O inefável do gênero na comunicação e a passabilidade trans como operador semiótico

Abstract

Esta tese de doutorado objetiva investigar os componentes comunicacionais do gênero, acionando as experiências das pessoas trans como tensionador central. Em nossa problematização, buscamos verificar como a semiótica, as teorias queer e as pessoas trans, em especial através do mecanismo da “passabilidade” ou “passar” por cis, podem nos auxiliar a compreender a presença e as operações da comunicação no gênero. A pesquisa é estruturada em três pilares principais: a) averiguar o gênero pela fenomenologia e pela semiótica de Charles S. Peirce (1994), com atenção especial aos sistemas de reconhecimento; b) identificar atravessamentos da comunicação nas teorizações de gênero mobilizadas por Donna Haraway (1989; 2009; 2023), salientando seus aspectos semióticos a partir da filosofia da linguagem do Círculo de Bakhtin (Volóchinov, 2018; Bakhtin, 1997; 2015), e por Paul Preciado (2014; 2018b; 2022), realçando os sentidos e potencialidades disfóricas e eufóricas generificadas; e c) destacar os aspectos sígnicos da “passabilidade” na construção do gênero, marcando seus aspectos relacionais e resistentes. Metodologicamente, realizamos revisão bibliográfica das obras de Peirce e do Círculo de Bakhtin para, em conjunto, operar uma leitura interessada nos textos de Haraway e Preciado; complementamos essas análises com escritas autoetnográficas, compreendidas aqui como uma metodologia queer. Ao longo da pesquisa, acionamos a filosofia trans (Bettcher, 2019; 2025) para demonstrar as relações comunicacionais e semiósicas que constróem, integram e realçam as operações do gênero, e apontamos que seus aspectos são reconhecidos através de processos que salientam uma secundidade, nas efetuações sem questionamento; ou uma terceiridade, que exige elaboração intelectual e leva à alteridade. Por fim, propomos que o gênero, quando analisado pelas lentes da comunicação e da semiótica, e com o apoio dos olhares trans, dá a ver seus caracteres inefáveis e inevitáveis; demonstra potência comunicacional-semiótica; e deve afastar-se dos paradigmas identitários para que possa iluminar e libertar as experiências de gênero das pessoas trans, marcadas pela perplexidade, bem como de todas as pessoas.

This doctoral thesis aims to investigate the communicational components of gender, using the experiences of trans people as a central tensioner. In our problematization, we seek to verify how semiotics, queer theories and trans people, especially through the mechanism of “passability” or “passing” as cisgender, can help us understand the presence and operations of communication in gender. The research is structured around three main pillars: a) to investigate gender through the phenomenology and semiotics of Charles S. Peirce (1994), with special attention to systems of recognition; b) to identify crossings of communication in the theorizations of genre mobilized by Donna Haraway (1989; 2009; 2023), noting its semiotic aspects with the help of the Bakhtinian philosophy of language (Volóchinov, 2018; Bakhtin, 1997; 2015), and by Paul Preciado (2014; 2018b; 2022), with special attention to dysphoric and euphoric meanings and potentialities; and c) to highlight the symbolic aspects of “passing” in the construction of gender, marking its relational and resistant aspects. Methodologically, we carried out a bibliographical review of the works of Peirce and the Bakhtin Circle in order to jointly carry out an interested reading of the texts by Haraway and Preciado; we complemented these analyses with autoethnographic writings, understood here as a queer methodology. Throughout the research, we called upon trans philosophy (Bettcher, 2019; 2025) to demonstrate the communicational and semiotic relationships that construct, integrate and highlight the operations of gender, and we pointed out that its aspects are recognized through processes that highlight a secondness, in the unquestioned performances; or a thirdness, which requires intellectual elaboration and leads to otherness. Finally, we propose that gender, when analyzed through the lenses of communication and semiotics, and with the support of trans perspectives, reveals its ineffable and inevitable characters; demonstrates communicational-semiotic potency; and must move away from identity paradigms so that it can illuminate and liberate the gender experiences of trans people, marked by perplexity, as well as all people.