Lítio e prevenção do suicídio em pacientes com transtorno bipolar : uma revisão narrativa da literatura

Abstract

CONTEXTO: O suicídio é uma preocupação significativa de saúde pública, com uma estimativa de 785.000 mortes anualmente em todo o mundo. A incidência de tentativas de suicídio é alarmante, particularmente entre indivíduos com transtorno bipolar, onde o risco é de até 30 vezes maior do que na população geral. Esta revisão visa sintetizar as evidências atuais sobre os efeitos anti-suicidas do lítio, especialmente em pacientes com transtorno bipolar, nos quais se suspeita ter maior impacto. MÉTODOS: Foi realizada uma revisão abrangente da literatura, com ênfase nos estudos que examinaram a relação entre o uso de lítio e a prevenção do suicídio no transtorno bipolar. A revisão incluiu meta-análises, ensaios clínicos randomizados (ECRs) e estudos observacionais, com ênfase particular na comparação da eficácia do lítio com placebo e outros tratamentos usuais. RESULTADOS: O lítio é reconhecido por seu potencial na prevenção do suicídio há vários anos. No entanto, continuam os debates sobre a sua real eficácia neste sentido. Meta-análises de Cipriani et al. (2013) e Riblet et al. (2017, 2022) forneceram resultados mistos. Enquanto Cipriani et al. encontraram o lítio mais eficaz do que o placebo na redução do risco de suicídio, os achados de Riblet et al. não foram estatisticamente significativos, embora indicassem uma tendência favorável ao lítio. Estudos observacionais de grandes amostras populacionais suportaram a eficácia do lítio na redução do risco de suicídio, destacando a necessidade de dados observacionais em larga escala para complementar os achados de ECRs. A revisão também discutiu a complexidade do risco de suicídio no transtorno bipolar, influenciado por fatores como histórico psiquiátrico, histórico familiar, abuso de substâncias e transtornos de personalidade comórbidos. DISCUSSÃO: A eficácia do lítio na redução do comportamento suicida provavelmente se deve, em parte, ao seu impacto sobre a agressividade e impulsividade, traços comuns no transtorno bipolar associados a um maior risco de suicídio. No entanto, demonstrar diferenças significativas entre o lítio e outros tratamentos ou placebo em ECRs permanece um desafio devido à baixa incidência basal de suicídio e limitações metodológicas. CONCLUSÃO: Embora as evidências de ECRs e meta-análises sejam mistas, estudos observacionais sugerem um papel benéfico do lítio na prevenção do suicídio, particularmente no transtorno bipolar. A revisão sublinha a importância de considerar o lítio como parte de uma estratégia de tratamento abrangente para o transtorno bipolar, ao mesmo tempo que reconhece a necessidade de mais pesquisas para entender completamente seus potenciais efeitos anti-suicidas. Os achados também destacam a complexidade da avaliação do risco de suicídio no transtorno bipolar e a necessidade de intervenções personalizadas que contemplem a sua natureza multifacetada.

CONTEXT: Suicide is a significant public health concern, with an estimated 785,000 deaths annually worldwide. The incidence of suicide attempts is particularly alarming among individuals with bipolar disorder, where the risk is up to 30 times higher than in the general population. This review aims to synthesize current evidence on the anti-suicidal effects of lithium, especially in patients with bipolar disorder, where it is suspected to have a greater impact. METHODS: A comprehensive literature review was conducted, focusing on studies examining the relationship between lithium use and suicide prevention in bipolar disorder. The review included meta-analyses, randomized clinical trials (RCTs), and observational studies, with particular emphasis on comparing the efficacy of lithium with placebo and other standard treatments. RESULTS: Lithium has been recognized for its potential in suicide prevention for several years. However, debates continue about its actual effectiveness in this regard. Meta-analyses by Cipriani et al. (2013) and Riblet et al. (2017, 2022) provided mixed results. While Cipriani et al. found lithium more effective than placebo in reducing suicide risk, Riblet et al.'s findings were not statistically significant, although they indicated a favorable trend towards lithium. Observational studies of large population samples supported the efficacy of lithium in reducing suicide risk, highlighting the need for large-scale observational data to complement RCT findings. The review also discussed the complexity of suicide risk in bipolar disorder, influenced by factors such as psychiatric history, family history, substance abuse, and comorbid personality disorders. DISCUSSION: Lithium's efficacy in reducing suicidal behavior is likely due, in part, to its impact on aggression and impulsivity, traits common in bipolar disorder associated with a higher risk of suicide. However, demonstrating significant differences between lithium and other treatments or placebo in RCTs remains a challenge due to the low baseline incidence of suicide and methodological limitations. CONCLUSION: Although evidence from RCTs and meta-analyses is mixed, observational studies suggest a beneficial role for lithium in suicide prevention, particularly in bipolar disorder. The review underscores the importance of considering lithium as part of a comprehensive treatment strategy for bipolar disorder, while recognizing the need for further research to fully understand its potential anti-suicidal effects. The findings also highlight the complexity of assessing suicide risk in bipolar disorder and the need for personalized interventions that consider its multifaceted nature.