Filosofia do meio ambiente e gestão compartilhada da biodiversidade da Mata Atlântica : debates públicos sobre a coleta de frutos da palmeira-juçara no Rio Grande do Sul
Fecha
2010Autor
Co-director
Nivel académico
Maestría
Tipo
Materia
Resumo
O Bioma Mata Atlântica é reconhecido mundialmente como um hotspot (área prioritária para conservação) de biodiversidade. Como estratégia para enfrentar o desafio de sua gestão a UNESCO e o Governo brasileiro instituíram a Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, que tem como objetivos a promoção da conservação da biodiversidade, do seu uso sustentável e do conhecimento científico e tradicional sobre seus componentes. Nesse sistema de gestão, diversos segmentos da sociedade envolvidos com a temáti ...
O Bioma Mata Atlântica é reconhecido mundialmente como um hotspot (área prioritária para conservação) de biodiversidade. Como estratégia para enfrentar o desafio de sua gestão a UNESCO e o Governo brasileiro instituíram a Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, que tem como objetivos a promoção da conservação da biodiversidade, do seu uso sustentável e do conhecimento científico e tradicional sobre seus componentes. Nesse sistema de gestão, diversos segmentos da sociedade envolvidos com a temática estão representados. As encostas do Planalto Meridional no Litoral Norte do Rio Grande do Sul são o limite meridional de ocorrência da Mata Atlântica stricto sensu. Essa região passou por diferentes fases de ocupação, tendo a agricultura sempre um papel central em sua economia. Como resultado de mudanças de caráter ecológico, econômico e jurídico, essas áreas, onde outrora a agricultura foi praticada intensivamente, tiveram sua utilização substancialmente diminuída, voltando a estar cobertas pela sucessão ecológica da floresta. As restrições legais de uso da terra (tendo a fiscalização ambiental se intensificado a partir da década de 1990) vieram a agudizar um processo de marginalização socioeconômica de uma parcela da população resultando, entre outros efeitos, em empobrecimento e aumento do êxodo rural. Frente a essa situação, uma série de atores sociais tem buscado promover a utilização sustentável de produtos florestais não madeiráveis oriundos da biodiversidade nativa, entendendo-a capaz de aliar geração de renda e conservação da biodiversidade. Esses atores são imbuídos de diferentes concepções filosóficas, particularmente no que toca às dimensões da ética (diferentes valorações morais) e da ontologia (diferentes entendimentos sobre a relação ser humano/natureza). No início de 2008, algumas instituições levaram ao Comitê Estadual da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica do Rio Grande do Sul (CERBMA) a problemática dos frutos da palmeira-juçara (Euterpe edulis), fazendo, o autor da dissertação, parte de uma delas e, participando das negociações nessa condição. Essa espécie é utilizada de forma insustentável para extração do palmito (meristema apical), atividade largamente realizada de forma clandestina e que levou a espécie a ser considerada ameaçada de extinção. A utilização dos frutos, nesse sentido, se apresenta como alternativa para a conservação da espécie. No CERBMA foram realizadas diversas reuniões que culminaram na aprovação do “Projeto piloto para o uso sustentável dos frutos da palmeira-juçara”. Esse processo de construção é o objeto de análise desta dissertação. Desde os referenciais teóricos assumidos, nos processos de gestão da biodiversidade estão envolvidos diversas dimensões: desde as mais específicas, referentes ao conhecimento ecológico e aos sistemas de manejo, até as mais gerais, atinentes aos arranjos institucionais e a às ontologias e éticas envolvidas. O presente trabalho analisa o Projeto Piloto nas dimensões mais amplas (filosófica e dos arranjos institucionais), discutindo as mais específicas em relação a elas. O problema de pesquisa que o motiva, portanto, é o seguinte: considerando os debates públicos sobre a coleta de frutos da palmeira-juçara que tiveram lugar no âmbito do CERBMA e seus desdobramentos, quais arranjos institucionais sobre a gestão da biodiversidade se estabeleceram e quais as questões filosóficas, abrangendo dimensões éticas e ontológicas, se expressam nesses debates? Para respondê-la, foi realizada pesquisa de campo com coleta de dados por observação participante nas 14 reuniões públicas que trataram da temática e entrevistas semi-estruturadas com 13 atores sociais envolvidos. A análise desse material permitiu caracterizar o processo como um caso de gestão compartilhada da biodiversidade onde os critérios para o manejo foram definidos a partir da base de conhecimento científico e tradicional, e os arranjos institucionais para a gestão do Projeto foram construídos entre os atores envolvidos. Um ponto focal da discussão versou sobre como deveria ser realizado o monitoramento da atividade. Quanto à dimensão ontológica, foram identificados elementos de uma ontologia dissociativa característica da modernidade (que divide a Natureza e a Sociedade em campos ontológicos absolutamente distintos) que tende a dividir a gestão da propriedade rural entre preservação e uso. Também foram identificados elementos de uma ontologia integrativa que permite uma gestão da biodiversidade na propriedade rural em que a conservação da biodiversidade e o seu uso estejam conjugados. É argumentado que essa visão é a mais adequada. Quanto à dimensão ética, foram identificados no debate elementos de valorações biocêntricas, alinhadas com a ontologia dissociativa, e ecocêntricas, alinhadas à ontologia integrativa, sendo discutidas as conseqüências sobre a utilização do ambiente que elas ensejam. Os atores não se identificaram entre si como utilizando uma perspectiva valorativa preocupada unicamente com o lucro pecuniário (denominada como valoração crematocêntrica). Embora diferentes perspectivas ontológicas e éticas se fizeram presentes nos debates públicos, isso não impediu a construção de um consenso sobre a necessidade de construir, com o Projeto Piloto, um arranjo institucional envolvendo instituições governamentais e não governamentais na gestão da biodiversidade. ...
Abstract
The Atlantic Forest biome is recognized worldwide as a hotspot of biodiversity. As a strategy to meet the challenge of its management, UNESCO and the Brazilian government established the Atlantic Forest Biosphere Reserve, which aims to promote the conservation of biodiversity, its sustainable use and the scientific and traditional knowledge on its components. In this management system, various segments of society concerned with the issue are represented. The slopes of the Southern Plateau on th ...
The Atlantic Forest biome is recognized worldwide as a hotspot of biodiversity. As a strategy to meet the challenge of its management, UNESCO and the Brazilian government established the Atlantic Forest Biosphere Reserve, which aims to promote the conservation of biodiversity, its sustainable use and the scientific and traditional knowledge on its components. In this management system, various segments of society concerned with the issue are represented. The slopes of the Southern Plateau on the North Coast of Rio Grande do Sul is the southern limit of occurrence of the Atlantic Forest stricto sensu. This region has gone through different phases of occupation, having farming always a central role in its economy. As a result of ecological, economic and legal changes, these areas, where once agriculture was practiced intensively, had substantially reduced its use, returning to be covered by the ecological succession of the forest. Legal restrictions on land use (with the environmental monitoring intensified from the 1990s) came to deepen the process of socioeconomic marginalization of a segment of the population resulting, among other effects, in impoverishment and migration from rural areas. Faced with this situation, a number of social actors have sought to promote sustainable use of non-timber forest products from native biodiversity, considering it capable of combining income generation and biodiversity conservation. These actors are imbued with different philosophical concepts, particularly with regard to the ethical dimensions (different moral valuations) and ontology (different understandings on “human / nature relationship”). In early 2008, some institutions (the thesis author participating of one of them) have led to the State Committee for the Atlantic Forest Biosphere Reserve of Rio Grande do Sul (CERBMA) the issue of the fruits of juçara-palm (Euterpe edulis). This species is used in an unsustainable way to extract the palm heart (apical meristem), an activity largely carried out clandestinely and that led to the species being considered endangered of extinction. In this sense, the use of its fruits provides an alternative to the conservation of the species. In CERBMA several meetings were held which culminated in the adoption of the "Pilot Project for sustainable use of the fruits of juçara-palm. This construction process is the object of analysis in this thesis. Since its theoretical commitments, in the process of biodiversity management are involved various dimensions: from the more specific, referring to the ecological knowledge and management systems, to the more general, relating to institutional arrangements and the ontology and ethics involved. This study examines the Pilot Project on the broader dimensions (philosophical and institutional arrangements), discussing the more specific in relation to them. The research problem that motivates it, therefore, is: given the public debate about collecting fruits of the juçara-palm held under CERBMA and its consequences, which institutional arrangements on biodiversity management were established and which philosophical issues, including ethical and ontological dimensions are expressed in these debates? To answer this question, field research was carried out with data collection by participant observation at the 14 public meetings that dealt with this matter and semi-structured interviews with 13 social actors involved. The analysis of this material allowed us to characterize the process as a case of co-management of biodiversity where the criteria for the handling were defined on the base of scientific and traditional knowledge, and institutional arrangements for managing the project were built between the actors involved. A focal point of discussion was about how monitoring of the activity should be done. As to the ontological dimension, we identified elements of a dissociative ontology characteristic of modernity (which divides the Nature and Society in completely different ontological fields) that tends to divide the farm management among preservation and use. Were also identified elements of an ontology that allows an integrative management of biodiversity on the farm where the conservation of biodiversity and its use are combined. It is argued that this view is more appropriate. As for the ethical dimension, were identified, in the discussion, elements of a biocentric valuation aligned to the dissociative ontology, and elements of an ecocentric valuation, aligned to the integrative ontology. Consequences of each of them on the use of the environment are discussed. The actors did not identify each other by an evaluative perspective concerned only with the pecuniary profit (called here chrematocentric valuation). Although different ontological and ethical perspectives were present in these public debates, that has not stopped the building of a consensus on the need to create, with the Pilot Project, an institutional arrangement involving governmental and nongovernmental institutions in managing biodiversity. ...
Institución
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Ciências Econômicas. Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural.
Colecciones
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