A privatização dos parques urbanos : neoliberalismo e produção do espaço público

Abstract

As transformações socioculturais, políticas e econômicas, subjugadas pela lógica neoliberal, refletem diretamente na produção do espaço urbano. Essas transformações indicam uma tendência de privatização dos espaços públicos, alterando não somente o espaço físico, mas também o seu valor de uso e seu significado social, tornando-o mercadoria. O Estado se mostra presente na estruturação de um ambiente político-institucional ideal que visa garantir a hegemonia do mercado, do lucro e dos atores privados. Esta influência atinge a esfera legislativa, construindo um conjunto de leis e normas que viabiliza, permite e estimula as ações de privatização. Porto Alegre vem se consolidando como campo empírico da produção neoliberal do espaço. Com a aprovação da Lei Complementar nº 12.559/2019 que concede o uso, operação e gestão de praças e parques urbanos à iniciativa privada, esta realidade toma novas proporções. A exploração comercial rege as contrapartidas e mesmo com gratuidade de acesso, o caráter público dos espaços é contestado, tornando-os - em vários níveis - elitizados e segregados. Torna-se relevante debater a produção espacial sob estas lógicas, visto que o atual cenário de privatização de espaços públicos se multiplica em escala municipal, estadual e federal, representando apenas uma parcela dentro do conjunto de práticas neoliberais vigentes no contexto urbano. O objetivo geral desta pesquisa é desvelar as relações neoliberais de produção do espaço público por meio da privatização de parques urbanos. Para tanto, a pesquisa se apoia nas contribuições acerca do neoliberalismo contemporâneo trazidas por Pierre Dardot e Christian Laval (2016). Para explicar o conceito de privatização, utiliza-se dos estudos de David Harvey (2008, 2014) acerca da acumulação por espoliação. Na aproximação da temática urbana, são empregados conceitos de cidade mercadoria-empresa-pátria de Carlos Vainer (2007), empreendedorismo e marketing urbanos elaborados por David Harvey (2006). O direito à cidade de Henry Lefebvre (2008 [1968]) fornece a sustentação teórica para as discussões acerca do direito da população em usufruir do lazer, da co-criação dos espaços comuns. A pesquisa utiliza-se da abordagem metodológica crítico-dialética combinada com a teoria-método da tríade da produção do espaço de Lefebvre (1991 [1974]). Este estudo tem como objeto empírico o fenômeno das concessões de parques urbanos na cidade de Porto Alegre. Este fenômeno se apresenta em dois níveis: um primeiro, que delineia a sua totalidade - o contexto e o panorama geral em que ele está inserido -, em escala nacional, estadual e local; e um segundo nível, mais específico, analisando em profundidade o único contrato de concessão de parque urbano em andamento no município. Trata-se do contrato de concessão dos serviços de operação, administração, manutenção, implantação, reforma e melhoramento do Parque da Harmonia e do Trecho 1 do Parque Urbano da Orla do Guaíba. Como resultado, as relações neoliberais reveladas na produção do espaço público contribuem para o debate acerca da racionalidade neoliberal no planejamento urbano e na vida cotidiana, fornecendo subsídios para a produção e manutenção de espaços com enfoque no seu valor de uso para além da lógica de mercado.

The sociocultural, political, and economic transformations, subordinated to neoliberal logic, directly reflect on the production of urban space. These transformations indicate a trend towards the privatization of public spaces, altering not only the physical space but also its use value and social significance, turning it into a commodity. The State plays a role in structuring an ideal political-institutional environment aimed at ensuring the hegemony of the market, profit, and private actors. This influence extends to the legislative sphere, building a set of laws and norms that enables, allows, and encourages privatization actions. Porto Alegre has been consolidating itself as an empirical field for the neoliberal production of space. With the approval of the Complementary Law No. 12,559/2019, which grants the use, operation, and management of public squares and urban parks to the private sector, this reality takes on new proportions. Commercial exploitation governs the counterparts, and even with free access, the public nature of the space is challenged, making them - on various levels - elitist and segregated. It becomes relevant to debate spatial production under these logics, given that the current scenario of public space privatization is multiplying on municipal, regional and federal scales, representing just a fraction within the broader set of neoliberal practices prevailing in the urban context. This research aims to unveil the neoliberal relationships in the production of public space through the privatization of urban parks. To this end, the research is supported by the contributions on contemporary neoliberalism brought by Pierre Dardot and Christian Laval (2016). To explain the concept of privatization, David Harvey's (2008, 2014) studies on accumulation by dispossession are utilized. In approaching the urban theme, concepts of city-commodity-enterprise-homeland by Carlos Vainer (2007), and urban To explain the concept of privatization, David Harvey's (2008, 2014) studies on accumulation by dispossession are utilized. In approaching the urban theme, concepts of city-commodity-enterprise-homeland by Carlos Vainer (2007), and urban entrepreneurship and marketing developed by David Harvey (2006) are employed. Henry Lefebvre's right to the city provides the theoretical support for discussions about the population's right to enjoy leisure and cocreate common spaces. The research adopts the critical-dialectical methodological approach combined with Lefebvre's (1991 [1974]) theory-method of the triad of space production. This study's empirical object is the phenomenon of urban park concessions in the city of Porto Alegre. This phenomenon is presented on two levels: the first outlines its totality—the context and general overview in which it is situated— on national, regional and local scales; and the second level, more specific, delves deeply into the only urban park concession contract currently underway in the municipality. This is the concession contract for the services of operation, administration, maintenance, implementation, renovation, and improvement of Parque da Harmonia and Section 1 of the Guaíba Waterfront Urban Park. As a result, the neoliberal relationships revealed in the production of public space contribute to the debate on neoliberal rationality in urban planning and everyday life, providing support for the production and maintenance of spaces focused on their use value beyond market logic.