estratégia fundamental para enfermeiros que atuam dentro das UTIs e aos cuidado de pacientes com doença terminal. Estes autores incluem, entre outros, que os facilitadores ou dificultadores de comunicação de más notícias é de fundamental importância que as instituições oportunizem capacitações para o enfrentamento diante da morte. Em relação ao tempo de formado os profissionais que se sentem preparados para a comunicação de óbitos, 87,9% na UTIA e 88,9% na UTIP, tinham entre 16 a 30 nos de formado. Primordialmente a Terapia Intensiva não tinha como missão cuidar de pacientes crônicos com doenças em fase terminal, entretanto como a maior parte das mortes ocorre dentro das UTIs o convívio com a morte ficou mais próximo ao longo dos anos (PEREIRA, 2012). Na tabela 8, a pergunta aos profissionais era: Em sua opinião qual dos sentimentos descreve os familiares na UTI no momento da morte do seu familiar. Seguem as resposta de múltipla escolha: 77 A perda de um ente querido remete diferentes sentimentos às famílias, conforme a tabela 8, os sentimentos mais frequentes são semelhantes tanto para perda de uma criança como de um adulto. A tristeza foi o sentimento mais referido pelos familiares seguido de impotência e angustia. Sentimentos da família no momento da morte. A população estudada nesta pesquisa escolheu a tristeza para descrever o sentimento das famílias no momento da morte. Assim, 74% das respostas dos profissionais da UTIA e 78,8% dos profissionais da UTIP destacam a tristeza como o principal sentimento. O sentimento de impotência frente à morte também foi lembrado com 29,3% na UTIA e 48,2% na UTIP. A tristeza da morte de seus pacientes é decorrente da sensação de perda e vazio referente ao processo de morte. Este é um sentimento inerente ao humano, todos nós a conhecemos (ou conheceremos) em algum momento da vida, as famílias, por perderem aqueles que amam, os profissionais da saúde, por estarem próximos e vivenciam este sentimento diariamente. Somos pretendentes ilustres e vulneráveis a ela. A morte, por mais estudada que seja, continua sendo um mistério. A seguir, entrevistas com os familiares nos mostraram os sentimentos que a morte tem lhes tem causado, entretanto sempre devemos lembrar que a morte representa em todos nos um poder invisível, intangível e indomável. Uma eterna desconhecida (EIZIRIK, 2000). Seguem as entrevistas: 78 4.2 O que revelam as entrevistas: [...] no meio de tanto sofrimento há boas recordações [...]. (fragmentos de EP4) O cuidado é mais que um ato singular, é também um modo de ser no mundo, fundamentando as relações estabelecidas com o outro (BOFF, 2013). E como tal, não se trata de algo fácil, ou livre de frustrações, e mesmo, de certo sofrimento, para cuidador e seres cuidados; especialmente, quando se considera a possibilidade da morte incluída aí nesse cenário. Mas também é esse um espaço de trocas, de vivências partilhadas e de experiências divididas— para pacientes, familiares e profissionais da saúde; e que pode ser assim experienciado, inclusive, nas situações de morte e morrer. Nessa ocasião, a presença, o apoio, a proximidade, o estar disponível e o estar junto, são como que sinônimos para o cuidado. Somente nessa condição, o sofrimento, de certa maneira inevitável, pode ser acompanhado (também) de boas recordações. Através das entrevistas, busquei analisar a percepção e os sentimentos dos familiares que perderam algum dos seus membros mais próximos, a comunicação da morte para a família e, identificar se os familiares receberam algum tipo de apoio dos profissionais durante a vivência da morte, nas UTIs do estudo. Por que diante da morte e da comunicação da morte há ainda muito a se fazer, e distanciar-se não é a melhor possibilidade! Nada há de condenável ou de assustador (pelo contrário) em se ajudar um indivíduo em seu morrer (diga-se, ajudar e não abreviar ou acelerar), ou a seus familiares durante esse processo; o que é, até mesmo, desejado por aqueles que o vivenciam (JANNER, RENCK e SARI, 2008). Quando se cuida, falar sobre a morte é uma necessidade inevitável, embora, normalmente, ela não seja o tópico preferido das conversas entre pacientes e seus cuidadores, ou entre familiares e cuidadores. Evidencia-se, sim, uma forte tendência a negá-la, a encará-la como a representação do maior fracasso da ciência e da tecnologia médica, como a certeza de uma finitude a ser afastada. O que a torna institucionalizada, desnaturalizada e centro de um processo de artificialização da saúde (JANNER, RENCK e SARI, 2008). A comunicação da morte em si, não raramente, se dá de modo rápido, quase impessoal, e com pouco suporte emocional e psicológico aos envolvidos; o eufemismo é corrente na linguagem adotada, e a sensação de fracasso ou de desânimo, em muitas 79 circunstâncias, costuma acompanhar o profissional que transmite a noticia. O fato é que ―o como se dá‖ esse comunicar-se com o outro, pode influenciar, diretamente, os modos como o luto será vivenciado por àqueles que recebem essa comunicação e como se lembrarão desse instante. Na percepção do processo de morrer dos seus, uma variedade de elementos contribui para as memórias guardadas pelos envolvidos, ofertando-lhe aspecto traumático ou de acolhida. De certa forma, essas recordações tenderão a influenciar as experiências futuras com a doença e a morte, e a própria vivência do luto. Entre esses elementos pode-se citar: a estrutura onde se prestou o atendimento, a forma com a qual o cuidado foi efetivado; o tipo de comunicação estabelecida; as relações e vínculos instituídos ou inviabilizados (inclusive com os profissionais que prestam o cuidado); o apoio ofertado pela instituição e seus profissionais, durante a vivência da hospitalização e da perda; a permissão para viver o luto antecipatório quando se ―fala sobre‖ e se ―prevê‖ a possibilidade da morte; a própria percepção dos indivíduos acerca da UTI e o cuidado ali prestado. Esta pesquisa, em particular, discute, direta ou indiretamente, cada um desses elementos. Destarte, as 25 entrevistas analisadas, apresentam compreensões sobre os sentimentos e percepções das famílias diante da vivência da morte e da comunicação da morte em UTI, e o cuidado/apoio que lhes foi prestado nesse momento. As revelações advindas foram organizadas em quatro grandes categorias de análise, versando sobre: a percepção da UTI (o ambiente e o trabalho dos profissionais), a comunicação (em especial, a comunicação da morte), a perda (morte esperada e elaboração do luto), e o apoio institucional. Nesse caminho percorrido, as primeiras perguntas aos entrevistados foram: Qual o grau de parentesco com o paciente que esteve internado? Por qual motivo o paciente esteve internado? Qual foi a sua percepção da UTI? A reposta a esses questionamentos iniciais revelou, aos poucos, as histórias de vida de cada família; ainda bastante carregadas de dor, de tristeza e de uma imensa saudade. Todavia, sentimentos de gratidão pela competência profissional também acompanharam esses encontros, que funcionaram (a meu ver) como uma catarse para esses indivíduos. E isso porque, na verdade, conversar sobre os eventos que culminaram na comunicação da morte do familiar, permitiu a essas famílias a expressão de seus sofrimentos, dores, tristezas (...); de jeito que, a maioria me pareceu ―agradecida‖ pela oportunidade de falar com alvedrio sobre essa vivência, cheia de significados, e sobre os anseios que os preocupavam. A conversa em si, mesmo sendo parte de uma investigação e expressa como tal, adquiriu ―certa significação terapêutica‖ para os enlutados. A recordação da perda e sua dor 80 também trouxeram consigo a lembrança dos instantes alegres e de alguns aspectos de apoio diante da hospitalização. Na sequência traz-se a discussão cada uma das categorias de análise construídas ao longo desse processo. 4.2.1 As percepções acerca da UTI: ―dentro daquela porta tu tens o céu ou tu tens o inferno‖ A escolha dessa expressão pareceu propícia para designar a percepção de um ambiente carregado de dubiedade, capaz de guardar em si aspectos contraditórios: a esperança e a desesperança, a fé e a descrença, o medo e a confiança, a dor e o amparo, a vida e a morte, o cuidado e a falta dele, o silêncio e o ruído, a presença e a ausência, o desconhecido e o conhecido, o esperado e o inesperado, a angústia e a paz. Nesse contexto ambíguo da Terapia Intensiva, os sentimentos dos familiares são os mais variados possíveis: solidão, angústia, medo, tristeza, espera e, em inúmeras ocasiões, um estado de choque paralisante; sendo que, não raramente, mencionam receber pouca atenção dos profissionais de saúde que ali exercem suas funções (AZOULAY et. al, 2004; LATOUR e HAINES, 2007). De fato, uma hospitalização em UTI, na grande maioria das vezes, é um acontecimento inesperado ou ao menos, não pensado, que provoca mudanças do cotidiano e na estrutura familiar; requerendo e levando a alterações de (ou novos) papéis nessa instituição. É comum que tais transformações sejam acompanhadas de certo estranhamento para com a unidade em si, na medida em que há um deparar-se com uma variedade de equipamentos e tecnologias a invadirem o corpo de alguém que lhe é muito caro e querido, alguém da sua família; além da obrigatoriedade da convivência com pessoas desconhecidas das quais depende o cuidado àquele que amam. Isso, para não falar dos infortúnios decorrentes da própria doença e de suas consequências, e ainda, das imposições e sobressaltos que ela acarretará na vida familiar, social e financeira. Especialmente diante do diagnóstico de uma doença potencialmente mortal, tanto paciente quanto os seus deparam-se com rupturas em relação ao que era conhecido, limitações impostas pela nova condição, privações em prol de um novo contexto e da necessidade ―de estar e se fazer presente‖ durante a internação; além de angústias alicerçadas nas possibilidades da perda e das incapacitações que sequer ―se ousa pensar‖. Assim, nesse turbilhão, torna-se difícil para essa família conciliar antigos papéis e conviver com o novo 81 evento (GENEZINI, 2012); de forma que, todo núcleo familiar também adoece, requerendo do mesmo modo ser cuidado e paliado (MATSUMOTO, 2012). Sem dúvida, o ambiente hospitalar, para alguns, é um espaço em que dor e sofrimento são companheiros constantes; para outros, aquele lugar é ―frio‖, solitário e impessoal. A própria estrutura física da maioria dessas instituições colabora para a formação e perpetuação desse ideário. Daí por que, ter de estar ou ficar por um determinado período no hospital causa, em certas circunstâncias, considerável abalo emocional. Com a criança, o sentimento não é diferente; embora, talvez, a forma de enfrentamento desta situação possa ser díspar em função das especificidades do pensamento infantil (BATISTA, 2003). Nesse sentido, quando se olha para e se atende às necessidades das famílias de pacientes críticos, permite-se que haja uma significativa redução desse impacto negativo ou desse estresse que acompanha a internação; fortalecendo a capacidade desses indivíduos interagirem positivamente; o que aumenta a sua satisfação com o cuidado, sua confiança e segurança. Quando se caminha pela contramão disso, estimula-se a alienação familiar e as dificuldades relacionais entre família e profissionais (BUCKLEY e ANDREWS, 2011); potencializando os sentimentos de impotência e desamparo. Por isso, o cuidado humanizado tem sido pauta de grandes discussões e encontros dentro do Sistema Único de Saúde (SUS). Em maio de 2000, o Ministério da Saúde (MS) criou a Programa Nacional de Humanização de Assistência Hospitalar (PNHAH), que, em 2003, foi transformado na Política Nacional de Humanização (PNH), voltada a todo território Nacional (BRASIL, 2010). Sua constituição surge da necessidade de se rever as práticas assistenciais no cenário hospitalar, com o intuito de levá-las a atender as demandas dos usuários e os princípios do SUS. Essa política tem entre seus principais objetivos a disseminação de ações que valorizem usuários, trabalhadores e gestores. Propõe, portanto, um repensar do exercício em saúde, usando como estratégia a articulação de um conjunto de referencias e de instrumentos capazes de disparar mudanças. Entre esses dispositivos: o acolhimento com classificação de risco, o colegiado gestor, as visitas abertas com direito a acompanhante, e a ambiência. A implementação de tais mecanismos amarra-se à especificidade dos serviços e à avaliação das demandas (BRASIL, 2010; SANTOS FILHO, BARROS e GOMES, 2009). Os entrevistados, ao falarem acerca de sua percepção da UTI, apontam para dois aspectos, em específico, da PNH: as visitas abertas com direito a acompanhante, sobretudo, no caso da UTI Pediátrica, e a ambiência como elemento do cuidado. Teceram, ainda, colocações acerca do trabalho dos profissionais, os vínculos e relações estabelecidas. 82 O conceito de ambiência, em particular, segue três eixos norteadores: o espaço que visa o conforto, cujo foco é a privacidade e a individualidade; o espaço como ferramenta que facilita o processo de trabalho, e o espaço de encontros entre os sujeitos (BRASIL, 2010). Todos esses, destacados nos depoimentos dos participantes da pesquisa, seja na forma de gratidão ou reinvindicação em torno da estrutura para o atendimento, seja na expressão dos encontros subjetivos tecidos com os profissionais que assistiam seu familiar. Os depoimentos em sequência remetem à impressão que tiveram os familiares de pacientes internados na UTI Adulto sobre a estrutura e ambiência local: Minha cunhada achava que o hospital XX seria muito melhor. Mas quando ela veio aqui ficou maravilhada com a higiene do hospital, a cama, tudo limpinho, tudo organizado [...]. (fragmentos da entrevista de EA2) Um ambiente calmo, tranquilo, via os médicos e os técnicos sempre presentes, sempre de plantão. Acho que ele foi bem cuidado. Me pareceu que o ambiente era bem tranquilo, de vigilância total, o tempo todo, permanentemente. Isto que eu percebi. (fragmentos da entrevista de EA4) [...] Tudo muito higienizado, tudo muito novo. Os aparelhos em perfeitas condições. Uma UTI de primeira linha. Eu fiquei muito satisfeito [...]. (fragmentos da entrevista de EA5) Quando vim internar meu familiar vi que iriam colocá-lo em uma UTI muito bonita com o maquinário perfeito, bom [...]. (fragmentos da entrevista de EA9) [...] Parecia que ele estava sendo bem cuidado. As instalações sempre muito limpas e muito tranquilas [...]. Ele parecia bem acomodado. Eu nunca havia entrado em uma UTI, mas esta pareceu de filme. Eu assisto Grey‘s Anatomy e esta é muito parecida [...]. (fragmentos da entrevista de EA10) [...] Acredito que na parte tecnológica fizeram tudo o que poderia ser feito [...] Parecia que ela estava em um hospital particular. Quando eu entrava na UTI nem parecia que eu estava no mesmo hospital. Parecia que estava em outro lugar. Bem moderno e muito acolhedor. Eu acho que tinha tudo que ela precisasse caso acontecesse alguma coisa [...]. (fragmentos da entrevista de EA11) Mas a UTI é uma coisa... Um lugar de ótima qualidade [...]. Aquilo me surpreendeu. Tudo muito limpo, ele estava muito bem instalado ali. (fragmentos da entrevista de EA12) As palavras desses familiares, principalmente nas partes destacadas dos fragmentos, reafirmam um ideário e uma conotação de UTI enquanto uma unidade aparelhada, dotada de inúmeras tecnologias (em nível de materiais e equipamentos) para oferecer o suporte à vida e intervir minimizando o risco de morte. Ter essa disponibilidade tecnológica representa, de certa maneira, ―bom atendimento‖, na medida em que, ao olhar leigo, parece haver o aparelhamento adequado e necessário à atenção às urgências e emergências médicas, com preservação da vida. Esse preservar da vida é, sem dúvida, uma das maiores preocupações dos familiares no instante da admissão no setor. 83 Realmente, o ambiente de cuidados intensivos, uma vez pensado para assistir pacientes graves e instáveis, pode ser considerado como de alta complexidade e densidade, por contar com aparato tecnológico denso, informatização e um ritmo de trabalho acelerado; onde procedimentos agressivos e invasivos são comuns (PINA et al., 2008; FERNANDES e PULZI e FILHO, 2010). A visão dessa unidade complexa, organizada, higienizada e funcionando sem ―sobressaltos‖, transmite às famílias a sensação de segurança em relação ao ―bom atendimento‖. Tanto mais quando se está acostumado a conviver com algumas das dificuldades estruturais, financeiras e de recursos materiais e humanos, existentes em boa parte dos serviços públicos de saúde no país. Estar em uma unidade equipada para o acolhimento das demandas, oferta aos familiares um alívio para (parte do) ―o medo‖ que acompanha a hospitalização com risco de morte. A afirmação de ―na parte tecnológica fizeram tudo o que poderiam fazer‖, ou de que ―tinha tudo que ela precisasse caso acontecesse alguma coisa‖ reitera um sentimento de afirmação, para si mesmo, de que todo o recurso disponível esteve ao alcance do seu familiar no processo de enfrentamento da doença que cursou com o desfecho da morte. De fato, entre as principais necessidades expressas por familiares encontram-se: ter a certeza de que o melhor cuidado disponível está sendo ofertado; saber exatamente o que está sendo feito para o paciente; ter dúvidas respondidas honesta e claramente; saber por que cada coisa foi feita; sentir que o hospital dedica um cuidado pessoalizado ao paciente (HINKLE e FITZPATRICK, 2011); obter informações em linguagem adequada; receber a garantia de proximidade e a permissão para visitar seu familiar a qualquer tempo; ter a certeza da competência e segurança no assistir de seu ente; sentir-se útil para o paciente; ter ciência das modificações do quadro clínico; ter garantias do controle do sofrimento e da dor do internado; estar seguro de que a decisão quanto a limitação do tratamento curativo foi apropriada; poder expressar os seus sentimentos e angústias; ser confortado, consolado; e encontrar um significado para a morte do paciente (AL-MUTAIR et al., 2014a; AL-MUTAIR et al., 2014b AZOULAY et al., 2002; HINKLE e FITZPATRICK, 2011; HØGHAUG, FAGERMOEN e LERDAL, 2012; MCKIERNAN e MCCARTHY, 2010, TRUOG et al., 2001). Nesse contexto, a disponibilidade de uma estrutura adequada para aquele que está internado, não está relacionada somente ao atendimento humanizado e qualificado, mas pode também ajudar a aliviar possíveis ―culpas‖ e ―dar respostas‖ a algumas perguntas comuns durante a vivência do luto; que insistem em ―questionar‖ o enlutado, no silêncio dos seus pensamentos, sobre: ―alguma coisa não poderia ter se dado de modo diferente?‖ ―Essa 84 estrutura que ofertei ao trazer meu familiar para o SUS foi apropriada? Um serviço particular não teria sido melhor?‖ ―Se eu tivesse feito diferente o desfecho não deveria ter sido outro?‖, ―Será que tudo o necessário foi feito para ‗evitar‘ a morte?‖ Ou seja, ter em torno do internado ―um mundo seguro‖ pode correlacionar-se, pois, a um aliviar da raiva, da irritabilidade e da culpabilização que poderiam advir com o luto, sobretudo, em sua fase inicial. E isso porque a morte, muitas vezes, tende a ser personificada como uma punição, de modo que é necessário ―ter a quem culpar‖; o que pode ser dirigido a qualquer pessoa que tenha contribuído nesse processo [ou mesmo a estrutura], ao próprio morto ou a si mesmo. Pensar e repensar sobre a maneira como o atendimento foi prestado não é, pois, algo incomum perante tal vivência. O erro ou a demora em ofertar um diagnóstico, por exemplo, torna-se causa de queixa diante da morte que sobreveio. Há uma necessidade de descobrir o que deu errado, como se a vida tivesse sido redirecionada de repente e precisasse retomar ao seu curso normal (PARKES, 1998). Estudos sobre o luto apontam uma disposição das viúvas pesquisadas a refletirem repetidas vezes sobre os acontecimentos que cercaram a morte, na tentativa de se assegurarem de que haviam feito e ofertado tudo o quanto fosse possível e necessário; e de modo eficaz, certeiro. Nesse processo, possíveis ações ou omissões que eventualmente tenham gerado dano àquele que morreu, tendem a levar ao sofrimento e à culpa. Claro, que muitas vezes, esse encontrar alguém a quem culpar é uma forma de reencontrar o controle perdido pela impotência diante da morte (PARKES, 1998). Mas a despeito disso, a oferta de uma estrutura adequada, acompanhada de um cuidado humanizado pode evitar que a culpa, até certo ponto ―natural‖ nessa vivência, assuma dimensões extremamente dolorosas e incapacitantes. Destarte, essa questão da estrutura adequada e a sensação de que seu familiar está ―bem cuidado, bem acomodado‖ são expressas, pelos familiares, como determinantes de uma assistência de qualidade. Pesquisas nessa área apontam elementos referentes à adequabilidade do mobiliário hospitalar disponível para uso do paciente e da família, a existência de uma política mais aberta para visitas, e a proximidade com uma sala de espera, telefone e lavabo, como essenciais à humanização do cuidado (LEE e LAU, 2003; BROWNING e WARREN, 2006; KHALAILA, 2013); possibilitando sentimentos de gratidão, segurança e confiança, que por sua vez, influenciam a vivência de um possível luto. Não obstante, na realidade brasileira, são poucas as UTIs que dispõem de boxes individualizados, locais reservados para a comunicação com familiares e políticas institucionais de flexibilização de seu acesso, que levem em consideração a severidade da 85 doença, seu prognóstico e desfecho. Embora, não raramente, a inexistência ou insuficiência desses fatores sejam identificadas como deflagradores de estresse, ansiedade e depressão nos familiares; associando-se à insatisfação com a assistência prestada aos internados (POCHARD et al., 2001). Daí ―certo espanto‖ de um dos entrevistados em relação à existência da condição de privacidade e quartos individualizados em uma UTI: [...] Eu achei uma coisa de outro mundo. Meu familiar estava em um lugar separado, tinha toda a privacidade ali [...] (fragmentos da entrevista de EA) No referente a esses aspectos, a literatura médica internacional tem divulgado a importância dos efeitos do design da UTI para a sua funcionalidade, e para a segurança e bem-estar dos pacientes e de suas famílias. Razão pela qual, as características de um projeto de UTI devem priorizar, tanto quanto possível, a existência de: privacidade pela disposição em quartos individuais; tranquilidade ambiental, com redução máxima dos ruídos desnecessários; exposição à luz do dia; vistas para a natureza; prevenção de infecção; área destinada à família; e política de horários de visita livres (KESECIOGLU, 2015). Obviamente, um espaço de cuidado como esse, abrange múltiplas dimensões, sendo preciso levar em consideração ―o todo‖ que permeia cada uma de suas partes, e lembrando-se que cada uma das partes envolvem ―o todo‖ (MORIN, 2005). Contudo, diante de um ambiente estranho como é a UTI, em que sofrimento e ansiedade costumam estar presentes, a permanência do paciente em quartos individuais, se não for acompanhada do livre acesso ou da maior presença da família, pode atuar no sentido de enclausurar/isolar o paciente naquele universo, coibindo o seu contato com o mundo externo; [o que, contrariamente, a individualidade pretendida, potencializa delírios e leva à despersonalização dos indivíduos]. Em circunstâncias segregadoras, é possível, inclusive, que familiares e pacientes vejam a internação nesses locais como difícil, triste e desumana (PINA, LAPCHINSK e PUPULIM, 2008; MOREIRA e CASTRO, 2006). Parte dos sujeitos dessa pesquisa percebe as restrições aos horários de visitas como um dos elementos negativos ou limitadores nas UTIs Adulto: [...] O ambiente é muito calmo. A gente vinha nos horários de visita. São 03 horários né? Apesar de ser pouco tempo, eu vinha as 03 vezes no dia (...). Depois ele ficou no isolamento e não podia receber os familiares. Só uma pessoa por visita [...]. (fragmentos da entrevista de EA4) Achei na UTI tudo perfeito. Tudo muito limpo, muito arrumado, eu via que tudo era controlado (...). Em relação ao horário de visita acho que poderiam deixar mais de 86 uma pessoa entrar e aumentar um pouco o tempo. É meia hora não é? [...]. (fragmentos retirados da entrevista EA8) Existe, na maioria das vezes, uma vontade dos familiares de manterem-se próximos aos pacientes internados e verem-nos com frequência maior; o que entendem reduzir a ansiedade de ambos e os sentimentos de impotência diante da doença. Para eles, uma política de visita restrita diminui o fluxo de informação e o conhecimento sobre o estado daqueles que lhe são queridos e próximos, sua condição e progresso. De forma que se sentem excluídos do processo de cuidar do seu, mesmo considerando que sua presença seria útil no apoair e acalmar de seu familiar hospitalizado (AL-MUTAIR et al., 2014b). Então, é conveniente que os membros da família e os visitantes não sejam vistos apenas como convidados, mas como parceiros para o cuidado terapêutico (ANZOLETTI et al., 2008). O estranhamento e o medo da falta de sentido vivenciado pelo paciente na UTI podem ser neutralizados pela presença e visitas dos familiares e amigos próximos; que ajudam a manter a identidade do paciente e sua individualidade, reduzindo a sensação de abandono. Além disso, essa proximidade permite o sentimento de pertencimento a um grupo social, ofertando autoestima, segurança, conforto e uma impressão de proteção ao internado; que se encontra diante de uma condição de impotência, insegurança e exposição. Esse contato implica, pois, a doação de amor (BERGBOM e ASKWALL, 2000); um amor que simboliza a força para continuar ou para desistir da vida terrena. Nesse ponto, a flexibilidade na e para a entrada nas UTIs, e não necessariamente a duração do tempo em que o familiar/os/ vínculos afetivos estiveram presentes, mostra-se necessária. De forma semelhante, as informações prestadas pelo pessoal de saúde, nessa vivência e à beira de leito, são importantes para garantir a capacidade das famílias lidarem com a doença crítica. Entre as informações a serem dadas encontram-se as referentes às rotinas do setor e a necessidade de repouso dos pacientes. E em todos os casos, é essencial que cada conjuntura seja analisada individualmente, conforme os desejos e necessidades de pacientes e famílias (OLSEN, DYSVIK e HANSENA, 2009). A despeito disso percebe-se que os horários de visitas nas UTIs adultos, sobretudo, não têm se mostrado suficientes para garantir a proximidade entre família e paciente, e tampouco, tem garantido o estabelecimento de vínculos com a equipe assistencial. A forma como estão estabelecidos, na maioria das vezes, dificulta ou inviabiliza que os familiares se sintam, verdadeiramente, parte do cuidado; ou que a equipe os enxerguem como tal. Mais comumente são reduzidos a condição de visitantes, no caso da unidade para adultos, ou de acompanhantes, no caso da hospitalização infanto-juvenil. 87 Quando se fala sobre a presença de familiares e vínculos afetivos nas UTIs, para parte dos profissionais, associa-se essa ideia a de: atrapalho e prejuízos no planejamento e execução dos cuidados, maior tempo dispendido no informar desses familiares, retardamentos na assistência, aumento dos riscos de infecção, sobrecarga física, emocional e psicológica para trabalhadores, estresses ao paciente. (ATHANASIOU et al., 2014; BERTI, FERDINANDE e MOONS, 2007; BIANCOFIORE et al., 2010; MARCO et al., 2006; TAYEBI et al., 2014; RAMOS et al., 2013). Certamente, a humanização do cuidado nas UTIs não consiste em apenas autorizar visitas ou em ampliar a sua durabilidade, mas inclui, especialmente, à criação de um vínculo de confiança e de ajuda ao paciente e seus familiares, onde a identificação das legítimas necessidades de ambos seja vista como uma competência imprescindível à equipe multiprofissional. Os depoimentos dos entrevistados dessa pesquisa sinalizam que familiares e pacientes carecem de cuidados; lembrando-nos que cuidar não é somente um procedimento ou intervenção técnica, mas uma atitude de ajuda pautada no respeito mútuo, na compreensão e no uso do toque como ferramentas e estratégias de acolhimento. Em resumo, há uma necessidade preemente de interação, comunicação e envolvimento entre os prestadores de cuidado e os familiares do paciente (AL-MUTAIR et al., 2014b). Parece, então, que os profissionais de UTI devem procurar desenvolver relações colaborativas com os membros da família de seus pacientes, com base em uma troca aberta de informações, destinadas a ajudar tais indivíduos a lidar com as angústias, dores e sofrimentos típicos de quem tem um parente ou um amigo em estado crítico. A principal tarefa é, pois, ofertar à família informações claras, deixando-os participar na tomada de decisões e das ações nos casos de pacientes incapazes de falar e fazer por si mesmos (AZOULAY et al., 2002). Vale relembrar que este ato de ―ter de decidir por alguém‖, mesmo que este alguém seja seu familiar e se conheça o que seria seu desejo, tende a reforçar a sensação de falta deste membro da família, obrigando a um encarar da morte em vida, o que leva, por sua vez, a vivência do luto antecipatório. Nessas circunstâncias, tanto a proximidade quanto o apoio da equipe multiprofissional contribui para uma melhor experiência desse processo de luto. Em tal ocasião, deve-se estimular o próprio sistema familiar a buscar sua reestruturação, lançando mão de seus recursos nesse enfrentar (GENEZINI, 2012). A despeito disso, a estrutura física e organizacional das UTIs, na sua grande maioria, ainda prioriza a conveniência dos profissionais de saúde, valorizando em menor grau as prioridades de pacientes e seus familiares. O processo de humanização nesses aspectos segue bastante tímido (AZOULAY et al., 2004; ABBOTT et al., 2001) 88 Já no referente às UTIs Pediátricas brasileiras, a nível público e privado, a presença da família ou seu substituto junto à criança hospitalizada, é uma garantia instituída pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) desde 1990. O significado emocional dessa presença é indiscutível, mas também aí é imperativo que haja uma preocupação da equipe de saúde em envolver essa família na colaboração participativa para o desempenho dos procedimentos médicos e dos demais cuidados prestados, e não tão somente permitir-lhe o acompanhamento em si. É necessário garantir, a eles, a partilha das ações e dos fazeres, a participação no cuidar do outro. Essa prerrogativa tem base e justificativa em inúmeras pesquisas que demonstraram os efeitos potencialmente danosos da separação entre a criança e sua mãe, particularmente no que remete ao desenvolvimento da atitude de confiança na criança. Sendo já bem conhecido que tais consequências tendem a ocorrer com maior frequência se: a separação for prolongada; não houver mãe substituta, se a criança sente dor ou tem restrição de movimentos, se está em um ambiente desconhecido, e ainda, se na época da separação, tinha seis meses a três anos de idade. A importância dessa combinação de circunstâncias, tão comuns durante uma hospitalização, levou a modificações significativas nos cuidados dados às crianças hospitalizadas, incluindo a permissão para a permanência dos pais ao longo de toda a internação, em qualquer ambiente de cuidado (PARKES, 1998). Afinal, a criança pequena tem uma necessidade muito forte de sua mãe, nutrindo a expectativa, baseada em experiências anteriores, de que ela atenda ao seu choro. Encontra-se ansiosa com a possibilidade de tê-la perdido, está confusa e assustada, em um espaço desconhecido; tem reações de alarme, protesto, choro e procura (PARKES, 1998). Nessa situação, os pais e os cuidados que oferecem ao filho, representam um ―reencontrar-se‖ com um lugar conhecido, afetivo e seguro. Entretanto, para que essa presença e participação sejam asseguradas, a disponibilidade de uma estrutura local adequada para acolhimento a esses pais ou a seus substitutos, torna-se essencial, sendo também garantida no ECA; embora ainda existam limitações práticas a seu efetivar em termos de oferta das condições ideais. O fato é que, com o passar do tempo, os estabelecimentos de saúde estão incluindo em seu planejamento a previsão para a presença dos pais ou responsáveis; um movimento que se deve também as reivindicações dos próprios familiares. De tal modo, o local e o conforto passam a ser vitais, como destacados nos fragmentos destas entrevistas, já que existe uma transferência do local da casa para a UTI. A Carta da Criança Hospitalizada (1988) determina que "os pais devem ser encorajados a ficar 89 junto do seu filho e devendo ser-lhes facultadas facilidades materiais sem que isso implique qualquer encargo financeiro ou perda de salário" (p.8). Os depoimentos de familiares de pacientes internados na UTI Pediátrica desse estudo falam-nos sobre essa presença na vivência da hospitalização e da estrutura que lhes é oferecida: Eram adequadas. Quando eles queriam fazer alguma coisa com [...] eles pediam para eu sair, senão eu ficava ali. Tem uma cadeira... Eu dormia na cadeira... Eu fiquei o tempo todo ali, inclusive sai do meu emprego. A gente pode ficar o tempo todo ali dentro [...]. (fragmentos da entrevista de EP1) Porque na UTI só tem a poltrona né? [...] Mas, na UTI só a poltrona... Mas, da para deitar sim... É que não dá para imaginar outro jeito, cheio de aparelho... Não tinham onde me botar [...]. (fragmentos da entrevista de EP2) Eu acho que a única situação, se caso possa ficar um familiar junto que haja um espaço físico um pouco melhor, maior... Só isto! [...]. Na UTI poderia ser melhor, tanto que a gente não ficou por duas situações, a gente optou por não ficar, pois toda a hora alguém pedia: Dá licença? Tem que mexer na máquina. Pode dar licença?... E principalmente à noite... Tu ficas ali e não tem o que fazer... Mas, não sei se de repente, pudesse ter um local para o familiar [...]. (fragmentos da Entrevista do EP3) Das palavras acima se subtrai que existe a preconizada inclusão dos acompanhantes na hospitalização infanto-juvenil, permitindo-lhes ofertar o apoio emocional à criança e adolescente, ao mesmo tempo em que vivem toda a angústia, ansiedade e medo que decorrem desse processo. Por outro lado, apesar dessa garantia da presença, parece existir ainda certo ―deslocamento‖ ou ―dificuldade de encaixe‖ da família dentro da UTI. As expressões ―na UTI tem uma cadeira... eu dormia na cadeira‖, ―Por que na UTI só tem a poltrona... mas, dá pra dormir na poltrona‖ ou ―que haja um espaço físico melhor‖ denotam a dificuldade em se dar a essa família um papel para além do ―acompanhar‖, bem como, nos fala acerca das carências de recursos para tornar tais unidades verdadeiramente acolhedoras. Quando uma família opta ―por não ficar por que toda hora alguém pedia dá licença... tem que mexer na máquina‖ pode haver uma referência implícita a sensação de não pertencimento àquele espaço, àquele período de cuidado ao seu filho, ou ainda, um sentimento de ―tu ficar ali e não ter o que fazer‖, principalmente à noite, quando a dinâmica do setor tende a ser menos agitada. ―Não ter o que fazer‖ remete, a princípio, a uma ideia de impotência que é comum perante a doença, mas também, a certa exclusão do cuidado ou, contrariamente, a certo medo de fazer parte disso. Então precisariam ser tomadas maiores providencias quanto às acomodações dos familiares nessas unidades; deveria haver salas contíguas, onde os parentes pudessem sentarse, descansar, comer, compartilhar a solidão e talvez se consolarem mutuamente; onde 90 pudessem contar com a presença de capelão, assistentes sociais, psicólogos, médicos e enfermeiros que se colocassem a disposição para ajudá-los (KÜBLER-ROSS, 2008). O desejo de ―se pudesse ter um lugar para a família‖ pode representar esse clamor por espaço físico adequado, por uma estrutura de suporte (físico, emocional, psicológico e social) à família, como igualmente, pode sugerir um anseio por ―ser incluída‖, por não se sentir um ―estorvo‖ no cuidado de seu filho, o que é apregoado por palavras como ―ter de dar licença a todo hora‖, ―quando eles queriam fazer algo eles pediam e eu saía‖ ou ―não tinham aonde me botar‖. Semelhante clamor tem base na compreensão de que a experiência de ser capaz de cuidar de seus filhos, mesmo quando internados, e de dar-lhes tudo o que está ao seu alcance permite melhor aceitação diante da morte. Ou seja: estar convencido de que todo o possível tenha sido feito, por si mesmo e pela equipe, para contribuir no bem-estar de seu filho ajuda a tornar o luto menos traumático (VEGA, RIVERA e GONZÁLEZ, 2014); especialmente por possibilitar a vivência do luto antecipatório e o preparo para a morte. Este fazer de tudo, porém, obriga a família a rupturas em seus papéis, por vezes abandono de empregos, sacrifícios econômicos (...), por isso, tem de ter um significado, que não pode ser o de ―atrapalho, de estorvo‖. De fato, o adoecimento e a hospitalização representam rupturas no cotidiano familiar. Em geral, os indivíduos envolvidos nesse processo deixam de trabalhar, rompem vínculos com outros familiares e amigos, além de abandonarem muitas de suas atividades habituais. Instaura-se então uma crise marcada por ansiedade e estresse (OTHERO e DE CARLO, 2006). Como já citado a cima, as associações europeias elaboraram a "Carta da Criança Hospitalizada” (1988), composta de oito itens que, de forma resumida, estão dispostos a seguir: 1. A criança só deverá ser hospitalizada quando os cuidados necessários à recuperação da sua doença não possam ser prestados em casa, em consulta ou em hospital de dia; 2. A criança hospitalizada tem direito a ter os pais ou seus substitutos, junto dela, por tempo integral, sendo ofertadas aos pais, facilidades materiais sem que isso implique qualquer encargo financeiro ou perda de salário. As rotinas e as regras do serviço devem ser informadas a fim de que os familiares participem ativamente nos cuidados ao seu filho; 3. As crianças e seus pais têm o direito de receber informação adequada sobre a doença e os tratamentos, a fim de poderem participar nas decisões que lhes dizem respeito; deve evitar- 91 se qualquer exame ou tratamento que não seja indispensável. As agressões físicas ou emocionais e a dor devem restringidas ao mínimo; 4. As crianças não devem ser admitidas em serviços de adulto, devem ficar reunidas por grupos etários para se beneficiarem de jogos, recreios e atividades educativas adaptadas à idade. As visitam devem ser aceitas sem limites de idade; o hospital deve oferecer às crianças um ambiente que corresponda às suas necessidades físicas, afetivas e educativas, quer no aspecto do equipamento, quer no do pessoal e da segurança; 5. A equipe multiprofissional deve ter a formação adequada para responder às necessidades psicológicas e emocionais das crianças e das suas famílias. Nesse contexto, garantir a presença da família e dar o suporte para que ela se efetive é um elemento essencial também no cuidado às crianças, sobretudo, diante da possibilidade e/ou do efetivar da morte; o que é benéfico tanto para a criança quanto para a sua família. Afinal, quando consideramos os aspectos que surgem como facilitadores ou dificultadores do processo de luto há destaque para: a informação dada aos pais (especialmente na explicação de por que era esperado que a criança não sobrevivesse); o impacto das atitudes e ações dos profissionais de saúde no cuidado à criança; a presença física com a criança na vivência do morrer (permite experienciar o luto antecipatório e preparar-se para a morte); o local da morte da criança; questões políticas, procedimentos, processos e regras de hospital; e a existência de luto antecipatório (pais cientes da morte vivenciam o luto antecipado e acham-se mais positivamente impactados). Destaque-se igualmente que, quando um familiar proclama ―É que não dá para imaginar outro jeito, cheio de aparelho (...)‖, eles manifestam entender a dinâmica local e suas peculiaridades tecnológicas, mas ao mesmo tempo, reconhecem o quanto estressor é tudo isso. Fatores como luz acesa, interrupção do sono pela equipe, necessidade de monitorização contínua, o ―ter de ficar parado‖ sem nada para fazer e a falta de privacidade para as necessidades fisiológicas são apresentados como agentes estressores para si, para o internado e até mesmo para a equipe. A exemplo do colocado no depoimento a seguir: Uma coisa que me incomodava, que eu acho que incomodava qualquer pessoa que estava dentro da UTI era o barulho. Eles me disseram que não tem muito que fazer sabe? Eles precisam daquele barulho. Isto ali era muito estressante (...). O barulho dos equipamentos dentro da UTI... Ai isto é muito estressante... Eu fico imaginando uma pessoa adulta, criança, criança é mais fácil deles relaxarem assim, eu fico imaginado um adulto assim, acordado dentro de uma UTI com aquela barulheira... Eu escutava direto aquele barulho assim, na minha orelha... Dormia, acordava e aquele barulho ficava na minha cabeça... Era muito barulho ali. (fragmentos da entrevista de EP4) 92 Em meio às demandas ambientais, o índice de ruído dentro de muitas UTI tem sido descrito como insuportável e estressante por inúmeros profissionais de saúde, pacientes e familiares. Níveis elevados e constantes de ruídos7 estão relacionados com ―burnout8” nos profissionais que ali desempenham suas funções, sendo apontados pelos familiares como um dos indicadores de uma unidade desagradável e desacolhedora (DONCHIN e SEAGULL, 2002). No instante em que se correlaciona tais variáveis ao bem-estar do paciente e suas famílias, há uma necessidade de se discutir os diferentes estressores ambientais envolvidos no cuidado. Se essa abertura existe torna-se possível maior qualidade no atendimento prestado e melhor adaptação dos indivíduos à internação. Para o que é indispensável o elencar de estratégias que busquem modificar essa realidade, atuando na prevenção e redução desses elementos estressores; os quais devem ser abordados como problemas pertencentes à unidade. Vale destacar aqui, que a referência à questão dos ruídos e dificuldades estruturais só foi manifesta no discurso de familiares de crianças internadas, enquanto que na UTI Adulto, a percepção prevalente foi de calmaria, organização e de disponibilidade de muitos recursos estruturais, diferentemente de outros setores da mesma instituição. Essa divergência de opiniões parece ligar-se diretamente com a diferença de tempo de permanência dentro de ambas as UTIs. È razoável dizer que, no primeiro caso, há um maior acompanhamento e período de permanência junto ao internado, enquanto que no segundo, isso é limitado há poucas horas, divididas em turnos e com horários mais rígidos, o que poderia inviabilizar uma ideia mais real do que se processa na unidade. No depoimento dado anteriormente é perceptível, todavia, não se tratar apenas de uma referência ao ruído ambiental propriamente dito, mas também ao sentimento e lembrança constante da possibilidade da perda, da tensão e apreensão em torno do filho que está morrendo... Como um pensamento que nunca adormece, que sempre está ali, ao cochilar, ao sonhar e ao despertar... Assombrando pela sua probabilidade de se tornar real. Muitos autores descrevem o risco de desestruturação familiar que acompanha uma internação em UTI, e que tende a levar, de seu lado, a uma interrupção afetiva e emocional entre os integrantes desse grupo. Isso na medida em que, essas unidades, por sua estrutura 7 A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) não especifica níveis para essas unidades. Na NBR-10152 há as recomendações para níveis de ruídos compatíveis com o conforto acústico do ser humano em hospitais (apartamentos, enfermarias e berçários), sendo 35 dBA o nível sonoro para conforto e até 45 dBA o limite aceitável (ABNT, 2000). 8 A Síndrome de Burnout ou esgotamento profissional é característica do meio laboral e surge como resposta ao estresse crônico ocupacional. O Burnout é a síndrome da exaustão emocional, despersonalização e reduzida realização pessoal com o trabalho (SÀVIO, 2008). 93 física, pela complexidade do cuidado prestado e em função das rígidas regras internas, contribuem diretamente para à despersonalização das relações familiares. Soma-se a essa conjuntura, o estado do paciente e o trabalho ativo e acentuado da equipe de saúde que, juntos, colaboram para uma percepção pouco humanizada desse setor (BETTINELLI e ERDMANN, 2009; MARUITI e GALDEANO, 2007). Visivelmente, nesse espaço, as famílias confrontam-se com a sensação de impotência que acompanha o adoecimento e a possibilidade (às vezes certeza) da morte do um dos membros desta família, vivenciando com ele os diferentes estágios do luto (KOVÁCS, 2015). Por certo, o enfrentamento da morte é difícil e angustiante, estando na dependência da estrutura pessoal de cada um dos membros da família e da relação estabelecida entre eles. Sentimentos ligados à perda da vida, ao luto antecipatório, à ambivalência, ao medo de ver a pessoa amada sofrendo, e à impotência, são frequentes quando a família é reduzida a condição de observadora do cuidado. Na contramão disso, entretanto, enfatiza-se que ao se considerar que a morte provoca rupturas profundas entre quem morreu e aqueles que continuam vivos, torna-se essencial e urgente trazer essa família para o centro de tal experiência (FERNANDES et al., 2006; KOVÁCS, 2015). Acrescente-se ainda que na UTI se convive muito mais de perto também da morte do outro, da dor e do sofrimento do outro que ali está hospitalizado, o que lembra a todo instante a possibilidade de que isso pode estar próximo para si próprio ou para o seu filho, seu pai, mãe, irmão... Daí porque olhar para essa realidade do outrem também é motivo de sofrimento pessoal, pelo constante relembrar do que espreita. È a vivência do céu e do inferno juntos: esperança com pequenos progressos do seu familiar e medo com os retrocessos de quem está próximo, ou contrariamente, medo pelo seu e esperança pelo que acontece com o outro. Dentro das portas da UTI, o turbilhão de emoções é uma realidade para pacientes e familiares, crianças e adultos... Não há fugas para ele, ou se há, elas são temporárias! Exatamente porque esse turbilhonamento se mostra aos olhos a todo o momento; confundindo, e até mesmo, questionando a presença ali naquele espaço, tornando duvidosa a noção de ―ajudo ou atrapalho?‖. Os depoimentos em sequência trazem um pouco disso: Quando ela estava em isolamento era mais fácil para-nos assim, tu te sentias mais confortável... Mas, ali aberto assim, no meio dos outros pacientes, tu vias as crianças... Cada caso é um caso... E, tu ficavas sabendo de tudo na verdade... Não tem como tu fugires daquilo [...]. Tu vias vários pacientes... Ali eu já me sentia um pouco desconfortável sabe, porque tu estavas no meio deles assim, naquele procedimento, sabe? E tu não sabes muito bem como tu vai te comportar, como tu vais ficar... Um pouco mais tu atrapalhas do que ajudas. (fragmentos da entrevista de EP4) 94 Por isso que eu disse que esse é um ambiente muito pesado. É muito difícil tu ouvires uma notícia boa vinda da UTI [...]. O meu marido me dizia que sentia como se estivesse entrando no inferno, pois era muita pressão. É sempre uma expectativa. Tu olhas para o lado e tem uma mãe sofrendo. Tu vais para a sala de visitas e o que tu encontras é outra mãe falando sobre seu filho. Outra pessoa está com o neto internado, pois a mãe abandonou o filho e é a avó que cria. Então, são notícias pesadas. É difícil aguentar firme ali [...]. (fragmentos da Entrevista de EP5) No caso de pacientes adultos, a hospitalização em Terapia Intensiva é da mesma maneira angustiante; a visão de tantos aparelhos ligados ao corpo, invadindo e expondo o indivíduo, muitas vezes, é assustadora para os seus familiares, causando-lhes pavor e estresse. Em semelhante condição, a dimensão humana do profissional, a sua vinda ao encontro das necessidades dessa família, são ferramentas indispensáveis ao cuidado. Nessa pesquisa, em específico, os familiares entrevistados manifestaram, direta ou indiretamente, terem vivenciado angústia, tristeza, desespero, agonia, sofrimento e uma sensação de impotência durante a internação do seu familiar; em razão da gravidade dos casos, da vontade de querer ajudar e pouco poder fazer, ou pelo constante medo da morte. O desalento, a consternação e a mágoa também estiveram presentes; assim como o reconhecimento e gratidão pela assistência prestada. [...] Inclusive, eu me lembro de que quando vim visitar, entrei em desespero e comecei a chorar. Teve um enfermeiro que veio me dar um abraço, me deu um copo de água e me explicou sobre o estado de saúde dele. (fragmentos da entrevista de EA5) Existe uma porta e dentro daquela porta tu tens o céu ou tu tens o inferno. É isto que nos percebemos na UTI. Entramos aqui e fomos atendidos de uma maneira que eu nunca esperei [...]. Aqui na UTI é o estágio final, mas foi o melhor estágio. Aqui ele teve dignidade. (fragmentos da entrevista de EA3) Ele estava ligado a tantos aparelhos! Havia mangueirinhas, havia aquele aparelho ligado a boca para a respiração. Ele estava ligado a muitos aparelhos. Eu fiquei apavorada. Com isto! Era fio por todos os lados. Ver tantos fios em um só corpo! Meu Deus do Céu. (fragmentos da fala de EA18) Os enfermeiros que conheciam meu pai lá da UTI ficaram bem emocionados quando comentei com eles que ele havia falecido. Ele tinha amigos lá no hospital (...) às vezes o que tu queres quando vens para cá é alguém te dizendo: ―Oi tudo bem?‖. Um sorriso no rosto. Isto é um grande conforto. (fragmentos da entrevista de EA5) Muitos pais não admitem que seus filhos saibam de toda a verdade e preferem continuar a esconder sua tristeza através de uma fisionomia falsamente alegre, justificando que assumem essa postura em benefício da própria criança. (PINTO, 1996). 95 Assim, o relato de EA1 é alentado pelo pensamento de Oliveira, Santos e Mastropietro (2010), os quais afirmam que o processo de escuta e presença, conforto e consolo, de forma não invasiva, contudo acolhedora, auxilia na transformação psíquica dessa experiência dolorosa de iminência da morte. Percebe-se o quanto a angústia frente à morte influencia na qualidade da comunicação, uma vez que há uma negação maciça da finitude e uma dificuldade de aceitação: É pior por que tu vês o que está acontecendo. Mas, eu sempre procurei manter a calma perto dele, pois como ele já estava com [...] anos ele entendia as minhas expressões, e eu estava percebendo que o quadro dele era muito difícil, afinal ele era um paciente de UTI. (fragmentos da entrevista EP5) Em um estudo que determina os fatores que influenciam a comunicação das enfermeiras com os pacientes com câncer, Wilkinson (1991) observou que a coordenação assistencial, a crença religiosa, a atitude de enfrentamento diante da morte e a capacitação sobre a comunicação, os quais foram anteriormente recebidos por estes profissionais, são os fatores que mais se destacam na facilidade ou dificuldade para a comunicação com familiares e pacientes em situação de terminalidade, tal como a entrevistada abaixo reitera: Na semana que minha mãe morreu eles trocaram o médico que cuidava dela– acredito que eles trocam a cada mês, não sei (...). O médico havia dito que o único órgão da minha mãe que não estava funcionando com ajuda de aparelhos era o coração, o resto todo já estava funcionando por aparelhos. E, desejava saber o que nos queríamos fazer. Disse a ele que era uma pergunta muito difícil e que eu não saberia responder. Mas, que antes da minha mãe ir para a UTI nos havíamos dito que não queríamos ver a nossa mãe viva somente por estar ligada por aparelho. Não deu tempo, ela morreu naquela noite. (fragmentos da entrevista de EA11) Existem alguns estudos que arrolam as habilidades e competências que os profissionais devem ter para comunicar-se adequadamente com o paciente: estilo gramatical correto, conhecimento para utilizar as técnicas de comunicação verbal (perguntas norteadoras e complementares), ter clareza do assunto/tema a ser discutido, identificar os sentimentos expressos na interação e estar atento e consciente das linguagens não verbais expressas pelo paciente (BOOTH, MAGUIRE, HILLIER, 1999). De fato, uma admissão em UTI pode causar um alto grau de estresse e de ansiedade nos familiares, além de sentimentos de culpa, depressão, medo, preocupação, confusão e choque (LEE e LAU, 2003; AUERBACH et al., 2005; DAVIDSON, 2009). Sendo que seus fatores desencadeantes podem estar associados tanto com a gravidade clínica do paciente, quanto com a impossibilidade de comunicação efetiva (COSTA et al., 2010). 96 Os relatos anteriormente expostos denotam que as famílias que passam pelo difícil momento da internação em UTI, beneficiam-se de um convívio mais próximo e de maior vínculo com os profissionais que ali atuam. Daí por que, estar disponível é uma qualidade essencial para todos aqueles que cuidam. Todavia, o vínculo somente se estabelece e se concretiza se os indivíduos envolvidos são capazes de praticar a escuta atenta e eficaz, demonstrando receptividade, mesmo quando o cuidado ―curativo‖ já não pode mudar o curso da doença e a morte seja o desfecho esperado. Esse estar disponível envolve atitude, modos e gestos, que implicam, por sua vez, a compreensão das excentricidades e o estar próximo para sentir as situações que se apresentam. É uma referência ao ouvir com compaixão, ainda que diante do silêncio, ou da agressividade, da tristeza e da revolta, ou contrariamente, perante a alegria (BETTINELLI e ERDMANN, 2009). Frente a isso, é preciso haver um esforço para tornar o acolhimento às famílias em cuidados intensivos uma prática constante e ressignificada em sua essência; que combata a incerteza e a falta de comunicação dos profissionais com familiares, como forma de reduzir a insegurança, a ansiedade e o estresse dessas famílias. Quando os vínculos são priorizados existe a oferta do suporte necessário ao encarar da angústia e sofrimento que acompanham a hospitalização. Consequentemente, o acolhimento e o vínculo são expressões de cuidado integral e humanizado em saúde, buscando ―aliviar o sofrimento humano, manter a dignidade e facilitar meios para manejar com as crises e com as experiências do viver e do morrer‖ (WALDOW, 2006, p. 129). Especialmente quando se intenta ajudar pacientes em fase final de vida há, mais do que nunca, necessidade de tempo, empatia e confiança. As famílias, de modo geral, dispõem de forças e recursos para os enfrentamentos requeridos ou para buscá-los em redes sociais de apoio, embora caiba ao profissional ajudar a mobilizá-las e a torná-las explícitas, ou ainda, estimular a emergência de novas forças para estar junto e cuidar (BETTINELLI e ERDMANN, 2009). Esse processo de ajuda tem de ter a atuação de múltiplos atores (trabalhadores, usuários e gestores), para que haja, realmente, uma identificação das necessidades fisiológicas, psicológicas, emocionais, espirituais e sociais dos pacientes e de seus familiares, qualificando-se as ações de atendimento e o trabalho em todas as esferas do cuidado. Assim, a acolhida às famílias em UTI engloba, de um lado, o espaço físico, que deve oferecer conforto, qualidade na atenção, bem-estar e privacidade (MERENDA e SYLLA, 2013); e de outro, a humanização expressa nos gestos e nas ações de assistência. Uma 97 humanização que seja capaz de conciliar a melhor tecnologia possível disponível com a promoção de acolhimento e respeito ético e cultural ao paciente e seus familiares, bem como, de espaços de trabalhos favoráveis ao bom exercício técnico e à satisfação dos profissionais e usuários (CECÍLIO, 1994; DESLANDES, 2004; PUCCINI e CECÍLIO, 2004). Destarte, ao se planejar uma UTI é imprescindível levar em consideração aspectos como iluminação, controle de ruído, necessidades de espaço adequado para pacientes, familiares e equipe multiprofissional. Para o que se defende o chamado design centrado no ser humano, que preconiza a construção de unidades confortáveis e eficazes para esses três grupos de pessoas, capaz de satisfazer as demandas de diferentes necessidades, equilibrando alta tecnologia, humanização e as exigências econômicas de qualidade e eficiência (LI et al., 2013). Quando todos esses aspectos são alcançados existe certa ―facilitação‖ na vivência do luto dos familiares, na medida em que se dá a aceitação da morte, conforme demonstrado nos depoimentos: [...] Ele tinha conforto. Ele partiu porque chegou a hora, não havia mais condições para o corpo dele [...]. (fragmentos da entrevista de EA2) O trabalho foi muito bem feito. Tudo que era possível fazer foi feito [...]. Os médicos lutaram enquanto foi possível [...] Está sendo feito todo o possível para combater a infecção, mas não foi possível. Eu acredito que tudo que tinha que ser feito foi. Até o momento em que chegou o médico e disse que não tinha mais o que fazer [...]. Ficou dependente do respirador, não conseguia mais sair [...]. Caso ele sobrevivesse, não teria mais os sentidos, ele ficaria numa cama né? Dependente total. (fragmentos da entrevista de EA14) Esses fragmentos das entrevistas de EA2 e EA14 nos lembram que uma doença terminal envolve processos de perdas que oferecem sentido a vida, e que são expressos nas cinco fases do luto— negação, raiva, barganha, depressão e aceitação, descritas por KüblerRoss (2008)— as quais podem se desenvolver em pacientes e familiares. A passagem pela fase da aceitação, propagada nos depoimentos anteriores, é possível para aquelas pessoas que conseguiram, através do imprescindível tempo, superar as outras etapas. A aceitação é o ―repouso derradeiro antes da longa viagem‖ (KÜBLER-ROSS, 2008), é quando os sentimentos fogem, a dor some, a luta cessa e o momento do descanso chega. Essa aceitação não é um estágio de felicidade, mas o verdadeiro acolhimento da morte (KÜBLER-ROSS, 2008) como parte da vida. Obviamente, essa aceitação torna-se concreta na proporção em que os familiares percebem a impossibilidade de voltar a existir aquele sujeito que lhes era conhecido, cujos papéis reconheciam tão bem dentro da estrutura familiar. Ou ainda, quando mesmo que todos 98 os recursos tenham sido utilizados, as perdas advindas da doença para aquele indivíduo tornam-se insuperáveis; quando apesar de todos os meios dispendidos, os sinais de vida daquele corpo não conseguem se manter tais quais eram antes, a não ser na lembrança dos seus. Na maioria das vezes, nesta fase, o paciente adulto consciente pede para restringir as suas visitas aos que lhe são mais chegados, a conversa torna-se rara, e habitualmente, somente a presença física permanece. A aceitação se dá, pois, a partir do instante em que há a entrega. Nesse ponto, a compreensão de cada uma das etapas desenvolvidas ao longo desse encarar da morte como real é capaz de resignificar a vida a partir das próprias perdas. O sofrimento, o luto e as perdas também são encarados pelos que ficam e acompanharam todo o desenrolar dos dramas enfrentados por aqueles que morreram (JARAMILLO, 2006); sendo melhor experienciados quando se dá o luto antecipatório. Exatamente por tal, grande parte da literatura enfatiza que as famílias precisam saber a verdade sobre a condição de seus familiares, não só para que tenham a certeza de se estar recebendo o melhor cuidado disponível (LEUNG et al., 2000; GAVAGHAN e CARROLL, 2002), mas especialmente, para se preparem para os desfechos possíveis. Diante da experiência de uma internação em UTI, em que a morte é o desenlace esperado, a necessidade de informação, de estar próximo e de estabelecer vínculo de confiança com a equipe são apontadas como prioridades essenciais para as famílias dos pacientes (LEE e LAU, 2003; CHIU et al., 2004; AL-MUTAIR et al., 2013, KHALAILA, 2013). Dizer ―tudo o que está sendo feito ou que foi feito‖, ―assegurar que os cuidados estão sendo prestados‖ e ser verdadeiro nas colocações é primordial nessa vivência. Os depoimentos abaixo remetem a comunicação e abordagem da possibilidade da morte na UTI: [...] Nada temos a reclamar. Em relação à equipe médica, aos enfermeiros, sempre foi nos informados sobre a situação que eles estavam enfrentando [...]. Ele veio a falecer na terça a noite. Mas, os médicos me dizendo que fizeram tudo. A única coisa que eu disse para eles foi que não adiantava eles me dizerem que fizeram tudo, porque eu não sei se vocês fizeram tudo. Eu acho que vocês fizeram pelo atendimento e pelas respostas que vocês me deram. (fragmentos da entrevista de EP3) [...] Eles sempre diziam que a saúde dele não teria volta [...]. (fragmentos da entrevista de EA20) Indubitavelmente, a despeito de todos os avanços tecnológicos, a comunicação efetiva e afetiva continua sendo uma ferramenta imprescindível, não tão somente para as trocas de informações, mas para a integralidade do cuidado. Elementos como a empatia, compreensão, 99 interesse, desejo de ajudar e bom humor já eram descritos como indispensáveis ao gestar de um ambiente de conforto emocional, desde os anos 90. Entretanto, reconhece-se, igualmente, que o paciente (e/ou seu familiar) precisa ter pleno conhecimento da doença, diagnóstico e prognóstico, [para ter autonomia nas suas decisões e para melhor enfrentar as perdas advindas de uma doença incurável] (DOYLE E OCONNEL, 1996; ALMANZA-MUÑOS e HOLLAND, 1999; VANDEKIEF, 2001). Portanto, é fundamental que os familiares sejam comunicados sobre o que acontece e o que poderá acontecer no curso de uma hospitalização. O estabelecimento de uma comunicação clara, honesta e frequente com os membros da equipe que cuidam do paciente configura uma das necessidades mais proeminentes da família (SANTOS, 2009). Quando paciente e familiares sabem que há por perto ―outros‖ para ajudá-los e acompanhá-los verdadeiramente, particularmente na vivência de fim de vida, é mais fácil para ambos enfrentar a situação e aproveitar o tempo que lhes resta juntos (PARKES, 1998). Mas se essa comunicação não representa a realidade vivida, se ela mascara a possibilidade da morte já evidente, ―se há otimismo em excesso‖ por parte da equipe, as famílias acabam ―iludidas‖ acerca da real condição de seu familiar, confusas em torno do desfecho a esperar, o que retarda a vivência do luto, podendo inclusive torná-lo crônico ou traumático. O depoimento em sequência traz essa dimensão: [...] Atendimento foi perfeito. Não tenho nenhuma reclamação. Nem mesmo quando ela faleceu. O médico era um amor de pessoa [...]. Antes eles diziam que ela estava bem, melhorando a cada dia. Isto eu achei ruim: os médicos são otimistas demais [...], só acho que os médicos não podem nos iludir, eles tem de nos dizer a verdade sobre a situação. Apenas isto! (fragmentos da entrevista EA19) Sobre essa demora em informar a respeito da evolução para a morte, convém salientar que a formação médica visa, prioritariamente, a abordagem, diagnóstico e tratamento da doença em busca da cura; da mesma forma que um economista lida com números e dinheiro. Com isso há uma tendência de alguns profissionais a protelar ao máximo a definição da condição de terminalidade. Infelizmente, muitas vezes, este profissional entra em uma rotina pesada, estressante e exaustiva, ―esquecendo‖ que se trata de pessoas e não apenas de uma doença a ser tratada a qualquer custo (SILVA, 2008). Não obstante, é muito difícil para esses familiares ter uma preparação psicoemocional ante circunstâncias tão incertas, de modo que a tendência será deixar a ameaça de morte em outro plano, longe da consciência (PARKES, 1998). 100 De maneira semelhante ao que ocorre com paciente e família, a tristeza e a sensação de impotência que acompanham um diagnóstico ruim são igualmente insuportáveis para o médico; que acaba reagindo a elas utilizando de mecanismos de defesa apreendidos ao longo de sua formação, entre os quais o distanciamento. Acontece que encarar a morte do outro leva cada indivíduo a pensar na sua própria finitude e a tomar consciência, ainda que momentânea, de sua efemeridade, cujo desejo é de afastar ao máximo. O paciente (e sua família), por sua vez, tende a assumir posturas melancólicas e depressivas por falta de acolhimento de suas dores por aqueles que lhe são ou estão próximos. Realmente, o contexto em que se discutem as más notícias é reconhecidamente angustiante para todos os envolvidos, sendo que a forma como tanto o diagnóstico como a evolução de uma doença grave é transmitido pode acarretar significativo impacto na percepção do paciente e de seu familiar acerca de sua enfermidade; bem como, nas relações de longo prazo com seu médico e demais membros da equipe (MAGUIRE, 1998). A importância dessa comunicação aberta está, pois, sobretudo, na consideração de que uma ―morte previsível‖ apresenta tendência menor a alterar o ajustamento psicológico dos enlutados do que no caso da morte prematura ou inesperada. Isso por que na primeira situação a pessoa enlutada prepara-se, psicologicamente, para esse acontecimento e o espera em algum momento, diferentemente da condição de morte inesperada ou prematura. Na prática, em circunstâncias incertas, quando a possibilidade do morrer não é considerada e/ou encarada, é muito difícil que haja um adequado aparelhamento para tal ou um encarar prévio do ―depois que acontecer‖; afinal, a ameaça tende a ser deixada de lado, porque simplesmente não há necessidade de se organizar para aquilo que é incerto. Apesar de paradoxal, a experiência mostra que é possível auxiliar o paciente e sua família a obterem uma aceitação mais tranquila da real situação vivenciada (PARKES, 1998), desde que se fale sobre isso. Todavia, às vezes a dificuldade de médicos e outros membros da equipe de saúde em ―falar sobre‖ a possibilidade real de evolução para o desfecho ―morte‖ parecem refletir também uma dificuldade desses profissionais em aceitar que a morte sempre existirá a despeito da evolução da medicina; e que ela não representa, nem de longe, um fracasso médico ou de enfermagem, ou de fisioterapia ou de qualquer outro membro da equipe. A célebre não ―foi para isso que me formei médico, enfermeiro... não foi para isso que dediquei tantos anos de estudo‖ dá a dimensão exata de como é difícil para muitos dos profissionais ―deixar de lutar pelo que consideram ser a vida ou os sinais clínicos de vida‖. Claro que é sempre difícil encarar uma doença incurável e a proximidade da morte, levar essa informação ao paciente consciente e sua família, discutir isso sem retirar-lhe todas 101 as esperanças, é uma preocupação de muitos profissionais. Há os que preferem retardar ao máximo essa abordagem, até que ela se torna inevitável ou então, aqueles que a evitam até que a morte aconteça; mas também existem aqueles que conseguem ser sensíveis a necessidades de pacientes e familiares, tratando desse assunto com benevolência e empatia. Entretanto, a grande maioria de nós profissionais aprendeu a prolongar a vida, estudou como fazê-lo, mas tão pouco nos foi ensinado acerca do que é ―a vida‖. Muitos pacientes que insistimos em buscar a cura se julgam ―mortos dos pés a cabeça‖ e sua tragédia é a dimensão da consciência plena de seu estado e a incapacidade de não mover um dedo sequer. Quando um tubo aperta-lhes a garganta não podem nem mesmo dizer o que lhes incomoda, ou quando pruridos assolam seu corpo não podem se coçar ou assoprar, isso pode, sem dúvida, levá-los a uma sensação de pânico extrema. Em geral, somos taxativos em dizer que ―não há mais o que fazer‖ além de dirigir nossa atenção a equipamentos e alarmes, enquanto a expressão facial de nossos pacientes, aquela que pode nos transmitir coisas mais eficazes do que qualquer máquina, [fica esquecida pela nossa incapacidade de comunicarmo-nos para além da nossa tradicional fala] (KÜBLER-ROSS, 2008). De maneira semelhante, esquecemo-nos de (ou evitamos) nos comunicar mais francamente com a família desse paciente em que a morte é algo esperado, de adotar uma postura aberta e empática em nosso diálogo; afinal o desejado é que o tempo da doença seja aproveitado também para refletir sobre a morte e o morrer, como forma de incentivar a experiência/aproveitamento da vida que resta, e o preparo para a morte e para a vivência do luto. Mas se não conseguimos, enquanto profissionais, ―desistir da perseguição da cura‖, se achamos ―demasiado cedo para isso‖, como poderíamos considerar a possibilidade de conversamos com pacientes e familiares sobre morte? Só que essa necessidade é real, até mesmo porque sabemos que as representações sociais sobre a morte e processo de morrer não resultam apenas da finitude biológica da vida em si, mas de um processo de interpretação socialmente construída e partilhada em diferentes contextos (MOSCOVICI, 2001). Daí a importância de se aproximar de tais assuntos e as vantagens de fazê-lo não só para os indivíduos internados e suas famílias, como também para nós mesmos. Isso pode contribuir para entendermos a urgência de considerarmos a morte como uma possibilidade real também para nós próprios e vivermos cientes dessa possiblidade. Ao longo dos últimos anos muito tem sido debatido a respeito da formação dos profissionais da saúde em termos de terminalidade da vida. E é bem verdade, que o (re) pensar da formação, embora tímido, vem passando por um momento de preocupação com os aspectos sociais (TAQUEMORI e SERA, 2008). Conquanto, não se trata apenas de alocar 102 disciplinas sobre morte no decorrer dos cursos, ou de fazer treinamentos que ensinem a lidar com estas situações. Trata-se, sim, de um lidar com a morte e o morrer de forma menos velada, desmitificando-se a ideia de que a dor, o sofrimento e a morte do paciente estejam associados ao fracasso da equipe. Já que a procura é por um profissional mais crítico e reflexivo, capaz de compartilhar suas experiências com paciente, família e demais membros da equipe de saúde (MONTEIRO et al.,2015). A despeito disso, ainda hoje, parece que boa parte da equipe multiprofissional atuante na UTI, sente-se mais confortável quando o paciente e sua família não expressam emoções em demasia, particularmente, diante da probabilidade da morte. Daí porque talvez, seja mais fácil não falar sobre isso, não abordar a questão. Aos profissionais parece ideal conversar sobre a doença, sobre o tratamento e sobre a impossibilidade de cura, sem ter de enfrentar as reações emocionais decorrentes dessa notícia. Nomeadamente porque esses indivíduos se sentem despreparados para semelhante situação, e mesmo quando possuem certo conhecimento teórico e prático sobre o assunto, não sabem qual seria a melhor maneira de comunicar (QUINTANA, 2009). A melhor maneira é aquela aberta, empática, que assegura o não abandono, a presença, a esperança, o respeito e o cuidado, que ouve e silencia quando preciso, que está junto e acompanha sempre, que alivia sofrimentos, angústias e dores, que abraça e acalenta quando se demonstra necessário... Na contramão disso, o que ocorre é que a maioria dos hospitais compreendem espaços onde se exerce uma competência técnica cada vez mais exigente; e em que, geralmente, não podem ser abordadas questões relativas à vida mais íntima dos profissionais da saúde e de seus pacientes (HENNEZEL, 1999), incluindo-se aí a questão da permissão para discutir e partilhar emoções e sentimentos. Mas se não somos capazes de encararmos a morte com serenidade, como poderemos ajudar nossos pacientes e seus familiares a fazê-lo? Não podemos torcer para que não nos façam esse pedido ou fingir não ver os pedidos silenciosos nos seus olhares! Despistar, falar de banalidades, do tempo, usar termos demasiadamente técnicos... induz paciente e família a adotarem postura semelhante, a esconderem-se da verdade, a não perguntar sobre ela. De forma geral, profissionais que tem a necessidade de negar a morte encontram a mesma negação em seus pacientes e suas famílias; enquanto que aqueles que são capazes de falar sobre a doença terminal descobrem seus pacientes e familiares mais aptos a reconhecer essa probabilidade e a falar sobre isso. Tal reconhecimento é importante para ajudar os indivíduos a superarem suas diferenças e pensarem na vida e situações de vida pós-morte do outro (KÜBLER-ROSS, 2008). 103 A diferença entre as pessoas em geral e os profissionais de saúde, é justamente que, na vida destes últimos, a morte é parte do cotidiano, uma companheira diária em seu trabalho (KOVÁCS, 2015). Razão pela qual é tão imprescindível falar sobre ela. E ao tomar decisões, o reconhecimento da autonomia do paciente (e na sua impossibilidade ou não determinação prévia, a de seu familiar) e do pluralismo ético que permeia as relações deve ser considerado; o que vem em substituição ao chamado paternalismo médico— em que as escolhas em nome do melhor interesse e da beneficência do enfermo eram da apenas restritas aos médicos. Por certo, quando os profissionais vivenciam com empatia o sofrimento inerente à profissão tornam-se mais propícios a refletirem a respeito da relação profissional/paciente/família, na busca de desenvolver estratégias que permitam construir outras possibilidades em torno da morte; comportando uma maior capacidade de viver humanamente com ela em seu ambiente de trabalho. ―Busca-se não mais colocar a morte em lugar escamoteado dentro do hospital e sim permitir falar sobre ela. Todos morrem. E viver nessa consciência é permitir ao médico que este ofereça um cuidado ao outro mais próximo. E a si, mais sincero‖ (MONTEIRO et al., p.564, 2015). Nessa pesquisa, a empatia diante do cuidado ao paciente que morreu e a sua família foi manifestada, em depoimentos como os colocados a seguir: Nós gostamos muito do tratamento que recebemos aqui, porém é claro que em casa ficamos todos apreensivos. A minha percepção é de que ele estava muito bem tratado até nos detalhes como fazer a barba, deixar ele com dignidade [...]. As pessoas que nos orientavam sempre faziam isto de forma muito simpática, prestimosa, não tinham um falso sorriso [...]. Nós não achamos que ele teria sido tratado melhor em outro hospital [...]. (fragmentos da entrevista de EA13) Eu não tenho queixa nem dos médicos nem das enfermeiras. Eles estavam sempre ali perto. Tudo que a gente precisava era atendida [...]. Lá eles têm muitas máquinas e as enfermeiras estão sempre por perto [...]. (fragmentos da entrevista de EP1) Fui muito bem recebida, ele foi muito bem cuidado, os médicos estavam sempre presentes [...], estavam sempre em volta dele [...]. O médico me explicou muitas coisas sobre ele e a enfermeira também foi muito querida. (fragmentos da entrevista de EA18) O tratamento das gurias, das enfermeiras, eu amei-os de paixão! Sempre que eu estava lá e eles estavam higienizando o [...] eu, às vezes, os ajudava. Eram muito queridos. É um trabalho que só Deus pode colocar no coração de um médico e de um enfermeiro para estarem fazendo aquilo. Eu valorizo muito, pois acho muito difícil. É muito difícil lidar com uma pessoa que não conhecemos e sofre naquela situação. (fragmentos da entrevista EA20) Como pode ser destacado dos fragmentos anteriores, a família sente-se cuidada e atendida nas necessidades de seus familiares quando enxerga as tentativas da equipe de 104 assegurar o conforto e bem-estar do internado, e as tentativas de incentivar a expressão de suas próprias emoções e dúvidas. Isso possibilita a criação de uma relação de confiança do familiar com a equipe, permitindo-lhes acreditar que a equipe estará lá para auxiliar o paciente quando de sua ausência no hospital, e que irá lhes comunicar qualquer problema que venha a acontecer nesse período. Quando há essa relação de sintonia e empatia, esses familiares se sentem mais aptos a enfrentar a situação de doença e morte (ADAMS et al., 2014). A integralidade do cuidado se dá exatamente nesse encontro genuíno entre profissional, paciente e família, se estabelecendo na relação de diálogo autêntico, que procura distinguir além das necessidades medidas/imediatas dos sujeitos àquelas que, de forma direta ou indireta, contribuem para o processo saúde-doença (GOMES e PINHEIRO, 2005). È por intermédio dessa integralidade, com base em trabalho multidisciplinar, que se torna possível a compreensão da complexidade do cuidado, diminuindo a fragmentação do conhecimento e do olhar sobre ele; o que viabiliza uma assistência humanizada aos sujeitos (GATTÁS e FUREGATTO, 2006). Na ótica dos usuários, integralidade representa um tratamento digno, respeitoso e com qualidade de acolhimento e vínculo. Promove, com isso, uma assistência ampliada, transformadora, centrada no indivíduo, não aceitando sua redução, e de sua doença, ao aspecto biológico (FONTOURA e MAYER, 2006). É a condição da ―barba feita, da dignidade da pessoa‖, ―do sorriso verdadeiro, da simpatia‖, ―do estar sempre por perto e atender todas as necessidades‖, ― do explicar de inúmeras coisas‖. O sentimento de conexão do familiar com a equipe responsável pelo cuidado ao paciente transmite-lhe confiança em relação ao auxílio oferecido; o que é facilitado quando a equipe se mostra acessível às dúvidas, é afável, faz contato com os olhos, senta-se perto ao falar com o familiar, usa de toque, saber ouvir. Além disso, a demonstração de profissionalismo através de comportamento ético, calmo e confiante por parte do profissional, para com o paciente e família, pode facilitar o cuidado e melhorar a interação estabelecida. A explicação do que está acontecendo em termos de tratamentos e estado de saúde do internado, também permite às famílias lidar melhor com a situação (ADAMS et al., 2014); como visível nos depoimentos: Eu achei o atendimento ótimo. Os enfermeiros eram muito queridos [...]. Sempre comentávamos como os enfermeiros eram queridos e atenciosos. Perguntávamos algumas coisas e eles sabiam responder. Os médicos também eram muito queridos, vinham todo o dia dar um parecer. (fragmentos da entrevista de EA20) O tratamento deles para mim foi dez. As enfermeiras, os médicos. Lá dentro tudo... Nunca se negaram a nada, nada [...]. Naquele dia me chamaram, pois ela estava parando [...], eu não dormi a noite toda porque eles ficaram indo e vindo em volta 105 dela o tempo todo. Por isto não tenho o que falar. Só tenho a agradecer e mais nada. (fragmentos da entrevista de EP2) Como colocado nos fragmentos acima, a enfermagem também pode ser vista como um facilitador das informações; esclarecendo, traduzindo e interpretanto prognósticos para as famílias (BLOOMER et al, 2013; SLATORE et al., 2012.; GUTIERREZ, 2012a), mesmo quando se trata de uma má notícia (POPEJOY et al., 2009;. STAYT, 2009). Sem dúvida, por sua proximidade, tais profissionais estão em uma posição única para incentivar um diálogo aberto com os familiares (AUERBACH et al., 2005;. PUNTILLO e MCADAM, 2006). Embora, frequentemente, subestimem o seu papel nesse sentido (VERHAEGHE et al., 2005; LIND et al., 2012). O fato é que uma boa capacidade de comunicação por parte da enfermagem pode ajudar as famílias a entender o quadro geral do paciente (ADAMS, MANNIX e HARRINGTON, 2015); sendo que as relações estabelecidas entre essa equipe e a família acabam por definir o tom da experiência da hospitalização muito mais do que qualquer outro agente (LINNARSSON et al., 2010;. NELMS e EGGENBERGER, 2010). Muitos familiares destacam, em suas falas, a competência da enfermagem de falar sobre diagnosticos ruins/difíceis sem tirar-lhes totalmente a esperança, ao mesmo tempo em que deixam ciente a real situação do paciente (ADAMS et al., 2014). Inclusive, em muitas ocasiões, enfermeiros intensivistas podem ajudar as famílias a tomar a decisão de instituir ―Cuidados de conforto‖, permitido ao paciente morrer mais dignamente e com menor sofrimento. Alguns deles, em específico, têm considerável habilidade para realizar intervenções familiares capazes de ofertar o apoio adequado durante os difíceis momentos da internação acompanhada da morte (ROBICHAUX e CLARK, 2006). Profissionais com essa preocupação atuam no sentido de reduzir as angústias, a insegurança, as ansiedades, as dúvidas e as tristezas de pacientes e famílias (TOMLINSON et al., 2012). ―É o enfermeiro querido atencioso, que sempre sabe responder às dúvidas solicitadas‖. Para além disso, a referência a ―médicos e enfermeiros‖, por parte dos entrevistados, salienta um outro aspecto fundamental da humanização em saúde, que remete ao necessário trabalho conjunto entre profissionais de diferentes categorias. Por certo, o trabalho em equipe multidisciplinar pode considerar uma variedade de enfoques e opções no atendimento à saúde que seriam inviáveis a partir da visão focal de somente um dado profissional. A humanização do atendimento em saúde, principalmente na UTI, depende das condições de trabalho dos profissionais, bem como de suas aptidões e habilidades técnicas, inclusive nas relações humanas (SILVA e SANTOS, 2010; VALADARES e PAIVA, 2010). 106 Agora, falando sobre UTI Pediátrica, onde a presença dos pais é uma constante, alguns elementos são vistos como essenciais no atendimento à criança que morre, a citar: demonstração de sinceridade, respeito diante da morte, e a sensação de que a criança foi atendida de forma eficiente, oportuna e com amor (VEGA et al, 2013). É a expressão do ―tratamento dez, onde nada foi negado, onde a iminência da parada foi informada e assistida, tanto quanto possível, a noite toda‖. É o ―ficaram indo e vindo‖. Assim, o valor do cuidado humanizado está refletido na importância das atitudes dos profissionais em relação à criança criticamente enferma ou morrendo na UTI, e aos seus familiares. Estas atitudes podem ter consequências diretas na habilidade daquela família em se adequar à perda do pessoa da família muito querida e em desenvolver um processo de luto adequado. Pais que percebem descaso emocional por parte da equipe demonstram um luto imediato e tardio inadequado (MEERT et al., 2001). Nesse sentido, uma das principais barreiras ao fornecimento de apoio familiar e à facilitação da comunicação é o desenvolvimento de um ―comportamento não solidário‖ por parte da equipe (ADAMS, MANNIX e HARRINGTON, 2015). Por outro lado, a percepção de envolvimento com o paciente é, para a família, uma representação do lado humano daquele profissional, que percebem também sofrer com a doença e com o sofrimento do outro que cuidam: [...] Por mais que profissionais fossem extremantes técnicos, tu percebias o envolvimento deles com os pacientes. Eu percebia que eles sentiam dor... Assim, as enfermeiras, todas elas queriam cuidar um pouquinho dela. Todas elas, sabe? Assim como, cuidavam das outras crianças. Tinha um menino que chegou e logo precisou de um transplante [...], tu percebia a forma com que os profissionais o tratavam, como todos os profissionais se envolviam com ele. De certa forma isto dói para estes profissionais. (fragmentos da entrevista de EP4) Aqui, ―[...] não se trata de pensar ou falar sobre cuidado como objeto independente de nós, mas de pensar e falar como é vivido e se estrutura em nós mesmos. Não temos cuidado. Somos cuidado‖ (BOFF, p.89, 2015). O sentido da integridade e da plenitude física, social, emocional, espiritual e intelectual nas fases do viver e do morrer, constitui um processo de transformação tanto no âmbito do cuidador como no do ser cuidado. É somente diante do assumir desta responsabilidade cuidadora que se dá o preparo para realmente se atender as necessidades dos pacientes e de seus familiares (WALDOW, 2006). Quando há uma partilha da dor do paciente e de sua família, quando há o envolvimento... há o cuidado. 107 Afinal, são seres humanos cuidando de outros seres humanos. E sem esse cuidado essencial e necessário, desde o nascimento até a morte, o ser humano desestrutura-se, definha e perde o sentido. Porquanto, o cuidado há de estar presente em tudo, o que o ―torna um fenômeno que é a base possibilitadora da existência humana enquanto humana‖ (BOFF, 1999, p.34). Isso quer dizer que, com determinação e coragem para mudar, para fazer diferente, a equipe multidisciplinar pode transformar ambientes ainda sombrios de morte na UTI em uma "catedral" de compaixão, humanismo, respeito, abertura e dignidade humana. Sim, uma morte digna é possível (GARROS, 2003)! É tempo de reconhecer que a UTI deve ser um lugar onde a humanidade tem alta prioridade. É tempo de abrir as portas que ainda estão fechadas nas UTIs (BURCHARDI, 2002). Os dizeres abaixo nos revelam um pouco o que significa este ambiente: Ambiente aqui é pesado, mas fomos muito bem atendidos, principalmente na UTI. Eu creio que os profissionais estão preparados para atender as necessidades dos pais [...]. É ruim ver os médicos furando nossos filhos, fazendo procedimento [...], sai e fiquei aguardando na sala de espera. Quando a médica me chamou de volta já estava intubado, então ela me disse: ―nunca vi uma criança se esvair das mãos da gente como está acontecendo com XX‖. (fragmentos da entrevista de EP5) Não posso me queixar, nem quando a minha mãe estava no quarto. Tem sempre um ou outro que é mais carrancudo, mas eu sei que as pessoas que trabalham em hospital tem um limite. Elas não conseguem aguentar muito e se envolvem emocionalmente. Mas, eu acredito que está quase em zero a preocupação com o emocional das pessoas [...]. O que os médicos aprendem na teoria às vezes na prática é outra coisa. (fragmentos da entrevista de EA16) Claro que não é fácil aos profissionais assistir o definhar de seus pacientes, a evolução para a morte nem sempre é vista de modo natural e isso pode, eventualmente, causar afastamentos, um evitar ―estar próximo‖. Por certo, a dificuldade de relacionamento entre a equipe e a família fortalece o distanciamento, o que acena para a falta de preparo dos profissionais frente às necessidades da família e à organização do seu trabalho. Para determinados enfermeiros, a dificuldade em atender os familiares está ligada às especificidades da Terapia Intensiva, as próprias limitações pessoais ou da equipe de saúde e até mesmo, a forma como as famílias expressam seus sentimentos (FRIZON et al., 2011). Particularmente, dentro de um ambiente altamente exigente, como uma UTI, interagir com os membros da família e vivenciar suas dificuldades, "sentir sua dor" pode ser emocionalmente angustiante para os profissionais envolvidos no cuidado (DE BOER et al., 2011). 108 Contudo, a satisfação dos familiares é um aspecto importante na avaliação da qualidade do cuidado oferecido nas instituições de saúde, sendo parte essencial das responsabilidades dos profissionais que atuam em UTI (FRIZON et al., 2011). A literatura é escassa acerca de bons estudos sobre a opinião das famílias em termos da assistência diante da morte de seu familiar (MEERT et al., 2000). Frente a isto, uma avaliação cuidadosa destas necessidades proverá subsídios para a compreensão e a satisfação da família, auxiliando em sua capacidade de participar nas decisões relacionadas ao cuidado de alguém que, na maioria das vezes, não pode decidir por si próprio. Nesse sentido, a formação desses profissionais deve estimular práticas que viabilizem o desenvolvimento de habilidades e de competências comunicativas, bem como, o trabalho em equipe multiprofissional. Este fato, agregado à vontade dos profissionais envolvidos na assistência aos familiares, promoverá um cenário de interação de diferentes sujeitos, diferentes conceitos, valores e culturas, no qual cada ator se individualiza e se reconhece no outro, a partir de dinâmicas que possibilitam falar, escutar, sentir, indagar, refletir e aprender a pensar (SILVEIRA e RIBEIRO, 2005). Aí haverá oportunidade para interações de maior qualidade, que se preocupem com um olhar carinhoso, com o uso do toque afetivo aliado ao toque instrumental, com a presença de um sorriso compreensivo. 4.2.2 A comunicação da morte em UTI: ―O pesar que não fala endurece o coração já sofrido‖9 A pequena verdade tem palavras que são claras; a grande verdade tem grande silêncio. (TAGORE – Pássaros Errantes) Existe um período da hospitalização em que os parentes andam pelos corredores do hospital, atormentados pela expectativa da morte. È o momento em que é tarde demais para as palavras, em que os familiares gritam mais alto por ajuda, com ou sem palavras. É tarde demais para intervenções médicas, que, quando acontecem, são duras demais apesar das boas intenções. É o momento mais difícil para os mais próximos. É o momento da terapia de silêncio para com o paciente, e de disponibilidade para com os familiares (KÜBLER-ROSS, 2008). 9 Shakespeare s/d 109 ―Aqueles que tiverem força e amor para ficar ao lado de um paciente moribundo, com o silêncio que vai além das palavras, saberão que tal momento não é assustador, nem doloroso, mas um cessar em paz do funcionamento do corpo‖ (KÜBLER-ROSS, 2008, p.282). A grande verdade da morte que se aproxima exige, de certo modo, grande silêncio e disponibilidade por parte do profissional, se não há muito que dizer em palavras ou justificativas a fazer para além da comunicação da proximidade da morte em si, há contrariamente um enorme potencial no abraço, no toque, na presença, no silêncio emotivo que acalma e oferece conforto. Deixar falar, deixar expressar o pesar é o que evita o calar do coração que sofre e que chora a dor das perdas que acompanharão a morte que se aproxima ou chega. Essa categoria de análise se propõe a abordar a comunicação da morte em UTI, o modo como ela se processa e o entendimento que as famílias têm das mensagens transmitidas ao longo da internação. As perguntas norteadoras da entrevista foram assim formuladas: A linguagem usada pelos profissionais da UTI era de fácil entendimento? Caso não tenha entendido o que houve, foi-lhe explicado novamente? Em relação à notícia do óbito do seu familiar, como você foi comunicada pela equipe multiprofissional? Sem dúvida, todos aqueles que buscam o atendimento esperam receber um tratamento digno e solidário, que possa acolher as demandas, tanto dos pacientes quanto dos familiares, que são inerentes ao processo de cuidar. E é neste cenário que a habilidade para comunicar-se desponta como essencial ao cuidado ético, humano e técnico oferecido pelos profissionais de saúde; sendo essencial para o estabelecimento de vínculos durante a internação. Faz parte das atividades dos intensivistas o fornecimento, de modo adequado, de informações claras e realistas, mas também sensíveis e solidárias, que deem a dimensão do real e ao mesmo tempo, se preocupem com o impacto que essa realidade irá gerar nos envolvidos. Talvez, a grande questão posta seja a de como, onde e quando o profissional deve compartilhar aquilo que já sabe sobre a aproximação da morte, seja para seu paciente ou para a família. Além disso, nesse processo é preciso considerar que os profissionais de saúde têm diferentes percepções sobre comunicação, o que pode causar divergências de condutas em relação ao mesmo caso (READER et al., 2007). A literatura descreve como as famílias anseiam por uma comunicação clara, coerente e honesta, que também deixe espaço para a esperança (BOND et al., 2003; LINNARSSON et 110 al., 2010). Além disso, não é apenas a informação que é importante, mas também a maneira como é compartilhada (NELMS e EGGENBERGER, 2010; GUTIERREZ, 2012a, 2012b). No dia em que falei com o medico ele me disse que o caso era muito grave e que, dentro da medicina, eles estavam fazendo tudo o que poderia ser feito. Além disto, não haveria mais nada que eles pudessem fazer [...]. (fragmentos da entrevista de EA7) Eles falavam a verdade e explicavam qual era a doença, diziam que ela (doença) estava destruindo o[...] assim como destruiria qualquer pessoa. Diziam que o tratamento era difícil, mas que não existia outro tratamento. Caso houvesse outro tratamento que eles pudessem utilizar, eles utilizariam. Não nos iludiram, nunca disseram que ele iria sair bem [...]. (fragmentos da entrevista de EA20) Não iludir, falar a verdade, ser realista sobre o prognóstico, sobre as dificuldades do tratamento, sobre as opções de tratamento, mas também assegurar que todos os recursos disponíveis estão sendo utilizados do melhor modo possível... são formas de estabelecer e assegurar o vínculo entre profissional, família e paciente a partir de uma comunicação verdadeira e preocupada com o outro e seus sentimentos; são formas de ser ―humano‖ ao cuidar. O médico usava uma linguagem formal dentro do necessário, técnica ao nível do leigo, mas também não nos subestimava [...]. O que eu não entendia eles me explicavam. E quando eu perguntava coisa como: ―será que ele tem chance?‖ Eles me explicavam que o quadro era bastante grave, difícil de reverter. Ele era realista, mas era cortês. Nós sabíamos o que estava acontecendo, que [...] só sairia por milagre. O médico não parecia pessimista, mas também não nos iludia. (fragmento da entrevista de EA13) O estabelecer dessa boa comunicação é umas das maiores necessidades das famílias em UTI, devendo, pois, ser tratada como uma prioridade a ser alcançada nas diversas situações da assistência (BOYLE et al., 2005; NELSON et al., 2010; GUTIERREZ, 2012b). Com certeza, os familiares almejam essa comunicação clara e inequívoca, que alivie os seus sofrimentos (AZOULAY et al., 2001;. VERHAEGHE et al., 2005; LINNARSSON et al., 2010; LIND et al., 2011; DUHAMEL et al., 2009) e transmita apoio emocional. Entretanto, em certas circunstâncias, o bom entendimento da interlocução não chega a ser atingido, sobretudo, em função de fatores como nível de instrução/cognição, cultura e idade; que podem afetar a qualidade do diálogo estabelecido nas relações humanas (ARAÚJO e LEITÃO, 2012), particularmente, se não houver a sensibilidade para contornar as dificuldades que se apresentarem. Essa não satisfatoriedade da necessidade de comunicação pode também ser influenciada por questões práticas do gerenciamento da unidade. Por vezes, os membros da família gostariam de falar com os profissionais e esclarecer dúvidas, entretanto, médicos e 111 enfermeiros de UTI, por serem responsáveis pelo cuidado de numerosos pacientes críticos, podem não estar disponíveis naquela ocasião desejada. Além disso, muitos familiares tendem a visitar seus parentes à noite e aos fins de semana, quando o médico normalmente responsável por assistir ao paciente está de folga. A soma de todos esses aspectos tende a resultar em informações desencontradas e/ou deficientes acerca do quadro e situação do paciente; o que é motivo de desconfiança e muita confusão para a família. Destarte, a comunicação, para além de uma simples troca de mensagens, compreende um processo complexo e subjetivo de transmissão e recepção de informações, abarcando crenças e valores, experiências e expectativas, percepções e apreensões, por meio de dois tipos básicos de linguagem: a verbal e a não verbal (SKINNER, 1978). O estímulo verbal proferido é dinâmico e bidirecional, evocando naqueles que ouvem respostas apropriadas a algumas das variáveis que afetam aquele que fala. O comportamento verbal (daquela que houve) originado desse estímulo é, pois, reforçado por meio da outra pessoa (aquela que fala), embora não requeira a participação dessa última para que ocorra [quem ouve decide ―como quer ouvir‖ e ―como agir em resposta‖]. Desta maneira, as recomendações sobre o tratamento de uma doença, por exemplo, são esclarecidas e reforçadas pela equipe multiprofissional, no entanto, estarão dependentes da modificação e/ou incorporação de comportamentos pelo paciente (SKINNER, 1978). A linguagem não verbal, por sua vez, é produzida por meio da expressão corporal, permitindo a compreensão e a demonstração de sentimentos de aprovação ou reprovação. É nesse sentido que se faz necessária a correta decodificação de sinais corporais de afastamento, silêncio e insegurança. De maneira semelhante, manter uma postura corporal aberta e disponível, demostrando segurança pelo tom de voz e nos gestos, favorece a comunicação [efetiva e afetiva] (PUGGINA et al, 2014). A comunicação em situações críticas está, pois, para além das palavras, estruturandose em gestos e atitudes; o que exige certa habilidade dos profissionais, que pode vir a ser desenvolvida com a prática e a formação para tal. Nessas circunstâncias de vida e de risco de morte, é fundamental que a fala, a escuta, os gestos, as expressões faciais, os movimentos do corpo, as distâncias mantidas entre as pessoas... representem uma oportunidade de conhecimento e de troca para todos os envolvidos no processo comunicacional (SILVA, 2012). Esse processo deve ser encarado, pois, como uma oportunidade para trocar e discutir ideias ou informações, para dialogar com vistas ao bom entendimento entre pessoas (FERREIRA, 2009). 112 Os fragmentos das entrevistas de EP5 e EP2 lembram que a comunicação adequada e produtiva envolve a linguagem verbal e não verbal: A médica já sabia que ele estava entubado, então ela veio mais tarde e viu o estado em que ele se encontrava. Ela não teve palavras para falar comigo. Ela apenas me abraçou e me disse que estavam recebendo de fora do hospital todas as orientações para o cuidado dele. Eu também não tive mais palavras. (fragmentos da entrevista de EP5) Ela foi atendida muito bem, às vezes a gente nem falava, mas toda a hora tinha alguém junto conosco nos olhando. Acho melhor assim. (fragmento da entrevista de EP2) Quando as palavras falham, o silêncio que vai além das palavras, acompanhado de um abraço fraterno e seu acalento são suficientes para comunicar ―estou contigo, você não foi abandonado, quero dividir o teu sofrimento, participar da tua dor‖. Para isso não é preciso palavras de nenhuma das partes envolvidas. Sentir o olhar que acompanha, que está junto, já é suficiente para transmitir confiança, segurança e apoio... e sempre ―é melhor assim‖. A presença mesmo muda, mas próxima, que toca, que abraça... traz para o cuidado toda dimensão humana, pondo-se disponível para acompanhar e amparar o luto. Claro que nas situações de fim de vida, reuniões e, até mesmo encontros, entre intensivistas e familiares podem ser difíceis, dolorosos e complexos, particularmente quando não houver sido estabelecida previamente uma relação entre estes atores. Mas apesar das dores e sofrimentos conjuntos, esses momentos são necessários para esclarecer sobre a doença e sua evolução, sobre o tratamento e as respostas alcançadas versus àquelas esperadas. Quando essa abordagem é efetuada torna-se possível uma maior compreensão da família sobre as reais chances de cura do paciente, especialmente nas situações em que elas são mínimas; o que tenderá a facilitar a vivência do luto antecipatório, além de minimizar as culpas que poderiam decorrer de um possível ―será que tudo foi feito?‖. Essa é a experiência demonstrada na expressão ―lutar a gente lutou‖. Às vezes tinha reuniões para falar sobre a doença dela, do tratamento, de como ela vinha reagindo, até que ponto ela poderia chegar [...]. Tudo foi programado lá dentro. Só que a gente sabia que as chances dela eram poucas. Lutar a gente lutou. (fragmentos da entrevista EA2) Nos início dos anos 2000, um estudo conhecido como estudo Famirea, efetuado em quarenta e três UTIs francesas, concluiu que 73% dos familiares e 84% dos cônjuges dos pacientes apresentavam sintomas de estresse, ansiedade ou depressão. Tal sintomatologia estaria correlacionada, sobretudo, à ausência de encontros regulares com os médicos para 113 falar da doença e sua evolução, e à ausência de um local próprio em que esses encontros pudessem ser realizados. Outro dado relevante dessa pesquisa foi à percepção da existência de contradições nas informações recebidas (POCHARD et al., 2001). A presença de informações inapropriadas sobre os pacientes também foi relatada em outro estudo, que associou a adequada compreensão da mensagem diretamente com o tempo despendido nos encontros (AZOULAY et al., 2004). Para o que se faz necessário apontar o quanto é necessário que se teça esforços para melhorar esse aspecto, afinal, os sintomas de estresse, ansiedade e depressão vivenciados pelos familiares durante o período da internação na UTI, muitos deles decorrentes de comunicação inadequada, podem perdurar muito tempo após a morte do paciente (ABBOTT et al., 2001). Desta forma, quanto mais clara for à informação ofertada mais segura a família se sentirá em suas decisões e mais confiante no cuidado prestado, como mostra o fragmento: Na maioria das vezes dava para entender. Eu entendia bem os que eles falavam sobre os remédios e os aparelhos [...]. Era porque eu estava lá desde o começo, então eles iam me explicando [...]. (fragmentos da entrevista de EP2) Os familiares precisam ser mantidos informados sobre o que acontece; uma de suas necessidades mais proeminentes é o estabelecimento de uma comunicação clara, honesta e frequente com os membros da equipe que cuidam do seu ente (SANTOS, 2009). Dispor dessa informação é sentir-se parte daquele cuidado, participante das discussões e da tomada de decisão, porque somente quando se sabe o que está acontecendo e como está acontecendo é que se pode decidir sobre o que e como fazer e se ter a certeza do bom cuidado. Tudo certinho... Sempre explicavam tudo. Diziam que estavam fazendo tudo o que podiam e o que estava no alcance deles [...]. (fragmentos da entrevista de EA6) [...] Eles (equipe) me disseram: ―Eu não vou te enganar, ele está muito mal. Está muito difícil. Ele veio muito tarde. Não há mais como combater, a doença avançou muito rápida‖. Eu disse a eles que já sabia, pois vivia com ele [...]. Ele sabia que não voltaria e eu também! (fragmentos da entrevista de EA20) Para tal, a comunicação deve ser realizada mediante a adoção de vocabulário adequado e compreensível aos familiares. O uso de expressões técnicas e gírias da área médica pode impedir que o significado e a intenção de algumas assertivas sejam assimilados adequadamente, o que tende a gerar conflitos e sensação de "abandono" na assistência ao paciente e aos próprios familiares (STAPLETON et al., 2006; CURTIS et al., 2005). Contrariamente, uma linguagem adequada facilita a confiança e o vínculo: 114 Eu não tive problemas em relação a isto. No início eu não entendi muito bem, mas depois ficou mais claro e eu entendi. Eles falavam de forma acessível [...]. (fragmentos da entrevista de EP1) A linguagem sempre foi entendida. Eles sempre disseram para nos o que iriam fazer com ele. Sempre foi explicado para nós o procedimento [...]. A parte técnica eu não avaliei [...]. Até que um dia eu disse: ―tá não precisa falar tanto porque para mim não adianta vocês falarem‖ [...]. As dúvidas que a gente perguntou foram esclarecidas (fragmentos da entrevista de EP3) Por isso, tanto quanto possível, as equipes devem buscar formações e partilhar experiências positivas de como melhorar a comunicação nos espaços de cuidado, especialmente nas situações em que a terminalidade da vida se aproxima. Um estudo desenvolvido na Coréia nos revela que os alunos de medicina após um curso de humanização para em situações de fim da vida, melhoraram suas habilidades de comunicação, diminuindo a própria ansiedade diante da morte e otimizando as ações para uma boa morte (JO e AN, 2013). Nesse ponto, o debate das vivências dentro do hospital e as situações clínicas simuladas se configuram como uma estratégia de ensino sobre a morte e o morrer, que proporcionam aos estudantes um aprendizado para o desenvolvimento da confiança e das competências necessárias ao processo comunicacional (LEIGHTON K, DUBAS, 2009). Por certo, o treinamento de habilidades de comunicação pode ajudar a superar os obstáculos ao eficaz apoio familiar e ao próprio paciente (ADAMS, MANNIX e HARRINGTON, 2015). Se pudésemos ensinar aos nossos estudantes sobre o valor da ciência e da tecnologia, instruindo ao mesmo tempo acerca da arte e do valor do inter-relacionamento, do cuidado humano e total do paciente, talvez sentiríamos um progresso mais real na medicina. Afinal, as reações dos pacientes e de seus familiares em relação à doença dependem, em grande parte, da forma como as informações lhes são comunicadas. Saber compartilhar notícias dolorosas é uma arte que pode ser trabalhada/aprendida (KÜBLER-ROSS, 2008). Diante disso, também parece ser de extrema importância que se incluam disciplinas curriculares que possibilitem o acolhimento das emoções dos próprios alunos, o que, muitas vezes, não é tratado pelo currículo formal, o qual se dedica de modo enfático às questões técnicas, em detrimento das emoções (LEEUW, et al., 2014). Alguns dos pais entrevistados, em dadas situações, ―sentiram ou julgaram‖ um despreparo de médicos residentes ao tratar de seus filhos: 115 Acho que no caso do meu filho quem deveria atendê-lo não seria o residente, mas sim o médico contratado já que o caso dele era muito grave. Porque às vezes o residente vai atender o paciente sozinho e nem sabe o que está acontecendo ali. (fragmentos da entrevista de EP5) O não saber ―o que acontece ali‖ remete a duas condições: por um lado às dificuldades teórico-técnicas em desempenhar o cuidado quando se está aprendendo a fazê-lo, por outro, quem sabe, à sensação de angústia do médico que não sabe o que fazer diante de um paciente que está em ―vias de morrer‖, o que se se expressa em ―no caso do meu filho... o caso dele era muito grave‖. A angústia percebida no residente, quem sabe o ―seu medo‖, são motivos de desconfiança no cuidado prestado (quem sabe uma raiva secreta— associação à fase da raiva diante da morte ―que se tornou possível‖) e poderiam ser aliviados, talvez, por conversas mais realistas, que falassem acerca das próprias dificuldades de aceitar que, às vezes, ―muito pouco de técnico há a fazer‖. Comprovando a importância da boa comunicação nas ocasiões de aproximação da morte evocamos aqui Cicely Saunders, pioneira dos Cuidados Paliativos, e sua célebre frase: ―o modo pelo qual as pessoas morrem permanece na memória dos que continuam vivos‖ (DONCHIN E SEAGULL, 2002). Então, é preciso cuidar da morte tanto quanto se cuida da vida, dar acalento, falar sobre ela e falar por gestos, expressões e palavras. È necessário colocar-se a disposição, abrir os braços e abraçar, segurar na mão e a mão do paciente e de seu familiar; e ao fazer isso, deixar fluir os próprios sentimentos. Essas são formas de se manter uma boa comunicação, aquela capaz de acolher e gerar vínculo. Cabe salientar ainda que esse processo depende fundamentalmente da capacidade de ouvir, razão pela qual, durante os encontros com os familiares e nas discussões sobre a morte e cuidados de final de vida, é necessário que os profissionais aproveitem as oportunidades de aprenderem a silenciar e dar oportunidade ao outro de falar, expressar seus sentimentos, seus pensamentos e emoções; enfim, calar e permitir-se ouvir (STAPLETON. et al.,2006; CURTIS et al., 2005). E ao fazer isso, ser solidário e sensível ao sentimento do outro; não se cuida sem empatia. A única coisa que eu não gostava era de conversar com a [...]. Porque todas as vezes que ela abordava a gente para conversar, aquilo era uma tortura (...). Quando eu via que era ela eu pensava: ―Meu Deus eu não acredito.‖. Sabe a forma como ela te abordava era muito doloroso. Ela não nos conhecia, e a primeira vez que ela conversou com o meu marido ela perguntou na cara dele: ―Como tu te sentes sabendo que a tua filha vai morrer?‖ Bah, isto é um tapa no meio da tua cara sabe?(fragmentos da entrevista de EP4) 116 Os fragmentos da entrevista EP4, bem como as demais entrevistas realizadas com os familiares deste estudo, reforçam a necessidade de que cada vez mais espaços de discussão com as famílias, pacientes e, profissionais façam parte do cotidiano nestas unidades assim como na formação dos profissionais de saúde. Assim, o depoimento anterior nos remete a duas coisas: a primeira delas e mais uma vez, é a empatia e solidariedade na comunicação da má notícia. O momento de falar sobre a proximidade de morte não pode se constituir em uma tortura, não pode representar um sofrimento insuportável; a sensibilidade na fala deve estar presente. Se não cabe iludir, contornando e alienando a família a respeito da possibilidade da morte, também não cabe demover todas as esperanças. E isso quer dizer que falar sobre a morte de um filho é necessário, mas esta fala precisa e deve ser acompanhada de palavras de conforto, carinho, solidariedade... precisa ser acompanhada de um ―assegurar‖ do não abandono, do alívio do sofrimento, tanto mais se for feita logo que há a descoberta da doença fatal. É preciso tempo para viver todas as perdas que a doença e a morte representam e para experienciar as diferentes etapas do morrer de alguém; é preciso tempo para ―se fazer‖ o luto antecipatório. E, por segundo, esse depoimento nos fala, igualmente, a respeito da dificuldade que é receber uma má notícia, e não haveria expressão melhor para tal do que a colocada por esta mãe: é ―um tapa no meio da tua cara‖. Claramente, essa família está em plena vivência da dor da perda que já lhes é real, e o desejo de querer saber ―como tu te sentes sabendo que tua filha vai morrer‖, apesar de representar uma tentativa de acessar e partilhar a dor daquele pai significou para eles a materialização da ―cruel realidade da impossibilidade de evitar aquela morte‖. Portanto, há também nesse depoimento a expressão de duas das fases da vivência da morte: a negação e a raiva. No momento em que o profissional assume que o pai ―sente algo porque sabe que a morte da filha está chegando‖ e verbaliza isso, aquele contexto impede que esse mesmo pai continue negando essa aproximação para si mesmo e em suas fantasias, o que por sua vez, leva a ―certa raiva‖ de quem afirma essa possibilidade, como se esse profissional fosse ―o culpado‖ por sua ocorrência no momento em que a torna palpável. A angústia de ser atendida por aquele profissional pode decorrer da abordagem pouco solidária do ponto de vista desses pais, mas também porque ―ele‖ tornou a morte real, e isso é torturante, isso é doloroso. Quem sabe se houvesse uma comunicação mais lenta e com uma identificação das fases de vivência da morte em que essa família se encontra, a abordagem poderia ser otimizada. Uma pesquisa sobre a comunicação médico-família em ambientes de cuidados paliativos descobriu que os membros da família são muitas vezes ambivalente sobre o que 117 eles realmente querem saber do quadro do paciente e, ainda, que eles têm dificuldade em aceitar as "más notícias" (CHERLIN et al., 2005). Isso é até mais forte quando se está em uma UTI, crendo na possibilidade da cura, mesmo que mínima. Destarte, os fragmentos da entrevista EP4 e das demais entrevistas dessa pesquisa, reforçam a necessidade de que, cada vez mais, os espaços de discussão entre familiares, pacientes e profissionais façam parte do cotidiano das UTIs e dos cursos da saúde; e que sejam também espaços para o aprendizado de melhores formas de comunicação. È convivendo com a morte de braços abertos que se pode aprender com ela e sobre ela. Ressalta-se igualmente e mais uma vez a relevância tanto da verdade na condução da comunicação, quanto de que os intensivistas e demais profissionais busquem um entendimento mais profundo sobre a dialética que envolve sua própria morte; para a partir daí haver um manejo competente e maduro da morte do paciente fora de possibilidades terapêuticas (PINTO, 1996). No caso da abordagem da própria criança que está morrendo, duas regras parecem ser importantes na comunicação. A primeira é que a verdade não deve ser apresentada de forma macabra, afinal, o espaço da terminalidade não é uma câmara de horrores. A segunda, é que a mentira precisa ser banida desse cenário, simplesmente porque não há, definitivamente, espaço para ela, independente da faixa etária dessa criança. A mentira, ainda que caridosa e humanitária, enfraquece a confiança depositada em quem cuida. Embora, muitos pais não admitam que seus filhos saibam de toda a verdade; preferindo continuar a esconder sua tristeza através de uma fisionomia falsamente alegre, justificando que assumem essa postura em benefício da própria criança; essa mesma criança percebe a tal realidade camuflada. Assim, entra nesse jogo de fingimentos, passando a também fingir (PINTO, 1996), e isso inviabiliza que ela realize suas despedidas ou que manifeste seus verdadeiros sentimentos e emoções, particularmente por medo de fazer os pais chorarem. Igualmente, esse jogo de fingir e acreditar impede um falar acerca do depois da morte, do que poderá acontecer, de como será esse momento, se ela acontece na solidão... Com isso, tolhe-se dessa criança a oportunidade de falar sobre o que ela no ―fundo‖ já percebe, ou seja, o fato de ―estar difícil permanecer o lado dos pais‖; e ao não se falar sobre isso se cede lugar, muitas vezes, à dor e ao sofrimento sem perspectivas. A questão é que somente quando as famílias choram a morte ―juntas‖, somente quando relembram ―juntas‖ as etapas e vivências alegres, o processo de perda é mais facilmente superado. Se os parentes puderem folhear álbuns, lembrar lugares onde passaram as férias e outros pequenos acontecimentos, rir e chorar juntos, sempre que for possível; isso poderá 118 ajudar as crianças no período de luto (KÜBLER-ROSS, 2015), mesmo em relação à própria morte. O depoimento em sequência revela que existe uma tendência da família em esconder a aproximação da morte e os sentimentos que vivenciam, da criança que está morrendo: Eu nunca fui de chorar na frente dele, sempre que eu queria chorar saia para dar uma volta, chorava e voltava. Não podia demonstrar, pois ele me encarava muito, olhava nos meus olhos. Eu sei que precisava ser sincera com ele [...]. Dizia que ele não estava muito bem, mas que a situação melhoraria. Eu dizia para ele: ―a mãe está aqui e está vendo o que eles estão fazendo, fique forte‖ [...]. É pior por que tu vês o que está acontecendo. Mas, eu sempre procurei manter a calma perto dele, pois como ele já estava com [...] anos ele entendia as minhas expressões, e eu estava percebendo que o quadro dele era muito difícil, afinal ele era um paciente de UTI [...]. (fragmentos da entrevista EP5) Ao cuidar desses pais em vivência do luto antecipatório é preciso considerar que, de modo geral, a existência de menor número de filhos nas famílias tem intensificado os vínculos entre pais e filhos, particularmente com as mães. Ao mesmo tempo, em nossa sociedade, diferentemente de sociedades mais antigas, a expectativa da morte de crianças é bem menor, de forma que é muito difícil aceitá-la. Parece, então, que a menor idade contribui para reações de pesar mais intensas. Assim, problemas tendem a ocorrer se a família não consegue mencionar entre si o termo morte, se fingi que as coisas podem prosseguir como se o morrer não estivesse de fato acontecendo, ou ainda, se parar de expressar calor e afetividade em relação àquele que morre (PARKES, 1998). Aos profissionais cabe, pois, incentivar os pais a expressarem seu luto junto à própria criança, porque, por mais que tentem esconder, disfarçar, o ―olhar profundo, o olhar nos olhos‖ da criança capta a dor da perda, ela sabe que algo não vai bem com ela e que aquilo está ―magoando a mãe ou o pai‖; e isso pode inclusive, levá-la a sentir se culpada por estar doente. De fato, a tendência é que aqueles que estão ao redor suprimam a expressão do luto antecipatório, mesmo quando sabem que o outro, o seu familiar está morrendo, e fazem isso por medo de magoar aquele que morre. Entretanto, quando optam por partilhar a experiência de morte e falar sobre isso [mesmo com as crianças], apesar da inevitável tristeza, tendem a olhar para esse período de luto antecipatório com maior satisfação; o que contrasta com os desgastes decorrentes do ―esconder da verdade‖ (PARKES, 1998), do ―chorar lá fora, escondido‖ e voltar com os olhos roxos e inchados... isso é captável e perceptível pela criança. Quanto a nós profissionais ―A ajuda mais significativa que podemos dar a qualquer parente, criança ou adulto, é partilhar seus sentimentos antes que a morte chegue, deixando que enfrente estes sentimentos, racionais ou não‖ (KÜBLER-ROSS, 2008, p. 185). Também cabe a nós ajudá-los a expressar suas emoções junto àquele que morre, enquanto isso, 119 devemos estar por perto, estar a disposição, deixar chorar, falar, gritar, silenciar....mas estar a disposição sempre, falar sobre a doença e a morte claramente, de modo empático, sem palavras técnicas; estar junto pela proximidade também é uma forma de participar a família ―estou aqui contigo‖, conforme demonstrado no depoimento: [...]. A única coisa que eu avaliei é que dois médicos passavam lá todas as manhãs, e sempre o enfermeiro chefe estava lá direto [...]. As dúvidas que a gente perguntou foram esclarecidas [...]. (fragmentos da entrevista de EP3) Sem dúvida, o processo de escuta e presença, conforto e consolo, de forma acolhedora e não invasiva, auxilia na transformação psíquica dessa experiência dolorosa durante a iminência da morte. Por outro lado, quando não existe um trabalho de acolhida da angústia frente à morte, por intermédio da boa comunicação, estimula-se sentimentos de negação da finitude e uma dificuldade de sua aceitação (OLIVEIRA, SANTOS e MASTROPIETRO, 2010). Deste modo, quanto mais clara, empática e solidária for a forma de comunicação adotada, mais clara será a compreensão da assistência prestada e da impossibilidade de se evitar que a morte aconteça naquele momento, aceitando-se isso. Contrariamente, informações incompletas e em linguagem imprópria tem o efeito reverso. Os depoimentos a seguir falam desse preparo para a aceitação da morte ou das confusões que podem decorrer de uma comunicação insuficiente: Pois é, às vezes nós não entendemos. Eu até hoje não fiquei sabendo se o câncer dele estava somente no estômago ou no intestino também. Eu não entendi bem [...]. (fragmentos da entrevista de EA9) Era fácil de a gente entender (...). Eles (profissionais) se policiavam para cuidar o que eles iriam falar para que a gente entendesse sabe? De forma que a gente entendesse bem aquilo. E se em algum momento a gente não entendia eles explicavam melhor para nós. (fragmentos da entrevista de EP4) Eu lembro que cheguei ao hospital, o médico veio me encontrar e me disse taxativo: ―O [...] está no fim. Aproveita, entra e fala o que tu tens para falar, te despede porque não tem mais volta. Não sei se é questão de horas ou minutos‖ [...] Aí eu entrei, rezei e conversei com ele e disse para ele que ele podia partir enquanto eu estivesse lá [...]. E tive a certeza de que ele estava morrendo. (fragmentos da entrevista de EA12) [...] Era possível compreender tudo o que eles falavam. Até mesmo porque ele foi morrendo e os órgãos parando aos poucos [...]. Nós já estávamos esperando e eles (a equipe) nos prepararam para isto [...]. (fragmentos da entrevista de EA 15) 120 Como já destacado, em se tratando de trabalho com a morte, a habilidade e a capacidade de falar e de ouvir deve ser desenvolvida por toda a equipe assistencial, lembrando que essa comunicação efetiva é a base para uma assistência humanizada (BROCA e FERREIRA, 2012). Todo assunto sensível, delicado ou difícil, deve igualmente ser abordado de maneira sensível e delicada, de forma que possa ser entendido adequadamente, sem pressa, num ambiente acolhedor, com poucos ruídos e mínimas interferências. Uma boa comunicação é capaz de afetar positivamente aquele que sofre (STUART, ÁVALO e ABREU, 2001). Para que isso se torne plausível, cada ser humano deve ser encarado como um indivíduo único, com necessidades específicas, com uma autonomia que lhe é própria. Nesse sentido, somente um diálogo aberto e comprometido pode facilitar a interação entre quem cuida e quem é cuidado (FORTES e MARTINS, 2000). Destaca-se que é preciso ter em mente que, por mais explícita que tenha sido a informação, diante de uma má notícia, ninguém consegue reter tudo o que foi dito, e que nenhuma má notícia se transformará em boa notícia, independente do ―como‖ for dada. Deste modo, a forma como colocada deverá receber atenção redobrada. Paciente e familiares precisarão clarear o significado da informação que lhe foi dada, sem receio de expor os seus temores, em relação a experiências prévias que tenham vivido ou com as quais tenha tido contato. Os depoimentos em sequência falam dessa atenção do profissional diante da morte e de sua presença ao lado do familiar: Os enfermeiros que conheciam meu pai lá da UTI ficaram bem emocionados quando comentei com eles que ele havia falecido. Ele tinha amigos lá no hospital [...] às vezes o que tu queres quando vens para cá é alguém te dizendo: ―Oi tudo bem?‖. Um sorriso no rosto. Isto é um grande conforto! (fragmentos da entrevista de EA5) Depois que ele internou na UTI e fez à cirurgia ele não conversou mais comigo. Ficou sedado o tempo todo [...]. Eu vim na visita da noite. O médico se aproximou e disse para que eu ficasse ali com ele, conversando. Ele estava sedado. Estava gelado e inchado. Suas mãos estavam inchadas. O médico me explicou que o [...] teria pouco tempo de vida, horas. As enfermeiras me deixaram ficar. Depois eu fui para minha casa. Quando chegou as 23horas, ele morreu [...]. (fragmentos da entrevista de EA9) O que me conforta foi ele ter vindo para a UTI. Eu acho que eles sofriam, mas não podiam demonstrar. Conforta saber que ele estava bem cuidado. Eu percebia e isto conforta. Era como se eles dissessem: ―Nós vamos te ampara até morrer, vamos cuidar de ti até o fim da vida‖. Isto conforta quem vai perder alguém. O que não conforta é o descaso, a falta, a incompetência, o sofrimento. (fragmentos da entrevista EA17) Sem dúvida, o acolhimento no cuidado à família na UTI está ligado ao receber bem e à escuta no atendimento as suas necessidades. É mais do que uma escuta apenas por escutar, é 121 uma escuta interessada, que não se limita à recepção das pessoas à porta dos serviços de saúde, mas pressupõe uma contínua identificação dos problemas e a proposta de intervenções resolutivas. É uma escuta sensível, interessada em de fato ouvir o outro, conhecê-lo, entendêlo. Portanto, a comunicação permeia todas essas ações de cuidado e todas as dimensões do ser humano. Sendo assim, é inquestionável o valor desta ferramenta na prática assistencial em saúde. Ela está alavancada na confiança entre aqueles que cuidam e aqueles que são cuidados; e pautada nos sentimentos e interesses daqueles que precisam desses cuidados. Essa confiança se fundamenta, se desenvolve e se aprende no cotidiano do trabalho, no contato com aquele que é cuidado. Os depoimentos em sequência falam acerca desse aprendizado com e a partir do cotidiano do trabalho, mediante escuta das necessidades da família perante a morte de seu familiar: Eu estava no hospital Conceição quando o médico veio me dizer que meu esposo havia falecido [...]. Quando eu coloquei o roupão e entrei no quarto para vê-lo, soaram os alarmes dos aparelhos. Eu fiquei ao lado dele. A enfermeira pediu para que eu saísse para que pudessem levar o corpo [...] Pediram que eu saísse de volta do corpo dele, que eu esperasse lá fora até arrumarem o corpo. Mas, eu disse que não sairia e que eles tirassem o corpo dele somente depois da minha despedida. Eles saíram, e foi assim, eu dei um beijo na testa dele, no rosto dele e me despedi [...]. (fragmentos da entrevista de EA1) A médica disse: ―Não adianta mais fazer a medicação a gente tentou tudo o que podia‖ [...]. Pararam com a medicação, era questão de tempo [...]. Eu pedi para ficar sozinha com ela já que ela estava indo. A enfermeira me perguntou se eu queria segurar ela no colo e eu disse que não [...]. É castigado, assim sabe, de tu veres aquilo tudo. É muito doloroso tu veres uma criança tão pequeninha passar por tudo aquilo sabe?(fragmentos da entrevista de EP4) [...] Eu pedi: ―Se ele vai morrer, coloquem o oxigênio no mínimo. Não havia mais o que fazer, só esperar‖ [...]. (fragmentos da entrevista EA7) O adeus simbólico ao corpo morto, o beijo na testa ou o momento em particular com aquela criança que se despedia da vida e dos seus, o pedido de que a morte não seja prolongada desnecessariamente dentro da UTI, somente foram passíveis de atenção porque o profissional que ali se encontrava escutou os desejos dos familiares e suas necessidades (permitiu-lhes o exercício da autonomia), particularmente em termos de realizar os rituais que acompanham o morrer; porque aquele profissional foi sensível a essas necessidades e permitiu que elas se concretizassem. Isso é ouvir com o coração, ser solidário e empático ao cuidar e ao se comunicar. É acolher a dor do outro, abraça-la, confortá-la... É permitir que o luto inicial se manifeste e seja acalentado. 122 Existem muitas circunstâncias, no entanto, em que a comunicação processada entre família, equipe e paciente é insuficiente, e as informações ofertadas incompletas e de difícil entendimento. Diante disso, os familiares tendem a apresentar, com maior incidência e frequência, sintomas relacionados à síndrome do estresse pós-traumático, mesmo após a alta ou óbito do paciente. Em um estudo multicêntrico, Azoulay et al (2005) nos apontam que muitos familiares de pacientes internados nas UTIs do estudo ponderaram que as informações ofertadas durante o período da internação não foram suficientes, sendo estas incompletas e de difícil entendimento. O estudo revela que estes familiares apresentaram com maior intensidade e frequência à síndrome do estresse pós-traumático que perdurou até 90 dias após a alta ou óbito se seu familiar. Lembrando que os autores relacionaram diretamente o aparecimento da síndrome com a qualidade de vida e com a morbidade dos pacientes, da mesma forma que associaram a clareza das informações e do boletim médico ofertado pelas UTIs. Neste estudo, a comunicação inadequada/insuficiente também foi lembrada pelos entrevistados: Ele foi para a UTI e eu só pude vê-lo no dia seguinte. Fui lá com a esperança de ver meu pai acordado, e nunca mais [...] sempre entubado, sempre sedado [...]. Eu tinha um monte de perguntas na minha cabeça e eu queria as respostas, mas não tive [...]. Aí eu não sabia se aquilo estava certo ou não, mil preocupações: se estavam medicando, se estavam limpando, esperava que alguém me contasse. (fragmentos da entrevista de EA6) Depois de muito insistir, eles passaram a me dizer a verdade. Que ele não voltaria mais. Não voltaria mais a se mexer, a falar, mas também não teria dor. [...]. (fragmentos da entrevista EA7) As inúmeras perguntas que acompanham uma internação em UTI, as dúvidas sobre o cuidado prestado, sobre a medicação, a higiene e o conforto, sobre tantos aparelhos ligados àquele corpo, sobre o bem-estar de um de seus membros querido, enfim, as inúmeras interrogações e preocupações do familiar às vezes ecoam no vazio, ficam sem respostas, simplesmente porque ele sequer tem a oportunidade de fazer as perguntas, de verbalizá-las; tendo em vista que, por vezes, os profissionais tem dificuldade de se aproximar, especialmente daqueles que sabem estar acompanhando a morte de uma pessoa que lhe é muito cara, alguém que lhe é muito especial. Essa dificuldade, em algumas circunstâncias, leva a um afastamento, porque é difícil acompanhar a morte, muitos se sentem incapazes para tal, não sabem exatamente o que falar ou como falar, preferem olhar de longe, manterem-se distantes fisicamente para envolverem-se menos emocionalmente; ainda que, no fundo, isso não seja de todo possível. 123 Do ponto de vista da equipe de saúde alguns fatores se associam para dificultar a comunicação adequada, entre os quais: desconforto da equipe com a incerteza sobre tratamentos e prognósticos, sentimentos de impotência, e a inclinação natural para evitar interagir com a aflição das pessoas; tudo isso tende a levar o profissional a fugir do contato com os membros da família, estabelecendo-se um ciclo de angústia e evitação (GOEHRING et al., 2005). Mas apesar dessa dificuldade dos profissionais os familiares ao adentrar no mundo tecnológico da UTI precisam e querem receber informações sobre: medicamentos em uso, sinais vitais, procedimentos cirúrgicos a serem realizados, testes, exames e procedimentos que já foram realizados (AL-MUTAIR et al., 2014a), cuidados que estão sendo desempenhados, sobre qual é realmente o prognóstico, se todas as alternativas de tratamento foram de fato esgotadas, qual o tempo que resta de vida e o que poderemos fazer para viver da melhor forma possível. As famílias desejam informações sobre o equipamento técnico, fios e tubos ligados ao doente, seu significado nos monitores (AL-MUTAIR et al., 2014a), se o sofrimento está sendo aliviado, sobre como podem se comunicar com seu familiar, se ele pode ou não escutálos. E querem que essas informações sejam claras, verdadeiras, mas solidárias, corteses. Ao mesmo tempo, desejam que elas estejam mais acessíveis, que não seja preciso ―insistir muito‖ para finalmente tê-las. Não satisfazer essa necessidade é negar a essas famílias a possibilidade de relaxarem em relação ao cuidado que vem sendo prestado, é negar-lhes a possibilidade de sentirem-se confiantes e vinculadas a uma equipe, é negar-lhe um cuidado sobre o qual nutrem inúmeras expectativas. Sabe-se que a não informação acerca do prognóstico dos seus familiares doentes gera sentimentos intensos e profunda ansiedade e estresse nas famílias (AL-MUTAIR et al., 2014a), por isso, as equipes precisam trabalhar os seus medos e anseios em relação ao paciente que morre e se aproximar, colocar-se a disposição, estar junto desses familiares. Seguramente, o apoio informativo a tais indivíduos tem um potencial significativo para reduzir o seu sofrimento psicológico, permitindo-lhes lidar melhor com a situação e ofertar um apoio mais consistente ao próprio paciente (BAILEY et al., 2010). No referente à comunicação de más notícias, normalmente, cabe ao médico assumir esse papel de falar sobre a aproximação/a possibilidade da morte de seus pacientes aos familiares e aos próprios doentes; particularmente no Brasil, há pouca ou nenhuma participação dos demais membros da equipe multiprofissional nessa conversa. Em contrapartida, esses mesmos médicos, muitas vezes, não se sentem preparados para 124 semelhante tarefa, e no fim das contas, acaba que esse tema é uma tarefa de ninguém, na medida em que todos se preocupam em manter a vida, adiando tanto quanto possível esse falar da morte (KOVÁCS, 2011). Para as próprias famílias aceitar que a realidade da morte ―bate‖ a porta do leito hospitalar é muito difícil, especialmente no caso de crianças, quando a vida parece sempre ser tolhida cedo demais... O sentimento de injustiça e a dor são muito grandes. Os depoimentos a seguir falam sobre as circunstâncias que tornam a comunicação da má notícia difícil e até mesmo sofrível ao profissional: Nenhuma mãe espera que seu filho morra. Todas as mães que estavam naquela UTI não queriam perder seus filhos. Tive um pouco de conforto quando uma das enfermeiras veio conversar comigo e me explicou que se ele sobrevivesse teria muitas sequelas. Depois desta fala pensei que se era para ele viver em cima de uma cama era melhor que Deus levasse ele. Foi importante aquela conversa para mim, pois a gente vê tanto sofrimento que a gente acaba se conformando [...]. Fui para casa dormir um pouco. Minha tia ligou avisando que ele tinha piorado muito. Quando eu cheguei na UTI ele já tinha morrido. (fragmentos da entrevista de EP1) Eles ligaram para nós avisando que o coração dele estava parando, estava bem fraquinho [...]. Aí ele disse: "Oh o [...] está em uma situação muito crítica só por um milagre para ele se salvar‖. Eu perguntei quanto tempo ele tinha de vida, ela respondeu: ―Minutos‖. Aí eu conversei com ele um pouquinho e ele parou, a máquina parou. Mas, eu tenho um sentimento, não sei se a máquina parou na hora, ou se ele já tinha falecido também. Mas não importa, o importante foi o que aconteceu: ele morreu. (fragmentos da entrevista de EP3) Em um estudo realizado por Pinto (1996), o autor refere que, em se tratando de crianças, duas regras que conduzem o modo de se comunicar com a criança e seus familiares. A primeira é que a verdade não precisa ser exposta de forma trágica, uma vez que os momentos vivenciados com o fim da vida não devem ser transformados em uma ―câmara de horrores‖. A segunda regra é que não há definitivamente lugar para mentira neste cenário independente da faixa etária da criança. O autor nos diz que a mentira, ainda que caridosa e humanitária, diminui a autoridade do pediatra e enfraquece a confiança nele depositada. O relato abaixo reafirma este pensamento: A médica disse: ―Não adianta mais fazer a medicação a gente tentou tudo o que podia‖ (...). Pararam com a medicação, era questão de tempo (...). Eu pedi para ficar sozinha com ela já que ela estava indo. A enfermeira me perguntou se eu queria segura ela no colo e eu disse que não (...). É castigado, assim sabe, de tu veres aquilo tudo. É muito doloroso tu veres uma criança tão pequeninha passar por tudo aquilo sabe? (fragmentos da entrevista de EP4) 125 A comunicação em situações difíceis requer que os profissionais de saúde estabeleçam um modelo de prática centrado no acolhimento dos pacientes e de suas famílias. Para Oliveira e Silva (2010), trata-se, pois, de um aspecto fundamental para intermediar as relações humanas, promover a sustentabilidade e a consolidação da autonomia, diante das perspectivas individuais, e traduz- se como um elemento diagnóstico e terapêutico, capaz de identificar demandas assistenciais e acolher terapeuticamente, proporcionando fortes vínculos dos enfermeiros com os pacientes na finitude de vida e com sua família. Para as famílias, realmente existe uma dificuldade considerável em desistir dos investimentos, em aceitar que não há possibilidade de cura, não há mais como reverter a doença e as incapacidades que ela causou no seu familiar querido. Nesse contexto de sofrimento, dor, desesperança e impotência é que a má notícia tem de ser dada. Isso, de um modo geral, é difícil também ao profissional que, na verdade, muitas vezes partilha desses mesmos sentimentos de não aceitação daquela morte, embora, tecnicamente saiba que não há como evitá-la. É preciso que os profissionais aprendam muito pela convivência junto aos ―moribundos‖ (adultos, idosos, crianças, bebês...) antes de chegarem a um nível de maior compreensão da morte e das perdas que ela impõe, antes de adquirirem a capacidade de falarem sobre a morte sem escamoteá-la, mas acompanhando-a verdadeiramente, antes de devolver a ela a naturalidade que há muito já não lhe pertence. Isso quer dizer que para que o médico e demais membros da equipe consigam efetuar a comunicação da má notícia de uma forma mais apropriada, é preciso que adquiram consciência de seus limites curativos e aprendam a tratar o paciente como ―sujeito‖ durante o seu processo de morrer. Somente assim, tais profissionais se sentirão mais seguros para falar sobre a morte com todos os demais atores envolvidos nesse processo. As falas deverão ser honestas e humanas, respeitando o tempo que cada um necessita para processar essas informações. Logo, é importante que essa comunicação seja feita por um médico preparado não apenas tecnicamente [se possível com a ajuda de outro profissional], mas eticamente e que, de preferência, esse profissional seja o mesmo ao longo da internação (MORITZ, 2007). Da mesma forma, em uma pesquisa realizada por Andrade, Costa e Lopes, (2013), ficou evidente a relevância da comunicação como uma estratégia fundamental para respaldar a prática clínica dos enfermeiros direcionada ao paciente em fase terminal. A relação contínua médico/paciente colabora na melhoria da qualidade do serviço de saúde, porém, em contrapartida, a rotatividade de profissionais no atendimento, muitas vezes associada a problemas institucionais, dificulta a humanização do atendimento, na proporção em que reduz a possibilidade do vínculo. É a continuidade do vínculo que permite ao médico 126 conhecer melhor a história do paciente e de sua família, e por consequência, realizar um atendimento mais individualizado e humanizado (BUETOW, 1995). O depoimento abaixo fala dessa rotatividade: Na semana que minha mãe morreu eles trocaram o médico que cuidava dela– acredito que eles trocam a cada mês, não sei [...]. O médico havia dito que o único órgão da minha mãe que não estava funcionando com ajuda de aparelhos era o coração, o resto todo já estava funcionando por aparelhos. E, desejava saber o que nós queríamos fazer. Disse a ele que era uma pergunta muito difícil e que eu não saberia responder. Mas que, antes da minha mãe ir para a UTI, nós havíamos dito que não queríamos ver a nossa mãe viva somente por estar ligada a aparelhos. Não deu tempo, ela morreu naquela noite. (fragmentos da entrevista de EA11) Percebe-se no fragmento anterior que o vínculo é comprometido ou prejudicado quando há a mudança de médicos responsáveis pelo tratamento, o que costuma ser comum em hospitais escola; essa rotatividade profissional faz com que haja um desconhecimento das vontades daquela família e mesmo um acerta desconfiança dessa mesma família acerca do cuidado ofertado. Há uma dificuldade em pedir ao profissional o que seria melhor do ponto de vista técnico e de prognósticos médicos, porque não existe ainda confiança suficiente para isso. Nessa condição, as perguntas se tornam mais difíceis de responder. O que pode auxiliar é nas decisões é certamente as conversas prévias mantidas com o próprio doente ou com os demais membros da família. Em tais circunstância é necessária uma ―comunicação aberta, seguida da escuta e cumprimento dos desejos do moribundo, o que depende basicamente da atuação das pessoas com que este se relaciona‖, ou seja, a equipe médica e os parentes (MENEZES, 2004, p. 41). Ainda em termos de boa comunicação, reconhece-se que essa é uma estratégia fundamental também para enfermeiros dedicados ao cuidado de pacientes em fase terminal (ANDRADE et al., 2013). No caso desses profissionais, têm sido incluídos entre os facilitadores ou dificultadores de uma boa comunicação os seguintes fatores: a crença religiosa, a atitude de enfrentamento diante da morte e a existência prévia de capacitações em termos de comunicação (WILKINSON, 1991). Convém salientar igualmente, ser imperativo que a boa comunicação tenha aspecto contínuo; que receber bem, ouvir e atender às necessidades dos familiares sejam ações desempenhadas em todos os contatos com os familiares na UTI e, portanto, por todos os profissionais envolvidos no cuidado (OLIVEIRA e NUNES, 2014) Sob esse olhar, a comunicação é um método fundamental para o cuidado integral e humanizado porque, por 127 meio dela, é possível reconhecer e acolher, empaticamente, as diferentes necessidades do paciente e de seus familiares. Quando essa continuidade não se processa é possível que a morte seja comunicada tecnicamente e o enlutado abandonado sozinho em uma sala, sem apoio, sem proximidade, sem alento, sem cuidado par a sua dor; totalmente vulnerável. Como demonstrado nos depoimentos: Ele apenas me disse que ela estava morta [...] a explicação que ele me deu é que ela tinha tido uma arritmia muito forte e que os batimentos cardíacos ficaram muito fracos [...] eu não vi a minha mãe. Só fui vê-la na capela mortuária [...]. Eu sei que quando uma pessoa morre não há muito que dizer, não tem uma maneira que possa amenizar, mas eu fiquei lá sozinha. Ele me deu a notícia e me mandou sair [...]. (fragmentos da entrevista de EA16) Quando eu coloquei o roupão e entrei no quarto para vê-lo, soaram os alarmes dos aparelhos. Eu fiquei ao lado dele. A enfermeira pediu para que eu saísse para que pudessem levar o corpo. Mas, eu disse que não sairia e que eles tirassem o corpo dele somente depois da minha despedida. Ela saiu do quarto e eu me despedi. (fragmentos da entrevista EA1) Se não há o que dizer diante da morte, há o que fazer: dispor-se a estar junto, a acompanhar, a abraçar, até mesmo a chorar junto, mas não a abandonar aquele que experiencia a dor da perda ao isolamento e a solidão num momento que é de entorpecimento, de desejo de fuga, de revolta talvez, de choro, de culpa. É louvável quando o cuidado humano se apresenta como uma estratégia no sentido de possibilitar maior integralidade do cuidado à saúde haja vista que a humanização. A relação contínua médico/paciente colabora na melhoria da qualidade do serviço de saúde, em contrapartida a rotatividade de profissionais no atendimento, o que muitas vezes ocorre enquanto um problema institucional dificulta na humanização do atendimento. A continuidade do vínculo permite ao médico conhecer melhor a história do paciente e de sua família e a realizar um atendimento mais humanizado (BUETOW, 1995). Comunicação, portanto, permeia todas as ações do cuidado e todas as dimensões do ser humano. Sendo assim, é inquestionável a importância desta ferramenta na prática assistencial em todos os campos da saúde A comunicação deverá estar alavancada na confiança entre aqueles que cuidam é pautada nos sentimentos e interesses daquele que precisam de cuidados. Essa confiança se fundamenta, se desenvolve e se aprende nas ações comunicativas no cotidiano do trabalho. 128 4.2.3 ―E, chegou ao fim‖: a perda na UTI - morte (in)esperada e elaboração do luto Já posso partir! Que meus irmãos se despeçam de mim! Saudações a todos vocês; começo a minha partida. Devolvo aqui as chaves da porta e abro mão dos meus direitos na casa. Palavras de bondade são o que peço a vocês, por último. Estivemos juntos tanto tempo, mas recebi mais do que pude dar. Eis que o dia clareou e a lâmpada que iluminava o meu canto escuro se apagou. A ordem chegou e estou pronto para a viajem. (TAGORE, sd) O cotidiano dentro da UTI é muito intenso; os tratamentos são intensos, os riscos, emoções, o trabalho e também a esperança. É dentro destas unidades que se faz necessário criar canais de escoamento dessas intensidades e embora, o foco primário de atendimento seja o paciente, é preciso também acolher a esta equipe apressada e os familiares angustiados (SIMONETTI, 2011). Palavras de bondade, gestos carinhosos, direito à despedida, tempo para estar junto do seu, tempo para realizar a despedida, para dar o adeus, no silêncio, com palavras, com choro... Tempo para ouvir e cuidar também (d) aqueles que assistem em meio ao sofrimento, a dor e a esperança, às vezes vencida. Tempo para falar da morte e da vida, para acolher a morte e a vida, para cuidar da morte e da vida. A terceira categoria diz respeito à perda e a morte. A análise desta categoria permitiu a reflexão de como as famílias do estudo elaboraram seu luto a partir das suas vivências dentro das UTI, bem como ocorreu à comunicação do óbito e, se a morte, era um evento esperado. As perguntas norteadoras desta categoria foram: Onde foi comunicada a morte do seu familiar? Em sua opinião, o local da conversa foi adequado? A morte do seu familiar era um evento esperado? A morte foi um assunto conversado com você antes dela ter ocorrido? Na cultura ocidental, a morte, represente uma das formas mais traumática em relação ao sentimento de perda. Contribuindo para isto, os avanços tecnológicos da medicina nos dias atuais contêm em si duas faces: a primeira, da possibilidade de um prolongamento maior da vida, e a outra, de um alongamento do sofrimento e da espera da morte que está por vir; o que pode ser, por sua vez, um causador de intenso sofrimento emocional para os moribundos e seus familiares, às vezes, para os profissionais que cuidam deles. Poderíamos pensar que, do nosso alto grau de emancipação, nosso conhecimento da ciência e do homem nos proporcionam melhores meios de nos prepararmos para a morte que é inevitável. Mas ao contrário, estão longe os dias em que era permitido a um homem morrer 129 em paz e dignamente em seu próprio lar. Quanto mais avançamos na ciência mais tememos e negamos a realidade da morte. Recorremos a eufemismos, fazemos com que o morto pareça adormecido; mandamos que as crianças saiam, para protegê-las da ansiedade e do tumulto que acompanham a doença; impedimos que as crianças visitem seus pais que se encontram à beira da morte nos hospitais; sustentamos discussões longas e controvertidas sobre dizer ou não a verdade ao paciente (KÜBLER-ROSS, 2008). São inúmeras as perdas com que o ser humano se depara no transcorrer da vida: o final da infância, o fim de um casamento ou de uma amizade, a aposentadoria, as limitações físicas impostas por uma doença ou pela idade. Mas ainda que o homem, no transcorrer da sua história, possa lidar com as perdas que a vida lhe traz, não pode aceitar a perda maior que é o próprio fim da vida. Por conseguinte, nega a morte subjetivamente, ainda que ela se imponha de modo objetivo e irrecuperável pela parada dos batimentos cardíacos, pelo corpo que esfria, pela vida que se dissipa (VIORST, 2011). ―Há muitas razões para se fugir de encarar a morte calmamente. Umas das mais importantes é que, hoje em dia, morrer é triste demais sob vários aspectos, sobretudo é muito solitário, muito mecânico e desumano‖ (KÜBLER-ROSS, 2008, p. 12). Na cultura ocidental, a morte, representa uma das formas mais traumática da perda, e traz com ela a sensação de um vazio, de solidão e abandono. Os hospitais (e em especial as UTIs), lugares privilegiados para a morte em nossos tempos, traduzem, em certa medida, a dimensão da impessoalidade e da solidão ao morrer. Cada vez mais, a morte encontra um moribundo apartado dos seus, sozinho em um leito hospitalar ou acompanhado de alguém igualmente amedrontado, pesaroso, enfurecido ou deprimido com tal aproximação (o familiar); que sofre com as diversas perdas que aquela morte acarretará; sem, contudo, preparar-se (ou ser preparado) para ela. A morte de um familiar impõe uma reflexão e um questionamento necessário em relação à sua vida, a valores, a crenças e sobre revolta diante da perda. Neste momento de vida, passado e futuro parecem estar suspensos em mundos distintos e o sujeito precisa obter forças internas e externas para transpor esta distância que separa estes dois mundos. Neste árduo caminho, coisas do passado devem ser abandonadas, afastadas, desligadas da vida da pessoa e outras coisas podem ser usadas como base para a construção do futuro (VIORST, 2011). Obviamente, os familiares ignoram o que esperar quando um dos seus entes queridos está internado dentro de uma UTI; existe um turbilhão de sensações. Muitos sentimentos e emoções afloram neste período; diversos indivíduos sentem ou sentirão tristeza, raiva, defensividade e medo, nomeadamente, quando a irreversibilidade do quadro do paciente é 130 estabelecida e a morte torna-se o desfecho esperado. Como uma eterna desconhecida, ela remete à solidão e ao medo. Poderia quiçá, ser um ato de libertação, entretanto, o temor é dominante; pensar em sua possibilidade é doloroso e mesmo, revoltante. Os fragmentos da entrevista de EP5 transmitem um pouco dessa dimensão: Disseram-me que eu teria que ir até o leito dele, pois ele estava me esperando para me despedir. Ele passou dois dias com a pressão indo e vindo [...]. Tive medo de ir ao hospital e posterguei ao máximo a minha ida. Mas fui... Disseram que eu estava fugindo do que poderia acontecer e eu disse que eu não queria que meu filho morresse. Afinal, quem quer passar por uma situação desta? [...]. (fragmentos da entrevista de EP5) Os familiares desconhecem o que esperar quando um dos seus familiares está internado dentro de uma UTI. Muitos sentimentos e emoções afloram neste período e, mesmo sem querer, muitas das famílias sentem (sentirão) tristeza, raiva, defensividade e medo, sobretudo quando a irreversibilidade do quadro do paciente é o desfecho esperado. A morte segue sendo um eterno desconhecido. Remete-nos a solidão e ao medo. Poderia quiçá, ser um ato de libertação, entretanto tememos esta desconhecida. Os fragmentos da entrevista de EP4 despontam um pouco destas emoções: Eu não conseguia mais dormir. Eu só pensava: ―eu tenho que voltar, eu tenho que estar lá‖. (...) quando cheguei ao hospital minha irmã já estava me ligando. A médica disse que pararam com a medicação. Era questão de horas, minutos (...). Aí eu pedi para ficar sozinha com ela já que ela estava indo. Perguntaram se eu queria segurar ela no colo, mas eu não quis (...). A gente aprende nestes momentos a observar quanta coisa tem além, o hospital foi um grande aprendizado (...). A gente sabia que ela iria morrer, mas a gente também tinha consciência de que em outro lugar tinha outra criança muito pior que ela sabe? Tinham crianças, tem crianças que nunca vão sair lá de dentro, sabe? Tu observas quanta criança doente, que vai morrer e tu te perguntas: ―Mas, por que‖? Eu não queria ver mais aquilo. (fragmentos da entrevista de EP4) Os depoimentos anteriores falam da apreensão diante da possibilidade da morte que se aproxima, ―quando dormir é impossível‖, ―quando se tem medo de ir ao hospital porque se sabe que esse pode ser o momento para se despedir‖, quando ―estar lá é necessário, ainda que isso não consiga evitar a morte de acontecer‖; no fundo há nessas palavras certa ilusão de que ―estando lá junto, ou contrariamente, não estando lá, talvez, a morte ainda não aconteça‖. Mas se a morte advém o instante para a despedida, apesar de sofrido e doloroso, pode ajudar na vivência do luto; dar essa oportunidade de ―ficar sozinha com ela‖ parece ser positivo para as famílias que perdem pessoas amadas nas UTIs. Por certo, a doença que se encaminha para a morte ensina sobre a vida, sobre o mundo, sobre a empatia para com os outros: o ―hospital foi um grande aprendizado‖. 131 Por outro lado, ―saber que ela iria morrer, mas ter a consciência que em algum lugar existia uma criança pior do que ela‖ remete a uma aceitação parcial daquela morte, em uma ênfase a ―possibilidade que ela não ocorra, porque afinal tem alguém em condição pior‖. Ou ainda, a colocação de que ―eu disse que eu não queria que meu filho morresse. Afinal, quem quer passar por uma situação desta?‖ também fala dessa não aceitação, a sua tentativa de negação, de protelá-la para depois... Um depois que se deseja que nunca chegue. ―Há quem diga: ‗Não podemos olhar para o sol o tempo todo, não podemos encarar a morte o tempo todo‘‖ (KÜBLER-ROSS, 2008, p. 44). É preciso que a possibilidade da morte seja encarada como real, mas para lutar pela vida, esse pensamento tem de ser deixado de lado em alguns momentos. Essa é uma forma saudável de lidar com uma situação que é dolorosa e desagradável, funcionando como um para-choque depois de notícias inesperadas e chocantes (KÜBLER-ROSS, 2008). A pergunta ―Mas, por quê?‖, pensada e articulada diante de uma criança doente que vai morrer, ou as expressões ―Eu não queria ver mais aquilo‖ e ―Eu não queria que meu filho morresse‖, por sua vez, nos demonstram certa ―raiva/revolta‖ para com a doença e a morte de quem se ama, manifestas em um inconformismo com a situação e o anseio por não ―fazer parte daquilo‖. Destarte, a pessoa que se propõe a ajudar o enlutado, precisa estar preparada para aceitar, sem crítica, a sua tendência de expressar sentimentos de raiva ou angústia; os quais podem ser dirigidos a quem ajuda, a Deus, a religião, aqueles que cuidaram, ao morto... Nesse ponto, é relevante que se diga que tais comportamentos são esperados e que, portanto, não precisam ser contidos. O importante é permitir que os sentimentos e pensamentos emerjam à consciência. Ou seja, a manifestação cordial de solidariedade e empatia, falando diretamente do coração, é essencial. Compartilhar a dor do outro sem julgá-lo assegura a ele que não está sozinho no mundo, reduzindo assim a sua insegurança (PARKES, 1998). A ajuda deriva, portanto, da comunicação silenciosa que vem de uma compreensão cheia de afeto, o que pode muito bem estar presente em um apertar de mãos como em algo que é dito. Nesse silêncio caloroso, o enlutado pode querer mostrar suas preocupações e medos. Não é necessariamente ruim que se entristeçam com isso, pois podem gostar de ter oportunidade para expressar seus sentimentos. ‗Dê palavras à tristeza‘, diz Malcon a Macduff. ‗O pesar que não fala endurece o coração já sofrido, e fá-lo quebrantar‘ (PARKES, 1998, p. 207-8). Outra estratégia utilizada pelas famílias que estão passando pela situação de perda é a busca da religião, na intenção de encontrar consolo ou então explicações para a doença e seus desdobramentos, que possam culminar em determinado conforto e alívio do sofrimento para 132 os envolvidos nesta situação (SCHMIDT, GABARRA e GONÇALVES, 2011). A religiosidade e a espiritualidade em condições de fim da vida podem auxiliar as famílias e os pacientes a encontrarem um sentido para aquilo que estão vivendo, sendo capaz de preencher uma lacuna que a evolução da doença não conseguiu (PEREIRA e DIAS, 2007). A doença faz com que o ser humano se depare com questões como a existência e o fim da vida. Nessa perspectiva, a religião e a espiritualidade atendem ao esforço de significar essas interrogações que se apresentam aos pacientes e familiares, no intuito de ajudá-los a compreender a própria doença, o sofrimento, a morte e a existência (HENNEZEL e LELOUP, 2012). A demonstrar: É muito difícil perder um filho, mas se Deus quis assim [...]. Às vezes a gente sofre tanto na vida, que esta perda é mais um sofrimento [...]. (fragmentos da entrevista EP1) [...] Nós somos evangélicos, cremos em Deus. Então aquilo é muito pesado, mas a gente consegue relevar. Só a fé nos conforta [...]. (fragmentos da entrevista de EP5) As expressões ―se Deus quis assim‖ ou ―só a fé nos conforta‖ dão uma dimensão do quanto é necessário, para os enlutados, encontrar um significado para a sua dor, uma razão pela qual ―tudo foi como foi‖; o que talvez, somente seja viável diante da crença em ―algo maior‖, em um ―ser superior‖, em ―planos divinos‖. Quando essa crença existe o sofrimento não é em vão, porque é recompensado. Um estudo com pais enlutados demonstrou que quando eles, os pais, começaram a atribuir um significado e um sentido para a vida, a agonia e a morte de seus filhos, através de um aspecto espiritual, puderam superar a dor da perda. Esse processo permitiu identificar e atribuir qualidades especiais ao filho que morreu, como por exemplo: ele ou ela tinha uma missão clara em sua vida, teve a força para enfrentar qualquer adversidade e a capacidade de desenvolver uma espiritualidade extraordinária. Assim, através de uma dinâmica psicoespiritual, esses pais puderam reorganizar suas vidas e ―reviver‖, transformando o sofrimento e a tristeza que sentiam, em amor para com o seu filho morto e os seus vizinhos, em um virtuoso círculo da vida (VEGA, RIVERA e GONZÁLEZ, 2014). Gudmundsdottir e Chesla (2006) também evidenciaram que a manutenção da sensação de uma ligação espiritual com o filho morto facilitou a experiência do luto entre os pais. De fato, antigamente, quando a morte era mais bem aceita pela sociedade, havia maior número de pessoas que acreditavam incondicionalmente em Deus, inclusive em vida pósmorte, de forma que sua dor e sofrimento diante da doença e da perda adquiriam significado em um ―céu‖, quando seriam aliviados e recompensados por suportarem com coragem e 133 dignidade esses instantes. Há muito, em nossa sociedade moderna, sumiu a crença de que um sofrimento aqui na Terra será recompensado nos céus, de modo que o sofrimento perdeu sua razão de ser, a sua finalidade. Perante essa postura, os indivíduos se privam da esperança e da possibilidade de dar sentido a acontecimentos dolorosos da vida que, de outra forma, seriam inaceitáveis (KÜBLER-ROSS, 2008). Claro que há um momento da doença terminal em que, normalmente, paciente e família (mesmo os que se diziam ateus) ―barganham‖ com Deus, buscando um acordo que adie o desfecho inevitável, que recompense por ―bons comportamentos‖. Há aí implícita a promessa de que outros adiamentos não serão solicitados caso o pedido seja atendido. Geralmente, essas barganhas são mantidas em segredo, ditas nas entrelinhas ou no confessionário de um capelão. É importante que diante dessa atitude se investigue se o paciente ou seus familiares não estariam sentindo alguma culpa relacionadas à religião, como não ter frequentado a igreja de modo suficiente por exemplo (KÜBLER-ROSS, 2008). Entretanto, não ter seu pedido atendido pode levar a certa ―revolta‖ contra esse mesmo ―Deus‖ com o qual se barganhou algo, ou ao menos, isso pode colocar temporariamente em cheque a crença religiosa/espiritual; questionando a veracidade/existência de um Deus. Nesse caso, retorna-se ao estágio de raiva/ressentimento, embora expressos de modo mais apaziguado, contra o desfecho ocorrido, contra o não atendimento do pedido feito com tanta devoção e clamor: A médica disse que ele precisava ficar sedado, pois ele deveria sentir muita dor e que iria morrer muito em breve, a não ser que acontecesse um milagre. [...] porque a gente participa da Igreja Católica. O padre é nosso amigo e amigo do [...]. Iria ser celebrada uma missa para ele [...] Nós somos bastante religiosos, mas questionamos esta parte. Não é que estamos revoltados, mas pela fé estamos sofrendo um pouco, porque a gente rezou muito sabe? Durante onze anos oramos e pedimos e o nosso querer não aconteceu. Muitas pessoas falam que Deus escolheu ele, mas como pais queríamos que ele ficasse. E eu penso: ―Por que não foi com o filho de outro? Por que tem que ser com o meu?‖ Então, é difícil tu assimilar isto... Tu perdes um pouco o sentido da vida. [...] tem sido muito difícil, tu sabes que ele está no céu, que está com Deus. Alguns dizem que Deus está reservando algo melhor para nós. Eu não sei se tem algo melhor que um filho. E o meu não está mais aqui [...]. (fragmentos da entrevista de EP3) Brigar com o destino ou com Deus é uma forma de tentar controlar os acontecimentos. Não é tanto a expressão da impotência, mas a tentativa de influir nos fatos, mediante um acusar do seu autor (PARKES, 1998). Orar e não ter o seu querer atendido, pode significar a esses pais uma sensação de ―abandono da parte de Deus‖, de não ―merecimento de seu olhar‖; e isso gera um sofrimento maior por resultar em rupturas nas crenças que, anteriormente, os reconfortavam. Pode ser 134 necessário que os profissionais que acompanham esses familiares ouçam esses desabafos sem tecer julgamentos acerca da fé ou da espiritualidade; antes, incentivando a falar sobre, deixando fluir os ressentimentos e buscando identificar possíveis culpas que tenham nesse sentido, garantindo sempre a ―normalidade dessas reações ante uma perda‖. Expressões como ―Deus escolheu ele‖ ou ―Deus está reservando algo melhor para vocês‖ não são reconfortantes, pelo contrário, exacerbam a dor sentida ―porque como pai o desejo é que os filhos permaneçam consigo‖ e ―não há algo melhor do que um filho... mas e se ele não está mais ali?‖. A perda em si, sempre gera dado ressentimento contra alguém eleito como um possível responsável, que no caso pode ser representado pela figura espiritual ou mesmo aquele que tenta consolar o enlutado, o que é expresso em ―Por que não foi com o filho de outro? Por que tem que ser com o meu?‖. Diante da morte a dor existe e há sim uma ―perda de sentido da vida‖, embora ela não seja ou não deva ser permanente... ―é muito difícil‖. Nessa fase há uma necessidade consciente de pôr em ordem, de dar sentido ao que aconteceu, explicar, classificar, comparar com outras situações, procurando encaixar essa dor nas expectativas que a pessoa fez do mundo. Tentam-se novas soluções, buscam-se pistas que expliquem ―por que isso aconteceu comigo?‖ (PARKES, 1998). Os depoimentos em sequência falam da dor associada ao luto: [...] Não vou mais ficar em casa, senão tenho pensamentos ruins [...]. Agora estou retomando a minha vida, vou até procurar um emprego. Mas teve épocas que eu só queria ficar deitada, dormindo [...]. (fragmentos da entrevista EP1) Quando o hospital me ligou eles não falaram que ele tinha morrido, mas eu sabia... Eu senti aquilo sabe? Eu sabia que ele não iria sair, a não ser por milagre de Deus. Não pude ir ao enterro dele, a minha família não deixou. A imagem que eu tenho dele e de quando eu me despedi aqui no hospital. (fragmentos da entrevista de EA1) Em nenhum momento a gente passou pela nossa cabeça que ele fosse morrer. Em questão de conforto em relação a isto, não tem nada que conforte a gente. Agora fiquei só eu e a mãe dele [...]. A gente vai vivendo dia a dia. Faz cinco meses que isto aconteceu e a gente vai vivendo dia a dia [...]. (fragmentos da entrevista de EP3) È de fato difícil que algo ―conforte‖ o enlutado que sofre a dor da perda de alguém que lhe era significativo, especialmente na fase inicial do luto. Ficar em casa pode representar o ―assolar de pensamentos ruins‖ em torno da perda. A falta de desejo pela vida, expresso por ―eu só queria ficar deitada‖ são vivências comuns nesse período. ―A vida se torna um vivendo cada dia‖. 135 O traço mais característico do luto são os episódios agudos de dor, acompanhados de muita ansiedade e saudade da pessoa que morreu; o enlutado chora e chama por ela. Esses episódios de dor começam algumas horas ou dias após a perda, sendo, de início, muito frequentes e espontâneos, embora, à medida que o tempo passe, tornem-se menos frequentes, ocorrendo somente quando provocados por algum estímulo que traga a perda à mente (PARKES, 1998). Entre as crises de pesar, a vida segue (PARKES, 1998). E procura-se retomar a vida, encontrar um emprego, sair de dentro de casa... vai se vivendo um dia de cada vez. Em especial, pais que perderam seus filhos sentem a necessidade de expressar sua intensa dor acerca da morte da criança, e de encontrar um contexto para expressar sua perda e serem ouvidos. Ao mesmo tempo, sentem-se isolados e perdidos, nomeadamente, por causa das mudanças induzidas por essa morte, pela reviravolta radical de seus valores culturais e na sua auto identidade. Não há nenhuma palavra para quem está de luto de uma criança; este evento é tão inconcebível que não pode ser expresso pela linguagem. As relações dos enlutados com os outros se tornam frágeis e insatisfatórias. Os seres humanos companheiros aparecem como meros estranhos porque quem não viveu essa experiência dolorosa é muitas vezes visto como insensível ou desajeitado, e de qualquer maneira, nunca em sincronia com os pais em luto; privados de uma parte de si mesmos (NOVE-JOSSERAND e GODET, 2015). Durante o luto, as pessoas recém-enlutadas consideram difícil aceitar os fatos; estão desarticuladas e incapacitadas pela perda. Por isso, acham útil a proteção e apoio de outros, cujo mundo tenha sido também desorganizado de maneira semelhante, para receber deles a segurança que irá capacitá-las, pouco a pouco, a aceitar a realidade do que aconteceu e tornála real. Somente assim, torna-se possível modificar crenças, e com elas, o sentido de identidade (PARKES, 1998). Obviamente, quando se fala da morte de alguém amado, a família tem uma série de emoções e reações perturbadoras. Ter que se desapegar daqueles que se ama ou de algo que se ama, é um processo doloroso, sem data e tempo para terminar. Na maioria dos casos, para que o indivíduo consiga superar a perda deste alguém amado, é preciso promover apoio, reflexão e ajuda (SILVA et al., 2006). Um pouco desta situação está exemplificada nos depoimentos: Nada. Nada me conforta. Eu sinto a falta dele, a saudade em relação a ele, mas acho pelo meu trabalho, por algumas situações eu entendo que o mundo é assim... Eu entendo que a parte fisiológica é assim... Que ele nasceu com esta doença, a gente, eu e a minha esposa tentamos fazer o máximo por ele. Ele se foi... A gente entregou para a equipe médica, acho este hospital deu este suporte para nós [...] A gente tem 136 momentos hoje... Que a gente vive... Vai vivendo dia a dia [...]. (fragmentos da entrevista de EP3) É muito doído para que vê, para quem sofre.... Tem gente que sofre mais, tem gente que sofre menos. Mas, talvez, a dor é maior para quem fica, para quem perde o pai, perde a mãe, perde o irmão e se sente completamente sozinho. O conforto é que ele não sofreu tanto para morrer. (fragmentos da entrevista de EA9) As palavras ―tem gente que sofre mais, tem gente que sofre menos‖ remetem a ideia de luto enquanto ―um trabalho pessoal, individual para se reacomodar a uma vida diferente após a perda de alguém ou algo muito valorizado, de reaprender o mundo, irreversivelmente transformado sem ele/a‖ (JARAMILLO, 2006, p.198). Desta maneira, para que o luto ―saudável‖ aconteça é importante dar vazão ao sofrimento, do contrário, ter-se-á o luto ―complicado‖ que bloqueia as emoções e engole o choro. Para tal, é vital que haja a inclusão da perda à vida cotidiana, mantendo-se uma conexão com a pessoa que morreu, de forma a tolerar que a vida continue sem entraves (FELIÚ, 2009). Sem dúvida, o tempo que transcorre entre uma perda significativa e sua aceitação, quando há um minimizar da dor e das lamentações, não é algo estanque. Em algumas situações existe a real possibilidade de que a perda e a aceitação, nunca acabem. Consequentemente, a duração das lamentações é variável, porquanto depende da forma como cada um a sente, da idade de quem vivencia a perda daquele que morreu, do quanto os familiares enlutados estão preparados para enfrentar este momento, das circunstâncias da morte, da trajetória de vida do enlutado e de sua história ao lado da pessoa que morreu, e, por fim, das significações particulares em relação ao amor e às perdas (VIORST, 2011). O processo de separação devido à perda de um familiar é um fenômeno com múltiplas faces, que se estende a toda a família. Para o que é imprescindível a necessidade adaptativa de todos, ou seja, o reconhecimento compartilhado da realidade, a experiência comum da perda e a reorganização familiar como um todo (CARTER e MCGOLDRICK, 2001). Afinal, enquanto uma situação de crise, o luto traz uma demanda sistêmica, de ordem emocional e relacional, que recai sobre toda a família e grupos sociais relacionados à pessoa morta (FELIÚ, 2009). Parkes (1998) corrobora que o luto pode ser experienciado em qualquer fase do desenvolvimento humano, já que ganhar e perder faz parte da vida e do ciclo de vida de nossa espécie. Nesse ponto, o luto é o acontecimento vital mais grave que a maioria dos indivíduos pode experimentar. Ao mesmo tempo, cada ser pode vivenciar esse impacto de ter perdido algo ou alguém, de maneiras diferentes uns dos outros. 137 Particularmente, quando a morte ocorre em uma criança, não são apenas os pais afetados, mas também os irmãos e avós, entre outros. Isto marca cada membro da família profundamente, criando fissuras, desânimo, apatia e intensa tristeza, que podem perturbar a dinâmica familiar e sua qualidade de vida (VEGA, RIVERA e GONZÁLEZ, 2014). Os depoimentos em sequência falam da vivência do luto por diferentes personagens familiares, na UTI Adulto e Pediátrica: O irmão tem 11 anos, a gente nunca escondeu nada dele. Lá na cidade de [...] tinha uma psicóloga que nos dizia: ―não esconde nada dele‖. Até porque, ele já perdeu outra irmã [...]. Nós falávamos tudo para ele, sempre muito aberto, muito às claras. A gente dizia para ele: ―Oh, ela não está bem... Ela tá mal… Agora Ela melhorou um pouquinho...‖ Então, ele perguntou: ―pouquinho quanto mãe?‖. Ele sentiu muito, pois ele queria muito ter irmãos. Ele sentiu muito, foi muito doloroso para ele [...]. Conversarmos bastante com ele, hoje ele está melhor. Às vezes ele fala na irmã. [...]. (fragmentos da entrevista de EP4) Nos não esperávamos que ele fosse morrer. Também acho que nenhum pai espera [...]. Os médicos disseram que a infecção estava generalizada. Eles fizeram todo o possível, mas o corpo dele não reagiu. Eu vinha vê-lo todos os dias, era muito difícil. A mãe dele é quem está sofrendo mais [...]. A gente não gostaria de ter perdido nosso filho, mas acontece. O quê eu posso fazer? (fragmentos da entrevista de EA6) Eu fui ao hospital na noite anterior. Ele estava muito mal. Acho que ele nem percebia que estávamos ali. Mas a filha dele estava sempre presente. Quando o hospital nos ligou eu pedi para ver se ela (a filha) estava junto dele naquele momento. E, ela estava. Pedi que mandasse ela para o meu apartamento. Eu conversaria com ela [...]. Não havia mais o que fazer no hospital. Ele já estava morto e, eu não poderia mais vê-lo, não poderia fazer mais nada. Só o que eu poderia fazer era procurar a funerária [...]. Hoje tenho a certeza de que foi pior para ela (filha), porque ela ficou o tempo todo lá... Porque ela viu. Ela ficou com ele até os últimos momentos. (fragmentos da entrevista de EA20) É visível nos fragmentos anteriores que, enquanto um processo, o luto é vivenciado de forma diferente pelas pessoas, de acordo com aspectos culturais, sociais, sexuais, e da faixa etária em que o indivíduo se encontra. Mulheres, crianças e adolescentes têm características próprias na forma de sentir a perda e de viverem o luto, sendo necessários determinados cuidados específicos. De um modo geral, mulheres são mais sensíveis e vulneráveis a perda de um filho, por exemplo [mas o mesmo é válido para perdas de esposos, pais, mães], do que os homens, embora, haja uma tendência masculina a reprimir a revelação de seus sentimentos mais rigorosamente do que nas mulheres. Eles sentem uma necessidade de conter sua manifestação do luto, muitas vezes, no desejo de ajudarem as esposas (PARKES, 1998). Homens precisam se mostrar fortes e proteger suas famílias, isso é cultural. A expressão ―A gente não gostaria de ter perdido nosso filho, mas acontece. O quê eu posso fazer?‖, demonstra esse desejo do 138 homem de manter-se forte diante da perda, de ajudar a sua esposa porque é ―a mãe dele que está sofrendo mais‖. A música Angélica, composta por Chico Buarque e Miltinho (1980), oferece uma ideia da dimensão do sofrimento de uma mãe diante da perda de um filho: Quem é essa mulher Que canta sempre esse estribilho? Só queria embalar meu filho Que mora na escuridão do mar Quem é essa mulher Que canta sempre esse lamento? Só queria lembrar o tormento Que fez o meu filho suspirar Quem é essa mulher Que canta sempre o mesmo arranjo? Só queria agasalhar meu anjo E deixar seu corpo descansar Quem é essa mulher Que canta como dobra um sino? Queria cantar por meu menino Que ele já não pode mais cantar Quem é essa mulher Que canta sempre esse estribilho? Só queria embalar meu filho Que mora na escuridão do mar A perda de um irmão também traz um impacto considerável, sobretudo, a crianças e adolescentes. O mesmo vale para a perda de um dos pais. Quando a criança perde alguém com quem tem forte vínculo de apego, não é incomum haver uma desorganização psicoemocional. A morte é assustadora e sua ameaça é intensificada quando a continuidade da vida familiar é prejudicada. Somente o apoio dos pais ou de outros parentes próximos, poderá garantir o adequado enfrentamento do trauma decorrente dessa perda Por certo, as crianças têm conceitos diferentes sobre a morte, os quais devem ser levados em consideração ao se conversar com elas sobre esse fato. Até os três anos a criança preocupa-se apenas com a possibilidade de separação e com o temor de mutilação pessoal, despertado, por sua vez, pela visão da morte acidental de animais. Dos três aos cinco anos, a morte não é para ela um fato permanente, o que alimenta fantasias nesse sentido; ainda mais se forem utilizados termos como ―fazer uma viajem longa‖, ―ir para o céu e tornar-se uma estrela‖. Depois dos cinco anos, a criança tanto se culpa pelo desaparecimento do ente querido, quanto se ressente do abandono decorrente da perda. É somente por volta dos dez anos que a morte assume uma concepção realista e biológica, adquirindo aspecto permanente. De tudo isso, é preciso considerar que crianças têm reações diferentes à perda, passando de um isolamento, barganha e afastamento silencioso, a um pranto convulso, cheio de remorso e 139 culpa pelo acontecido. Se os adultos não compreenderem essas crianças em suas vivências, mas ao contrário, as repreenderem e corrigirem, elas tenderão a reprimir o manifestar de seu pesar, o que poderá ser fonte de distúrbios emocionais futuros (KÜBLER-ROSS, 2008). Nesse sentido, a morte também é assunto de criança, e como tal, sua abordagem não deve ser escondida ou evitada. Falar sobre a morte é importante e saudável para ajudá-la a lidar com o sofrimento decorrente. Crianças sentem quando escondemos algo delas e sofrem muito com esta falta de informação. Por isso, em caso de morte de pessoa próxima, elas devem sim ser comunicadas. Da mesma forma, não há razões para esconder delas a tristeza e o choro dos outros membros da família, tal demonstração deve ser partilhada; essa atitude servirá como exemplo para que a criança também manifeste a sua dor e o seu luto (NALETTO, sd)10. Nesta análise sobre o luto é necessário apontar que o fim da vida, quando condicionado por uma doença longa e incurável, que demanda muito tempo de internação, pode tornar o luto complexo e peculiar. De fato, as doenças de curso prolongado e irreversível, estão associadas a perdas importantes para pacientes, seus familiares e profissionais de saúde, e como tal, conduzem a sofrimentos consideráveis, além de contribuírem para processos de luto mais prolongados. Não se tem a pretensão de rotular qual o processo é o mais doloroso: se o cuidar de uma pessoa querida com doença em fase terminal ou se o vivenciar da sua perda. O que se sabe é que ambos são parte de um difícil período (BARBOSA, 2010). Resultados de pesquisas evidenciam que doenças longas, nas quais a vida familiar fica centrada no cuidado ao indivíduo enfermo, podem dar margens a problemas após a morte, com possibilidade de piores resultados no enfrentamento do luto. Não obstante, nessa mesma condição, se as circunstâncias comunicacionais forem propícias, torna-se viável a vivência do luto antecipatório e, com ela, certo preparo para o melhor enfrentamento da morte; ou uma aceitação mais calma e tranquila dessa vivência, apesar da tristeza que a acompanha (PARKES, 1998). Os depoimentos a seguir falam do luto e do preparo para o enfrentamento da morte (ainda) durante a internação por uma doença prolongada: Minha filha descansou. Eu acho que ela estava sofrendo bastante. Ela foi morrendo aos poucos, o coração foi parando devagar, até que parou [...]. Mas, nós dois ficamos sempre juntos. Eu e o meu pai. Nunca a abandonei. Era sempre eu e ele. 10 Ana Lúcia Naletto é Psicóloga Clínica, coordenadora do centro de Psicologia Maiêutica onde trabalha com enlutados e desenvolve projetos de apoio ao luto nas mais diversas situações. Autora do capitulo ―Morte e Luto no contexto escolar‖ – livro O LUTO DA CRIANÇA – ED. Pleno. Fonte: http://www2.londrina.pr.gov.br/acesf/index.php/textos-para-reflexao 140 Nós ficamos os dois juntos, sempre [...]. Eu e ele quem arrumamos o corpo, e foi ele quem trouxe o corpo do hospital até a minha cidade [...]. (fragmentos da entrevista de EP2) [...] a gente sabia que da forma como ela estava era muito sofrido, para nós e para ela. E, que uma hora ou outra ela viria a óbito [...] É castigado assim sabe de tu veres aquilo sabe? É muito judiado tu veres uma criança tão pequeninha passar por tudo aquilo, sabe? Então nós sabíamos que era questão de horas. E foi assim, ela foi ficando cada vez mais fraquinha, cada vez mais fraquinha.... (fragmentos da entrevista de EP3) Eu pensava que ele ficaria bem, mas logo que ele baixou a doutora já me disse que o corpo dele não estava mais reagindo, não estava mais respondendo. Ela dizia: ―Ele pode ir hoje, amanhã ou depois. Não tem hora‖. [...] Ele partiu quando chegou a hora. Não havia mais solução para o caso dele. Não havia mais vida naquele corpo [...]. É claro que eu fiquei chocada, mas era o momento, ele não tinha mais condições de viver. Eu estou tranquila. Fomos bem atendidas e fizemos tudo o que foi possível. Ele não respondia mais ao tratamento. É preciso aceitar o fim. Fui chamada para reconhecer o corpo. E, chegou ao fim! (fragmentos da entrevista de EA2) ―A morte não vem de fora, mas se processa dentro da vida com a perda progressiva da força vital. Morremos um pouco a cada minuto e um dia este processo chegará ao fim‖ (BOFF, 2013, p.152). Freud (1917) nos esclarece que, a aceitação da perda do objeto, humano ou material, acontece, unicamente, pelo verdadeiro conhecimento da realidade e a interiorização da própria perda. Desta maneira, na medida em que a pessoa elaborar o luto poderá conseguir e, se permitir, viver este sentimento; alcançando a aceitação da perda do objeto real ou material. ―O luto só é superado pelo conhecimento e a aceitação da perda do objeto‖ (p. 76-77). Esse luto, enquanto uma reação normal a uma perda significativa pode ser vivenciado antes mesmo que a morte aconteça, ou seja, é possível a existência de um pré-luto [ou luto antecipatório] para pacientes e familiares (BARBOSA, 2010). É importante que se oriente o familiar que, uma vez aceita a inevitabilidade da morte, a presença que segura silenciosamente na mão do moribundo, garantido que estará sempre por perto e junto, é o suficiente para que ele se sinta amado, confortado, acalentado, cuidado. ―É o ficar sempre juntos, nunca abandonar‖. Certamente, essa aceitação se torna viável quando todas as medidas terapêuticas conhecidas foram esgotadas, e ainda assim, o ―corpo não reagiu, não respondeu‖. Se houve o tempo para entender isso (e aqui a comunicação verdadeira, aberta e empática por parte da equipe, já abordada anteriormente, é essencial) e ver que a doença está trazendo apenas sofrimento e dor ao doente, sem melhorias, torna-se mais fácil aceitar a morte como um ―descanso‖, como um ―alívio para quem está morrendo aos poucos‖, ―para quem está ficando cada vez mais fraquinha‖, ―para um corpo que já não tem mais vida nele‖. Nessa condição, a 141 doença representa tão somente sofrimento ―para nós e para ele‖, família e paciente. Assistir o ―definhar‖ desse doente com uma doença terminal é ―judiado, é sofrido, é muito castigado‖; razão pela qual, nessa circunstância, a morte traz conforto, mesmo que acompanhada pela dor da perda. Em tais ocasiões, o paciente parte porque deixou de lutar, ―porque chegou a hora‖, ―porque não há mais solução para o caso dele‖. Podemos dizer então, que o luto é um processo necessário para a recuperação emocional daquele que sofreu a perda de um alguém muito querido. Ao vivenciar este momento, ainda que sofrido, as famílias experimentam sentimentos que ajudarão a elaborar a sua perda. Neste sentido, através desta vivência, os familiares serão capazes de lidar com a perda e reorganizarem suas vidas. Determinadas esperas fazem com que este período antes da morte acabe se tornando um tempo que auxilia o familiar a ir se conectando com o sentimento da perda, aos poucos; e isso o ajuda a elaborar seu luto de modo menos traumático: Eu não pensei que meu pai viesse para cá para morrer. Depois analisando acho que a gente nunca se prepara para a morte do pai ou da mãe [...]. Eu esperava que ele fosse sobreviver. Depois eu vi que não. Talvez a única coisa boa que aconteceu é que ele não sentiu mais dor. Mas, ele iria morrer [...]. Então aqui que é o estagio final, foi o melhor estágio[...] morreu com dignidade. (fragmentos da entrevista de EA3) A doença se arrastou muito. Foi muito em longo prazo [...]. A princípio a gente não espera, mas com o passar do tempo é o esperado. Sabe, ele foi perdendo todos os movimentos, todos os sentidos e todas as funções. [...] Mas é difícil né? Todo o dia em contato com o sofrimento e a dor. Aqui só vi dor e sofrimento. Ele descansou. Acho que foi melhor. Não gostaria de falar mais sobre isto. (fragmentos da entrevista de EA4) No caso dela, nós já sabíamos que o caso era muito grave. Os médicos nos disseram. Os rins e o fígado mão funcionavam mais. No caso dela só um transplante, mas já não havia mais tempo para isto [...]. Nós fomos nos preparando. Ainda dói, mas fizemos tudo por ela enquanto ela estava viva. (fragmentos da entrevista EA19) Pelo exposto é visível existir uma diferença significativa entre uma morte lenta/prolongada e aquela prematura, em termos de aceitação de sua ocorrência para as famílias; na proporção em que, no primeiro caso, existe tempo suficiente para que ambos os lados se preparem para a dor final; o que torna mais fácil falar sobre a morte ou aceitá-la (KÜBLER-ROSS, 2008). A despeito disso, mesmos diante da morte esperada, em virtude de uma doença grave e de difícil manejo, há a experiência de um estresse prolongado, que intensifica o esgotamento emocional e quiçá financeiro de muitas famílias. Esta difícil situação, muitas vezes, traz sentimentos ambíguos, onde o desejo da morte e a culpa de almejá-la alternam-se no coração destas famílias. Nesse caso, a despedida é sentida pelos familiares, principalmente aqueles 142 mais próximos, como uma fonte de angústia e depressão intensa. Eles poderão alternar momentos de culpa, por desejar que a morte cesse o sofrimento daquele a quem se ama, com momentos de fé e esperança na expectativa de uma melhora da doença terminal (PEREIRA e DIAS, 2007). Nesse caso, uma boa conversa da equipe, assegurando a normalidade desses desejos, reações e emoções, é de grande ajuda. Quando uma pessoa morre sua figura se mantém na vida de sua família. As implicações do processo de luto dependem da forma como essa família elabora a perda vivida. A partir do diagnóstico da doença e ao adentrar no ambiente hospitalar, a família apresenta problemas emocionais decorrentes do ―estar nesse ambiente‖— cuja dinâmica de trabalho é muito peculiar—, mas também, da necessidade de ter de conviver com a doença e risco de morte (MILANESI et al., 2006). Grande parte das famílias, no decorrer das suas histórias, passa por momentos de crise que desestruturam certa ordem já constituída. O tempo que irá durar este período, e suas implicações, dependerá de fatores como: a preparação da família para o evento, a estrutura social na qual está inserida, a intensidade e a forma como tudo transcorreu. A morte é um desses momentos de crise, sendo encarada de acordo com a cultura e a época vivida (SILVA, 2003). Em algumas circunstâncias, a morte advém como um evento devastador na vida do ser humano, particularmente, quando ela é inesperada e inimaginável, quando não houve a oportunidade de falar sobre ela e se chegar a sua aceitação. Dificilmente, concebemo-la como possível a uma pessoa que amamos; preferimos deixá-la na condição de estado de latência. Talvez, esta possa ser uma das razões pela qual o homem valoriza a imortalidade e nega sistematicamente a sua própria morte (KÜBLER-ROSS, 2008). É o que nos mostra EP8 em seu depoimento: Era tarde da noite e ligaram do hospital pedindo para gente vir urgente. Daí eu já senti. Peguei meu carro e vim eu, a minha filha e a filha dela que mora nos EUA. Mas, quando chegamos, ela já havia falecido há meia hora. O médico conversou conosco e disse que ela não reagiu. Foi um choque para a filha dela. Ela ficou em estado de choque e saiu correndo para a rua. Ela veio para o Brasil achando que a mãe ficaria bem, que a encontraria viva, que falaria com ela. Parece que a mãe a esperou para morrer. (fragmentos da entrevista de EA8) Às vezes, a falta de uma comunicação clara com as famílias, que fale a verdade sobre as condições em que se encontra o seu familiar a (in)viabilidade da cura, contribui para um sofrimento mais acentuado, e até mesmo traumático diante da morte; o que, provavelmente dificultará a vivência do luto a posterióri, na medida em que não há tempo prévio para a 143 aceitação da perda ou qualquer preparo para a sua ocorrência. ―É um choque que leva a fugir para a rua quando da notícia da morte da mãe‖. As famílias podem criar expectativas não realistas sobre a provável hora da morte e sobre a possibilidade de sua não ocorrência, especialmente, quando a boa comunicação inexiste. É importante prepará-las para a suposição de que o doente pode não morrer, mas também, para a possibilidade de que a morte ocorra dentro de minutos, dias ou após várias semanas; o que dependerá de uma série de condições relacionadas à doença e ao estado geral do paciente. Dentro das UTIs, inevitavelmente chega um tempo em que equipe multiprofissional e a família precisam tomar uma decisão, permitindo que o paciente morra dignamente, sem futuras intervenções para prolongar a vida. Uma vez evidenciada a irreversibilidade do quadro, novas intervenções somente postergariam a morte. Obviamente, ao se informar as famílias sobre a gravidade do estado clínico do seu parente mais próximos (pais, filhos, irmãos), é muito comum que eles vivenciem uma mistura de sentimentos como: choque, incerteza, tristeza, confusão, estresse, desconforto. Em muitas ocasiões, não entendem direito o que está acontecendo com o seu familiar e não sabem com quem devem esclarecer suas dúvidas. Esta situação poderá gerar medo e uma sensação de desamparo (FERREIRA e MENDES, 2013). Entretanto, esse turbilhão de emoções pode ser contornado e trabalhado quando há disponibilidade de diálogos francos e contínuos entre equipe, paciente e família, respeitando-se a decisão e desejos desses últimos. Parece então, ser de suma importância à inclusão da família nos processos interventivos que o paciente sofrerá a partir da descoberta da doença, já que ela poderá contribuir para que o impacto da má notícia da doença seja minimizado junto ao paciente. Supondo que o impacto dessa notícia terá conotações diferentes entre os próprios membros da família, é necessário, por sua vez, que os envolvidos nas decisões sejam aqueles que mais proximamente lidam com o paciente e cujas estratégias de enfrentamento teriam grande relevância para ele (CULVER et al., 2002; GIRARDON-PERLINI, 2009; KIM e GIVEN, 2008). A inclusão da família na decisão dos tratamentos e/ou sobre a limitação ou não da terapêutica é apresentada nesse depoimento: No sábado pela manhã ele teve um intenso sangramento [...]. A neurocirurgiã nos disse que ele tinha um coágulo no cérebro. Ele sofreu um derrame e precisava urgente fazer uma cirurgia. Ele iria fazer a cirurgia no sábado pela manha. Aí, venho outro médico e nos disse que a chance dele viver era praticamente zero, que o sangramento era muito grande e que eles teriam que abrir toda a calota craniana. Eu disse: ―Façam o que tem que ser feito.‖ Depois da cirurgia eles vieram conversar e 144 disseram que a cirurgia havia sido um sucesso, mas que ele com certeza ficaria com sequelas. Os olhos dele não funcionavam mais, o lado direito paralisou. Ele veio a falecer na terça a noite. (fragmentos da entrevista de EP4) Neste sentido, pacientes e familiares devem tomar parte de todas as decisões relativas aos cuidados que lhes serão prestados, inclusive, diante da aproximação a morte; mantendo uma união terapêutica com as equipes. Uma união que se baseia na honestidade entre todos os participantes. Uma união em que os profissionais tenham habilidade, competência e sensibilidade para lidar com os desafios da boa comunicação. Abbot et al. (2001) entrevistando famílias que perderam um ente querido em UTI, relatam que essas famílias identificaram a capelania hospitalar e a existência de discussões prévias sobre as preferências dos doentes e delas próprias, em relação às opções de tratamento no final da vida, como fonte de conforto psicológico. Apontaram também que a falta de um único médico responsável para ser o "contato", aquele a quem se dirigir para conversar, é um fator desencadeador de desconforto e estresse. A importância de discussões sobre a doença e seus desdobramentos aparece na fala de EP2: Lá havia uma sala de reuniões, se precisasse a gente iria para lá. E, foi o que aconteceu conosco. Fomos a várias reuniões que eles fizeram com a gente: comigo (mãe), com meu pai, com a minha mãe [...]. Eles falavam sobre a doença dela, sobre o tratamento dela, de como ela vinha reagindo, o que mais poderia ser feito e até que ponto ela iria chegar. Eles nos diziam, que, se ela sobrevivesse, ela seria uma criança especial para o resto da vida [...]. A gente já esperava que ela morresse, porque eles falaram isto desde o começo. (fragmentos da entrevista de EP2) Ao pensar sobre as decisões familiares é conveniente que se considere, ainda, que suas intervenções se fundamentam, principalmente, em seus princípios morais e religiosos. Lembrando que, estes princípios são diferentes para cada família, não havendo uma fórmula mágica para se atingir um consenso entre todos sobre como e quando proceder. O importante é dialogar de modo efetivo e afetivo. Acrescente-se, igualmente, que a imagem que o ser humano possui da morte e de como e quando ela deve acontecer, é também obra de uma herança cultural de uma civilização ou de uma religião. Pode-se dizer que essa representação construída está pautada nos valores que foram utilizados na história de reforço e de punição do indivíduo, onde a religião apresenta um papel mediador e de controle (HENNEZEL e LELOUP, 2012). Ao se estabelecer a abordagem das famílias que vivenciam a terminalidade isso também deve ser considerado. 145 O fato é que a morte, como atributo que define a natureza humana, não se resume pela parada ou falência de um único órgão, por mais vital que este órgão seja. Ela deve ser vista na extinção do pessoal, do singular que, não é representado, unicamente, por um conjunto de estruturas e funções, mas como um todo (Anais do II Encontro Nacional de Bioética e Biodireito III Encontro de Comitês de ética em Pesquisa da Paraíba, 2009). O depoimento que segue fala da aceitação da morte como forma de alívio do sofrimento, como uma atitude de pena da parte de Deus: [...] Se é para ele viver em cima de uma cama, que Deus tenha pena e leve. Ele morreu conforme a vontade de Deus. (fragmentos da entrevista de EP1) Vários têm sido os autores que fizerem e fazem do estudo sobre o luto um ensinamento para todos nós: Freud (1917), Bowlby (1988), Parkes (1998), Worden (1998). Todos eles afirmam que o processo de luto é constituído por momentos difíceis e dolorosos; e que cada um deles é vivido de forma única e singular. Freud (1971), em especial, destaca que a não interiorização da perda faz com que a pessoa esteja presa à realidade passada; o que poderá ocasionar (ou não) o surgimento de diversos tipos de patologias, a nível emocional, psicológico e físico. Por acreditar em tudo isto, tenho a convicção de que ajudar a encontrar o sentido da vida, através do apoio na morte e no luto, é uma das missões mais bonitas dos profissionais de saúde. Esse ajudar não demanda palavras maravilhosas, discursos ou técnicas, antes, requer uma escuta sensível, um abraço caloroso, o compartilhar de um silêncio... o estar presente e disponível. Neste sentido, pacientes e familiares deverão tomar parte de todas as decisões relativas aos cuidados a serem prestados, promovendo uma união terapêutica entre a equipe, o paciente e seus familiares. Uma união que se baseia na honestidade entre todos os participantes, e desta maneira de grande valor, pensando que os profissionais de saúde envolvidos têm (terão) habilidades e competências para lidar com os desafios em comunicação, cuidados e presença constante. Gosto de pensar que estes gestos são (serão) como um pacto de silêncio que se baseia na certeza de que não esconder a verdade dos pacientes e de seus familiares impedirá que estes sofram sem necessidade. 4.2.4 Apoio institucional na vivência do luto: ―depois que a gente se retirou de lá, ficou por isto mesmo!‖ 146 Chorar junto, ser confortado, ser cuidado, acalentado... Receber apoios diversos (psicológico, emocional, social, espiritual, burocrático/legislacional.) é uma necessidade dos enlutados, embora às vezes não proferida, não clamada, não acolhida e não atendida. E se as instituições e profissionais de saúde querem de fato cuidar em sentido holístico, integral, precisam voltar-se para questões como a morte e o luto, mesmo que a sociedade moderna ocidental tente afastá-las da consciência individual e coletiva. Sem dúvida, o desejo de olhar de frente para os problemas do luto e do enlutamento, em lugar de virar as costas para eles, é a chave para um trabalho bem-sucedido com o luto, para o que sofre, o que ajuda, e o gestor. É claro que os que estão com câncer terminal nos lembram de nossa própria condição de mortais, e as viúvas e viúvos nos provam que, a qualquer momento, nós também podemos perder as pessoas que amamos; e isso tudo é fonte de ansiedade e ameaça, [inclusive para os que apenas contemplam esse processo]. Então, participar dessas experiências, olhando para elas, acompanhando-as, ofertando apoio, é uma maneira plausível de tornar ―a possibilidade da morte‖ mais consciente, e com isso, permitir que a vida seja vivida mais plenamente, pelos que estão experienciando o morrer ou por aqueles que o assistem no outro que está próximo. Para os profissionais de saúde (em especial àqueles alocados na Terapia Intensiva) que, desejando ou não, são ―obrigados‖ a conviver com a ―morte do outro‖ bem de perto, essa reflexão é ainda mais relevante. No momento em que assumimos que o luto é despersonalizante e doloroso, podendo ter efeitos deletérios sobre a saúde física e mental daqueles que o vivenciam, assumimos também que algo pode ser feito para se evitar ou minimizar esses efeitos (PARKES, 1998). Daí a pergunta ―que tipo de apoio as instituições de saúde tem prestado ao enlutado? Esse apoio realmente existe?‖. Nesta quarta categoria fala-se, justamente, acerca do Apoio Institucional, ofertado (ou não) às famílias pesquisadas, após a morte do seu familiar internado em UTI. Para isto, foi utilizada a seguinte pergunta norteadora: Você recebeu algum tipo de apoio institucional no momento em que foi comunicada a morte ou após o óbito do seu familiar? No hospital, a família se expõe a um ambiente novo, carregado de símbolos e significados, favorável a novas interações. E, neste ambiente que a família interatua com outras famílias e com os profissionais da saúde na possibilidade de construção vínculos. Ali, as famílias poderão compartilhar as experiências até então vividas, aprendendo, amadurecendo e se amparando com reciprocidade. Os profissionais da saúde ao fazerem parte 147 da rede de apoio social da família no hospital precisam ouvi-la, percebendo as suas incertezas, suas perspectivas; compreendendo as relações que se estabelecem entre seus membros e o mundo social no qual se inserem. A partir da compreensão desta rede é possível uma reflexão a respeito de suas necessidades e a busca das prováveis alternativas a fim de resolver seus problemas (MONTEIRO et al., 2008 ; MORAES, 2003). Sendo que, ante a perspectiva da morte do familiar internado e/ou sua concretização, essas demandas por cuidados tendem a aumentar. Contudo, o que exatamente significa acolher? Acolher implica, exatamente, escutar, tentar compreender o que os sujeitos (familiares e pacientes) dizem, ouvindo-os de maneira aberta; o que requer interação e engajamento entre os envolvidos. Esse acolhimento efetivo é que gera o apoio esperado; de modo que, ser apoiado é ser acolhido (FORMOZO et al., 2012). Isso quer dizer que o apoio não é um espaço ou um ambiente, mas uma postura que provoca compartilhamento de saberes; implicando a existência/o envolvimento de uma equipe multiprofissional, encarregada da escuta e resolução dos problemas do paciente e de suas famílias (BRASIL, 2010). Nesse sentido, o apoio gera efeitos positivos para o sujeito que o recebe e para aquele que o oferece, permitindo que ambos tenham mais sentido de domínio sobre suas vidas (PEDRO, ROCHA e NASCIMENTO, 2008; WILLIAMS, BARCLAY e SCHMIED, 2004; DIAS et al., 2007). Como tal, encontra-se na dimensão pessoal. Para as famílias, geralmente, esse papel é desempenhado pelos membros que lhes sejam importantes (da própria família) e por aqueles com os quais possuam vínculos sociais— promovidos por intermédio dos recursos ofertados (PEDRO, ROCHA e NASCIMENTO, 2008; DIAS et al., 2007). É como nos relatam dois dos familiares internados ao falar sobre o apoio da instituição: [...] Nós não precisamos, nossa família é bem unida. Mas quem sabe outras famílias talvez precisassem? Eu acho importante. (fragmentos da entrevista de EA9) Depois que ele morreu, eu fiquei sozinha [...]. Tenho a minha família que me dá apoio, mas eu estou sozinha [...]. Acredito que fui bem atendida, mas este momento de agora, depois da morte dele, este é momento difícil né? (fragmentos da entrevista de EA14) De fato, a primeira fonte de ajuda para a maioria dos indivíduos em circunstância de luto é sua própria família, depois os amigos. Mas também é parte do papel dos profissionais e dos religiosos dar apoio às pessoas que estão morrendo e aos enlutados; até mesmo porque se observa uma insuficiência de apoio disponível da família e de outros âmbitos sociais na oferta da ajuda necessária. E isso especialmente, em função de desordens familiares, com acusações 148 e percepções conflitantes entre os indivíduos, além das dificuldades de readaptações relacionadas à redistribuição de papéis e responsabilidades (PARKES, 1998). É preciso entender, obviamente, que o subsídio ao enlutado e àquele que morre, não remete aqui a conselhos profissionais [ou a questões burocráticas], unicamente; muitos talvez nem precisem ou suportem isso. Pelo contrário, diz respeito, sobretudo, a atitude humana amiga, que acolhe e partilha os sentimentos despertados nesse processo, racionais ou não. Diz respeito a deixar falar, chorar, até mesmo gritar se necessário for, colocando-se sempre a disposição; e isso é necessário desde a confirmação de um ―mau diagnóstico‖ até os meses posteriores a morte de um membro da família... em todo esse período é preciso assistir (KÜBLER-ROSS, 2008). Nas entrevistas realizadas com os familiares desse estudo o apoio relatado durante a comunicação da morte e após esse período aparece relacionado, exclusivamente, ao aspecto burocrático; ou seja, é expresso em termos do encaminhamento de certidões e indicações de como se dá a liberação e o translado do corpo, uma vez reconhecido. Essas famílias entendem a importância e a necessidade de um apoio diferenciado, para além do técnico-burocrático que receberam, que possa auxiliar e dar suporte ao luto dentro do âmbito da Terapia Intensiva; ―sentem‖ a falta de um apoio com tais características, embora não saibam como isto poderá se materializar. Os depoimentos em sequência trazem essa dimensão da existência de pouco (ou nenhum) apoio institucional ao enlutado. Há apenas orientações burocráticas: Eu acho que um apoio seria muito importante nesta hora [...]. O hospital nunca nos ligou ou mandou uma carta para saber como é que estávamos [...]. Não sei bem que tipo de apoio poderia ser dado, mas conversar com a gente seria muito bom. (fragmentos da entrevista de EA1) Não. Eles só me disseram onde eu deveria ir retirar o atestado de óbito. Depois só me ligaram para avisar de uma palestra. Quando ele estava baixado veio uma psicóloga conversar comigo, mas só uma vez. (fragmentos da entrevista de EP1) Hospital nos deu apoio, eles nos disseram onde a gente pagava os papéis do óbito [...] o hospital nunca me ligou. Depois que a gente se retirou de lá, ficou por isto mesmo. (fragmentos da entrevista de EP2) Nós não recebemos nenhum apoio na hora da morte. Nos disseram onde pegar os papéis. Mas, também são tantas pessoas doentes que eu nem sei que tipo de apoio o hospital pode dar [...]. (fragmentos da entrevista de EA9) Eu não recebi nenhum tipo de apoio, nem a minha família. A única vez que eles me ligaram foi para pedir que eu viesse ao hospital e trouxesse um documento. Aí eu pensei: ―Meu pai morreu‖. Depois disto, nunca mais. (fragmentos da entrevista de EA12) 149 Visivelmente existe uma demanda silenciada por apoio das instituições de saúde, as famílias, de certo modo, se ressentem de não terem recebido nenhum contato, carta, telefonema... Nenhuma ajuda que demonstrasse e materializasse esse apoio institucional para o enfrentamento da morte do alguém muito querido. Em um período de dor e sofrimento pela perda sentiram falta dessa ―preocupação‖ por parte daqueles que cuidaram dos seus até então, sentiram-se meio que ―abandonadas‖ por aqueles em que depositaram boa parte de suas esperanças em relação ao internado. Nesse sentido, algumas maneiras práticas de se atingir esse objetivo são as seguintes: reencontrar a família para discutir os resultados de autópsias, enviar cartas e cartões de aniversário, Natal e demais datas comemorativas, distribuir literatura adequada para ajudar os irmãos e pais com o luto, telefonar periodicamente e encaminhar para grupos ou associações de apoio a pais e familiares em luto (TODRES et al., 1998). Pode ser até que, no momento de dor inicial, não haja muito o que dizer ou fazer, mas sentir, nessa ocasião e nos meses que se seguem a morte, que a instituição continua presente e preocupada reafirma, de alguma maneira, que a escolha por aquele local para a hospitalização foi acertada, reafirma que existe um apoio social que dali provém. É preciso recordar, ainda, que os profissionais que acompanharam uma internação prolongada (representantes da instituição em si) e que nutriram vínculos com os familiares, ao romperem bruscamente o contato, em função da morte, materializarão para o enlutado a sensação de ―abandono, de fuga, de não compreensão‖ como se o vivido anteriormente tivesse sido ―apenas parte de um trabalho e não uma situação de vínculo e acolhida‖. Daí porque, um contato que fosse ―após a morte‖, durante a vivência do luto, poderia significar da parte da instituição, na compreensão dos entrevistados, um ―estamos contigo‖, ―você não foi esquecido, sua história não foi esquecida‖, ―sabemos de sua dor e de seu sofrimento‖, ―queremos ajudá-lo‖. Particularmente no caso de pais que perderam seus filhos, [mas também com os demais enlutados] existe uma sensação forte de isolamento, de despersonalização e de não significação, nomeadamente, por causa das mudanças induzidas por essa morte, da reviravolta radical de seus valores culturais e de sua auto identidade. Com isso, as relações sociais se tornam frágeis e insatisfatórias, há o sentimento de não compreensão (NOVE-JOSSERAND e GODET, 2015). Por certo, após a morte de uma criança na UTIP, os pais se sentem abandonados e muitas vezes sozinhos. Os profissionais de saúde que, durante o tempo da internação, fizeram parte do seu dia-a-dia, de repente, desaparecem. O vínculo se quebra! (GARROS, 2003). 150 Quando ela estava internada, uma vez na semana uma enfermeira fazia um grupo de apoio. Os pais eram convidados a participar. Ajudava bastante, eu me sentia bem confortada, me sentia melhor conversando com os outros pais, conversando com ela Mas, depois que ela morreu o hospital nunca nos ligou. (fragmentos da entrevista de EP4) Para vivenciar a internação da criança [e a sua morte] de forma positiva, os familiares necessitam de apoio. Afinal, é esse apoio que trará suporte para que essas famílias possam interagir, compartilhar, trocar experiências e resgatar sua humanidade. Os profissionais devem ser essa fonte de apoio, atendendo a díade família e criança nos diferentes instantes de cuidado, buscando conhecer as possibilidades de ajudar este familiar e/ou possibilitar que o mesmo usufrua de uma rede própria de auxílio (GOMES et al., 2011). Sem dúvida, o apoio por parte da instituição que conviveu com aquela dor (da doença e da morte) e com aquela história previamente, que partilhou suas manifestações, pode ter significado reconfortante e ajudar a encontrar uma nova identidade. Portanto, essa preocupação com o apoio destinado aos familiares enlutados precisa fazer parte da política institucional. É necessário que essas entidades assumam a sua reponsabilidade de cuidar daqueles que lhes foram entregues em vida, mas também daqueles que fazem parte do contexto desse doente, mesmo (e especialmente) após a sua morte. Apenas dar orientações sobre a burocracia envolvida no atestado de óbito e nos trâmites legais que se seguem a ele não configura, por si só, ―um apoio‖; o apoio está na acolhida da dor da perda, sobretudo, após o entorpecimento inicial (minutos, horas, dias, talvez semanas, da informação da morte) e os rituais fúnebres, quando essa perda se torna mais real/mais concreta. O apoio à família é tido, pois, como um sinônimo de cuidado; e como tal, não pode acontecer somente por ocasião da internação, enquanto há vida ―soprando no doente‖, mas deve se estender ao depois de ―sua partida‖. Nós não recebemos nenhum apoio. O atendimento foi muito bom lá na UTI, mas nos não tivemos apoio quando ele morreu [...]. As pessoas chegam naquela sala para receber a notícia e esperam uma palavra de conforto, de esperança [...]. (fragmentos da entrevista de EA16) Não sei se a gente precisa de apoio nesta hora. Mas, acredito que a gente precise de cuidado. (fragmento da entrevista de EA19) Os depoimentos anteriores retratam a ruptura dos cuidados com as famílias, que costuma acontecer, na maioria das instituições, por ocasião da morte de algum do seus familiares como se a partir de então, cuidar daqueles indivíduos não fosse mais uma das atribuições institucionais. É uma clara percepção de como a medicina está aquém de atingir 151 um holismo pretendido no prestar da assistência. Se paciente e famílias são e estão interligados, como abandonar os familiares enlutados à solidão na hora da perda? Ainda mais quando se sabe que essa solidão pode representar a possibilidade um luto mais traumático, ou mesmo, patológico? Sem dúvida, o desamparo experimentado pelos enlutados, principalmente, nos primeiros dias que se seguem à perda, demonstram a relevância da ajuda, por menor que seja, o que, quando efetivado, é lembrado mais tarde com gratidão especial (PARKES, 1998). A despeito disso, a literatura nacional é pobre em termos de publicações que abordem o apoio aos enlutados por parte das instituições de saúde, do que se infere que essa não tem sido uma preocupação frequente na área da saúde. Fala-se do cuidado durante a internação e esquece-se de que as vivências em torno do final da vida de um ente querido e o apoio dado na vivência do luto são tão importantes quanto, e talvez, determinantes para o adequado desenrolar do luto. Estudos têm revelado que os familiares tendem a ficar mais satisfeitos quando suas necessidades são atendidas através dos cuidados centrados no paciente e na família (AZOULAY et al., 2002; AUERBACH et al., 2005); isso torna o seu estresse menor (LEUNG et al., 2000; GAVAGHAN e CARROLL, 2002). No entanto, em algumas UTIs, principalmente nas destinadas aos cuidados de adultos, ainda não se conseguiu implementar esse cuidado com sucesso. Talvez, este seja um dos motivos, pelos quais os familiares, por não sentirem o apoio necessário, ainda avaliem as suas relações com os profissionais de saúde como insensível, difícil e intimidante (COYNE et al., 2011; SHIELDS, 2010). O depoimento a seguir fala um pouco da ―insensibilidade institucional‖ ao tratar e acompanhar do luto familiar, e dá uma ideia de como, realmente, existe uma ruptura na linha de cuidados que vinham sendo prestados até que a morte aconteceu... e, tudo mudou: Não recebemos apoio na hora em que ele morreu [...]. Depois que a médica me deu a notícia do óbito me encaminharam para o administrador. Ficamos no saguão aguardando [...]. Achei muito pesado, pois tu vais ao subsolo do hospital para pegar a documentação. Tu passas pela refrigeração onde eles colocam os corpos. Ele me disse que meu filho estava ali. Perguntou se eu queria vê-lo. Eu disse que não queria, não queria ficar com aquela imagem na minha cabeça [...]. Acho que o administrador poderia ter me atendido em outra sala, porque aquela visão... Tu estás no meio das máquinas, no meio do vapor, no meio dos corpos [...]. A gente que estava no 10º andar onde tudo era muito bom e depois que ele morreu tu tens que vir aqui para baixo? É muito pesado. Não precisava passar por esta situação. Foi muito traumática. (fragmentos da entrevista de EP3) 152 A diferença visível entre o 10º andar e o subsolo do hospital, o primeiro, local de vida e o segundo, onde ficam armazenados os corpos, dá uma ideia de como a morte, e consequentemente, o cuidado ao luto, são ―tratados‖ dentro do hospital: ―longe dos olhos, escondido no meio das máquinas e do vapor‖. Como se o que não ficasse a vista não pudesse ser lembrado; é a morte escamoteada, ocultada, porque olhar para ela é desconfortante para o público em geral. Olhar para aqueles que choram sua perda também nos força a lembrar de que todos estão sujeitos a perder àqueles que amam, e essa ideia é no mínimo desconfortante, quase inconcebível; talvez, por isso seja tão difícil olhar para a dor do outro, cuidar do enlutado. Na realidade, culturalmente, a sociedade ocidental está acostumada a se livrar rapidamente dos corpos, em rituais fúnebres efetivados bem distante do ―lar‖, espera-se manifestações comedidas de luto, evita-se a aproximação daquele que perdeu alguém porque ele nos causa pena, ao mesmo tempo, em que nos recorda de nossa própria finitude, algo que lutamos para esquecer. Enquanto espaço dedicado à cura de doenças, o hospital, através de seus profissionais, tem dificuldade em cuidar da morte e dos envolvidos nesse processo. De tal modo que, a morte até é permitida, mas o corpo deve ser logo escondido nos ―subsolos‖ e os enlutados afastados do olhar daqueles dedicados a ―lutar pela vida‖. Mas como e que tipo de apoio poderia ser ofertado a esses indivíduos em plena vivência do sofrimento? Primeiramente cabe destacar que a pessoa enlutada sente-se apoiada quando aqueles que estão próximos [inclua-se aqui os profissionais com quem conviveram durante internações muitas vezes prolongadas] se permitem deixar emergir (também) a sua tristeza pela morte, sem medo. Essas expressões compartilhadas levam-no a sentir-se acolhido e compreendido em sua dor, o que reduz a sensação de isolamento (PARKES, 1998). É o atender ao ―precisamos de cuidado‖. Por segundo, é necessário colocar que em uma fase inicial do luto o indivíduo enlutado necessita de disponibilidade de outros familiares, amigos e mesmo de profissionais para aliviá-los, que seja momentaneamente, do desempenho de alguns papéis e obrigações. Num instante posterior, precisará de ajuda para restabelecer sua autonomia e formar uma nova identidade. Antes disso, carecerá de um tempo para viver o seu luto, depois do que poderá pôr um fim a esta etapa e iniciar uma nova vida (PARKES, 1998). Em cada um desses momentos, o enlutado pode e deve receber apoio. Mas qual apoio? E o que a instituição de saúde pode fazer? As instituições de saúde, utilizando-se de seus recursos e estruturas, ou estabelecendo parcerias com grupos voluntários, grupos religiosos, associações, organizações não 153 governamentais, podem fazer mais que orientar à família sobre os trâmites burocráticos diante da morte de um internado, mais que encaminhar o enlutado ao reconhecimento do corpo, mais que deixar familiares enlutados sozinhos em uma sala ou aguardando no saguão. Isso quer dizer que podem prestar, sugerir ou encaminhar os enlutados para ajuda: especializada (psicólogos, psiquiatras) ou não especializada, da sua estrutura funcional (desde que seja disponibilizado profissionais com essa função); de profissionais ou voluntários; médica ou não médica; laica ou religiosa (PARKES, 1998). Assim, pode-se, por exemplo, estimular as famílias internadas em UTI, que vivenciam uma doença terminal, a partilharem suas experiências com a doença e com a morte de seu familiar (quando se sentirem a vontade para isso); para o que convém que seja organizado um grupo, com encontros programados, e orientado por um moderador preparado para lidar com o luto e o luto antecipatório— que de preferência também conviva com essas famílias e sua história. Grupos de suporte têm por objetivo auxiliar pessoas durante períodos de ajustamento a mudanças, no tratamento de crises ou na manutenção ou adaptação a novas situações. Sua utilização requer a criação de um ambiente em que seus integrantes possam compartilhar suas experiências e sentimentos com a certeza de serem compreendidos pelos outros participantes. A possibilidade de fazer parte desses grupos pode ser considerada pela família como fonte de apoio social, na medida em que esse espaço funciona como um sustentáculo para o processo de recuperação e adaptação à nova condição, e ainda como ambiente de transformação psicofísico e psicossocial (POCHARD et al., 2001, OLIVEIRA e SILVA, 2010; ALVAREZ et al., 2012). As pessoas que já passaram por uma perda importante, e tiveram um luto bem elaborado, podem estar mais bem qualificadas para ajudar outras pessoas enlutadas, na medida em que entendem o que àqueles indivíduos estão vivendo e sabem que o luto não é o fim de tudo. O apoio mútuo que podem oferecer ao partilhar sua experiência de dor e sofrimento diante da perda, bem como, ao falarem de ―seu reinventar‖, auxilia os enlutados recentes a se sentirem menos isolados e mais compreendidos (PARKES, 1998), já que estarão sendo ouvidos por quem ―viveu essa mesma experiência‖. Pais que perderam seus filhos, por exemplo, enxergam a morte como devastadora, mas ao mesmo tempo, afirmam que ao trabalharem o seu próprio sofrimento, através de apoio desinteressado para outros pais em necessidade semelhante, puderam transformar toda a sua dor em amor. Daí porque as equipes de saúde e as instituições devem incentivar grupos de apoio, onde aqueles que superaram o seu luto possam contribuir para que os enlutados 154 recentes reconstruam também o sentido de sua vida (VEGA, RIVERA e GONZÁLEZ, 2014). Essa é uma forma de efetuar um acompanhamento ativo e útil no enfrentamento do pós-morte (AHO et al., 2012). É possível também utilizar a ajuda de aconselhamento de profissionais psiquiatras e psicólogos, ou ainda, de conselheiros (voluntários ou não), rigorosamente, treinados e selecionados para esse fim (a exemplo do que acontece no St. Christopher‘s Hospice); o que deve ser reservado, sobretudo, àquelas pessoas que estão especialmente em risco após uma perda. A orientação para a procura de grupos de apoio ao luto [seria conveniente que a instituição disponibilizasse uma lista com endereços e contatos], disponíveis nas comunidades, associações e bairros, pode igualmente ter sua contribuição nesse processo de ajuda; muito embora, esse seja um recurso a ser utilizado depois de decorrido os primeiros impactos do luto, já que dificilmente o enlutado se sentirá a vontade para essa procura num momento inicial. Pode ser necessário, inclusive, que tais grupos ofereçam sua ajuda (PARKES, 1998). Outra medida que pode ter resultados positivos é o fornecimento de um folheto informativo sobre o processo de cuidado, com a definição de alguns termos técnicos e intervenções comuns na UTI, além de informações sobre a estrutura física e organizacional do setor, e acerca do processo de luto; para alguns pacientes elegíveis e seus familiares, sendo um dos critérios a proximidade com a morte (LAUTRETTE et al., 2007). Um estudo multicêntrico avaliou que essa medida representou uma estratégia de comunicação pró-ativa da equipe para com as famílias, permitindo maior tempo para que esses familiares falassem da possibilidade de sua perda. No texto inicial desse folheto havia uma declaração explícita da solidariedade dos profissionais da UTI em relação ao luto. Familiares que passaram por essa intervenção apresentaram, ao final de três meses do óbito do paciente, menor incidência de sintomas de estresse pós-traumático, ansiedade e depressão, e menor necessidade de fármacos psicoativos. E embora o tempo despendido aos familiares no primeiro encontro tenha sido maior, o fornecimento desse material reduziu, de modo significativo, a necessidade de informações complementares nos encontros subsequentes (STAPLETON et al., 2006; CURTIS et al., 2005) Além disso, a instituição pode dispor na sua estrutura de uma área ecumênica onde sejam concentradas figuras religiosas diversas, ou então, pode incentivar as famílias que vivenciam a doença terminal em UTI a manifestarem suas crenças religiosas e a utilizarem-se 155 da ajuda dos recursos religiosos da comunidade que frequentam durante o luto antecipatório e o luto, se sentirem essa necessidade e desejarem esse contato. Obviamente, convém que esses religiosos estejam preparados para mostrar sua aceitação do pesar advindo do luto e, em especial, da raiva contra Deus e outros seres humanos, sem pretender abafar o manifestar das emoções por intermédio de dogmas ou tranquilizações exuberantes. Ele ajudará se tiver capacidade de ouvir e se disponibilizar a estar junto sem condenar (PARKES, 1998). Em se tratando de UTI Pediátrica, o acompanhamento da família por um "comitê de luto", formado por pessoas com conhecimento e interesse na área, pode proporcionar apoio neste processo de pôr um ponto final à experiência dolorosa (GARROS, 2003). Por fim, cabe colocar que, o grande apoio institucional ainda será efetuado pelos próprios profissionais de saúde que acompanham a internação do paciente, cabendo a eles colocar-se disponíveis para ouvir, entender e compartilhar os sentimentos e emoções durante o luto antecipatório, a comunicação da má notícia da morte e o luto pós-morte. Nesse momento, é importante lembrar que algumas reações como a raiva, o choro, a tristeza, o desânimo são normais e esperadas, e que com o tempo tenderão a ter manifestações mais aliviadas. Cada fase da doença tem uma realidade e um poder de induzir no paciente e em seus familiares um amadurecimento capaz de adaptar a sua esperança à realidade que os cerca, o que se dá em função do apoio e dos cuidados recebidos. O Apoio é parte estruturante do cuidado. A dor da morte pode ser acolhida pelos profissionais de saúde que trabalham nas UTIs e não deve ser pensada como um cuidado a parte. O apoio faz parte (GIGILO, 2013). Dando sentido a essas palavras, e a necessária expressão dos sentimentos diante do luto, encerro esta categoria com a música O Pedaço de Mim, de Chico Buarque (1979). A seguir: Oh, pedaço de mim Oh, metade afastada de mim Leva o teu olhar Que a saudade é o pior tormento É pior do que o esquecimento É pior do que se entrevar Oh, pedaço de mim Oh, metade exilada de mim Leva os teus sinais Que a saudade dói como um barco Que aos poucos descreve um arco E evita atracar no cais Oh, pedaço de mim Oh, metade arrancada de mim Leva o vulto teu Que a saudade é o revés de um parto A saudade é arrumar o quarto Do filho que já morreu Oh, pedaço de mim Oh, metade amputada de mim Leva o que há de ti Que a saudade dói latejada É assim como uma fisgada No membro que já perdi Oh, pedaço de mim Oh, metade adorada de mim Leva os olhos meus Que a saudade é o pior castigo E eu não quero levar comigo A mortalha do amor Adeus 156 157 5 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS: DAS APOSTAS POSSÍVEIS A UMA PROPOSTA DE CUIDADO AO LUTO [...] ela chorava como nunca chorara antes diante de qualquer ser humano e isso era bom; tinha mais valor do que os meses de pesar solitário, e permitiu que desse um fim àquilo. (SUSAN HILL, In the Springtime oh the Year) O dialogo com os diversos autores citados neste texto, permitiu-me vislumbrar que, dentro das Unidades de Terapia Intensiva, juntamente com os profissionais de saúde e com os familiares é possível buscarmos novas alternativas a fim de olharmos o processo de morte como um cuidado a ser realizado. Lembrando que este cuidado deva estar em sintonia com os limites institucionais, com a autonomia na tomada de decisões de pacientes e familiares e com a ajuda dos diferentes atores que atuam cotidianamente dentro dos bastidores das UTIs. Um cuidado que, na minha aposta, está além do técnico científico, que se expressa na palavra e no silêncio, na escuta e na fala, no contato e no estar por perto, no toque/nos gestos e no olhar, nos braços que carregam e também que abraçam, nos olhos que acompanham e também que choram. Todavia, a realidade de muitas UTIs ainda é a de pacientes e familiares que, ao adentrarem esses espaços, são relegados a um estado de passividade frente aos fatos e perspectivas existenciais; o que de certa forma, retira deles o significado próprio para representar a si mesmo e sua história, por ocasião de seus tratamentos, procedimentos, diagnósticos e do próprio curso da doença para um fim. Ao longo de todo este percurso cujo objetivo principal foi conhecer e analisar a percepção, a experiência e os sentimentos dos familiares que perderam seu ente querido, bem como dos profissionais que prestaram atendimento a eles, sobre a vivência da morte e da comunicação da morte, fica a clareza de que obviamente, este cenário precisa ser transformado. Afinal, cuidar da morte em UTI é acalentar a dor provocada pela perda. É entender que essa dor traz enormes transformações na vida daqueles que ficam e que buscam por aquele que partiu, querendo/desejando trazê-lo de volta, mesmo que no fundo, isso somente seja possível em suas lembranças. Cuidar dessa dor é aceitar que ela desencadeia mudanças, ainda que temporárias, no comportamento dos enlutados, de forma que raiva, choro, gritos, ressentimentos, desejo de isolamento, tristeza, depressão... Podem estar presentes e devem ser acolhidos pelos profissionais como reações normais frente a uma dor tão grande. Particularmente, a raiva e o 158 ressentimento (geralmente), apesar de direcionados a quem está ao redor, não tem um componente pessoal; são antes expressões de uma revolta contra a morte, contra a finitude de quem amam e as perdas que dela advém. O choro, o desespero, os gritos, ou contrariamente, o isolamento e a indiferença, são manifestações agudas de uma dor que esvazia por dentro, que abre buracos, que retira o significado momentâneo da esperança, que rompe com as crenças da imortalidade para si e para aqueles que se ama. Chiattone (2003) nos faz lembrar que esse panorama de desconsideração da subjetividade dos sujeitos adoecidos tende a ser ainda mais relevante quando se trata da situação de uma criança, sendo que o seu adoecimento provoca também no adoecimento da família. Nesta perspectiva, ao contrário daquele representado no cotidiano familiar, o papel da família como cuidadora, na internação hospitalar, passa a ser compartilhado, uma vez que a equipe tem como sua a responsabilidade por alguns dos cuidados anteriormente elencados como dos familiares. A família passa então, a fazer parte de um mundo onde a linguagem é específica e peculiar, onde há de normas e rotinas diferentes de seu cotidiano e, a sua autonomia está associada aos contornos institucionais. Os questionários respondidos pelos profissionais dessa pesquisa falam do despreparo em lidar com o morrer de seus pacientes, não só no comunicar das más notícias, como também em termos de onde, como e quando isso é feito nas UTIs. Implicitamente falam da dificuldade para aceitar a morte daqueles que cuidam. O que demonstra o quanto temas ligados a finitude humana são mantidos ―de lado‖, escondidos das discussões diárias, quase esquecidos durante o cuidado... Não fosse a necessidade de transmitir a má notícia; um discurso que deve ser tarefa do médico. Refletir sobre esse processo nos faz perceber que é vivendo que testemunhamos a morte, e que, nós profissionais das diferentes categorias, também estamos abertos a nos experimentarmos em outros papéis, com outros olhares, inclusive cuidando da morte, e comunicando a má notícia. Essa não é uma prerrogativa de psiquiatras e psicólogos, ou no caso da comunicação, do médico intensivista. Aprender a segurar na mão de pacientes moribundos, acompanhando-os nas diferentes fases (negação, raiva, barganha, depressão e aceitação) da doença terminal até sua despedida, e também a seus familiares na vivência dessas fases e da despedida, é aprender (igualmente) preciosos ensinamentos sobre a própria vida, sua dimensão humana e a singularidade de cada ser. Recentemente, em um estudo de revisão sistemática com metodologia qualitativa e quantitativa cujo objetivo era identificar o apoio ofertado às famílias enlutadas nas UTIs 159 neonatais e pediátricas, os autores concluíram que: as famílias que mesmo após o óbito mantiveram contato com os profissionais sentiram-se mais cuidados, referiram menos solidão e, ao mesmo tempo, que revelaram um sentimento de pertencimento e de consideração (ser lembrado). Neste mesmo estudo, avaliando quantitativamente seis programas de luto para familiares, eles sinalizaram que as famílias que receberam um suporte ou apoio através de email, telefone ou visitas domiciliares, encontrou-se uma associação estatisticamente significativa entre a frequência dos contatos realizado pelos profissionais de saúde e a percepção de conforto e bem referido por estes familiares (DONOVAN, 2015) A convicção de que cuidar das famílias dentro do contexto das UTIs é tão importante quanto cuidar do paciente, trazendo consigo a percepção de que cuidados técnicos fundamentados em práticas baseadas em evidências, quando associado às necessidades dos familiares são um facilitador para o relacionamento entre os profissionais e as famílias. Assim, é possível promover, dentro destas unidades, importantes estratégias de acolhimento, tais como a comunicação de informação, tomada de decisão, o envolvimento na assistência prestada, expectativas realistas associados à recuperação e ao prognóstico tanto para o paciente como para seus familiares. Profissionais (de qualquer categoria) que aprendem a cuidar dessa forma dão enorme auxílio para que pacientes e familiares falem de suas mágoas, de seus medos, de suas culpas, de suas dores, de seus ódios e amores. De jeito que entendam que tudo isso é a dimensão humana; nem condenável, nem louvável. Talvez nisso tudo exista holismo e integralidade expressos no ato de cuidar. Não que isso seja fácil, mas se as aberturas para esse cuidado diferenciado não forem criadas, tampouco ele será possível. Nesse ponto, por exemplo, seminários com doentes terminais efetuados ao longo de toda a carreira de Kübler-Ross, são caminhos para o aprendizado... tudo passa por uma maior discussão do tema morte nos espaços de cuidado e de formação para o cuidado, e em última instância, na própria sociedade. Às vezes nós profissionais nos queixamos de que somos levados à obstinação terapêutica, um pouco, em função do apego de familiares que não abrem mão de ter a seu lado àquele doente que se esvai. Entretanto, se é verdade que posições de pacientes e familiares sobre aceitação ou negação da morte, muitas vezes, também tem a ver com a posição de sua equipe de saúde, convém questionar (também) em que medida não queremos abandonar a luta pela vida quantitativa de nossos pacientes? Assim, com isso, poderemos esquecer-nos de seu aspecto qualitativo, que naturalmente, tendo em vista o mecanicismo em que somos formados, já é uma de nossas dificuldades profissionais. 160 Para o acolhimento dos familiares a ambiência tem que ser pensada de acordo com o perfil dos pacientes atendidos, não obstante, o acolhimento para além do espaço físico deverá ser pautado na postura dos profissionais. Trago aqui, o que já foi sinalizado em páginas anteriores, que a PNH reforça este pensamento quando sinaliza que o apoio aos pacientes e familiares não é um espaço ou um local, mas uma postura que provoca compartilhamento de saberes e implicação de uma equipe multiprofissional encarregada da escuta e resolução dos problemas do usuário/paciente (BRASIL, 2010). Aliado ao processo de tomada de decisões está associado às crenças religiosas, a espiritualidade, os desejos (que podem ser os últimos) atendidos, a interação da família, e a disponibilidade de redes de apoio que permitem a família para superar a situação. As diferenças entre as intuições de saúde, o perfil dos pacientes atendidos, a cultura organizacional, os trabalhadores e gestores deverão elencar as possíveis redes de apoio ofertado aos familiares. Contudo alguns casos são apresentados na literatura e que poderão servir de modelo inicial. Lautrette et al (2007) em um estudo multicêntrico avaliou o impacto de uma medida simples que era o fornecimento de uma brochura ou folheto informativo sobre o processo de cuidado, definição de alguns termos técnicos e de intervenções, e da estruturação física e organizacional da UTI, para alguns paciente elegíveis, sendo um dos critérios a proximidade do paciente coma a morte. Este estudo mostrou que o fornecimento aos familiares de pacientes que estão morrendo na UTI com uma brochura sobre luto foi uma estratégia de comunicação pró-ativa, que incluiu apresentações da equipe para as famílias, possibilitando mais tempo para os membros da família para falar como uma estratégia para diminuir o sentimento de perda. No texto inicial desta brochura, além da descrição das informações que poderiam ser encontradas no documento, havia uma afirmação explícita de solidariedade da equipe da UTI. Os familiares que receberam a brochura além dos cuidados habituais prestados nas UTI apresentaram ao final de três meses do óbito do paciente menor incidência de sintomas de estresse pós-traumático, ansiedade e depressão e menor necessidade de fármacos psicoativos. Embora o tempo despendido aos familiares no primeiro encontro tenha sido maior no grupo da intervenção, o fornecimento da brochura reduziu de modo significativo a necessidade de informações complementares nos encontros subsequentes (STAPLETON et al., 2006; CURTIS et al., 2005). Estudar a comunicação da má notícia e o luto familiar levou-me a ver como, às vezes, receamos em tecer comunicações honestas e abertas sobre o mau prognóstico e o desfecho 161 para a morte, comuns em certas doenças, com nossos pacientes e seus familiares. Não é a toa que eles se ressentem, em certos instantes, de médicos e enfermeiros que acreditaram demais, iludindo suas esperanças, e impedindo-os de se preparar para o fim e de viver com a intensidade requerida por este fim; embora, todos quisessem sempre ter suas esperanças mantidas, mas não sem serem acompanhadas de uma dose adequada de realismo implícito. Por outro lado, a existência de reuniões ou conversas para discutir, com a família, a doença, sua evolução, tratamentos e perspectivas, em espaços e com o tempo-relógio adequado, foi apontada como uma medida facilitadora da aceitação da morte e como um preparo para os instantes de luto. Mais uma prova de que uma comunicação verdadeira, aberta e disponível é essencial não somente diante da morte que se aproxima, mas em todas as situações de cuidado. Essa comunicação não se resume a falar, está presente também nos gestos, no silêncio e, sobretudo, na escuta acolhedora. Especialmente nas situações de luto, ―escutar‖ ou ―estar junto, segurando a mão em silêncio‖, são atitudes que falam por si só, são formas de cuidar; e isso não pode ser feito em pé, em um corredor, para em seguida se ficar sozinho em um saguão. É uma pena que, nas nossas turbulentas tarefas de intensivistas, alarmes, bombas, equipamentos, infusões e traçados de monitores, nos exigem mais atenção do que o próprio paciente ou aquele que com ele se encontra. Por momentos, me dou conta de que cuidamos mais de sons, aparelhos, telas de visores e amostras sanguíneas do que de indivíduos com histórias, medos, receios, ressentimentos, dores, angústias, raivas... do que de indivíduos em que a vida só tem mais um sopro ou que vivenciam a perda com toda a dor que a acompanha. É preciso construir novas propostas, é preciso pensar em outras estratégias. Uma estratégia apresentada como forma de apoio aos familiares dentro das UTIS é a criação que se apresenta como grupo de suporte, e que tem por objetivo auxiliar pessoas durante períodos de ajustamento a mudanças, no tratamento de crises ou na manutenção ou adaptação a novas situações. Sua utilização requer a criação de um ambiente em que seus integrantes possam compartilhar suas experiências e sentimentos com a certeza de serem compreendidos pelos outros participantes. A possibilidade de fazer parte de grupos de apoio pode ser considerada pela família como fonte de suporte social, ao se perceber que os grupos funcionam como sustentáculo para o processo de recuperação e adaptação à nova condição, e ainda como ambiente de transformação psicofísico e psicossocial (PINHEIRO et al., 2008, OLIVEIRA e SILVA, 2010; ALVAREZ et al., 2012). 162 Os grupos de apoio constituem uma importante estratégia de cuidado aos familiares, apresentando-se como ferramenta a ser utilizada na promoção do cuidado prestado, em especial pelo enfermeiro, com vistas à realização da educação em saúde, de prevenção, promoção e recuperação da saúde de indivíduos e grupos sociais. Contudo, apesar de ser uma ferramenta de atenção em saúde, esta técnica precisa aprendida e dominada pelos profissionais. Mcadam e Erikson (2016) em um estudo com o objetivo de determinar a prevalência de programas de luto e o apoio recebido aos familiares em UTI de adultos nos Estados Unidos, concluíram que há uma enorme lacuna nas práticas de apoio as famílias enlutadas. E, uma das barreiras encontradas pelos pesquisadores para transposição desta lacuna foi o custo que este novo modelo de assistência acarretaria e um dos fatores limitantes e que a amostra do estudo era composta basicamente por enfermeiras. Alguns autores trazem exemplos muito simples e factíveis, como se ter uma sala apropriada para as conferências médicas com os familiares e uma política de visitação aberta, foram os pontos positivos levantados pelas famílias entrevistadas. Em outra pesquisa a apresentação de um simples panfleto explicando o que é a UTI e como ela funciona poderá fazer uma enorme diferença no nível de compreensão sobre tratamentos e na satisfação das famílias com o cuidado recebido na UTI (AZOULAY et. al., 2002; HARTLIEB e SIBBALD, 2002). Garros (2003) nos sugere que se tratando de UTI Pediátricas o acompanhamento da família por um "comitê de luto", formado por pessoas com conhecimento e interesse na área, pode proporcionar à família o apoio que eles não encontrarão em outro local, de forma a assisti-los neste processo de pôr um ponto final nessa experiência dolorosa. Algumas maneiras práticas de se atingir esse objetivo são as seguintes: reencontrar a família para discutir os resultados da autópsia, enviar cartas e cartões de aniversário, Natal e demais datas comemorativas, distribuir literatura adequada para ajudar os irmãos e pais, telefonar periodicamente e encaminhar para grupos ou associações de apoio a pais e familiares (TODRES et al., 1998). As entrevistas com os profissionais apresentam o quanto os temas como a morte e o morrer são temas ainda seguem escondidos em nossas discussões diárias, fazendo com que entre no esquecimento e remetendo às dificuldades de abordar estes temas durante o exercício cotidiano do trabalho em saúde. Refletir sobre o processo da morte nos faz perceber que é vivendo que testemunhamos a morte. E que os profissionais também estão abertos a se experimentarem em outros papéis, com outros olhares. 163 O depoimento de um dos familiares dessa pesquisa nos deixa uma linda mensagem sobre apoio e cuidado na UTI, encerrando em si mesmo toda a dimensão de humanidade e amor que o cuidado representa. Por isso mesmo, escolhi-o para encerrar minhas considerações finais: Tudo o que nos passamos dentro da UTI nos faz pensar assim sabe? Precisamos mudar um pouco para melhor. Ser uma pessoa melhor. Tu observar uma pessoa adulta fazendo quimioterapia dói, mas tu observares uma criança fazendo, nossa! Aquilo dói, sabe? Mas eles são tão puros, que eles não têm noção do que está acontecendo ali e, eu ficava observando (...). Como a gente aprende vendo as crianças. Eles são tão puros ainda né? Mas dói... a gente viu, eu vi pelo menos dois óbitos antes da […]. Presenciei, fiquei junto com a família, sabe? Mesmo no meio de tanta dor a gente se sente numa grande família. Na religião a gente aprende que todos somos uma grande família, mas tu não tens muita noção disto. Mas, quando tu estás em um lugar assim tu entendes. Tu percebes que realmente o que é uma grande família, que ali todos têm que se ajudar. Pessoa que tu nunca viste, não conhece, nem sabe de onde vem, estão ali bem próximo. E assim, agem como se fossem íntimos conhecidos teus, sabe? Eu não tinha esta percepção de como era importante à gente se ajudar. Eu fui percebendo que o dia em que eu ia para a UTI, eu fazia falta, alguém sentia a minha falta. Ou quando uma pessoa não ia, ela fazia falta para mim. Sei lá... E a vida sempre continua! (fragmentos da entrevista de EP4) Na mesma medida em que esta fala nos expõe a importância da solidariedade ela também nos alerta que apoio que não está sendo ofertado pelas intuições, já existe na informalidade entre as famílias. Aprendi, ao longo deste trabalho, que são os sentimentos de compaixão, de pertença e de solidariedade que, ao fim de tudo, ajudarão a dar o suporte que as famílias precisam para conseguir encararem a dura verdade da separação. A MINHA DESPEDIDA O amor só sabe o seu tamanho na hora da separação (Gibran s/d) Na fase de conclusão desta pesquisa, tenho certeza do quanto cresci profissionalmente, mas, sobretudo como pessoa. Sigo com a certeza de que aposto cada vez mais no cuidado centrado nas necessidades de pacientes adultos e pediátricos e de seus familiares e, de que é possível auxilia-los na fase da elaboração do luto dentro do cenário da Terapia Intensiva. Entretanto, na medida em que este estudo foi tomando um corpo, novos autores, novos trabalhos, outros prováveis olhares foram surgindo, na certeza de que este estudo acaba, porém a tarefa não. E, ao reconhecer o quanto ainda poderá ser feito, não decreto o luto a esta pesquisa. Contudo, deixo a minha despedida através da musica Os Segundos do Cidadão Quem (1996): 164 Cada acorde em seu lugar Lembra um sorriso Mas não quero lembrar Que a noite vem caindo Trazendo o seu olhar Cada palavra que falei Lembra uma história Que eu nem mesmo sei Mas como vento Vem tão depressa E a verdade é bem mais forte Vou deixar que o destino mostre a direção Foi pouco tempo, mas valeu Vivi cada segundo Quero o tempo que passou Foi pouco tempo, mas valeu Vivi cada segundo Quero o tempo que passou Cada palavra que falei Lembra uma história Que eu nem mesmo sei Mas como o vento Vem tão depressa A verdade é bem mais forte Vou deixar que o destino mostre a direção Foi pouco tempo Mas valeu Vivi cada segundo Quero o tempo que passou Lembrando-me de cada história, do tempo passado, de cada segundo vivido no desenrolar desse estudo... O fato, é que como dizia Moacir Scliar, na UTI a vida está em suspenso... Não é fácil, dentro de um ambiente onde a cura é o desfecho esperado, falar sobre a importância de podermos elaborar as nossas perdas e as perdas dos familiares. Como enfermeira intensivista aprendi que, mesmo aqueles que estão morrendo, continuam vivos e, que quando não houver mais tempo para eles, sempre haverá um tempo para os seus familiares. Também é verdade, que este tempo não está estimado nos protocolos, nos escores, nos índices prognósticos ou guidelines, que fazem parte das ferramentas de trabalho nestas unidades. Acredito que, para além do aprendido ou do cientifico, uma das barreiras de se falar sobre a morte, é que ela não tem representação. A morte, desde sempre, segue irrepresentável. E, mesmo a morte em vida, caracterizada pelo luto, ainda tem sido um assunto de menor interesse dentro deste universo tecnológico. Talvez por que não possa ser medida. Talvez porque nos remeta a nossa própria morte. Entre tantos questionamentos, existe em mim uma certeza, a de que é preciso aprender a nos abandonarmos, e preciso aprender a nos perdermos. Quanto mais próximos da morte 165 nós estivermos, mais poderoso será o aprendizado de que precisamos viver intensamente e conscientemente. Vem da morte a nossa permissão para viver. O compromisso do apoio é o compromisso do acolhimento, é o compromisso do compartilhamento. Ao receber apoio, os familiares que enfrentam momentos da tristeza e da solidão pela presença da morte, poderão ter na lembrança, por mais dialético que sejam estes momentos, como momentos da gratidão, do perdão e do encontro essencial. Creio que o cuidado com o luto para além das portas das Unidades de Terapia Intensiva é possível porque confio de que exista vida até o fim. Sei que muitos pacientes estão fora do alcance da ciência e da medicina, contudo, tenho a certeza de que ninguém precisa estar fora da solidariedade e da compaixão. Da mesma maneira, todos os que não têm mais tempo para viver deverão ter este tempo que resta para si e para sua família. E isto, sem dúvida, faz parte do cuidado e do ser cuidado. O tempo de vida dos pacientes dentro das UTIs também deverá pertencer a sua família. E, ao dar este tempo finito, que poderá ser mais breve do que gostaríamos e de que as famílias e os pacientes precisam, estaremos ajudando-os a elaborarem a perda com mais dignidade e menos angustia. Por certo, as diferenças entre as intuições de saúde, o perfil dos pacientes atendidos, a cultura organizacional, os trabalhadores e gestores deverão elencar as possíveis redes de apoio a serem ofertadas aos familiares em vivência do luto. Contudo, alguns casos são apresentados na literatura e podem servir de modelo inicial, entre eles:  Grupos de suportes e autoajuda, dentro da própria UTI, com trocas de experiências sobre a dor da perda e sobre formas de reviver e encontrar uma nova identidade; onde familiares tenham espaços formais de compartilhamento, guiados por um moderador experiente;  Comitês de apoio ao luto que contem com a participação de profissionais e voluntários interessados no tema e com preparo para dar suporte às equipes e famílias;  Grupos de apoio a indivíduos enlutados da própria comunidade, de associações, organizações não governamentais, clubes e bairros;  Aconselhamento individual ou familiar ao luto, por meio de profissionais especializados (psiquiatras e psicólogos) da própria instituição ou ―conselheiros selecionados e treinados para este fim‖;  Espaço espiritual ecumênico na instituição, que conte com indivíduos preparados para entender as manifestações do luto, sobretudo, a raiva, o ressentimento e a depressão. 166 Medidas de apoio como essas apontadas são exemplos de estratégias de cuidado aos familiares, apresentando-se como ferramentas para a atenção ao luto desde a comunicação de um mau diagnóstico, passando pelo luto antecipatório, até o luto pós a morte. Esta não é (e não será) tarefa fácil, não há receita pronta, pois, assim como cada família é única, também cada instituição tem suas diferenças, suas fortalezas e fragilidades. É preciso conhecer onde trabalhamos, o quê representamos, qual a força do nosso trabalho. Cada instituição hospitalar tem seu conjunto de trabalhadores, tem sua cultura e a sua filosofia e missão organizacional. Cabe então, aos gestores, aos trabalhadores, a pacientes/usuários e familiares oportunizarem-se para que possam estruturar uma rede de apoio que esteja pautado nas múltiplas faces e com os múltiplos atores do cuidado. E a música? A música sempre fará parte da minha vida! 167 REFERÊNCIAS ABBOT, R H et al. Families looking back: one year after discussion of withdrawal or withholding of life-sustaining support. Crit Care Med, Mount Prospect, v. 1, n. 29, p.197201, 2001. ADAMS, A.; MANNIX, T.; HARRINGTON, A. Nurses' communication with families in the intensive care unit– a literature review. 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Cristianne Maria Famer Rocha Você está sendo convidado a participar de uma pesquisa de cunho acadêmico do Programa de PósGraduação da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, intitulada: “O Cuidado com o Luto para Além das Portas das Unidades de Terapia Intensiva: Uma Aposta e uma Proposta‖. O objetivo principal é analisar a percepção dos familiares que perderam seu ente querido, bem como dos profissionais que prestaram atendimento dentro da UTI do Hospital Nossa Senhora da Conceição e da UTI Pediátrica do Hospital de Clínicas, ambos na cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. A escolha do tema se justifica pela importância de qualificar a assistência prestada aos pacientes internados na UTI e seus familiares, assim como tornar os profissionais mais capazes de lidar com o luto. O trabalho está sendo realizado pela pesquisadora Nára Selaimen Gaertner de Azeredo, sob a orientação do Prof. Dr. Paulo Roberto Antonacci Carvalho e da Profa. Dra. Cristianne Maria Famer Rocha. Para alcançar os objetivos do estudo, será realizada uma entrevista individual, gravada em áudio, com duração aproximada de 60 minutos, na qual você irá responder algumas perguntas pré-estabelecidas. Os dados de identificação serão confidenciais e os nomes preservados. O local, previamente acordado entre as partes para esta entrevista, terá a garantia da privacidade dos participantes. Os dados obtidos serão utilizados somente para este estudo, sendo os mesmos armazenados por mim durante 5 (cinco) anos e, após, totalmente destruídos (conforme preconiza a Resolução nº 196/96). EU_________________________recebi as informações sobre os objetivos e a importância desta pesquisa de forma clara e concordo em participar do estudo. Declaro que também fui informado: 1. Da garantia de receber resposta a qualquer pergunta ou esclarecimento acerca dos assuntos relacionados a esta pesquisa. 2.De que minha participação é voluntária e terei a liberdade de retirar o meu consentimento a qualquer momento e deixar de participar do estudo, sem que isto traga prejuízo para a minha vida pessoal e nem para o atendimento prestado a mim. 189 3.Da garantia que não serei identificado quando da divulgação dos resultados e que as informações serão utilizadas somente para fins científicos do presente projeto de pesquisa.Da garantia de que não terei nenhum custo financeiro ao realizar esta pesquisa 4.Sobre o projeto de pesquisa e a forma como será conduzido e que, em caso de dúvida ou novas perguntas, poderei entrar em contato com a pesquisadora Nára Selaimen Gaertner de Azeredo, residente na Rua Coronel Armando Assis 123, na cidade de Porto Alegre. Telefone para contato: (51) 9981-4698. 5. Se houverem dúvidas quanto a questões éticas, poderei entrar em contato com Daniel Demétrio Faustino da Silva, Coordenador-geral do Comitê de Ética em Pesquisa do GHC pelo telefone (51) 3357-2407, endereço Avenida Francisco Trein 596, 3° andar, Bloco H, sala 11. Declaro que recebi cópia deste Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, ficando outra via com a pesquisadora. Porto Alegre, ___, de ________________ de 20__. _____________________________ Assinatura do participante da pesquisa Nome: _____________________________ Assinatura da pesquisadora Nome: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para participação dos familiares HCPA: Título da Pesquisa: ―O cuidado com o luto para além das portas das Unidades de Terapia Intensiva: Uma proposta e uma aposta‖ Pesquisadora: Nára Selaimen Gaertner de Azeredo Orientadores: Prof. Dr. Paulo Roberto Antonacci Carvalho e Profa. Dra. Cristianne Maria Famer Rocha Você está sendo convidado a participar de uma pesquisa de cunho acadêmico do Programa de PósGraduação da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, intitulada: ―O Cuidado com o Luto para Além das Portas das Unidades de Terapia Intensiva: Uma Aposta e uma Proposta‖. O objetivo principal é analisar a percepção dos familiares que perderam seu ente querido, bem como dos profissionais que prestaram atendimento dentro da UTI do Hospital Nossa Senhora da Conceição e da UTI Pediátrica do Hospital de Clínicas, ambos na cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. A escolha do tema se justifica pela importância de qualificar a assistência prestada aos pacientes internados na UTI e seus familiares, assim como tornar os profissionais mais capazes de lidar com o luto. O trabalho está sendo realizado pela pesquisadora Nára Selaimen Gaertner de Azeredo, sob a 190 orientação do Prof. Dr. Paulo Roberto Antonacci Carvalho e da Profa. Dra. Cristianne Maria Famer Rocha. Para alcançar os objetivos do estudo, será realizada uma entrevista individual, gravada em áudio, com duração aproximada de 60 minutos, na qual você irá responder algumas perguntas préestabelecidas. Os dados de identificação serão confidenciais e os nomes preservados. O local, previamente acordado entre as partes para esta entrevista, terá a garantia da privacidade dos participantes. Os dados obtidos serão utilizados somente para este estudo, sendo os mesmos armazenados por mim durante 5 (cinco) anos e, após, totalmente destruídos (conforme preconiza a Resolução nº 196/96). Eu_____________________________recebi as informações sobre os objetivos e a importância desta pesquisa de forma clara e concordo em participar do estudo. Declaro que também fui informado: 1. Da garantia de receber resposta a qualquer pergunta ou esclarecimento acerca dos assuntos relacionados a esta pesquisa. 2. De que minha participação é voluntária e terei a liberdade de retirar o meu consentimento a qualquer momento e deixar de participar do estudo, sem que isto traga prejuízo para a minha vida pessoal e nem para o atendimento prestado a mim. 3. Da garantia que não serei identificado quando da divulgação dos resultados e que as informações serão utilizadas somente para fins científicos do presente projeto de pesquisa. 4. Da garantia de que não terei nenhum custo financeiro ao realizar esta pesquisa 5. Sobre o projeto de pesquisa e a forma como será conduzido e que, em caso de dúvida ou novas perguntas, poderei entrar em contato com a pesquisadora Nára Selaimen Gaertner de Azeredo, residente na Rua Coronel Armando Assis 123, na cidade de Porto Alegre. Telefone para contato: (51) 9981-4698. 6. Se houverem dúvidas quanto a questões éticas, poderei entrar em contato com José Roberto Goldim, Coordenador do Comitê de Ética em Pesquisa do HCPA pelo telefone (51) 3359-7640, endereço Rua Ramiro Barcelos 2.350 sala 2277 F. Declaro que recebi cópia deste Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, ficando outra via com a pesquisadora. Porto Alegre, ___, de ________________de 20__ Assinatura do participante da pesquisa Nome: ____________________________ Assinatura da pesquisadora Nome: _____________________________ 191 Apêndice B Questionário Este questionário faz parte da pesquisa para Tese de Doutorado, que está sendo realizada por Nára Selaimen Gaertner de Azeredo, sob a orientação do Prof. Dr. Paulo Antonacci Carvalho e da Profa. Dra. Cristianne Maria Famer Rocha. Está sendo realizada junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Medica: Saúde da Criança e do Adolescente. Tem por objetivo analisar a percepção dos familiares que perderam seu ente querido, bem como dos profissionais que prestaram atendimento dentro da UTI do Hospital Nossa Senhora da Conceição e da UTI Pediátrica do Hospital de Clínicas, ambas na cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Desde já, está assegurado o anonimato, bem como o caráter sigiloso daqueles que responderem este instrumento de coleta de dados. Assim, ao responder este questionário, você estará aceitando participar desta pesquisa. Você terá seu anonimato garantido. Também estará assegurado que esta pesquisa só será utilizada para fins acadêmicos e científicos. Caso aceite participar, por favor, responda cada um dos itens abaixo e, após, deposite a mesma na caixa de coleta que se encontra na UTI. Caso não queira participar desta pesquisa, você não sofrerá nenhum prejuízo em seu local de trabalho. QUESTIONÁRIO Sexo ( ) Masculino ( ) Feminino Profissão ( ) Médico ( ) Enfermeiro Idade ( ) de 20 a 30 anos ( ) de 31 a 40 anos ( ) de 41 a 50 anos ( ) mais de 50 anos Tempo de formado ( ) de 5 a 10 anos ( ) de 11 a 15 anos ( ) de 16 a 20 anos ( ) de 21 a 25 anos ( ) de 26 a 30 anos ( ) mais de 30 anos Trabalhando na UTI ( ) de 0 a 5 anos ( ) de 6 a 10 anos ( ) de 11 a 15 anos ( ) de 16 a 20 anos 192 ( ) de 21 a 25 anos ( ) mais de 25 anos Quem comunica o óbito aos familiares na sua instituição? ( ) médico ( ) enfermeira ( ) médico residente ( ) assistente social ( ) Outros. Quem? _______________________ Você já comunicou algum óbito? ( ) sim ( ) Não Em sua prática profissional, com que frequência você comunica o óbito aos familiares: ( ) muito frequente ( ) frequente ( ) pouco frequente ( ) raramente Em sua opinião, o local onde o familiar recebe a notícia do óbito, na sua instituição, é adequado? ( ) completamente adequado ( ) adequado ( ) inadequado ( ) completamente inadequado Você se sente preparado para dar a notícia de óbito aos familiares de um paciente? ( ) completamente preparado ( ) preparado ( ) despreparado ( ) completamente despreparado ( ) Outros. Como?_____________________________________________ Como você percebe a entrada e/ou permanência dos familiares dentro da UTI onde você trabalha no processo de morte/morrer dos pacientes? ( ) como um direito ( ) como uma obrigação ( ) como um incômodo ( ) como parte do tratamento ( ) Outros. Como?______________________________________________ Em sua opinião, a família deveria estar presente no momento da morte do seu familiar? ( ) deveria ( ) não deveria ( ) não tenho certeza 193 Em sua opinião qual o sentimento que descreve os familiares na UTI no momento da morte do seu familiar? ( ) medo ( ) solidão ( ) impotência ( ) tristeza ( ) angústia ( ) abandono ( ) Outro ______________________________________________________ Temas como morte/morrer e família são discutidos pela equipe na UTI onde você trabalha? ( ) muito frequentemente ( ) frequentemente ( ) pouco frequentemente ( ) raramente ( ) nunca Em sua opinião a visita ampliada deveria acontecer11: () para todos os pacientes ( ) somente nos casos amparados pelos estatutos ( ) somete nos casos de terminalidade ( ) somente em casos autorizados pela equipe ( ) a visita ampliada não deveria acontecer Você é a favor das UTIs abertas, isto é, com visitas 24 horas12? ( ) Sim ( ) Não 11 Questão somente aplicada na UTIA 12 Questão somente aplicada na UTIA 194 Apêndice C Roteiro de Entrevista 1. Qual o grau de parentesco com o paciente que esteve internado? 2. Por qual motivo o paciente esteve internado? 3. Qual foi a sua percepção da UTI? 4. Quando você foi comunicado do óbito do seu familiar? Quanto tempo ocorreu entre a morte do seu familiar a notícia da morte recebida por você? 5. A linguagem usada pelos profissionais da UTI era de fácil entendimento? Caso não tenha entendido, o que houve naquele momento, foi-lhe explicado novamente? Em relação à notícia do óbito do seu familiar, como você foi comunicado pela a equipe multiprofissional? 6. Onde foi comunicada a morte do seu familiar? Em sua opinião, o local da conversa foi adequado? 7. A morte do seu familiar era um evento esperado? A morte foi um assunto conversado com você antes dela ter ocorrido? 8. Você recebeu algum tipo de apoio no momento em que foi comunicada a morte ou após o óbito do seu familiar? Apêndice D Planilha Numeração 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 Data do óbito Instituição Contato para entrevista 195 196 Apêndice E PERCEPÇÕES ACERCA DA UTI: “DENTRO DAQUELA PORTA TU TENS O CÉU OU TU TENS O INFERNO” RESUMO Nára Selaimen Gaertner de Azeredo Paulo Roberto Antonacci Carvalho Cristianne Maria Famer da Rocha Introdução: Famílias confrontam-se com a sensação de impotência que acompanha o adoecimento e a possibilidade (às vezes certeza) da morte dos seus familiares, vivenciando os diferentes estágios do luto. Objetivos: Esta pesquisa tem por objetivo conhecer as percepções e vivências, de familiares, durante a experiência da morte de entes queridos internatos em unidades de terapia intensiva (UTI) adulto e pediátrica de dois hospitais públicos de Porto Alegre. Metodologia: Trata-se de uma pesquisa qualitativa de caráter descritivo exploratório. A coleta dos dados deu-se por meio de entrevistas do período compreendido entre o primeiro semestre de 2013 e primeiro semestre de 2015. As entrevistas foram realizadas em local reservado, previamente agendado com familiares e gravadas. A média de tempo das entrevistas foi de aproximadamente 45 minutos. Os dados foram tratados pela técnica de análise de Conteúdo. Resultados: para melhor organização dos dados os resultados foram divididos em três categorias: percepção da família sobre a ambiência do serviço de terapia intensiva; família, paciente e equipe multiprofissional: uma aproximação necessária e, família e o processo de morte e morrer em UTI. Conclusões: família e profissionais deverão estabelecer um vínculo de cuidados pautados no acolhimento, nas condições de permanência dentro da unidade de terapia intensiva permitindo com isto que a solidão da morte deixe de ser uma realidade dentro destas unidades. INTRODUÇÃO O modelo de morte nos dias atuais foi se configurando através dos acontecimentos. A morte de hoje é institucionalizada pelas técnicas médicas, ocorrendo dentro do cenário hospitalar. Essas mudanças em sua configuração são advindas das transformações sociais e culturais que ocorreram ao longo de várias décadas. São elas ―extremamente lentas por sua própria natureza ou se situam entre longos períodos de imobilidade‖ (ARIÈS, 2012, p. 20). O conceito de morte evoluiu acompanhando a evolução tecnológica e científica do mundo; de modo que, no Século XX, sua conceituação passa a vincular-se à ideia de um acontecimento puramente biológico, separado do sentimento humano. Define-se a ideia de 197 morte cerebral. Entretanto, a despeito desta sua significação científica, os aspectos humanos e transcendentais envoltos na morte vêm sendo cada vez mais debatidos pela sociedade contemporânea (PESSINI, 2007). Com os recursos destinados à manutenção/prolongamento da vida, a Medicina criou hoje a ―morte hospitalar‖. Esse hospital, enquanto um lugar para morrer, é silencioso. Para nós, profissionais da saúde, a morte passa a ser controlada, medicalizada e monitorizada. Para o paciente, o morrer torna-se solitário e, geralmente, traz consigo uma enorme angústia, que acompanha a ideia de mistério embutida na palavra morte (MENEZES, 2001). O cenário da Unidade de Tratamento Intensivo nos remete, inicialmente, a doenças graves, a grande densidade tecnológica e a equipes altamente qualificadas. Os cuidados ali dispensados abrangem uma vigilância constante do paciente, por uma equipe multidisciplinar, e o uso de sofisticadas tecnologias, na busca do reestabelecimento da saúde (SILVA et al., 2011). Ao mesmo tempo, tais unidades têm sido correlacionadas à terminalidade e, consequentemente, à morte. Para o indivíduo hospitalizado, a família é o seu grupo social de maior importância, quem o auxilia no equilíbrio emocional, na busca pela felicidade e bem-estar (RIBEIRO e SANTOS, 2008). A humanização do cuidado nas UTIs não consiste em apenas autorizar visitas ou em ampliar a sua durabilidade, mas inclui, especialmente, a criação de um vínculo de confiança e de ajuda ao paciente e seus familiares, onde a identificação das legítimas necessidades de ambos seja vista como uma competência imprescindível à equipe multiprofissional. Há uma necessidade preemente de interação, comunicação e envolvimento entre os prestadores de cuidado e os familiares do paciente (AL-MUTAIR et al., 2014b) Diante do exposto este estudo tem por objetivo conhecer as percepções e vivências de familiares, durante a experiência da morte de familiares internatos em unidades de terapia intensiva adulto e pediátrica de dois hospitais públicos de Porto Alegre. METODOLOGIA Trata-se de um estudo exploratório-descritivo de abordagem qualitativa e cunho social realizado em dois grandes hospitais da cidade de Porto Alegre. Participaram do estudo cinco familiares de pacientes internados que morreram na UTI Pediátrica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) e 20 familiares da UTI Adulto do Hospital Nossa Senhora da Conceição (HNSC) no período entre o primeiro semestre de 2013 e o primeiro semestre de 2015. 198 Incluiu-se familiares (neste estudo: pais, irmãos, netos, cônjuges e cuidadores) de pacientes com internação igual ou superior a sete dias, cujo desfecho foi o óbito. Foram excluídos da investigação aqueles familiares que não aceitaram participar da proposta. Os sujeitos dessa investigação foram convidados a participar da pesquisa e tiveram o livre arbítrio para decidirem quanto a sua participação. Aqueles que aceitaram, assinaram, sem exceção, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. As entrevistas ocorreram no período compreendido entre o primeiro semestre de 2013 até o primeiro semestre de 2015. A pesquisadora acessou o contato dos familiares por meio de busca em dados dos prontuários dos pacientes que morreram nessas unidades. Assim, tanto os registros contendo a data do óbito quanto os dados de identificação dos familiares, foram retirados do censo diário das UTIs, e repassados para uma planilha da pesquisadora na intenção de que dados não fossem perdidos. Após dois meses da ocorrência do óbito, a pesquisadora realizou contato telefônico aleatoriamente com os familiares cadastrados na instituição, convidando-os a participarem da pesquisa. A entrevista foi agendada previamente, entre as partes em termos de data e horário, e gravadas digitalmente, mediante autorização dos entrevistados. O local de escolha para os familiares do HNSC foram às dependências da própria instituição, tendo sido garantida a privacidade, a segurança e tranquilidade necessárias. Por outro lado, para as famílias do HCPA, o local de escolha foi as suas próprias residências, nas cidades em que residiam. As entrevistas foram realizadas em aproximadamente 40 minutos. Todas as entrevistas foram transcritas, a fim de se possibilitar uma melhor análise dos dados. Os entrevistados foram denominados da seguinte forma: EP1 (entrevista pediátrica 1) e assim sucessivamente, para familiares do HCPA; EA1 (entrevista adulto 1) e assim sucessivamente, para familiares do HNSC. Desta maneira garantiu-se o necessário anonimato em todas as etapas da pesquisa. Os dados originados das entrevistas dessa pesquisa foram processados através da Análise de Conteúdo (BARDIN, 2011) a qual configura um método de análise interpretativa que oferece sentido às pesquisas de cunho social buscando compreender as possíveis realidades, expressas ou não, nas mensagens analisadas. Por fim, ressalta-se que essa etapa de coleta dos dados somente foi efetivada após submissão e aprovação desta pesquisa de pesquisa nos Comitês de Ética em Pesquisa de 199 ambas as instituições onde esta pesquisa foi realizada sob número 154.295 e 595.436 respectivamente. Da mesma forma, o estudo apenas foi efetivado após autorização da Chefia da UTI de Pediatria do HCPA e da Gerência de Internação do HNSC. Na sua concretização, seguiram-se às recomendações acerca de pesquisas com seres humanos expressas na Resolução MS/CNS 466/2012 (CNS, 2012). RESULTADOS Realizou-se 94 contatos telefônicos com os familiares de pacientes que morreram nas UTIs em estudo. Desses, 25 manifestaram interesse pela proposta e foram entrevistados. Sobre os familiares de crianças falecidas na UTI pediátrica do HCPA, realizou-se um total de 22 ligações, destas, cinco familiares aceitaram participar do estudo. Em relação ao contato realizado com os familiares de pacientes internados na UTI do HNSC foram realizados 72 contatos telefônicos e 20 aceitaram participar do estudo. A partir da leitura e interpretação dos dados, emergiram três categorias:  Percepção da família sobre ambiência dos serviços de terapia intensiva;  Família, paciente e equipe multiprofissional: uma aproximação necessária;  A família e o processo de morte e morrer na UTI. A seguir serão discutidas as categorias estabelecidas nesta pesquisa: PERCEPÇÃO DA FAMÍLIA SOBRE A AMBIÊNCIA DOS SERVIÇOS DE TERAPIA INTENSIVA A hospitalização em UTI, na grande maioria das vezes, é um acontecimento inesperado ou ao menos, não pensado, que provoca mudanças do cotidiano e na estrutura familiar; requerendo e levando a alterações de (ou novos) papéis nessa instituição. Os entrevistados, ao falarem a cerca de sua percepção da UTI, apontam para a ambiência como elemento do cuidado. Os depoimentos em sequência remetem à impressão que tiveram os familiares de pacientes internados na UTI Adulto sobre a estrutura e ambiência local. Minha cunhada achava que o hospital XX seria muito melhor. Mas quando ela veio aqui ficou maravilhada com a higiene do hospital, a cama, tudo limpinho, tudo organizado. (EA2) Um ambiente calmo, tranquilo, via os médicos e os técnicos sempre presentes, sempre de plantão. Acho que ele foi bem cuidado. Me pareceu que o ambiente era bem tranquilo, de vigilância total, o tempo todo, permanentemente. Isto que eu percebi. (EA4) As palavras dos familiares reafirmam um ideário e uma conotação de UTI enquanto uma unidade aparelhada, dotada de inúmeras tecnologias (em nível de materiais e 200 equipamentos) para oferecer o suporte à vida e intervir minimizando o risco de morte. Ter essa disponibilidade tecnológica representa, de certa maneira, ―bom atendimento‖, na medida em que, ao olhar leigo, parece haver o aparelhamento adequado e necessário à atenção às urgências e emergências médicas, com preservação da vida. Os entrevistados, em relação à existência da condição de privacidade e quartos individualizados em uma UTI elencaram este item como um ponto positivo, pois não se sentiram expostos num momento de tanto sofrimento e fragilidade. Os fragmentos abaixo confirmam este argumento: [...] Eu achei uma coisa de outro mundo. Meu familiar estava em um lugar separado, tinha toda a privacidade ali [...]. (EA11) [...] Acredito que na parte tecnológica fizeram tudo o que poderia ser feito [...] Parecia que ela estava em um hospital particular. Quando eu entrava na UTI nem parecia que eu estava no mesmo hospital. Parecia que estava em outro lugar. Bem moderno e muito acolhedor. Eu acho que tinha tudo que ela precisasse caso acontecesse alguma coisa [...]. (EA11) A afirmação de ―na parte tecnológica fizeram tudo o que poderiam fazer‖, ou de que ―tinha tudo que ela precisasse caso acontecesse alguma coisa‖ reitera um sentimento de afirmação, para si mesmo, de que todo o recurso disponível esteve ao alcance dos familiares no processo de enfrentamento da doença que cursou com o desfecho da morte. FAMÍLIA, PACIENTE E EQUIPE MULTIPROFISSIONAL: UMA APROXIMAÇÃO NECESSÁRIA. Os depoimentos de familiares de pacientes internados em UTI desse estudo falam-nos sobre essa presença na vivência da hospitalização e da estrutura que lhes é oferecida. No que diz respeito ao tempo de permanência na UTI, assim como, a flexibilização de horários de visitas os relatos abaixo nos mostram o seguinte: [...] O ambiente é muito calmo. A gente vinha nos horários de visita. São 03 horários né? Apesar de ser pouco tempo, eu vinha as 03 vezes no dia (...). Depois ele ficou no isolamento e não podia receber os familiares. Só uma pessoa por visita [...]. (EA4) Em relação ao horário de visita acho que poderiam deixar mais de uma pessoa entrar e aumentar um pouco o tempo. É meia hora não é? [...]. (EA8) A despeito disso percebe-se que os horários de visitas, nas UTIs adultos, sobretudo, não têm se mostrado suficientes para garantir a proximidade entre família e paciente, e tampouco, tem garantido o estabelecimento de vínculos com a equipe assistencial. A forma como estão estabelecidos, na maioria das vezes, dificulta ou inviabiliza que os familiares se sintam, verdadeiramente, parte do cuidado; ou que a equipe os enxerguem como tal. Mais comumente são reduzidos à condição de visitantes, no caso da unidade para 201 adultos, ou de acompanhantes, no caso da hospitalização infanto-juvenil. Os relatos a seguir nos mostram o quanto é importante a ambiência para o acolhimento das famílias: Quando eles queriam fazer alguma coisa com [...] eles pediam para eu sair, senão eu ficava ali. Tem uma cadeira... Eu dormia na cadeira... Eu fiquei o tempo todo ali, inclusive sai do meu emprego. A gente pode ficar o tempo todo ali dentro [...]. (EP1) Caso possa ficar um familiar junto que haja um espaço físico um pouco melhor, maior... Só isto! [...]. Na UTI poderia ser melhor, tanto que a gente não ficou por duas situações, a gente optou por não ficar, pois toda a hora alguém pedia: Dá licença? Tem que mexer na máquina. Pode dar licença?... E principalmente à noite... Tu ficas ali e não tem o que fazer... Mas, não sei se de repente, pudesse ter um local para o familiar [...]. (EP3) De fato, o adoecimento e a hospitalização representam rupturas no cotidiano familiar. Em geral, os indivíduos envolvidos nesse processo deixam de trabalhar, rompem vínculos com outros familiares e amigos, além de abandonarem muitas de suas atividades habituais. Destaque-se igualmente que, quando um familiar proclama ―É que não dá para imaginar outro jeito, cheio de aparelho (...)‖, eles manifestam entender a dinâmica local e suas peculiaridades tecnológicas, mas ao mesmo tempo, reconhecem o quanto estressor é tudo isso. Fatores como luz acesa, interrupção do sono pela equipe, necessidade de monitorização contínua, o ―ter de ficar parado‖ sem nada para fazer e a falta de privacidade para as necessidades fisiológicas são apresentados como agentes estressores para si, para o internado e até mesmo para a equipe. O exemplo do colocado no depoimento a seguir: Uma coisa que me incomodava, que eu acho que incomodava qualquer pessoa que estava dentro da UTI era o barulho. Eles me disseram que não tem muito que fazer sabe? Eles precisam daquele barulho. Isto ali era muito estressante (...). O barulho dos equipamentos dentro da UTI... Ai isto é muito estressante... Eu fico imaginando uma pessoa adulta, criança, criança é mais fácil deles relaxarem assim, eu fico imaginado um adulto assim, acordado dentro de uma UTI com aquela barulheira... Eu escutava direto aquele barulho assim, na minha orelha... Dormia, acordava e aquele barulho ficava na minha cabeça... Era muito barulho ali. (EP4) No depoimento dado anteriormente é perceptível, todavia, não se tratar apenas de uma referência ao ruído ambiental propriamente dito, mas também ao sentimento e lembrança constante da possibilidade da perda, da tensão e apreensão em torno do filho que está morrendo. Como um pensamento que nunca adormece, que sempre está ali, ao cochilar, ao sonhar e ao despertar. O depoimento abaixo remete a comunicação e abordagem da possibilidade da morte na UTI: Em relação à equipe médica, aos enfermeiros, sempre foi nos informados sobre a situação que eles estavam enfrentando [...]. Ele veio a falecer na terça a noite. Mas, os médicos me dizendo que fizeram tudo. A única coisa que eu disse para eles foi que não adiantava eles me dizerem que fizeram tudo, porque eu não sei se vocês fizeram tudo. Eu acho que vocês fizeram pelo atendimento e pelas respostas que vocês me deram. (EP3) 202 A comunicação nem sempre representa a realidade vivida, se ela mascara a possibilidade da morte já evidente, ―se há otimismo em excesso‖ por parte da equipe, as famílias acabam ―iludidas‖ acerca da real condição de saúde, confusas em torno do desfecho a esperar, o que retarda a vivência do luto, podendo inclusive torná-lo crônico ou traumático. O depoimento em sequência traz essa dimensão: [...] Atendimento foi perfeito. Não tenho nenhuma reclamação. Nem mesmo quando ela faleceu. O médico era um amor de pessoa [...]. Antes eles diziam que ela estava bem, melhorando a cada dia. Isto eu achei ruim: os médicos são otimistas demais [...], só acho que os médicos não podem nos iludir, eles tem de nos dizer a verdade sobre a situação. Apenas isto! (EA19) A importância dessa comunicação aberta está, sobretudo, na consideração de que uma ―morte previsível‖ apresenta tendência menor a alterar o ajustamento psicológico dos enlutados do que no caso da morte prematura ou inesperada. Na prática, em circunstâncias incertas, quando a possibilidade do morrer não é considerada e/ou encarada, é muito difícil que haja um adequado aparelhamento para tal ou um reconhecer previamente o ―depois que acontecer‖; afinal, a ameaça tende a ser deixada de lado, porque simplesmente não há necessidade de se organizar para aquilo que é incerto. Em relação ao acolhimento, a necessidade dos familiares, independente da idade do paciente internado está pautada na postura dos profissionais e não somente no ambiente. Acolhimento é postura profissional como descrito nas falas abaixo: Nós gostamos muito do tratamento que recebemos aqui, porém é claro que em casa ficamos todos apreensivos. A minha percepção é de que ele estava muito bem tratado até nos detalhes como fazer a barba, deixar ele com dignidade [...]. As pessoas que nos orientavam sempre faziam isto de forma muito simpática, prestimosa, não tinham um falso sorriso [...]. Nós não achamos que ele teria sido tratado melhor em outro hospital [...]. (EA13) Eu achei o atendimento ótimo. Os enfermeiros eram muito queridos [...]. Sempre comentávamos como os enfermeiros eram queridos e atenciosos. Perguntávamos algumas coisas e eles sabiam responder. Os médicos também eram muito queridos, vinham todo o dia dar um parecer. (EA20) O tratamento deles para mim foi dez. As enfermeiras, os médicos. Lá dentro tudo... Nunca se negaram a nada, nada [...]. Naquele dia me chamaram, pois ela estava parando [...], eu não dormi a noite toda porque eles ficaram indo e vindo em volta dela o tempo todo. Por isto não tenho o que falar. Só tenho a agradecer e mais nada. (EP2) Ambiente aqui é pesado, mas fomos muito bem atendidos, principalmente na UTI. Eu creio que os profissionais estão preparados para atender as necessidades dos pais [...]. É ruim ver os médicos furando nossos filhos, fazendo procedimento [...], sai e fiquei aguardando na sala de espera. Quando a médica me chamou de volta já estava intubado, então ela me disse: ―nunca vi uma criança se esvair das mãos da gente como está acontecendo com XX‖. (EP5) 203 Os relatos anteriormente expostos denotam que as famílias que passam pelo difícil momento da internação em UTI, beneficiam-se de um convívio mais próximo e de maior vínculo com os profissionais que ali atuam. Daí por que, estar disponível é uma qualidade essencial para todos aqueles que cuidam. O vínculo somente se estabelece e se concretiza se os indivíduos envolvidos são capazes de praticar a escuta atenta e eficaz, demonstrando receptividade, mesmo quando o cuidado ―curativo‖ já não pode mudar o curso da doença e a morte seja o desfecho esperado. FAMÍLIA E O PROCESSO DE MORTE E MORRER EM UTI. A hospitalização em Terapia Intensiva é angustiante, da mesma maneira, a visão de tantos aparelhos ligados ao corpo, invadindo e expondo o indivíduo, muitas vezes, é assustadora para os seus familiares, causando-lhes pavor e estresse. Por isso que eu disse que esse é um ambiente muito pesado. É muito difícil tu ouvires uma notícia boa vinda da UTI [...]. O meu marido me dizia que sentia como se estivesse entrando no inferno, pois era muita pressão. É sempre uma expectativa. Tu olhas para o lado e tem uma mãe sofrendo. Tu vais para a sala de visitas e o que tu encontras é outra mãe falando sobre seu filho. Outra pessoa está com o neto internado, pois a mãe abandonou o filho e é a avó que cria. Então, são notícias pesadas. É difícil aguentar firme ali [...] (EP5) Os familiares entrevistados manifestaram, direta ou indiretamente, terem vivenciado angústia, tristeza, desespero, agonia, sofrimento e uma sensação de impotência durante a internação do seu familiar; em razão da gravidade dos casos, da vontade de querer ajudar e pouco poder fazer, ou pelo constante medo da morte. O desalento, a consternação e a mágoa também estiveram presentes; assim como o reconhecimento e gratidão pela assistência prestada. [...] Inclusive, eu me lembro de que quando vim visitar, entrei em desespero e comecei a chorar. Teve um enfermeiro que veio me dar um abraço, me deu um copo de água e me explicou sobre o estado de saúde dele. (EA5) Existe uma porta e dentro daquela porta tu tens o céu ou tu tens o inferno. É isto que nos percebemos na UTI. Entramos aqui e fomos atendidos de uma maneira que eu nunca esperei [...]. Aqui na UTI é o estágio final, mas foi o melhor estágio. Aqui ele teve dignidade. (EA3) Na semana que minha mãe morreu eles trocaram o médico que cuidava dela– acredito que eles trocam a cada mês, não sei (...). O médico havia dito que o único órgão da minha mãe que não estava funcionando com ajuda de aparelhos era o coração, o resto todo já estava funcionando por aparelhos. E, desejava saber o que nos queríamos fazer. Disse a ele que era uma pergunta muito difícil e que eu não saberia responder. Mas, que antes da minha mãe ir para a UTI nos havíamos dito que não queríamos ver a nossa mãe viva somente por estar ligada por aparelho. Não deu tempo, ela morreu naquela noite. (fragmentos da entrevista de EA11) [...] Ele tinha conforto. Ele partiu porque chegou a hora, não havia mais condições para o corpo dele [...]. (EA2) 204 A dificuldade de médicos e outros membros da equipe de saúde em ―falar sobre‖ a possibilidade real de evolução para o desfecho ―morte‖ parece refletir também uma dificuldade desses profissionais em aceitar que a morte sempre existirá a despeito da evolução da medicina; e que ela não representa, nem de longe, um fracasso médico ou de enfermagem, ou de fisioterapia ou de qualquer outro membro da equipe. DISCUSSÃO O ambiente de cuidados intensivos, uma vez pensado para assistir pacientes graves e instáveis, pode ser considerado como de alta complexidade e densidade, por contar com aparato tecnológico denso, informatização e um ritmo de trabalho acelerado; onde procedimentos agressivos e invasivos são comuns (FERNANDES, PULZI e FILHO, 2010). Não obstante, na realidade brasileira, são poucas as UTIs que dispõem de boxes individualizados, locais reservados para a comunicação com familiares e políticas institucionais de flexibilização de seu acesso, que levem em consideração a severidade da doença, seu prognóstico e desfecho (MORITZ et al., 2011) O conceito de ambiência, em particular, segue três eixos norteadores: o espaço que visa o conforto, cujo foco é a privacidade e a individualidade; o espaço como ferramenta que facilita o processo de trabalho, e o espaço de encontros entre os sujeitos (BRASIL, 2010). Destarte, essa questão da estrutura adequada e a sensação de que seu familiar está ―bem cuidado, bem acomodado‖ são expressas, pelos familiares, como determinantes de uma assistência de qualidade. A adequabilidade do mobiliário hospitalar disponível para uso do paciente e da família, a existência de uma política mais aberta para visitas, e a proximidade com uma sala de espera, telefone e lavabo, como essenciais à humanização do cuidado (KHALAILA, 2013). A literatura médica internacional tem divulgado a importância dos efeitos do design da UTI para a sua funcionalidade, e para a segurança e bem-estar dos pacientes e de suas famílias. Razão pela qual, as características de um projeto de UTI devem priorizar, tanto quanto possível, a existência de: privacidade pela disposição em quartos individuais; tranquilidade ambiental, com redução máxima dos ruídos desnecessários; exposição à luz do dia; vistas para a natureza; prevenção de infecção; área destinada à família; e política de horários livres (KESECIOGLU, 2015). As principais necessidades expressas por familiares resumem-se a: ter a certeza de que o melhor cuidado disponível está sendo ofertado; saber exatamente o que está sendo feito para o paciente; ter dúvidas respondidas honesta e claramente; saber por que cada coisa foi feita; 205 sentir que o hospital dedica um cuidado pessoalizado ao paciente (HINKLE e FITZPATRICK, 2011). O cuidado humanizado tem sido pauta de grandes discussões e encontros dentro do Sistema Único de Saúde (SUS). Em maio de 2000, o Ministério da Saúde (MS) criou a Programa Nacional de Humanização de Assistência Hospitalar (PNHAH), que, em 2003, foi transformado na Política Nacional de Humanização (PNH), voltada a todo território Nacional (BRASIL, 2010). Surgiu da necessidade de se rever as práticas assistenciais no cenário hospitalar, com o intuito de levá-las a atender as demandas dos usuários e os princípios do SUS. Já no referente às UTIs Pediátricas brasileiras, em níveis público e privado, a presença da família ou seu substituto junto à criança hospitalizada, é uma garantia instituída pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) desde 1990. Tanto a proximidade quanto o apoio da equipe multiprofissional contribui para uma melhor experiência desse processo de luto. Em tal ocasião, deve-se estimular o próprio sistema familiar a buscar sua reestruturação, lançando mão de seus recursos nesse enfrentar (GENEZINI, 2012). O enfrentamento da morte é difícil e angustiante, estando na dependência da estrutura pessoal de cada um dos membros da família e da relação estabelecida entre eles. Sentimentos ligados à perda da vida, ao luto antecipatório, à ambivalência, ao medo de ver a pessoa amada sofrendo, e à impotência, são frequentes quando a família é reduzida à condição de observadora do cuidado. Na contramão disso, entretanto, enfatiza-se que ao se considerar que a morte provoca rupturas profundas entre quem morreu e aqueles que continuam vivos, tornase essencial e urgente trazer essa família para o centro de tal experiência (KOVÁCS, 2015). O processo de escuta e presença, conforto e consolo, de forma não invasiva, contudo acolhedora, auxilia na transformação psíquica dessa experiência dolorosa de iminência da morte. Podemos perceber o quanto a angústia frente à morte influencia na qualidade da comunicação, uma vez que há uma negação maciça da finitude e uma dificuldade de aceitação (OLIVEIRA, SANTOS E MASTROPIETRO; 2010). As famílias, de modo geral, dispõem de forças e recursos para os enfrentamentos requeridos ou para buscá-los em redes sociais de apoio, embora caiba ao profissional ajudar a mobilizá-las e a torná-las explícitas, ou ainda, estimular a emergência de novas forças para estar junto e cuidar (BETTINELLI e ERDMANN, 2009). A equipe multiprofissional atuante na UTI sente-se mais confortável quando o paciente e sua família não expressam emoções em demasia, particularmente, diante da probabilidade da morte. Daí porque talvez, seja mais fácil não falar sobre isso, não abordar a 206 questão. Aos profissionais parece ideal conversar sobre a doença, sobre o tratamento e sobre a impossibilidade de cura, sem ter de enfrentar as reações emocionais decorrentes dessa notícia. Nomeadamente porque esses indivíduos se sentem despreparados para semelhante situação, e mesmo quando possuem certo conhecimento teórico e prático sobre o assunto, não sabem qual seria a melhor maneira de comunicar (QUINTANA, 2009). Tem sido constatado que o modo como se realiza a comunicação com familiares sobre situações de fim de vida em UTI reflete, tanto na tomada de decisões e na satisfação e resolução de conflitos, quanto na saúde do familiar em períodos de até 90 dias após o óbito do paciente (MORITZ et al., 2011) A diferença entre as pessoas em geral e os profissionais de saúde, é justamente que, na vida destes últimos, a morte é parte do cotidiano, uma companheira diária em seu trabalho (KOVÁCS, 2015). À medida que os profissionais vivenciam com empatia o sofrimento inerente à profissão tornam-se mais propícios a refletirem à respeito da relação profissional/paciente/família, na busca de desenvolver estratégias que permitam construir outras possibilidades em torno da morte; comportando uma maior capacidade de viver humanamente com ela em seu ambiente de trabalho. ―Busca-se não mais colocar a morte em lugar escamoteado dentro do hospital e sim permitir falar sobre ela. Todos morrem. E viver nessa consciência é permitir ao médico que este ofereça um cuidado ao outro mais próximo. E a si, mais sincero‖ (MONTEIRO et al., p.564, 2015). O sentimento de conexão do familiar com a equipe responsável pelo cuidado ao paciente transmite-lhe confiança em relação ao auxílio oferecido; o que é facilitado quando a equipe se mostra acessível às dúvidas, é afável, faz contato com os olhos, senta-se perto ao falar com o familiar, usa de toque, saber ouvir. Além disso, a demonstração de profissionalismo através de comportamento ético, calmo e confiante por parte do profissional, para com o paciente e família, pode facilitar o cuidado e melhorar a interação estabelecida (ADAMS et al., 2014). Ao tratar de UTI Pediátrica, onde a presença dos pais é uma constante, alguns elementos são vistos como essenciais no atendimento à criança que morre, a citar: demonstração de sinceridade, respeito diante da morte, e a sensação de que a criança foi atendida de forma eficiente, oportuna e com amor (VEGA et al.,2013). O valor do cuidado humanizado está refletido na importância das atitudes dos profissionais em relação à criança criticamente enferma ou morrendo na UTI, e aos seus familiares. Estas atitudes podem ter consequências diretas na habilidade daquela família em se adequar à perda e em desenvolver um processo de luto adequado. Nesse sentido, uma das principais barreiras ao fornecimento de apoio familiar e à facilitação da comunicação é o 207 desenvolvimento de um ―comportamento não solidário‖ por parte da equipe (ADAMS, MANNIX e HARRINGTON, 2015). Os pais que perderam seu filho ou que estão em plena vivência da perda, quem não vive a experiência dolorosa são muitas vezes visto como insensível e em não sincronia com sua dor. A morte do filho é tão inconcebível que não pode ser expressa pela simples linguagem (NOVE-JOSSERAND e GODET, 2015), antes pelos gestos, pela voz, pelo silêncio, pela presença. Daí o desejo de encontrar na equipe alguém que partilhe sua dor, seu sofrimento, alguém que se envolva. Aqui, ―[...] não se trata de pensar ou falar sobre cuidado como objeto independente de nós, mas de pensar e falar como é vivido e se estrutura em nós mesmos. Não temos cuidado. Somos cuidado‖ (BOFF, p.89, 2015). Não é fácil aos profissionais assistir o definhar de seus pacientes, a evolução para a morte nem sempre é vista de modo natural e isso pode, eventualmente, causar afastamentos, um evitar do ―estar próximo‖. Por certo, a dificuldade de relacionamento entre a equipe e a família fortalece o distanciamento, o que acena para a falta de preparo dos profissionais frente às necessidades da família e à organização do seu trabalho. Para determinados enfermeiros, a dificuldade em atender os familiares está ligada às especificidades da Terapia Intensiva, as próprias limitações pessoais ou da equipe de saúde e até mesmo, a forma como as famílias expressam seus sentimentos (FRIZON et al., 2011). Particularmente, dentro de um ambiente altamente exigente, como uma UTI, interagir com os membros da família e vivenciar suas dificuldades, "sentir sua dor", pode ser emocionalmente angustiante para os profissionais envolvidos no cuidado (DE BOER et al.,2011). CONSIDERAÇÕES FINAIS O papel da família durante a internação é primordial e insubstituível; é necessário entendermos, igualmente, que essa família não pode ficar limitada a condição de observadora do cuidado, entretanto que, junto com a equipe de saúde, seja também uma cuidadora. Ao vivenciar a hospitalização dentro da UTI a família se expõe a um ambiente novo, carregado de símbolos e significados, favorável a novas interações. E, neste ambiente que a família interatua com outras famílias e com os profissionais da saúde na possibilidade de construção de vínculos. Desta maneira, poderão compartilhar as experiências até então vividas, aprendendo, amadurecendo e se amparando com reciprocidade. É necessário que os profissionais de saúde para fazerem parte da rede de atenção à família dentro da UTI precisam saber ouvi-las, percebendo as suas incertezas, suas 208 perspectivas; compreendendo as relações que se estabelem entre seus membros e o mundo social no qual se inserem. Quando a morte se aproxima a atenção e o cuidado com paciente e família devem prosseguir e até mesmo aumentar. É preciso deixar falar, deixar chorar, deixar desabafar, tantas vezes quanto se fizer necessário. Assim paciente e família manterão seus laços a despeito do local ou do possível desfecho. Frente a isso, é preciso haver um esforço para tornar o acolhimento às famílias em cuidados intensivos uma prática constante e ressignificada em sua essência; que combata a incerteza e a falta de comunicação dos profissionais com familiares, como forma de reduzir a insegurança, a ansiedade e o estresse dessas famílias. Quando os vínculos são priorizados existe a oferta do suporte necessário ao encarar da angústia e sofrimento que acompanham a hospitalização (A FARAHANI, M et al., 2014) Não há mais como o homem viver como se nunca fosse morrer, por que aí, acaba morrendo como se nunca tivesse vivido. REFERENCIAS KOVÁCS, M J. Educação para a morte. 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