Bits podres e cartuchos mal-assombrados : reconstruções do envelhecimento digital em obras do digital vernacular

Abstract

Esta dissertação explora como objetos digitais podem vir a parecer envelhecidos, diante da tensão entre crenças comuns de que o digital não pode envelhecer, e experiências reconhecíveis de perceber objetos digitais como vindos do passado. Essa exploração se dá por meio da análise de obras digitais que se apresentam como envelhecidas, abordadas como reconstruções, feitas por usuários, de experiências de envelhecimento digital. O trabalho é conduzido com princípios da Teoria Fundamentada construtivista, entendida como metodologia emergente, que parte do estudo empírico e deste teoriza sobre o fenômeno pesquisado. Utilizam-se procedimentos de codificação, baseados na Teoria Fundamentada, para identificar recorrências em como o envelhecimento aparece nas obras analisadas. Tais recorrências são elaboradas em seções temáticas, organizadas em capítulos referentes a possíveis pontos de conflito quanto a um envelhecimento especificamente digital. Trata-se de como objetos digitais podem ser perdidos e achados, em reativações que produzem, simultaneamente, justaposições entre passado e presente, e uma distância temporal. A obsolescência, associada a noções de progresso linear em que o novo substitui o antigo, é considerada como fator que torna aparente o envelhecimento: em como ruídos típicos de mídias analógicas vêm a significar um passado perdido, e em como também o retorno de mídias digitais obsoletas provoca fricções, pois se espera que o obsoleto desapareça. Frente à ideia de que o digital não pode se deteriorar visível e gradualmente, discutem-se formas com que a deterioração propriamente digital aparece nas obras analisadas, em efeitos de glitch, link rot, e em transformações que objetos digitais sofrem por precisarem ser continuamente adaptados a novas tecnologias e resgatados em reconstruções parciais. E frente à ideia de que o digital não pode acumular rastros de suas trajetórias, examina-se obras sobre mundos virtuais abandonados e sobre suportes assombrados, que são ilustrativos de como objetos digitais são moldados e individualizados pelo que lhes ocorre. Em uma síntese final, propõe-se que o envelhecimento digital se dá pela permanência descontínua de objetos, isto é, suas repetidas execuções em suportes variáveis; que, portanto, o envelhecimento digital se faz perceptível em retornos do que se pensava morto; e que isso faz com que suas conotações estejam ligadas a passados residuais que desestabilizam o presente.

This dissertation explores how digital objects can come to appear aged, in view of the tension between common beliefs that the digital cannot age, and recognizable experiences of perceiving digital objects as coming from the past. This exploration takes place through the analysis of digital works that present themselves as aged, that are approached as reconstructions, made by users, of experiences of digital aging. This work is conducted using principles of constructivist Grounded Theory, understood as an emergent methodology, which starts with empirical study and from it theorizes about the phenomenon under research. Coding procedures, based on Grounded Theory, are used to identify recurrences in how aging appears in the analysed works. These recurrences are elaborated into thematic sections, organized into chapters that each refer to possible points of conflict regarding specifically digital aging. Ways in which digital objects can be lost and found are addressed, in reactivations that produce, simultaneously, juxtapositions between past and present, and a temporal distance. Obsolescence, associated with notions of linear progress in which the new replaces the old, is considered as a factor that makes aging apparent: in how noises typical of analogue media come to signify a lost past, and in how also the return of obsolete digital media provokes friction, as the obsolete is expected to disappear. In response to the idea that the digital cannot visibly and gradually deteriorate, forms in which properly digital deterioration appears in the analysed works are discussed, in glitch effects, link rot, and in transformations that digital objects undergo by needing to be continuously adapted to new technologies and rescued in partial reconstructions. And in response to the idea that the digital cannot accumulate traces of its trajectories, works about abandoned virtual worlds and haunted bearers are examined, which are illustrative of how digital objects are shaped and individualized by what happens to them. In a final synthesis, it is proposed that digital aging occurs through the discontinuous permanence of objects, that is, their repeated executions on variable platforms; that, therefore, digital aging becomes perceptible in resurrections of what was thought dead; and that this causes its connotations to be linked to residual pasts that destabilize the present.