Meningoencefalites não supurativa de origem viral em bovinos no estado do Rio Grande do Sul

Abstract

As doenças virais que acometem o sistema nervoso central (SNC) de bovinos possuem grande relevância para a saúde animal e também para a saúde pública. No Brasil, entre os agentes etiológicos virais que acometem bovinos e que cursam com meningoencefalite não supurativa (NSM), destacam-se o Lyssavirus (raiva) e o gênero (Varicellovirus bovinealpha1; alphaherpesvírus 1 [BoAHV1]; e varicellovírus bovinealpha5; alphaherpesvírus 5 [BoAHV5]), causador da meningoencefalite herpética. Além disso, existem casos diagnosticados histopatologicamente como meningoencefalite não supurativa, porém com etiologia não determinada, denominados NSM de causa indeterminada (NSM-UE). Foi realizado um estudo retrospectivo entre janeiro de 2013 e dezembro de 2023, no qual se compararam os dados epidemiológicos, clínicos, patológicos e imuno-histoquímicos dos casos de NSM-UE com os das formas etiologicamente definidas. Foram diagnosticados, no total, 79 casos de raiva, 8 de meningoencefalite herpética e 12 de NSM-UE. Então, foi realizada a avaliação comparativa dos sinais clínicos e da distribuição das lesões microscópicas entre os casos de NSM-UE, raiva e meningoencefalite herpética. Observou-se que os casos de NSM-UE apresentavam semelhanças clínicas e histopatológicas marcantes com os casos de raiva, especialmente pela concentração das lesões no tronco encefálico, ausência de alterações macroscópicas e evolução clínica compatível. Já a meningoencefalite herpética apresentou sinais clínicos distintos, e alguns casos cursaram com malácia, necrose e hemorragias visíveis macroscopicamente, com predomínio de lesões no córtex do telencéfalo. A presença de corpúsculos de inclusão intracitoplasmáticos nos casos de raiva e intranucleares nos casos de meningoencefalite herpética, quando presentes, auxilia na diferenciação dos casos de NSM-UE. Dentre as meningoencefalites não supurativas, a raiva é considerada de grande relevância para a saúde pública, por se tratar de uma zoonose fatal que acomete mamíferos domésticos, silvestres e humanos. Assim, foi realizada uma breve revisão de literatura sobre a raiva, incluindo a notificação de casos bovinos ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e casos humanos ao Ministério da Saúde (MS), no Brasil, entre 2010 e 2023. Nesse período, foram notificados 13.603 casos de raiva em bovinos, todos com desfecho fatal, e 47 casos de raiva humana, com apenas um sobrevivente. As regiões com maior número de casos em bovinos foram o Centro-Oeste, Sudeste e Sul, que concentram os maiores rebanhos do país. Em relação à raiva humana, os casos se concentraram principalmente nas regiões Norte (estado do Pará) e Nordeste (estado do Maranhão). Nos bovinos, o principal transmissor identificado foi o morcego hematófago (Desmodus rotundus). Nos casos humanos, os transmissores foram predominantemente morcegos hematófagos 25/47, cães 8/47, gatos 5/47, saguis 5/47 e canídeos silvestres 2/47. Houve um caso de transmissão direta por bovino infectado com a variante AgV3 associada ao morcego hematófago, e um caso cuja espécie transmissora não pôde ser identificada. Apesar da redução dos casos notificados em bovinos e humanos ao longo dos anos, a raiva permanece uma doença de grande importância em saúde pública devido ao seu alto potencial zoonótico e letalidade.

Viral diseases that affect the central nervous system (CNS) of cattle are highly relevant to both animal health and public health. In Brazil, among the viral etiological agents that affect cattle and present with nonsuppurative meningoencephalitis (NSM), Lyssavirus (rabies) and the genus Varicellovirus stand out, including bovinealpha1 varicellovirus; alphaherpesvirus 1 (BoAHV-1) and bovinealpha5 varicellovirus; alphaherpesvirus 5 (BoAHV-5), the latter being the main causative agent of herpetic meningoencephalitis. Additionally, there are cases diagnosed histopathologically as non-suppurative meningoencephalitis with undetermined etiology, referred to as NSM of undetermined cause (NSM-UE). A retrospective study was conducted between January 2013 and December 2023, comparing the epidemiological, clinical, pathological, and immunohistochemical data of NSM-UE cases with those of etiologically defined forms. A total of 79 cases of rabies, 8 of herpetic meningoencephalitis, and 12 of NSM-UE were diagnosed. A comparative evaluation of clinical signs and the distribution of microscopic lesions was then carried out among the NSM-UE, rabies, and herpetic meningoencephalitis cases. It was observed that NSM-UE cases showed striking clinical and histopathological similarities to rabies cases, especially due to the concentration of lesions in the brainstem, absence of macroscopic changes, and compatible clinical progression. Herpetic meningoencephalitis, on the other hand, presented distinct clinical signs, and some cases involved malacia, necrosis, and macroscopically visible hemorrhages, with a predominance of lesions in the telencephalic cortex. The presence of intracytoplasmic inclusion bodies in rabies cases and intranuclear inclusions in herpetic meningoencephalitis cases, when present, assists in differentiating NSM-UE cases. Among non-suppurative meningoencephalitides, rabies is considered highly relevant to public health, as it is a fatal zoonosis affecting domestic, wild, and human mammals. Therefore, a brief literature review on rabies was conducted, including the notification of bovine cases to the Ministry of Agriculture, Livestock, and Food Supply (MAPA) and human cases to the Ministry of Health (MS) in Brazil, between 2010 and 2023. During this period, 13,603 cases of rabies in cattle were reported, all with fatal outcomes, and 47 human rabies cases, with only one survivor. The regions with the highest number of bovine cases were the Central-West, Southeast, and South, which host the country's largest cattle herds. Regarding human rabies, cases were mainly concentrated in the North (state of Pará) and Northeast (state of Maranhão) regions. In cattle, the main identified transmitter was the hematophagous bat (Desmodus rotundus). In human cases, the transmitters were predominantly hematophagous bats (25/47), dogs (8/47), cats (5/47), marmosets (5/47), and wild canids (2/47). There was one case of direct transmission by a bovine infected with the AgV3 variant associated with the hematophagous bat, and one case in which the transmitting species could not be identified. Despite the reduction in reported cases in cattle and humans over the years, rabies remains a disease of great public health importance due to its high zoonotic potential and lethality.