Exposição e método na crítica da economia política de Karl Marx : da teoria do valor ao conceito de capital

Abstract

O presente trabalho apresenta um estudo sobre a concepção do modo de produção capitalista elaborada por Karl Marx em sua crítica da economia política de maturidade. Tomando como referência a interpretação do projeto de Marx como uma teoria crítica das relações sociais no capitalismo, a qual concebe essas últimas como formas socioeconômicas objetivas, pretendemos defender a hipótese de que o núcleo da caracterização marxiana da sociedade contemporânea reside no encadeamento dos conceitos de valor, dinheiro e capital. Esse encadeamento é esclarecido por Marx através de um desenvolvimento categorial progressivo, elaborado em acordo com o método dialético de exposição (Darstellung). Nosso trabalho assume, portanto, a forma de uma reconstrução da exposição marxiana dos conceitos de valor, dinheiro e capital na crítica da economia política, sendo colocado em prática em quatro partes. De início, realizamos um estudo inaugural do método e da postura filosófica assumidos pelo autor em sua obra de maturidade, ao longo do qual abordamos temas tão contenciosos como a relação entre teoria e história, a proveniência hegeliana da dialética de Marx, e em que, sobretudo, lançamos as bases para o entendimento do método de exposição marxiano como um procedimento epistêmico de caráter anti-empirista e anti-representacional, que visa à reprodução conceitual progressiva e sistemática do objeto de conhecimento como um todo complexo. Com base nessa compreensão do método empregado na composição da crítica da economia política, prosseguimos à reconstrução da exposição marxiana do modo de produção capitalista. Partimos da análise da forma-mercadoria, através de cujo exame logramos conferir fundamentação à tese de que a crítica marxiana tem como seu objeto as formas socioeconômicas assumidas pelos produtos do trabalho no contexto da universalização da troca como mediadora do metabolismo social, bem como esclarecer a maneira como Marx compreende as relações sociais mais genéricas do capitalismo. Complementamos esse quadro reconstruindo a exposição marxiana do dinheiro, que tem os seus marcos gerais estabelecidos pela análise da mercadoria e leva adiante o modelo teórico avançado em tal análise ao delimitar as funções que o dinheiro, enquanto forma autonomizada do valor da mercadoria, desempenha na esfera da circulação. Por fim, efetuamos uma investigação sobre a especifidade do conceito marxiano de capital, procurando demonstrar, em acordo com o método de exposição empregado pelo autor, como seu conteúdo está inextricavelmente ligado às categorias anteriores de mercadoria, valor e dinheiro. Para tanto, submetemos a um exame pormenorizado o argumento de que Marx lança mão para fundamentar a passagem da circulação simples de mercadorias ao capital nos Grundrisse e no Urtext. A conclusão que extraímos desse esforço exegético é de que, na teoria madura de Marx, a transformação do dinheiro em capital justifica-se pela circunstância de que o dinheiro somente pode apresentar-se como uma forma socioeconômica autônoma ao converter-se num processo cíclico e auto-mediado de valorização.

This work presents a study of the conception of the capitalist mode of production which is elaborated by Karl Marx in his critique of political economy of maturity. Taking as reference the interpretation of the Marxian project as critical theory of capitalist social relations, which conceives the latter as objective socioeconomic forms, we intend to argue in favor of the hypothesis that the core of Marx’s characterization of contemporary society lies in the interconnection between the concepts of value, money and capital. This interconnection is elucidated by Marx through a progressive categorial development, which is elaborated in accordance with the dialectical method of exposition (Darstellung). Our work therefore assumes the form of a reconstruction of the Marxian exposition of the concepts of value, money and capital, being put into practice in four parts. We begin by conducting an inaugural study of the method and philosophical stance adopted by the author in his mature work, in which we address such contentious issues as the relationship between theory and history, the Hegelian provenance of Marx's dialectics, and in which, above all, we lay the foundations for understanding the Marxian method of exposition as an epistemic procedure of an anti-empiricist and anti-representational nature, which aims at the progressive and systematic conceptual reproduction of the object of knowledge as a complex whole. Based on this understanding of the method employed in the composition of the critique of political economy, we proceed to reconstruct the Marxian exposition of the capitalist mode of production. Our starting point is an exam of the analysis of commodity-form, through which we are able to provide a basis for the thesis that Marxian critique has as its object the socioeconomic forms assumed by the products of labor in the context of the universalization of exchange as a mediator of social metabolism, as well as to clarify the way in which Marx understands the most generic social relations of capitalism. We complement this framework by reconstructing Marx's exposition of money, which has its general features established by the analysis of the commodity and takes forward the theoretical model advanced in such analysis by delimiting the functions that money, as the commodity’s autonomous form of value, performs in the sphere of circulation. Lastly, we investigate the specificity of the Marxian conception of capital, seeking to demonstrate, in accordance with the author’s method of exposition, how its content is inextricably linked to the previous categories of commodity, value and money. To this end, we subject to an detailed examination the argument which is put forth by Marx in the Grundrisse and the Urtext to ground the transition from simple circulation to capital. The conclusion we draw from this exegetical effort is that, in Marx's mature theory, the transformation of money into capital finds its justification in the circumstance that money can only present itself as an autonomous socioeconomic form when it is converted into a cyclical and self-mediated process of valorization.