13 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL - UFRGS ESCOLA DE ENFERMAGEM PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM LILIAN ZIELKE HESLER Suicídio em municípios do Sul do Brasil - um enfoque de gênero Porto Alegre 2013 14 LILIAN ZIELKE HESLER Suicídio em municípios do Sul do Brasil - um enfoque de gênero Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Enfermagem, da Escola de Enfermagem, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com requisito parcial para obtenção do título de mestre em Enfermagem. Orientadora: Profa. Dra. Stela Nazareth Meneghel Porto Alegre 2013 15 16 17 AGRADECIMENTOS Agradeço a todas as pessoas que, de alguma forma, colaboraram para elaboração deste trabalho, para a concretização desse sonho, que não se acaba nesse momento, mas assume um novo rumo. Primeiramente a Deus, por ter me concedido a vida, e por ter me dado força e coragem para fazer essa caminhada, rompendo obstáculos e superando limites. Ao Silas, amor da minha vida, amigo e companheiro, por acreditar em meu trabalho, estimular e apoiar essa caminhada. Somente nós sabemos o quanto foi difícil permanecermos distantes um do outro, mas, sua paciência, amor, compreensão e carinho mostraram-se fundamentais para a concretização desse sonho. À minha família pelos momentos de carinho e incentivo, e pela compreensão da minha ausência no período de construção da dissertação. Saibam que todos vocês também fazem parte desta conquista. À minha orientadora, amiga e companheira Profa. Dra. Stela Nazareth Meneghel, que de maneira competente e sábia proporcionou nas orientações espaços de discussão e reflexão que enriqueceram essa caminhada e que foram fundamentais para o meu crescimento pessoal e profissional. Obrigada por acompanhar, apoiar e acreditar no meu trabalho. Te adoro! Aos membros do grupo de pesquisa pelos momentos de construção de conhecimento e compartilhar de experiências. Em especial ao Roger, amigo e colega de orientação, que me acompanhou na coleta de dados e na construção de trabalhos científicos. Agradeço pelos momentos de alegria e descontração, e pelas palavras de apoio, incentivo e conforto nos períodos de angústia e tristeza. Aos colegas de mestrado Maíra, Vilma e Marcos pela amizade que construímos nessa caminhada. Juntos dividimos alegrias, angústias e incertezas, o carinho de vocês foi fundamental nessa etapa. À Joannie, que com disponibilidade e paciência mostrou-me os caminhos para a realização da análise dos dados através do uso do software Nvivo. À Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), por ter me proporcionado um ensino público e de qualidade. Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela bolsa de estudos que possibilitou minha dedicação integral ao curso de mestrado. Às professoras que compõem a banca desse trabalho, por aceitar o convite para participar desse momento e transmitir os seus conhecimentos através de ideias e sugestões. 18 À equipe de pesquisadores do Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli - Fundação Oswaldo Cruz (CLAVES/FIOCRUZ), em especial a coordenadora da pesquisa multicêntrica Dra. Maria Cecília de Souza Minayo, pela oportunidade de parceria no estudo e por disponibilizar dados locais para análise. À Escola de Saúde Pública – RS, e a colega de pesquisa Nara, que prontamente se dispuseram a me ajudar na coleta de dados no município de Porto Alegre. Às secretárias municipais de saúde dos municípios de São Lourenço do Sul, Venâncio Aires e Candelária pela receptividade, acolhimento e disponibilidade em acompanhar os pesquisadores nas visitas aos familiares entrevistados. Ao Perito Médico Legista da Seção de Ensino e Pesquisa do Departamento Médico Legal (DML), que permitiu o acesso a fontes de dados secundários. Às famílias entrevistas que nos acolheram em suas casas, concordando em falar sobre a temática estudada. Agradeço ainda a todos os amigos que, direta ou indiretamente, contribuíram nessa fase da minha vida, e acreditaram na concretização desse trabalho. 19 RESUMO Neste estudo investigou-se o suicídio sob a perspectiva de gênero em municípios da região sul do Brasil, descreveu-se as características sociodemográficas das pessoas que cometeram suicídio e identificou-se a presença de violência de gênero na história de vida destas pessoas. Trata-se de um estudo qualitativo, e faz parte de uma pesquisa multicêntrica intitulada ―É possível prevenir a antecipação do fim? Suicídio de Idosos no Brasil e possibilidades de Atuação do Setor Saúde‖. Realizaram-se 19 autópsias psicossociais mediante entrevistas em profundidade com familiares de pessoas que cometeram suicídio nos municípios de Candelária, Venâncio Aires, São Lourenço do Sul e Porto Alegre, localizados no estado do Rio Grande do Sul/Brasil. O método de análise foi o de conteúdo na modalidade temática, com o auxílio do software NVivo versão 7. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e todas as recomendações e cuidados éticos foram respeitados. No que tange às desigualdades de gênero nas relações de conjugalidade observou-se na história de homens e mulheres suicidas, o rígido desempenho dos papéis tradicionais de gênero, em que as mulheres eram responsáveis pelos afazeres domésticos e cuidados da família, e os homens pelo comando e sustento da casa. Algumas mulheres acresciam à sobrecarga do cuidado da casa e filhos, o trabalho na lavoura e a responsabilidade econômica com a família. A violência de gênero esteve presente na história de vida de homens e mulheres que cometeram suicídio, e essa violência, nas relações conjugais, produziu consequências negativas à saúde, bem-estar e qualidade de vida das mulheres que se suicidaram. Os homens suicidas exerceram durante toda a vida conjugal relações de poder e violência de gênero contra as esposas. Assim, entende-se que as desigualdades de gênero são fator de vulnerabilização de mulheres e homens, e não pode deixar de ser analisado quando se estuda o suicídio. Frente a esses resultados destaca-se a importância de estudos e discussões sobre o suicídio na perspectiva de gênero, pois as desigualdades de gênero e as violências contribuem para os comportamentos autoagressivos de homens e mulheres na sociedade. Palavras-chave: Suicídio, Violência de Gênero, Gênero e Saúde. 20 ABSTRACT This study carried out a research on suicide under the perspective of gender in municipalities from the south region of Brazil. It also established the social and demographic characteristics of suicide within these places and it identified the presence of gender violence in the life history of people who committed suicide. It is a qualitative study that makes part of a multicentric research with the title ―Is it possible to prevent the anticipation of the end? Suicide of Elderly in Brazil and possibilities of Performance by the Health Sector.‖ A total of 19 psychosocial autopsies were carried out by means of interviews in depth with family members of people who committed suicide in the municipalities of Candelária, Venâncio Aires, São Lourenço do Sul and Porto Alegre, located in the state of Rio Grande do Sul, Brazil. The method of analysis was that of content in the thematic mode with the support of the 7. Version NVivo software. The project was approved by the Ethics and Research Committee of the Federal University of Rio Grande do Sul and all of the recommendations and ethics aspects were observed. With respect to gender inequalities in marital relations, it has been noted, in the history of suicide men and women, the rigid performance of the traditional gender roles, the women responsible for the home tasks and family care while men were in charge of the home command and provisions for the house. Some women added yet to the overload of the house and children care, the tillage work and the economic responsibility of the family. Gender violence was present in the life history of men and women who committed suicide and such violence in the marital relations have produced consequences to health, well being and quality of life of the women who committed suicide. The suicide men performed all over the marital life, relations of power and gender violence against their spouses. Thus, it is understood that gender inequalities are a vulnerabilization factor for women and men and it must be also analyzed upon studies on suicide. In view of these results, the importance of studies and discussions on suicide under the gender perspective stands out because gender inequalities and violence contribute for autoagressive behaviors of men and women in society. Keywords: Suicide, Gender Violence, Gender and Health. 21 RESUMEN En este estudio se investiga el suicidio bajo la perspectiva de género en municipalidades de la región sur del Brasil. También se establecieron las características sociales y demográficas del suicidio en estos pueblos y se identificó la presencia de violencia de género en la historia de vida de las personas que se suicidaron. Se trata de un estudio cualitativo que hace parte de una pesquisa multicéntrica titulada‖¿Es posible prevenir la anticipación del fin? Suicidio de Mayores en Brasil y posibilidades de Actuación del Sector de Salud.‖ Se realizaron 19 autopsias psicosociales mediante entrevistas en profundidad con familiares de personas que acometieron suicidio en las municipalidades de Candelária, Venâncio Aires, São Lourenço do Sul y Porto Alegre, ubicadas en el estado del Rio Grande do Sul, Brasil. El método de análisis fue él de contenido en la modalidad temática, con el soporte del software NVivo versión 7. El proyecto fue aprobado por el Comité de Ética y Pesquisa de la Universidad Federal del Rio Grande do Sul y todas las recomendaciones y cuidados éticos fueron respectados. En lo que se refiere a las desigualdades de género en las relaciones de conyugalidad, se observó, en la historia de hombres y mujeres suicidas, el rígido desempeño de los papeles tradicionales de género, mujeres responsables por las tareas domésticas y cuidados de la familia; hombres por el comando y sustento de la casa. Algunas mujeres acrecentaban, a la sobrecarga del cuidado de la casa y de los hijos, el trabajo en la labranza y la responsabilidad económica con la familia. La violencia de género estuvo presente en la historia de vida de hombres y mujeres que acometieron suicidio, y esa violencia, en las relaciones conyugales, produjo consecuencias a la salud, bien estar y calidad de vida de las mujeres que se suicidaron. Los hombres suicidas ejercieron durante toda la vida conyugal relaciones de poder y violencia de género contra las esposas. Así, se entiende que las desigualdades de género son factor de vulnerabilización de mujeres y hombres y no se puede dejar de ser analizarlas cuando uno estudia el suicidio. Delante de eses resultados, se destaca la importancia de estudios y discusiones acerca del suicidio bajo la perspectiva de género, pues las desigualdades de género y las violencias contribuyen para los comportamientos autoagresivos de hombres y mujeres en la sociedad. Palabras-clave: Suicidio, Violencia de Género, Género y Salud. 22 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 - Mapa do Estado do Rio Grande do Sul/Brasil com a localização geográfica dos municípios em Estudo........................................................................................32 Figura 2 - Categorias analíticas que emergiram da analíse com o Software Nvivo..................................................................................................................36 23 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Mortalidade por suicídio nos municípios de São Lourenço do Sul, Candelária, Venâncio Aires e Porto Alegre – RS, 2006-2010..............................................33 Tabela 2 - Características sociodemográficas das pessoas que cometeram suicídio nos municípios de São Lourenço do Sul, Candelária, Venâncio Aires e Porto Alegre, RS, 2012................................................................................................42 24 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AIDS – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida AVC – Acidente Vascular Cerebral CAPS – Centro de Atenção Psicossocial CAPS AD – Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas CAPS I – Centro de Atenção Psicossocial (para municípios até 70.000 habitantes) CAPS i – Centro de Atenção Psicossocial infanto-juvenil CEP – Comitê de Ética em Pesquisa CLAVES – Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli CNDM – Conselho Nacional dos Direitos da Mulher CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico COMPESQ – Comissão em Pesquisa da Escola de Enfermagem DDM – Delegacias de Defesa da Mulher DML – Departamento Médico Legal EENF – Escola de Enfermagem ENSP – Escola Nacional de Saúde Pública ESF – Estratégia de Saúde da Família ESP – Escola de Saúde Pública FIOCRUZ – Fundação Oswaldo Cruz HIV – Vírus da Imunodeficiência Humana IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística MS – Ministério da Saúde OMS – Organização Mundial da Saúde PAISM – Programa de Atenção Integral a Saúde da Mulher PPV – Programa de Proteção contra a Violência RS – Rio Grande do Sul SIM – Sistema de Informação de Mortalidade TCC – Trabalho de Conclusão de Curso TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul WHO – World Health Organization 25 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 13 2 CONSTRUÇÃO DO REFERENCIAL E DO OBJETO DE INVESTIGAÇÃO ........... 18 2.1 Suicídio: aspectos conceituais, epidemiológicos e fatores associados ............................. 18 2.2 A Perpectiva de Gênero na Análise do Suicídio.................................................................. 22 2.3 Violência de Gênero e Suicídio ............................................................................................... 26 3 OBJETIVOS ........................................................................................................................ 30 3.1 Objetivo Geral .................................................................................................................. 30 3.2 Objetivos Específicos ........................................................................................................ 30 4 CAMINHO METODOLÓGICO ....................................................................................... 31 4.1 Tipo de Estudo .................................................................................................................. 31 4.2 Cenário do Estudo ............................................................................................................ 31 4.3 Sujeitos do Estudo ............................................................................................................ 34 4.4 Coleta dos Dados............................................................................................................... 34 4.5 Análise dos Dados ............................................................................................................. 35 4.6 Considerações Éticas ........................................................................................................ 36 4.7 Experiências Vivenciadas no Campo de Estudo ............................................................ 37 5 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS.......................................................................... 41 5.1 Perfil e modo de vida dos suicidas.......................................................................................... 41 5.2 Desigualdades de gênero nas relações de conjugalidade .................................................. 46 5.2.1 Desempenho dos papéis de gênero ......................................................................................... 47 5.2.2 Relações conjugais em que os homens têm o poder e as mulheres se submetem............52 5.2.3 Divisão sexual do trabalho ...................................................................................................... 59 5.3 Violência de gênero na história de vida do suicida: a violência vivida e a violência exercida.....................................................................................................................................64 5.3.1 Violência de gênero vivida por mulheres suicidas ............................................................... 66 5.3.2 Violência de gênero exercida pelos homens suicidas .......................................................... 77 5.4 Histórias de violência de gênero que foram determinantes para o suicídio de mulheres. ............................................................................................................................................ 84 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 91 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 94 APÊNDICE A – Ficha de Identificação.............................................................................. 105 26 APÊNDICE B – Roteiro da Entrevista ............................................................................... 106 APÊNDICE C – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ...................................... 109 APÊNDICE D – Termo de Confidencialidade e Publicação dos Dados .......................... 110 ANEXO A – Autorização do Departamento Médico Legal..............................................111 ANEXOS B – Autorização da Secretaria da Saúde de São Lourenço do Sul..................112 ANEXOS C – Autorização da Secretaria da Saúde de Venâncio Aires...........................113 ANEXOS D – Autorização da Secretaria da Saúde de Candelária..................................114 ANEXO E – Carta de Aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da UFRGS.............115 13 1 INTRODUÇÃO Esta Dissertação de Mestrado está vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), na linha de pesquisa denominada Promoção, Educação e Vigilância em Saúde e Enfermagem. O presente estudo centra-se na área temática das violências, e busca estudar o suicídio sob a perspectiva de gênero em municípios da região sul do Brasil. Pretende-se estabelecer uma reflexão crítica sobre a questão, bem como compreender as relações entre gênero, violência e suicídio de homens e mulheres e dar visibilidade a esse fenômeno no campo da saúde pública, no sentido de fomentar a elaboração de estratégias de prevenção e a realização de práticas assistenciais, planejadas interdisciplinarmente e intersetorialmente. Este estudo insere-se em uma pesquisa de âmbito nacional denominada ―É possível prevenir a antecipação do fim? Suicídio em idosos no Brasil e possibilidades de atuação do setor saúde‖, coordenada pela pesquisadora Dra. Maria Cecília de Souza Minayo, do Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli, da Escola Nacional de Saúde Pública – Fundação Oswaldo Cruz (CLAVES/ENSP/FIOCRUZ), realizada no período de 2010 a 2012. A pesquisa teve por objetivo realizar um estudo estratégico sobre a magnitude e a significância do suicídio na população brasileira acima de 60 anos (MINAYO; CAVALCANTE, 2010a). Por se tratar de um estudo multicêntrico, contou com o envolvimento de pesquisadores e instituições de ensino das cinco regiões brasileiras. Na região sul do Brasil, participaram pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Escola de Saúde Pública – Rio Grande do Sul (ESP-RS), sob a coordenação da pesquisadora Dra. Stela Nazareth Meneghel. A preocupação e o interesse pela problemática do suicídio foram crescendo, instigando-me a leituras, reflexões e discussões sobre o tema, de modo que a inserção nesta pesquisa, associada ao interesse pela problemática da violência, desde a Graduação em Enfermagem, foram fatores que motivaram a elaboração da presente dissertação de mestrado, e, portanto, a formação de um lastro teórico que a embasasse. A aproximação aos estudos sobre violência ocorreu a partir da oportunidade de ser bolsista de iniciação científica no projeto de pesquisa ―Quem são as mulheres que procuram ajuda em situações de violência?‖, que teve como objetivo conhecer a realidade de vida de mulheres em situação de violência que procuram o atendimento na Delegacia de Polícia no Município de Palmeira das Missões/RS. Nesta pesquisa, trabalhando e convivendo com 14 algumas mulheres vítimas desse agravo, pode-se identificar as inúmeras precariedades, inseguranças e agressões que elas enfrentavam em seu cotidiano, tais como: o medo da morte, solidão, vergonha e o sentimento de culpa. O interesse pelo tema e as experiências vivenciadas estimularam-me a desenvolver o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), denominado ―Violência contra as mulheres: conhecendo como os agentes comunitários de saúde conceituam, atuam e elaboram estratégias de enfrentamento‖. Nesse estudo foi possível conhecer e compreender a violência contra as mulheres na perspectiva dos agentes comunitários de saúde inseridos nas Estratégias de Saúde da Família (ESF) de um município da região noroeste do Rio Grande do Sul (RS), bem como as intervenções utilizadas no enfrentamento da violência contra as mulheres. Assim, as experiências vivenciadas nessas pesquisas serviram de estímulo para o aprofundamento teórico sobre as distintas formas de violência, suscitando o interesse em desenvolver um estudo voltado à compreensão do suicídio sob a perspectiva de gênero, visando identificar a presença de desigualdades de gênero e violência na história de vida de homens e mulheres que cometeram suicídio. Autores ressaltam que a violência tem aumentado nas últimas décadas, adquirindo caráter epidêmico principalmente nos grandes centros urbanos (BEZERRA FILHO et al., 2012). Dentre as distintas categorias da violência, encontra-se o suicídio como um importante problema de saúde pública (OMS, 2001), entendido como um fenômeno complexo, multidimensional, cuja prevalência varia de acordo com a cultura, momento histórico e grupo social, sendo considerado um tema tabu em muitas sociedades (BRASIL, 2008; MENEGHEL et al., 2004). O suicídio é compreendido como um fato social (DURKHEIM, 1982), de elevada incidência, e constitui uma das formas de violências autoinfligidas, na qual o indivíduo intencionalmente tira a própria vida. O comportamento suicida vai desde a ideação até a elaboração de um plano e a aquisição dos meios para realizá-lo (OMS, 2002). Assim, como outros comportamentos auto agressivos, o suicídio pode ser considerado a saída para um sofrimento intolerável. O risco de suicídio pode aumentar devido a fatores culturais, genéticos, psicossociais e ambientais (OMS, 2006). Ocorre com mais intensidade durante os períodos de crises econômicas, familiares e individuais (OMS, 2002). Segundo Cavalcante e Minayo (2012), os fatores de risco associados ao suicídio estão relacionados a problemas financeiros; violências; adoecimentos e falecimento de parentes; doenças físicas e mentais; isolamento e depressão; ideações, tentativas e suicídio de familiares. 15 Dados divulgados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) indicam que as mortes por suicídio aumentaram 60% nos últimos 50 anos, e cerca de um milhão de pessoas cometeram suicídio no ano 2000, o que representa uma morte a cada 40 segundos, correspondendo a 13ª causa mundial de morte na população geral (OMS, 2006), com previsão de aumento para 1,53 milhões de suicídios até o ano de 2020 (OMS, 2001). Em relação às taxas nacionais de suicídio, no ano de 2008 o coeficiente de mortalidade por suicídio foi de 5,6 por 100.000 habitantes (BRASIL, 2008). O estado do Rio Grande do Sul apresenta os maiores coeficientes de mortalidade por suicídio no Brasil desde 1970, e em 2005 apresentou uma cifra de 11 óbitos para cada 100.000 habitantes (d‗OLIVEIRA, 2005). As estatísticas de mortes e agravos por violência no Brasil mostram que em todos os grupos etários os homens são as maiores vítimas e os maiores perpetradores, considerando-se todas as subcausas de violência (MINAYO, MENEGHEL; CAVALCANTE, 2012), inclusive o suicídio. Tem-se observado uma frequência de suicídio consumado três a quatro vezes maior no sexo masculino (SHIMITT et al., 2008). Já em relação às tentativas, há uma elevada carga de doença para as mulheres (DREVIES et al., 2011). No entanto, tem sido dada pouca atenção às diferenças do comportamento suicida de homens e mulheres, e as perspectivas de gênero são pouco estudadas (BEAUTRAIS, 2006). Diante disso, entende-se que o suicídio, como fato social, está marcado pela condição de gênero. Na concepção de Scott (1995), gênero pode ser definido como elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças de poder entre os sexos. Assim, as distinções de gênero ―são de caráter social e não biológico e há um aspecto relacional segundo o qual o masculino só pode ser compreendido como complementar ao feminino‖ (MENEGHEL et al., 2012, p. 1984). As hierarquias de gênero valorizam o homem em detrimento da mulher, legitimando a superioridade masculina, na qual a mulher é destituída de autonomia e do direito de decidir, inclusive sobre o seu próprio corpo (BOTEGA et al., 2009). A análise das relações entre homens e mulheres mostra que o exercício do poder ocorre de forma desigual entre os sexos e as mulheres ocupam posições subalternas na sociedade (FONSECA, 2005). Sob a ótica de Pateman (1993) o poder natural dos homens sobre as mulheres abarca todos os aspectos da vida, e na sociedade patriarcal, as mulheres são submetidas aos homens tanto na esfera privada quanto na pública. Portanto, ocorre uma associação entre virilidade, honra, masculinidade e violência. O conjunto desses comportamentos reproduz um padrão de relacionamento centralizado na desigualdade entre os gêneros (COUTO et al., 2007). 16 A desigualdade no desempenho dos papéis de gênero de homens e mulheres reflete a assimetria de poder entre os sexos, naturalizando o domínio do homem sobre a mulher e o papel dela na sociedade como cuidadora do lar, filhos e marido. Essa desigualdade entre os gêneros favorece o aparecimento da violência no relacionamento conjugal (GOMES et al., 2012). Em contraponto, quando esse modelo de família e de relações entre os gêneros chocase com uma realidade social que incita as mulheres a atuarem em outras esferas, precisando sair em busca de trabalho para ajudar, ou prover o sustento da família, ficando a casa para os homens que, desempregados, sentem-se incapazes de cumprir o papel de provedor econômico, crises e conflitos se acirram (COUTO et al., 2007), podendo resultar em violência de gênero, como tentativa do homem resgatar a antiga posição na relação conjugal. A violência de gênero é um tema complexo e sensível (SCHRAIBER et al., 2009) e, além de um problema de saúde publica, é também um problema social, um fenômeno mundial, que não respeita fronteiras, afetando grandes contingentes populacionais, especialmente mulheres e suas famílias (MENEGHEL; SAGOT; BAIRROS, 2009), além de resultar de uma organização social de gênero que privilegia o masculino (SAFFIOTI, 2004). A violência de gênero como um dos mecanismos usados para manter a dominação masculina, a subordinação e o controle das mulheres tem como consequências danos físicos e sofrimento psicológico, além de outros efeitos deletérios à saúde da mulher (OLIVEIRA; JORGE, 2007). A violência ocorre em um continuum em que a gravidade dos atos vai aumentando e pode culminar com o homicídio ou suicídio das mulheres (SHAHMANESH, et al., 2009). Conforme menciona Day et al. (2003, p.16) ―o impacto de tipos diferentes de abuso e de múltiplos eventos ao longo do tempo parece ser cumulativo‖, e para algumas mulheres, a gravidade destas violências e a desesperança que os maus tratos originam, podem levá-las ao suicídio. Muitas vezes, as sequelas psicológicas da violência são ainda mais graves que seus efeitos físicos, estando associadas a uma frequência mais elevada de problemas mentais, como depressão, fobia, tendência ao suicídio e consumo abusivo de álcool e drogas (MENEGHEL; HENNINGTON, 2007). Tendo em vista a pequena quantidade de pesquisas sobre o tema é imperativo estudar o suicídio sob a perspectiva de gênero. Diante disso, a problemática a ser investigada centrase na exploração da categoria gênero como uma situação que influencia a violência e o comportamento suicida. O presente estudo não se propõe a encontrar ou estabelecer causas únicas para o suicídio, mas explorar a relação entre a condição de gênero e o suicídio. Mesmo 17 que o Brasil ainda apresente índices de suicídio considerados baixos quando comparado a outros países, os números de suicídio vêm crescendo, principalmente na região sul do Brasil. Esse estudo tem por finalidade fomentar o interesse e a preocupação de gestores, profissionais de saúde e familiares para a realização de estratégias direcionadas à redução deste agravo. A detecção precoce, o encaminhamento aos profissionais e serviços especializados são passos importantes na prevenção do suicídio. Também são fundamentais a identificação de pessoas em risco e o entendimento das circunstâncias relacionadas ao ato para que se possam estruturar intervenções eficazes. Diante desse contexto, para subsidiar essa investigação, a dissertação foi estruturada em seis capítulos. Além deste capítulo introdutório, apresenta-se no capítulo 2 e 3 a construção da problemática do estudo, através do referencial teórico e os objetivos que dela procedem. No quarto capítulo descrevem-se o caminho metodológico percorrido no estudo, com detalhamento contextual do tipo de pesquisa, a caracterização do local e dos sujeitos do estudo, coleta e análise dos dados, questões éticas, e, por fim as experiências vivenciadas no campo de estudo. No quinto capítulo analisam-se e discutem-se os resultados obtidos. No subcapítulo 5.1 estão descritas as características sociodemográficas das pessoas que cometeram suicídio. As categorias 5.2 e 5.3 retratam através de uma perspectiva de gênero, as desigualdades, fragilidades e violência ocorridas na história de vida dos suicidas, relatadas por meio das autópsias psicossociais. As considerações finais compõem o sexto capítulo da dissertação, onde se realiza uma articulação entre o referencial teórico com os achados do estudo, indicando algumas das possíveis contribuições da pesquisa e sugestões para o desenvolvimento de futuros estudos. 18 2 CONSTRUÇÃO DO REFERENCIAL E DO OBJETO DE INVESTIGAÇÃO Na construção do Referencial Teórico apresentam-se elementos que trazem contribuições importantes, os quais possibilitam a construção do problema de investigação e da presente proposta em estudo. Os eixos temáticos abordados foram: Suicídio: aspectos conceituais, epidemiológicos e fatores associados; A perspectiva de gênero na análise do suicídio; Violência de gênero e suicídio. 2.1 Suicídio: aspectos conceituais, epidemiológicos e fatores associados O suicídio vem se apresentando como um grave problema de saúde pública, suscitando esforços de estudiosos e pesquisadores para melhor compreender essa realidade (MINAYO; CAVALCANTE, 2010 b). A realização de estudos voltados à temática do suicídio é relevante, pois proporciona subsídios para entender e enfrentar o problema (PORDEUS et al., 2009). O suicídio pode ser entendido como um tema complexo e de múltiplas causas, resultante de uma relação de determinantes individuais e coletivos, sociais, econômicos, culturais e psicológicos (MINAYO; CAVALCANTE; SOUZA, 2006). É importante, portanto, que se incorporem aportes interdisciplinares na perspectiva de diferentes autores, que possam auxiliar a compreender essa complexa problemática. Werlang e Botega (2004) afirmam que a ideia central do suicídio está no ato de terminar com a própria vida. O suicídio não se explica por um único nexo causal, provém de várias situações entrelaçadas, que resulta de uma complexa interação de fatores, psicológicos, sociológicos, culturais, e ambientais (MANN, 2002). Considera-se suicídio apenas a morte em que a pessoa, voluntária e consciente, realizou um ato ou adotou um comportamento para levá-la à morte (CASSORLA, 2004). Schneidman (2001) afirma que essa ação fatal deve ser analisada como um ato intencional, em que uma pessoa, atormentada por uma dor psicológica intolerável, avalia como melhor solução a autodestruição. O suicídio é a maneira encontrada pelas pessoas para o alívio do sofrimento, do sentimento de desânimo e abandono, dos conflitos pessoais ou interpessoais, do estresse e está associado às necessidades frustradas e insatisfeitas (KAPLAN; SADOCK; GREBB, 1997). As taxas de incidência de suicídio nos países nem sempre refletem com exatidão a ocorrência desse acontecimento, porque não há uniformidade nos procedimentos de 19 notificação (PORDEUS et al., 2009). Além disso, sabe-se que as mortes por suicídio podem ser notificadas como causa externa do tipo ignorado. Outro fato que pode influenciar a subnotificação é o tabu que cerca as condutas suicidas presentes em muitas sociedades (MENEGHEL et al., 2004). Dessa forma, as taxas de mortalidade em muitos países são, provavelmente, subestimadas. Dados da Organização Mundial da Saúde apontam que, no ano de 2000, aproximadamente um milhão de pessoas se suicidaram, o que se traduz em uma taxa global de mortalidade de 16 óbitos por 100.000 habitantes, ou uma morte a cada quarenta segundos (OMS, 2006). As taxas de suicídio se distribuem desigualmente segundo sexos (MINAYO; CAVALCANTE, 2010 a), sendo observadas maiores taxas de suicídio entre homens quando comparados com as mulheres (BRZOZOWISKI et al., 2010; SHIMITT et al., 2008; HAQQI et al., 2008; ADEODATO et al., 2005). As mulheres apresentam mais ocorrência de ideação e tentativas de suicídio (BOTEGA et al., 2009; SÁ et al., 2010; MARÍN-LEÓN; BARROS, 2003; ABASSE et al., 2009). Na maioria dos países, as taxas de mortalidade por suicídio segundo sexo atingem coeficientes três vezes maior entre pessoas do sexo masculino (SHIMITT et al., 2008). Na China e na Índia as taxas de suicídio são maiores entre mulheres (DREVRIES et al., 2011) e, nesses países, as maiores frequências ocorrem entre mulheres jovens, de zonas rurais, pobres, com baixa escolaridade e poucas oportunidades de trabalho (YIP; LIU; LAW, 2008). Em relação à faixa etária observou-se que as mulheres se suicidam em idades mais jovens que os homens (BERNARDES; TURINI; MATSUO, 2010). Ocorrem taxas mais elevadas de suicídio em mulheres com idades entre 20 e 30 anos, apresentando tendência de aumento com a idade (BRZOZOWSKI et al., 2010; BOTEGA et al., 2009; WERNECK et al., 2006; MARÍN-LEÓN; BARROS, 2003; ABASSE et al., 2009). Pesquisa revelou que o suicídio atinge especialmente grupos etários mais jovens, além da faixa mais idosa da população. Altas taxas de suicídio afetam países ricos e pobres, colocando esse agravo entre as três principais causas de óbitos na população de 15 e 44 anos (WHO, 2002). Esses dados são considerados preocupantes ao se observar que esse grupo, economicamente ativo, avaliado como o mais vulnerável a outros tipos de violências, apresenta risco crescente para o suicídio (SANTOS et al., 2009). Diferenças entre os métodos utilizados por mulheres e homens para cometer o ato suicida indicam contextos e situações marcadas pelo gênero. As mulheres utilizam mais medicamentos, seguido de auto envenenamento por pesticidas (BERNARDES; TURINI; MATSUO, 2010; BOTEGA et al., 2009; WERNECK et al., 2006; MACENTE; SANTOS; 20 ZANDONADE, 2009; PONCE et al., 2008; SANDI, 1995; DIEHL, 2009; STEFANELLO et al., 2008), enquanto os homens usam meios mais agressivos, como armas de fogo e enforcamento (STACK, 2000), indicando concepções de masculinidade onde se destaca a virilidade e o machismo. Além disso, homens que tentam suicídio por autointoxicação tendem a utilizar pesticidas e não medicamentos (RAPELI; BOTEGA, 2005). A Organização Mundial da Saúde classifica a mortalidade por suicídio em quatro níveis, considerando baixas as taxas menores que 5/100.000, médias entre 5 a 15/100.000, altas entre 15 a 30/100.000 e muito altas quando maiores de 30/100.000 (WHO, 2002). De acordo com essa classificação, Sri Lanka, Lituânia e Letônia são países com taxas muito altas de suicídio (PHILLIPS; LI; ZHANG, 2002). A China, Suíça, França, Bélgica, Áustria, e Estados Unidos estão em patamares elevados (CATALDO; GAUER; FURTADO, 2003), enquanto Espanha, Itália, Irlanda, Egito e Holanda, apresentam taxas menores de 10 mortes a cada 100 mil habitantes e Guatemala, Filipinas e Albânia apresentam baixos coeficientes (OMS, 2001). No Brasil, em 2004, ocorreram 8.017 suicídios e, em 2005, encontrava-se entre os dez países com maiores números absolutos de suicídio, apresentando coeficiente de mortalidade por suicídio de 5,6/100.000 habitantes (BRASIL, 2008). O Rio Grande do Sul é o estado brasileiro que apresenta as maiores taxas de mortalidade desde a organização do Sistema de Informação de Mortalidade (SIM), em 1970, apresentando 11 mortes por suicídio para cada 100 mil habitantes (MENEGHEL et al., 2004). Santa Catarina e Paraná, na região sul, são os que ocupam as posições a seguir, com taxas de mortalidade por suicídio em torno de 7/100.000 habitantes (SCHMITT et al., 2008; MENEGHEL et al., 2004; CATALDO; GAUER; FURTADO, 2003). As capitais brasileiras com maiores coeficientes são Boa Vista, com 7,6 mortes por 100.000 habitantes, Porto Alegre com 7,3/100.000 habitantes e Florianópolis 6,5/100.000 habitantes (LOVISI et al., 2009). No Rio Grande do Sul e em Santa Catarina o perfil étnico de descendentes de imigrantes europeus e a atividade econômica agrícola estão presentes em áreas com altas taxas de suicídio (SCHMITT et al., 2008). Este aumento da taxa de suicídio entre os trabalhadores rurais pode, em parte, derivar das precárias condições de vida dessa população e/ou da elevada exposição aos pesticidas (LOVISI et al, 2009). Alguns autores consideram os seguintes fatores de risco para o suicídio: estado civil (pessoas solteiras, divorciadas e viúvas), idade (idosos), ocupação (agricultores), grupo étnico (descendentes de europeus), migrantes, condições econômicas (desemprego), estado de saúde 21 (presença de doença física grave) (GROSSI; MARTURANO; VANSAN, 2002; MANN, 2002). Eventos que causam estresse podem aumentar o risco de suicídio, incluindo desemprego, pobreza, conflitos, perda de familiares, problemas legais ou no trabalho, uso abusivo de álcool e drogas, violência física e/ou sexual, isolamento social, e distúrbios psíquicos como depressão, esquizofrenia ou sentimentos de desesperança (OMS, 2002; WERNECK et al., 2006; WERLANG; BOTEGA, 2004). Quanto às condições socioeconômicas, foram encontrados estudos que mostram maiores prevalências para o suicídio entre donas de casa, estudantes, aposentadas e pessoas com pouca escolaridade (BERNARDES; TURINI; MATSUO, 2010; BOTEGA et al., 2009; WERNECK et al., 2006; PONCE et al., 2008). Entre os homens, autores têm apontado (MARÍN-LEÓN; BARROS, 2003; CLEARY, 2012) que crises econômicas levam a fracassos no desempenho como provedor da família, produzindo conflitos, consumo de álcool /drogas, sofrimento emocional e suicídio. No entanto, o trabalho pode ser considerado fator de proteção para homens e mulheres, tendo-se verificado taxas mais elevadas de suicídio em pessoas desempregadas (KPOSOWA, 2001). A anorexia, a bulimia e o uso estético de próteses de silicone são fatores associados ao suicídio de mulheres, assim como problemas na vida sexual e reprodutiva, como gravidez indesejada, aborto, falta de autonomia sexual e reprodutiva, baixa escolaridade e status social, poucas oportunidade de trabalho e dependência econômica do cônjuge ou da família extensa (BEAUTRAIS, 2006). Cabe destacar que existem diferenças em relação aos fatores de risco para o suicídio que afetam jovens, adultos e idosos. Para o grupo de jovens são fatores associados ao suicídio os conflitos interpessoais, especialmente os amorosos, problemas no desempenho escolar ou no trabalho. Em relação aos idosos, os fatores de risco podem estar relacionados à morte de um familiar, doença terminal com presença de dores, o medo do prolongamento da vida sem dignidade, o isolamento social, mudanças nos papéis sociais que lhes atribuíam reconhecimento, ou situações de dependência física ou mental (MINAYO; CAVALCANTE, 2010 b). Estima-se que, para cada óbito por suicídio, pelo menos seis outras pessoas são afetadas diretamente, podendo atingir centenas quando o evento ocorre em uma escola ou local de trabalho, cujas vidas são profundamente afetadas emocional, social e economicamente, exercendo forte impacto nos serviços de saúde (WERNECK et al., 2006). 22 Diante disso, os aspectos conceituais, epidemiológicos e os fatores associados ao suicídio de homens e mulheres aqui abordados, refletem a importância de se analisar o suicídio segundo a perspectiva de gênero, procurando-se compreender os papéis de gênero introjetados social e culturalmente como possíveis determinantes ou coadjuvantes do comportamento suicida. 2.2 A Perpectiva de Gênero na Análise do Suicídio “A intenção de morrer é o elemento-chave que guarda referência direta com violência e agressividade” (Minayo et al, 2012, p.301). As preocupações teóricas relativas ao gênero como categoria de análise apareceram somente a partir do movimento feminista contemporâneo, nos séculos XX, reivindicando a suspensão das desigualdades constantes entre mulheres e homens, historicamente construídas e questionando a dominação masculina naturalizada em diferentes contextos sociais. O uso do termo gênero, como categoria analítica, foi proposto na década de 1970 por historiadoras ligadas aos movimentos feministas, buscando teorizar as assimetrias entre homens e mulheres com explicações no campo da organização social da relação entre os sexos (SCOTT, 1995; SAFFIOTI, 1999). No Brasil, o conceito de gênero propagou-se na década de 1980, possibilitando compreender que as diferenças entre homens e mulheres são produzidas pela cultura. Considera-se gênero um conjunto de arranjos pelos quais uma sociedade transforma a sexualidade biológica em produtos de atividade humana e no qual essas necessidades sexuais transformadas são satisfeitas (SAFFIOTI, 1999). Segundo Louro (2003), gênero se refere ao modo com que as características sexuais são compreendidas e/ou representadas ou trazidas para a prática social e tornadas parte do processo histórico. Gênero pode ser compreendido como uma força social organizadora que também afeta a saúde das pessoas, considerando produtor de desigualdades e iniquidades, atreladas, inicialmente, ao sexo, mas em uma transversalidade com outras categorias sociais como, classe, idade, raça/cor, nível de escolaridade, entre outras (MENEGHEL; SAGOT; BAIRROS, 2009). No entanto, adotar gênero como categoria analítica pressupõe a desnaturalização das relações entre homens e mulheres e o entendimento de que a identidade sexual é construída histórica e socialmente, e modo primordial de significar relações de poder, representando 23 recusa ao essencialismo biológico e à hierarquia sexista (MENEGHEL; IÑIGUEZ, 2007). Os espaços de aprendizado e os processos de socialização reforçam os preconceitos e estereótipos de gênero como próprios de uma suposta natureza feminina e masculina, apoiando-se, sobretudo, na determinação biológica. A diferença biológica vai se transformar em desigualdade social e assumir uma aparência de naturalidade (SAFFIOTI, 1999). A desigualdade de gênero pode ser entendida como a participação não igualitária das mulheres, em função de sua condição sexual, em uma sociedade que legitima essa desigualdade, acarretando um padrão hierárquico entre homens e mulheres (MENEGHEL et al., 2003). Entende-se que as desigualdades de gênero decorrem das prescrições normativas do patriarcado, uma forma de organização social, na qual as relações são regidas por dois princípios básicos: as mulheres estão hierarquicamente subordinadas aos homens; e os jovens aos homens mais velhos (PATEMAN, 1993). O conceito de patriarcado foi utilizado por estudiosas com a intenção de denunciar a dominação masculina. O patriarcado pode ser entendido como um conjunto de relações sociais em que há relações hierárquicas entre homens, e solidariedade entre eles, que os habilitam a controlar as mulheres. Enfim, entende-se por patriarcado o sistema masculino de opressão das mulheres (HARTMANN, 1979). O patriarcado não designa o poder do pai, mas o poder dos homens, ou do masculino, enquanto categoria social (PATEMAN, 1993). Entre os homens existe, pelo menos, uma hierarquia estabelecida com base nas distintas faixas etárias, cada uma desempenhando suas funções sociais e gozando de certo significado (SAFFIOTI, 1999). Alguns autores relatam que na sociedade patriarcal existe desigualdade na distribuição de poder entre os gêneros, mantida por meio da educação diferenciada que atribui papéis específicos a homens e mulheres (GOMES, et al., 2007; SAFFIOTI, 1992; SAFFIOTI, 1999). Embora nem todos os homens assumam o modelo dominante, a masculinidade considerada hegemônica enfatiza a virilidade, a agressividade, a ambição, a competitividade, a coragem, a autoridade (SCHOFIELD et al., 2000) e o controle das emoções, fatores que os fazem calar frente ao sofrimento físico e emocional e a não buscar ajuda para resolver esses problemas (MENEGHEL et al., 2004). A falência em cumprir os papéis tradicionais de gênero, que para o homem denota ser o provedor econômico da família, é considerada fator de estresse. Pois, inseridos na cultura patriarcal, os homens são mais sensíveis às instabilidades econômicas como perda de trabalho e empobrecimento, tornando-se mais propensos ao suicídio (LEAL, 1992). Pesquisa realiza 24 por Stack (2000) destaca que a pobreza, o desemprego e o estresse econômico podem predispor a população masculina ao suicídio. A dificuldade em expressar as emoções é um fator de risco para o suicídio e os homens que agem de acordo com a masculinidade hegemônica, pautada na noção de autoridade e força, são mais vulneráveis. Esse modelo pressupõe que buscar ajuda para os problemas é uma atitude feminina que implica fraqueza e falta de virilidade, limitando as oportunidades masculinas de procurar auxílio médico e psicológico (CLEARY, 2012; BRAZ, 2005). No entanto, mesmo que os homens adotem uma posição de autoridade e poder, apresentam fragilidades decorrentes da posição de gênero que podem ser o gatilho de comportamentos suicidas (SINGH; BANDEWAR; SINGER, 2009). Ainda nessa perspectiva acredita-se que os homens devam ser provedores, bemsucedidos economicamente, que saibam lidar com o dinheiro e fazer bons investimentos, além de serem fortes, agressivos e viris (OLIVEIRA, 2004; GROSSI, 1995). Para os homens, a ética do trabalho se desloca entre satisfação da moral e honrar compromissos firmados com instituições e com pessoas. O rompimento deste acordo tácito pode derivar em atentado contra a própria vida (SANTOS; RISTOW, 2010). Na concepção de Siqueira (1997), também se observa aumento no risco de suicídio entre rapazes em sociedades onde os papéis masculinos ditados pelo modelo de masculinidade dominante estão em crise. Nessas, o homem encontra grande dificuldade em realizar o papel normativo ligado ao trabalho e vê sua identidade em risco. Na divisão sexual de papéis, os homens são encarregados do suporte econômico das famílias e as mulheres, da reprodução. As políticas neoliberais, a precarização do trabalho, o aumento do desemprego, e as profundas modificações na economia rural quebraram os pressupostos tradicionais dos papéis masculinos e são fatores facilitadores da ocorrência de suicídio em ambos os sexos. Em países em que as taxas de suicídio feminino são baixas, o suicídio é percebido como um comportamento masculino, que requer para sua execução um grau de energia e coragem somente encontrado nos homens, enquanto as tentativas são consideradas femininas, atribuindo-se às mulheres características de fraqueza e passividade que as tornam incapazes para efetivar o ato suicida (CANETTO, 2008). Por sua vez, outras pesquisas têm atribuído a menor ocorrência de suicídio entre as mulheres devido à prevalência menor de alcoolismo, crenças religiosas mais fortes, envolvimento social e o desempenho de papéis, como por exemplo, a maternidade. Além disso, as mulheres reconhecem mais precocemente sinais de depressão e sofrimento mental e apresentam maior disposição em procurar ajuda em momentos de crise (STACK, 2000). No 25 entanto, as maiores chances de suicídio ocorrem entre mulheres que vivem sozinhas, e jovens casadas, não sendo o casamento um fator de proteção ao suicídio, principalmente quando a união acontece em idade precoce, quando não há autonomia na escolha do marido e existe pressão por ter filhos no início do casamento (BLUMENTHAL, 2010). Em muitos países o casamento é uma fonte significativa de estresse para as mulheres, resultando em maior morbidade psiquiátrica (KHAN, 2005). Em países orientais, a religião pode ser um fator de risco para o suicídio em mulheres devido ao conflito entre os valores religiosos tradicionais que propugnam às mulheres obediência aos papéis de gênero, em contraposição aos valores propostos na contemporaneidade, promovendo status social igualitário às mulheres (ZHANG et al., 2010). Já, em comunidades de agricultores germânicos, protestantes, o suicídio pode ser influenciado pelo sincretismo cultural entre fé e compromisso social. Se, por um lado, a religião condena o atentado contra a própria vida, por outro, a ética protestante valoriza o justo trabalho, ganho e a honorabilidade quanto ao compromisso social e quando há problemas econômicos a única saída considerada ―honrosa‖ pode ser a morte (SANTOS; RISTOW, 2010). A aceitabilidade cultural desempenha importante papel na determinação de comportamento suicida. Na Índia, as mulheres viúvas que se imolam juntamente com o marido seguem a crença cultural de que a morte do marido é devida a um erro que a mulher cometeu na vida atual ou anterior. Na Nova Guiné, as viúvas são mortas por parentes do sexo masculino, uma prática que pode ser considerada suicídio, à medida que elas não têm outra escolha a não ser morrer (CANETTO, 2008). Outra característica encontrada entre as mulheres que se suicidam é a de serem migrantes procedentes de zonas rurais, independente do tempo em que estão vivendo em áreas urbanas no momento do suicídio (HONG et al., 2007). Há poucos estudos sobre mulheres rurais, mas sabe-se que muitas estão submetidas ao rígido controle no exercício de suas funções, em que se acumulam os papéis de esposa, mãe e cuidadora e a atribuição dos trabalhos domésticos e agrícolas. Faria et al. (2006) apontaram níveis crescentes de suicídio em trabalhadoras rurais do Rio Grande do Sul. Entretanto, compreende-se que a desigualdade de poder entre os gêneros, produtora de iniquidades e vulnerabilizações, se constitui também em violência (MENEGHEL; SAGOT; BAIRROS, 2009). Na família, as desigualdades produzidas por gênero e idade são as principais determinantes das relações violentas que aí se constituem, mostrando a face adultocêntrica e misógina do poder (SAFFIOTI, 1999; SAGOT, 2000). 26 Portanto, se aproximar das questões vinculadas às relações entre os sexos e os conflitos que se produzem nesse contexto, que por vezes, originam casos de violência, além de colaborar para o debate sobre a temática, sustenta a discussão sobre as possibilidades e limitações dos retornos assistenciais da saúde à violência (COUTO, et al., 2007). Nesse contexto, considera-se que os papéis de gênero e as formas como homens e mulheres se relacionam na sociedade contribuem diretamente para a ideação suicida, tentativas e suicídio de ambos os grupos. Acredita-se que ao se adotar a perspectiva de gênero para entender as diferenças na prevalência da violência autoinfligida pode representar uma possibilidade de ampliar a compreensão desse problema. 2.3 Violência de Gênero e Suicídio “Se é verdade que a ordem patriarcal de gênero não opera sozinha, é também verdade que ela constitui o caldo de cultura no qual tem lugar a violência de gênero, a argamassa que edifica desigualdades várias, inclusive entre homens e mulheres” (Saffioti, 2002, p.16). A violência é definida como o uso intencional da força física ou do poder contra si próprio, outra pessoa, grupo ou comunidade, que resulte ou possa resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação de liberdade (OMS, 2002). Esse conceito refere-se à hierarquia de poder, conflitos de autoridade e desejo de domínio e aniquilamento do outro, trazendo impacto direto na saúde por meio de lesões, traumas e mortes, sejam físicas ou emocionais, representando um problema de saúde pública de graves dimensões (MINAYO, 2006). A violência contra a mulher existe na sociedade como uma questão universal que atinge mulheres de todas as culturas, etnias, religiões, idades, com graus de escolaridade variados e de distintos níveis de desenvolvimento econômico e social (LIMA; BÜCHELE; CLÍMACO, 2008). Dessa maneira, ―para abordar a violência contra a mulher, faz-se necessário o entendimento de gênero como elemento constitutivo das relações sociais, baseadas nas diferenças entre os sexos e como modo primordial das relações de poder‖ (KRONBAUER; MENEGHEL, 2005, p. 696). Inclui-se, nesse contexto de violência de gênero, as formas simbólicas e institucionais que transformam as diferenças entre homens e mulheres em desigualdades, justificando a diferença salarial de ambos, a menor participação da mulher na política e a concentração em determinadas áreas profissionais (GROSSI; ALMEIDA; TAVARES, 2007). No entanto, a 27 violência de gênero tem sido empregada como sinônimo de violência contra a mulher, por serem elas as mais acometidas pelas desigualdades de gênero (SOARES, 2012). Essa violência, deriva da condição subordinada ainda vivida pela mulher na sociedade, e diz respeito a sofrimentos e agressões dirigidos especificamente às mulheres pelo fato de serem mulheres (SCHRAIBER; d‘ OLIVEIRA, 1999), constituindo a violência ―um componente fundamental do adestramento das mulheres para viverem em uma sociedade patriarcal" (MENEGHEL et al, 2003, p. 956). O reconhecimento da violência contra a mulher foi alcançado pelos movimentos feministas a partir dos anos 1980, no Brasil, possibilitando a denúncia e o combate à violência conjugal. A mobilização das feministas ocorreu em virtude da brutalidade da violência contra as mulheres e da impunidade dos agressores, motivo pelo qual reclamavam por medidas e soluções, pois o ―crime passional‖ não era punido. As feministas reivindicavam abrigo, assistência jurídica especial à população feminina e atendimento policial. Com isso, o movimento de mulheres iniciou parcerias com o Estado no sentido de implementar políticas públicas direcionadas à prevenção dessa problemática (SCHRAIBER; d‘OLIVEIRA, 1999). Nesse mesmo período foram criados o Programa de Atenção Integral a Saúde da Mulher (PAISM), e o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), com a finalidade de promover políticas para eliminar a discriminação contra a mulher, garantindo seus direitos. Além disso, foram criadas as Delegacias de Defesa da Mulher (DDM), como recurso no combate público à violência conjugal (LEAL et al., 2009). No inicio dos anos 1990, a violência de gênero foi reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um problema de saúde pública, e definida como qualquer ato que resulte em sofrimentos e danos psicológicos, físicos e sexuais da mulher, incluindo ameaças de tais atos, coerção e privação da liberdade, sejam na vida pública ou privada (OMS, 2002). De acordo Minayo (2006), a violência de gênero distingue um tipo de dominação, de opressão e de crueldade construído nas relações de poder entre homens e mulheres, atravessando classes sociais, raças, etnias e faixas etárias. A violência de gênero inclui agressões de caráter físico, psicológico, sexual e patrimonial (KRUG, et al., 2003), tendo sido tratada no ambiente doméstico, da segurança pública, da justiça, e também como objeto de movimentos sociais (MINAYO; SOUZA, 1999). No entanto, a violência vem se tornando preocupação na área da saúde, porque abarca agravos e ameaças à vida, às condições de trabalho, às relações interpessoais e à qualidade da existência, situações que fazem parte do universo da saúde e da saúde pública (OMS, 2002). 28 A violência de gênero tem resultado em efeitos na saúde das pessoas, incluindo danos que acometem diferentes partes do corpo e também a mente, e agravos mais gerais, como sofrimentos, transtornos mentais variados, ou dores específicas e inespecíficas (SCHRAIBER et al., 2005). A violência é considerada um dos mecanismos de manutenção das desigualdades existentes entre homens e mulheres. A violência praticada por parceiro íntimo traz consequências na saúde física e emocional das mulheres, incluindo lesões físicas, hematomas, cefaléias, dores abdominais, distúrbios ginecológicos, abuso de álcool e drogas, depressão, ansiedade, comportamentos suicidas e autoflagelo (CASIQUE; FUREGATO, 2006). A fragilização e a vulnerabilização decorrentes da violência incluem efeitos permanentes na autoestima e autoimagem, deixando as mulheres com menos possibilidade de se protegerem, menos seguras de seu valor e mais propensas a aceitar a vitimização como sendo parte da condição de ser mulher (MENEGHEL; HENNINGTON, 2007). Assim, a violência doméstica, o abuso sexual, e a existência de padrões conservadores de gênero e sofrimento mental (DREVIES et al., 2011) são preditores de autoagressão. Além disso, sabese que mulheres expostas às violências, como as que exercem a prostituição, possuem elevadas taxas de suicídio (SHAMANESH et al., 2009; HONG et al., 2007). Autores relatam que a violência contra a mulher pode levar à alteração psíquica e ao suicídio, percebido como uma maneira de fuga da situação, pois presas ao desespero, a tentativa de suicídio seria a única saída provável desse sofrimento (DINIZ et al., 2007). Em suma, já foi estabelecida a relação entre suicídio e a presença de agressão verbal, física e sexual. E um terço das mulheres que viveram situações de violência pensou na possibilidade de suicídio (ADEODATO et al., 2005). Nas mulheres que sofrem violência, é bem conhecida a associação com idéias de suicídio e tentativas de suicídio, que ocorrem em quase metade das mulheres que pensam em fazê-lo. Além disso, são frequentes os sintomas como depressão, ansiedade, insônia, pesadelos, bem como medo e pânico (SCHRAIBER et al., 2005). Um estudo multicêntrico sobre saúde da mulher e violência doméstica mostrou que a experiência precoce de violência na infância e na relação conjugal, padrões conservadores de gênero e sofrimento mental são preditores importantes do suicídio (DEVRIES et al., 2011). Este problema evidencia a necessidade da atuação dos profissionais da saúde, na resolutividade dessa problemática que atinge a saúde da população, estabelecendo seu compromisso em promover a vida como valor universal e lutar contra todas as formas de violência, incluindo a violência autoinfligida. Incluir o suicídio como importante problema de saúde pública, definir políticas públicas a respeito, são estratégias relevantes de luta contra 29 esse agravo que acomete homens e mulheres de diferentes faixas etárias, raças, etnias e classes sociais. Contudo, dentre as inúmeras situações associadas ao suicídio, destacam-se as mudanças nos papéis de gênero principalmente quando ocorre perda de poder e/ou status e na presença de relação conflitosa e violenta. Na tentativa de ampliar a compreensão desse problema, formula-se a seguinte questão norteadora: As desigualdades de gênero e/ou a violência de gênero estiveram presentes na história de vida de homens e mulheres que se suicidaram em municípios da região sul do Brasil? 30 3 OBJETIVOS 3.1 Objetivo Geral Estudar o suicídio sob a perspectiva de gênero em municípios da região sul do Brasil. 3.2 Objetivos Específicos - Descrever as características sociodemográficas das pessoas que cometeram suicídio em municípios da região sul do Brasil. - Identificar a presença de desigualdades e violência de gênero na história de vida das pessoas que se suicidaram. 31 4 CAMINHO METODOLÓGICO 4.1 Tipo de Estudo Este estudo é uma investigação de caráter exploratório-descritivo com abordagem qualitativa. De acordo com Polit, Beck e Hungler (2004), uma pesquisa desse tipo se caracteriza pela apreensão de um fenômeno descrito e aprofundado em seu significado e importância. Essa perspectiva ultrapassa a dimensão de apenas observar para investigar a natureza, a complexidade do fenômeno e suas relações com outros eventos. Minayo (2007) salienta que a abordagem qualitativa da pesquisa não pode ser captada em estatísticas, mas revela a finalidade do problema em estudo, além de descrever, compreender e explicar a questão de investigação aprofundando-se no mundo dos significados, das crenças e dos valores. 4.2 Cenário do Estudo O estudo foi desenvolvido em quatro municípios do estado do Rio Grande do Sul/Brasil: São Lourenço do Sul, Venâncio Aires, Candelária e Porto Alegre. Os municípios de São Lourenço do Sul, Venâncio Aires e Candelária foram colonizados por imigrantes alemães, apresentam uma extensa área rural, e a principal atividade econômica é a agropecuária, com cultivo de milho, feijão, arroz, batata, soja e criação de bovinos e suínos, com destaque para o cultivo de fumo. O município de São Lourenço do Sul possui uma área total de 2.031 km², a principal atividade econômica é a agropecuária, além da indústria do couro e do turismo. A maior parte da população vive na zona urbana da cidade, apesar de ser alto o percentual de pessoas que vivem e trabalham no campo, principalmente pequenos e médios produtores rurais. Venâncio Aires tem uma área territorial de 773,2 Km2, é considerado o maior produtor brasileiro de tabaco, e das 5.210 famílias produtoras, 28% não possuem terra e trabalham em regime de parceria. A renda com a cultura corresponde a 81% do valor produzido na propriedade, e o setor fumageiro é o maior empregador do município, com média de 6,8 mil postos de trabalho anuais. O municipío de Candelária apresenta uma área territorial de 944 km2 e incidência de pobreza de 21,3%, tem como característica a forte presença de costumes germânicos devido a 32 sua colonização, sendo comum o uso do idioma alemão e, no interior, este é o primeiro idioma a ser aprendido pelas crianças (IBGE, 2012). Diferente dos demais municípios o município de Porto Alegre - capital do estado do Rio Grande do Sul - é uma cidade de múltiplas culturas, miscigenação e migração, e a população concentra-se na área urbana, tendo o turismo como principal economia. Desenvolveu-se com rapidez, e hoje abriga mais de 1,4 milhões de habitantes, em uma área territorial de 496,684 km2. Grande parte da população vive em condições de pobreza, além de índices de criminalidade elevados. Por outro lado, é considerada uma das melhores capitais brasileiras para morar, trabalhar, fazer negócios e estudar. Foi destacada também pela ONU como a Metrópole nº1 em qualidade de vida do Brasil por três vezes (IBGE, 2012). A figura 1 mostra o mapa do estado do Rio Grande do Sul/Brasil com a localização geográfica dos municípios de São Lourenço do Sul, Venâncio Aires, Candelária e Porto Alegre. Figura 1: Mapa do Estado do Rio Grande do Sul/Brasil com a localização geográfica dos municípios em Estudo. Fonte: Mapa produzido por Santos, VCF, Porto Alegre, 2012. 33 Cabe ainda ressaltar que esses municípios têm apresentado elevadas taxas de suicídio, o que justifica a realização do estudo nesses locais. A tabela 1 mostra o número total de óbitos por suicídio em homens e mulheres e o coeficiente médio de mortalidade por suicídio na série histórica de 2006-2010 (que corresponde aos anos selecionados no estudo). Tabela 1 – Mortalidade por suicídio nos municípios de São Lourenço do Sul, Venâncio Aires, Candelária e Porto Alegre – RS, 2006-2010. Municípios Óbitos de Lesões Autoprovocadas Óbitos de Lesões Autoprovocadas Voluntariamente - Homens Voluntariamente - Mulheres fi Suicídio* fi Suicídio* 32 29,4 6 5,5 São Lourenço do Sul Venâncio Aires Candelária Porto Alegre 61 15 404 36,4 20,1 12,1 13 3 119 7,7 3,9 3,1 Fonte: DATASUS, Informações de Saúde. Tabela elaborada por Hesler, LZ. Porto Alegre, 2012. *Coeficiente proporcional a 100.000 habitantes. Frente a esse contexto, destaca-se que a escolha desses municípios considerou, além da magnitude do suicídio nesses locais, a acessibilidade para realizar as visitas, a proximidade e a existência de uma retaguarda de serviços que serviriam como referência, principalmente como suporte a familiares e outras pessoas que se encontravam em crise e/ou risco no momento em foram feitas as entrevistas. No município de Porto Alegre, inicialmente foi preciso identificar fontes oficiais de registros de ocorrências das mortes por suicídio e obter permissão e acesso aos dados. Para tal, foi realizado um levantamento no Departamento Médico Legal (DML) para buscar as informações sobre os óbitos por suicídio, endereços e contato de familiares. Nos municípios de São Lourenço do Sul, Venâncio Aires e Candelária buscaram-se informações através do levantamento de casos de suicídio realizado pelos profissionais das Estratégias de Saúde da Família (ESF) e Centros de Atenção Psicossociais (CAPS), por não haver DML nesses locais. O processo de negociação para a entrada em campo envolveu momentos de encontros com os profissionais de saúde de cada município. No município de Porto Alegre contatou-se o Perito Médico Legista da Seção de Ensino e Pesquisa do DML, e nos demais municípios os Secretários Municipais de Saúde, para apresentar o projeto de pesquisa e solicitar a autorização para a realização do estudo. 34 4.3 Sujeitos do Estudo Os participantes desta investigação foram os familiares ou informantes de pessoas que cometeram suicídio e que aceitaram, voluntariamente, participar da pesquisa. Foram realizadas vinte e nove entrevistas em profundidade, considerando-se a disponibilidade dos informantes e a prevalência do agravo. Para este estudo utilizaram-se dezenove entrevistas que apresentaram, na história de vida dos suicidas, desigualdades de gênero e violências. Para seleção dos casos de suicídio foram consideradas as pessoas que cometeram suicídio em idade superior a 18 anos de idade, suicídios que ocorreram em um intervalo mínimo de dois anos e máximo de cinco a seis anos do acontecimento fatal. Esse cuidado foi importante, sobretudo porque as perguntas sobre suicídios recentes costumam suscitar sofrimento e emoções aos entrevistados, e os que aconteceram há muitos anos correm o risco de ter as principais circunstâncias esquecidas (MINAYO; CAVALCANTE, 2010 a). 4.4 Coleta dos Dados Foram realizadas entrevistas em profundidade com os familiares, pautadas na técnica de autópsia psicossocial. A autópsia psicológica proposta por Schneidman é um método retrospectivo que reconstitui o status da saúde física e mental e as circunstâncias sociais das pessoas que se suicidaram a partir de entrevistas em profundidade com familiares e informantes próximos às vítimas de suicídio (SCHNEIDMAN, 2004). Esse método é uma reconstrução narrativa, que depende da qualidade da informação e utiliza amostras pequenas, dificultando o uso de generalizações. Seu ponto forte está na contextualização dos dados, na história psicossocial das pessoas estudadas e na possibilidade de mostrar nuances que grandes estudos epidemiológicos ou populacionais omitem (SCHNEIDMAN, 2004). Para a realização da entrevista foram utilizados dois documentos com base nas questões-problema referentes à pesquisa (MINAYO; CAVALCANTE; SOUZA, 2006): (a) ficha de identificação pessoal e social da pessoa que se suicidou e dados gerais do informante (APÊNDICE A); (b) entrevista semiestruturada para detalhar o estado mental que antecedeu o suicídio, descrever as situações associadas ao comportamento suicida e possíveis causas, reconstituir o suicídio e os fatores envolvidos, compreender seu impacto na família e identificar a presença 35 de vulnerabilidade de gênero e violência na história de vidas das pessoas que se suicidaram (APÊNDICE B). Para início do desenvolvimento das entrevistas, realizou-se no município de Porto Alegre um teste-piloto com duas entrevistas, o que foi de extrema relevância, pois permitiu a adequação do roteiro para melhor entendimento dos entrevistados. Os familiares entrevistados foram convidados a participar da pesquisa com antecedência, sendo agendados horários individualizados para a realização da entrevista conforme a disponibilidade de cada um. Parte das entrevistas foi utilizada a partir da pesquisa ampla, em que a coleta de dados ocorreu no período de maio a novembro de 2011, o restante das entrevistas foi realizado no período de março a abril de 2012. Essas realizaram-se, sobretudo na residência dos familiares, em ambiente providenciado pela família: salas, cozinha e varandas; e em algumas situações ocorreram nas ESF em virtude, do distanciamento de residências localizadas na zona rural. As entrevistas foram gravadas com o consentimento dos participantes. Para Minayo, Deslandes e Gomes (2007), o registro fidedigno das entrevistas e outras modalidades de coleta de dados cuja matéria-prima é a fala, torna-se crucial para uma boa compreensão da lógica interna do grupo ou coletividade estudada. Dentre os instrumentos de garantia da fidedignidade, o mais usual é a gravação da conversa. 4.5 Análise dos Dados Os dados obtidos nas entrevistas foram transcritos e analisados com base na Análise de Conteúdo do tipo temática. ―O desenvolvimento da Análise Temática consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem uma comunicação, cuja presença ou frequência signifiquem alguma coisa para o objetivo analítico visado‖ (Minayo, 2007, p. 209). Para tanto, utilizou-se o software NVivo versão 7 como ferramenta para análise dos dados da pesquisa. A análise temática proposta por Minayo (2007) é constituída de três etapas: a préanálise, a exploração do material e o tratamento dos resultados obtidos e a interpretação. A pré-análise é a etapa dedicada à organização dos materiais a serem analisados e à retomada das hipóteses e objetivos da pesquisa. Nessa etapa, realizou-se a transcrição das entrevistas, leitura flutuante do conjunto das comunicações obtidas e inserção das entrevistas transcritas no software NVivo versão 7. Ainda foram registrados os atributos para cada entrevista: idade, situação civil, número de filhos, religião, profissão, escolaridade, cidade, zona urbana ou rural e método utilizado para o suicídio. 36 Na segunda etapa da análise temática realizou-se a exploração do material para a classificação das categorias temáticas. Para auxiliar na construção das categorias analíticas as entrevistas inicialmente foram categorizadas em Free Nodes (categorias livres), construídas com base no referencial teórico e objetivo do estudo. Em seguida, criaram-se os Tree Nodes (categorias hierarquizadas). A terceira etapa da análise foi constituída pelo tratamento dos resultados, interpretação e inferências que podem esclarecer os achados da pesquisa. Por meio da análise das falas dos familiares entrevistados, elaboraram-se as seguintes categorias analíticas (Figura 1). Figura 2: Categorias analíticas que emergiram da analíse com o Sofware Nvivo. Fonte: Hesler, Porto Alegre, 2012. Elaborado apartir da categorização com o uso do software Nvivo versão 7. 4.6 Considerações Éticas Este estudo foi desenvolvido de modo a respeitar as recomendações previstas na Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, que normaliza as pesquisas com seres humanos (BRASIL, 1996), e teve inicio após a aprovação da Comissão em Pesquisa 37 (COMPESQ) da Escola de Enfermagem e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (CEP – UFRGS), sob o número 22211 (ANEXO B). Os sujeitos do estudo aceitaram voluntariamente participar da pesquisa, e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (APÊNDICE C) em duas vias, permanecendo uma delas com o participante e outra com o pesquisador. Destacou-se o caráter voluntário de participação e a liberdade de interromper a entrevista a qualquer momento, sendo-lhes assegurado o anonimato, a privacidade, a confidencialidade e o sigilo das informações prestadas. Solicitou-se, também, a autorização para a gravação da entrevista, com o intuito de registrar integralmente a fala do sujeito, assegurando material rico e fidedigno para a análise. Os dados do estudo foram armazenados em local próprio, com o acesso limitado aos participantes da pesquisa. Os familiares que se encontraram em situação de risco para o suicídio foram encaminhados ao CAPS ou outros serviços de saúde dos municípios, buscando envolver os serviços nos cuidados de familiares que apresentavam problemas ou transtornos de saúde associados à morte do ente querido. Considerou-se que todos os procedimentos e cuidados éticos foram respeitados. 4.7 Experiências Vivenciadas no Campo de Estudo Apresentam-se algumas experiências vivenciadas no campo de estudo, com a finalidade de relatar os momentos que envolveram a preparação da atividade, inserção nos municípios em estudo, contato com os profissionais, acesso às fontes de dados secundários, aproximação das famílias, entrevistas e observação do contexto do suicídio. Segundo Minayo, Grubits e Cavalcante (2012), o trabalho de campo possibilita uma maior aproximação do pesquisador com a realidade sobre a qual formulou perguntas, visando avaliar e aprofundar seu conhecimento. A atividade do grupo de pesquisadores iniciou com reuniões periódicas, no espaço da Escola de Enfermagem da UFRGS. A proposta, em um primeiro momento, foi problematizar a temática ―suicídio‖, mediante leituras e discussões de artigos, capítulos de livros, filmes e histórias de vida, unindo diferentes saberes e concepções, à luz da vivência prática e sob a perspectiva de autores que pesquisam na área. Também houve a aproximação do instrumento de coleta de dados através do desenvolvimento de oficinas de dramatização entre os pesquisadores e da realização de um estudo-piloto no município de Porto Alegre como parte de avaliação do instrumento. 38 Para a logística do estudo, alugou-se um veículo em Porto Alegre para o deslocamento aos municípios de São Lourenço do Sul, Venâncio Aires e Candelária, pois o transporte coletivo demandava muito tempo para o acesso a essas localidades. Apenas em um momento o deslocamento para Venâncio Aires se fez o percurso de ônibus. Em Porto Alegre utilizou-se como meio de transporte o veículo disponibilizado pela Escola de Saúde Pública - RS. O processo de negociação para a entrada no cenário em estudo envolveu momentos de encontros com representantes de cada município para a apresentação do projeto de pesquisa e solicitação da autorização por escrito para realizá-lo. No município de Porto Alegre foi contatado o Perito Médico Legista da Seção de Ensino e Pesquisa do DML, que forneceu os laudos periciais das pessoas que cometeram suicídio para que se pudesse contatar com os familiares. Nos municípios de São Lourenço, Venâncio Aires e Candelária as prefeituras e secretarias municipais de saúde foram os responsáveis pelo contato inicial com as famílias, e o acompanhamento das atividades a campo, sendo essenciais para o êxito da pesquisa. Após esse contato, iniciou-se a etapa de coleta de dados em cada um dos municípios em estudo. No período inicial da coleta surgiram momentos de ansiedade, dúvidas e medos em relação à abordagem de um tema considerado ―tabu‖, pela sociedade, transformadas em indagações: ―Como seremos recebidos pelos familiares? Quais serão as reações dos familiares ao abordarmos o tema do suicídio?‖ No entanto, essas aflições foram substituídas pelo acolhimento e anseio dos familiares em relatar a ocorrência do fenômeno. Minayo, Grubits e Cavalcante (2012) ressaltam que, por ser uma temática de difícil abordagem, o apoio institucional torna-se fundamental na comunicação com as famílias, principalmente para a realização da primeira autópsia psicossocial em cada um dos municípios. O município de São Lourenço do Sul apresentou uma rede de atendimento psicossocial muito bem estruturada, composta por CAPS I, CAPS ad e o CAPS i. Nesse local teve-se a colaboração de uma das psicólogas da rede e de alguns profissionais do CAPS, que acompanharam o trabalho de campo, facilitando o aceso às famílias. Por ser um município de grande área territorial 2.036 Km2, foram realizados deslocamentos de até 70 quilômetros em ―estradas de chão‖ para se chegar às residências dos familiares. No município de Venâncio Aires teve-se o auxílio da enfermeira, coordenadora do Programa de Proteção contra a Violência (PPV), que prontamente entrou em contato com os familiares, atuando como mediadora entre a equipe de pesquisadores e as famílias. Como a maioria dos familiares contatados residia na zona rural do município, em locais afastados da 39 cidade, as entrevistas foram agendadas na ESF da zona rural próxima das residências dos participantes, facilitando o acesso para pesquisadores/entrevistados. Em Candelária houve a ajuda de uma equipe de profissionais que estava desenvolvendo um trabalhando articulado em rede, por meio de um Programa de Prevenção do Suicídio, o qual tinha a finalidade de enfrentar uma situação histórica de altos coeficientes de mortalidade através do monitoramento e acompanhamento das pessoas que procuravam os serviços de saúde com ideação suicida e tentativa de suicídio. Os familiares entrevistados residiam predominantemente na zona rural do município, em localidades distantes, de difícil acesso e pouco sinalizadas. No entanto, a experiência de deslocamento até as áreas rurais dos municípios estudados foi relevante, pois permitiu conhecer e observar a realidade e a dificuldade enfrentada pelas famílias para se deslocarem até o vizinho mais próximo, ou à cidade, devido ao distanciamento dos locais. Constatou-se o quanto estão desprovidos de equipamentos sociais e serviços de saúde para acompanhá-los na situação de risco para o suicídio. Em Porto Alegre, teve-se a cooperação do Perito Médico Legista da Seção de Ensino e Pesquisa do DML, que permitiu o acesso a fontes de dados secundários, fornecendo uma lista inicial de nomes e endereços de pessoas que tinham o suicídio como causa de morte. Dentre as dificuldades encontradas na geração dos dados nesse local, pode-se citar a ausência dos familiares nos endereços fornecidos pelo DML, muitos se mudaram das residências depois do ocorrido, e outros, segundo relatos de vizinhos, encontravam-se em seus locais de trabalho e retornavam aos lares apenas à noite. Alguns familiares contatados por telefone não estavam mais residindo em Porto Alegre, e outros se recusaram a participar do estudo. Ainda em relação às vivências de campo, as viagens ocorreram em dias extremamente frios, com muita neblina, vento, chuva e estradas precárias, dificultando e tornando perigosos os deslocamentos aos municípios. Em contraponto, houve dias lindos, de céu azul, calor intenso, poeira e sol escaldante. Esses fatores não foram empecilhos para que o trabalho prosseguisse, pelo contrário, em distintos momentos a equipe se deparou com belíssimas paisagens. Um fato que se considera positivo em relação às viagens aos municípios em estudo é que, após a concretização de cada uma das entrevistas, o grupo de pesquisadores de modo informal, realizava uma pré-análise dos casos, discutindo as impressões acerca do suicídio, as ideias, a presença de incongruências, facilitando às possibilidades compreensivas e críticas acerca dos casos de suicídio entrevistados. Também se consideram relevantes os momentos de interação entre pesquisadores e profissionais de saúde durante o período de coleta de dados 40 em cada um dos municípios, possibilitando a construção de um vínculo e uma relação de amizade e confiança, contributivos para o desenvolvimento do trabalho em campo. Os familiares foram muito acolhedores, e a maioria demonstrou sentimento de agradecimento pela oportunidade de falar sobre o ocorrido e de conseguir elaborar suas lembranças. Muitos entrevistados, além de contarem em detalhes a situação ocorrida, ainda manifestaram o desejo de mostrar fotos, pertences e o local onde o suicídio ocorreu, demonstrando segurança e confiabilidade no estudo. Apenas alguns familiares apresentaram dificuldade em abordar o assunto. Segundo Minayo, Grubits e Cavalcante (2012), a dificuldade que, por vezes, os familiares, amigos e vizinhos têm em falar sobre o tema pode ser decorrente da elevada carga social e emocional e dos tabus, crenças e emoções que rondam o pensamento dessas pessoas. Cabe destacar que, por ser o suicídio um tema difícil de ser abordado, no momento da entrevista a equipe também se sensibilizou com as histórias e os depoimentos das famílias, e o trabalho realizado permitiu que se acolhesse muita dor e sofrimento, identificando e encaminhando muitos familiares em situação de risco suicida para os serviços de saúde que ofereciam apoio psicológico e, ainda, responder a questões que há muito tempo permaneciam no imaginário dessas famílias. Por fim, acredita-se que vivenciar o campo de pesquisa faz com que se possa visualizar e refletir sobre a realidade em que essas pessoas que cometeram suicídio estavam inseridas, possibilitando ao pesquisador um olhar diferenciado e aprofundado sobre o fenômeno em estudo. 41 5 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS Neste capítulo são apresentados os resultados obtidos na pesquisa, a partir da análise, reflexão e discussão dos dados. Para melhor compreensão, os dados foram organizados em duas categorias: ―Desigualdades de gênero nas relações de conjugalidade‖ e ―Violência de gênero nas histórias de vida: a violência vivida e a violência exercida‖. Esta será introduzida pela descrição do perfil e modo de vida dos suicidas. Destaca-se que, devido à grande quantidade de dados obtidos através da realização de autópsias psicológicas, optou-se por analisar apenas as situações de gênero e violência ocorridas na vida de homens e mulheres que cometeram suicídio. 5.1 Perfil e modo de vida dos suicidas Neste subcapítulo apresentam-se algumas características sociodemográficas das pessoas que cometeram suicídio, com a finalidade de aproximar-se do fenômeno em estudo e subsidiar reflexões relativas ao modo de vida e contexto em que os mesmos estavam inseridos. Nos quatro municípios estudados foram analisadas as histórias de 29 pessoas que cometeram suicídio, 17 mulheres e 12 homens. Desse total, foram selecionadas 19 histórias de vida, em que havia marcas deixadas pelo rígido desempenho dos papéis de gênero. Dos 19 casos (Tabela 1), 12 eram mulheres (63,2%) e sete homens (36,8%). Foram analisados quatro casos no município de São Lourenço do Sul, cinco em Venâncio Aires, seis em Candelária, e quatro em Porto Alegre. Grande parte das pessoas suicidas residia em zona rural (68,4%) no momento do suicídio. A maioria morava em casa própria (84,2%), duas mulheres moravam com familiares e uma havia perdido a casa para o marido. A maioria das pessoas que cometeu suicídio era branca 94,7% e de origem alemã (52,6%). Estudos epidemiológicos sobre suicídio revelam maior ocorrência desse fenômeno em pessoas brancas no Brasil e em vários países do mundo (OMS, 2002; PINTO et al., 2012 b). Em muitos países a mortalidade por suicídio aumenta conforme a idade, fenômeno parecido ao encontrado neste estudo, pois ocorreu predomínio de suicídio em pessoas acima de 60 anos (57,9%). Dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) mostram que, no Brasil, cerca de 1.200 pessoas com 60 anos ou mais morrem a cada ano em decorrência de suicídio (PINTO et al., 2012 a) 42 Quanto ao estado civil, 57,9% eram casados e/ou estavam em união estável, o que difere de alguns estudos que apontam maior número de suicídios em pessoas solteiras (BEZERRA FILHO et al., 2012; LOVISI et al., 2009). No entanto, estudos realizados na China e na Índia mostram maior coeficiente de suicídio em mulheres casadas nesses países (KHAN, 2005; HONG et al., 2007; HAQQI, 2008). No grupo estudado, a média de filhos foi de 3,5 ± (2,2). E em relação à escolaridade, 63,1% tinha ensino fundamental incompleto. O grupo profissional predominante era de agricultores (68,4%) e 42,1% estavam aposentados. Em estudo realizado por Cavalcante e Minayo (2012) sobre suicídio de idosos no Brasil foi possível observar que, quase todas as idosas que faleceram por suicídio eram donas de casa ou agricultoras aposentadas; 34% dos homens eram agricultores e mais da metade eram aposentados (CAVALCANTE; MINAYO, 2012). Quanto à religião, dez eram católicos, sete evangélicos e dois não tinham religião. Tabela 2 - Características sociodemográficas das pessoas que cometeram suicídio nos municípios de São Lourenço do Sul, Candelária, Venâncio Aires e Porto Alegre – RS, 2012. Sujeito Sexo Idade Situação Civil S1 S2 S3 S4 S5 S6 S7 S8 S9 S10 S11 S12 S13 S14 S15 S16 S17 S18 S19 M M M F M M F F F F M F M F F F F F F 64 74 64 65 58 84 36 49 72 21 60 48 81 71 62 41 60 19 59 União Estável Casado Casado Viúva Casado Viúvo Casada Casada Casada Solteira União Estável União Estável Casado Viúva Divorciada Solteira Casada Solteira Viúva Religião Católica Evangélico Evangélico Evangélico Evangélico Católica Católica Católico Católica Católico Católica Católica Nenhuma Católica Nenhuma Católica Profissão Agricultor Agricultor Gerente Agricultor Agricultor Escolaridade Fund. Incompleto Fund. Incompleto Fund. Incompleto Analfabeta Fund. Incompleto Fund. Incompleto Cidade* SLS SLS SLS SLS VA VA VA VA VA VA Cand Cand. Cand. Cand. Cand. POA POA POA POA Zona U R U R R R R R R R R R R R R U U U U Método Enforcamento Enforcamento Enforcamento Enforcamento Enforcamento Enforcamento Enforcamento Arma de Fogo Afogamento Envenenamento Enforcamento Enforcamento Enforcamento Enforcamento Enforcamento Enforcamento Envenenamento Enforcamento Enforcamento Evangélico Agricultora Agricultora Fund. Incompleto Professora Agricultor Agricultor Agricultora Médio Completo Analfabeto Analfabeto Analfabeta Evangélica Agricultora Fund. Incompleto Evangélica Agricultora Fund. Incompleto Agricultora Fund. Incompleto Agricultora Fund. Incompleto Profissional Fund. Incompleto do sexo Costureira Fund. Incompleto Estudante Operária Médio Completo Analfabeta Fonte: Pesquisa direta com os familiares das pessoas que cometeram suicídio nos municípios de São Lourenço do Sul, Candelária, Venâncio Aires e Porto Alegre – RS. Tabela elaborada por Hesler, LZ. Porto Alegre, 2012. *SLS: São Lourenço do Sul; VA: Venâncio Aires; Cand: Candelária; POA: Porto Alegre. 43 Um aspecto que chamou atenção foi à dedicação e o comprometimento de homens e mulheres com o trabalho. O trabalho constituía o eixo central na vida dessas pessoas, tanto para os trabalhadores do campo quanto para os da cidade. Quando os familiares foram questionados sobre ―os investimentos importantes na vida do suicida‖, 57,9% relataram o trabalho. Incluiu-se nessa definição a satisfação profissional e o sentimento de dever que norteia a ética do trabalho dessa população, e o sucesso obtido, do ponto de vista econômico, por meio da autonomia financeira e da propriedade da terra. Três dos municípios investigados possuem elevada proporção de população rural, e uma das atividades econômicas preponderantes nesses locais é o cultivo do fumo. No entanto, a maioria são agricultores pobres e a indústria fumageira aproveita a situação econômica precária desses trabalhadores para definir as regras de trabalho (MINAYO; MENEGHEL; CAVALCANTE, 2012). Além do fumo, os agricultores, produzem alimentos para subsistência — feijão, mandioca, batata e milho. Historicamente, os agricultores têm apresentado elevadas taxas de suicídio (DEJOURS; BÈGUE, 2010). No Brasil, o Rio Grande do Sul apresenta os maiores coeficientes de mortalidade por suicídio e o grupo profissional mais atingido é o de agricultores, refletindo a piora nas condições de vida, o endividamento e o aumento da concentração da terra que tem acontecido com esse grupo profissional (MENEGHEL et al., 2004). Segundo os depoentes que responderam as autópsias psicossociais, a família constituía um grupo muito importante para grande parte das pessoas que se suicidaram (42,1%), principalmente nas histórias de vida das mulheres. A importância dada à família na vida das mulheres decorre da própria educação de gênero que lhes atribui os papéis construídos historicamente pela sociedade, de esposas, mães, cuidadoras da família e dos afazeres domésticos, ainda vigentes nos grupos sociais. Para Wegner e Pedro (2010), atualmente a mulher vem desempenhando múltiplos papéis, mas permanece atuando com maior responsabilidade no contexto familiar, principalmente como cuidadora de pessoas em todas as etapas do ciclo vital. Portanto, a terra, o trabalho e a família constituem o alicerce para a construção de uma ética que orienta as ações de homens e mulheres camponeses (MINAYO; MENEGHEL; CAVALCANTE, 2012). Essa lógica da população rural também foi observada na história de duas mulheres que migraram de cidades do interior para Porto Alegre e tinham o trabalho, a família e a memória do campo como centrais em suas vidas. 44 Outro fato observado na vida dos suicidas refere-se ao isolamento social. Alguns tinham poucas amizades, não participavam de atividades de lazer, eventos e festividades, permanecendo a maior parte do tempo em casa, isolados do convívio social. No estudo realizado por Minayo, Meneghel e Cavalcante (2012) sobre suicídio de homens idosos no Brasil, os familiares disseram que eles haviam perdido o sentido da vida, e viviam isolados, fechados em si mesmos, expressando sentimentos pessimistas como “eu não sirvo mais para nada mesmo”. O isolamento social foi considerado o maior fator de risco para o suicídio em homens e mulheres idosos no Brasil, os quais, antes do suicídio, mostravam-se deprimidos, solitários e tristes. Nessas histórias de vida também havia relatos de perdas, doenças e abandono (CAVALCANTE; MINAYO, 2012). Entretanto, nos municípios aqui estudados, parte do isolamento social vivido pelos suicidas pode ter sido decorrente de problemas de saúde, sobretudo os relacionados à doença mental, pois 52,6% das pessoas que cometeram suicídio tinham diagnóstico médico de depressão e faziam uso de medicação. Alguns estudos apontam que a depressão pode levar as pessoas ao isolamento social, acarretando, em casos extremos, o suicídio (OMS, 2002; KALACHE, 2008; MINAYO et al., 2012 b). Alguns autores reforçam que o tratamento da depressão, a modificação de estilo de vida, o incremento do contato social e da integração comunitária são fundamentais para a prevenção do suicídio (PINTO; ASSIS; PIRES, 2012). Porém, Meneghel et al. (2012) destacam que o sofrimento mental não necessariamente precisa ser patologizado, pois ele pode também decorrer de comportamentos sociais como, o luto, a tristeza pela aposentadoria ou a perda do emprego, entre outros. Em relação ao modo de enfrentamento de problemas, ouviram-se depoimentos de que, perante situações difíceis, alguns suicidas reagiam de maneira agressiva ou descontrolada, com xingamentos, brigas e discussões (52,6%). Em contrapartida, outros, em sua maioria mulheres, ficavam em silêncio, tristes, chorando, sem lamentar a situação ocorrida (47,3%). Esses acontecimentos estão consoantes aos papéis de gênero atribuídos a homens e mulheres na sociedade, onde se espera que as mulheres reprimam seus sentimentos, e os homens possam expressá-los de modo agressivo (MENEGHEL et al., 2012). Outro achado importante deste estudo mostra que a relação de conjugalidade das pessoas que cometeram suicídio era marcada por conflitos, e em 78,9% dos relacionamentos havia violência de gênero. Destes, 36,8% eram homens violentos com as esposas, confirmando o padrão hegemônico de masculinidade, em que a solução de conflitos ocorre de modo agressivo (MINAYO; MENEGHEL; CAVALCANTE, 2012). Por outro lado, 42,1% 45 eram mulheres que tinham, em sua trajetória de vida, marcas de dor e sofrimento, deixadas pela violência de gênero cometida por seus companheiros. Pesquisas apontam que os relacionamentos conjugais em que há desigualdade e violência de gênero podem estar associados ao suicídio de mulheres (GIFFIN, 1994; ADEODATO, et al., 2005; MENEGHEL et al., 2012). A maioria dos suicidas buscava na família o apoio para resolução dos seus problemas. No estudo realizado por Meneghel et al. (2003), as mulheres vítimas de violência relataram buscar o apoio do grupo familiar, na maioria das vezes constituído por outras mulheres, para o enfrentamento da violência vivida. Quando os familiares foram questionados sobre outros suicídios na família, 47,3% relataram ocorrências com avós, tios (as), irmãos, sobrinho, entre outros. Ainda houve história prévia de ideação e tentativa de suicídio em 52,6% das pessoas que se suicidaram, e 21% de ideação suicida. Essas informações são similares ao estudo realizado por Cavalcante e Minayo (2012), em que na maioria dos suicídios havia ideações e tentativas prévias. Dentre os meios empregados na prática do suicídio, o enforcamento foi o método mais utilizado em ambos os sexos (78,9%), por mulheres (66,6%), e por homens em sua totalidade. Entre as causas menos frequentes, houve dois suicídios de mulheres por envenenamento, uma morte por afogamento e outra por arma de fogo. Os resultados desta pesquisa refletem o que os estudos epidemiológicos apontam, ou seja, os meios de perpetração do suicídio mais comumente utilizados em inúmeros países são o enforcamento, o estrangulamento e a asfixia. No Brasil, o enforcamento ainda continua sendo o principal meio empregado tanto por homens quanto por mulheres (PINTO; ASSIS; PIRES, 2012). O local de maior ocorrência do suicídio foi em área externa ao domicílio (57,9%), como galpões de fumo e árvores localizadas no quintal das residências, seguido do próprio domicílio (42,1%). Salienta-se o elevado número de casos que aconteceram nos galpões de fumo, que constitui um local de trabalho comum nessa região. Os suicídios em locais de trabalho constituem uma denúncia das más condições laborais, do trabalho aviltante ou perigoso e mesmo de situações de perda maciça de empregos ou postos (DEJOURS; BÈGUE, 2010). Isso pode estar acontecendo nessa região, em que os trabalhadores rurais defrontam-se com as condições pouco flexíveis dos contratos com as fumageiras, acrescido do trabalho estafante do cultivo do fumo. Familiares relataram que, após o episódio do suicídio, sentiram necessidade de modificar o local onde aconteceu o evento, na tentativa de esquecer o fato ocorrido. Com esse 46 intuito, eles cortaram árvores, modificaram espaços internos das residências e muitos mudaram para outro domicílio ou local na tentativa de esquecer o fato. As pessoas que concederam as entrevistas nos quatro municípios estudados eram familiares próximos das vítimas: filhos (as), esposas, ex-esposa, noras, genro, mãe e irmã. A maioria era constituída por filhos (as) (47,3%), seguido das esposas e ex-esposas (15,8%). Do total dos entrevistados, 13 eram mulheres e oito homens, indicando o maior envolvimento feminino no cuidado ou na responsabilidade com o familiar que se suicidou. Cabe destacar que, em algumas famílias, mais de um membro foi entrevistado, havendo manifestação de interesse por parte deles em participar, sendo que alguns faziam perguntas após a aplicação do roteiro. Muitos eram filhos que cuidavam de pais idosos, em zonas rurais em que há a tradição de construir, no mesmo terreno, outra residência destinada ao familiar que se responsabilizará pelo cuidado dos pais. As entrevistas foram prestadas, em sua maioria, na residência dos familiares (78,9%), e outras em unidades de Estratégias de Saúde da Família (15,8%) em municípios de difícil acesso. Em todos os locais, os pesquisadores procuraram acolher o depoente, explicar em detalhes os objetivos do trabalho, ouvir e responder a todas as dúvidas, procurando proporcionar aos entrevistados tranquilidade e confiança para proceder à autópsia psicossocial. 5.2 Desigualdades de gênero nas relações de conjugalidade Nesta categoria apresentam-se e discutem-se os resultados da análise do suicídio de homens e mulheres segundo a categoria gênero, ou de que modo os papéis de gênero desempenhados ao longo da vida por esses sujeitos podem ter contribuído para a prática do ato suicida. Apesar de o suicídio ser um fenômeno conhecido por suas múltiplas causas, acredita-se que as desigualdades de gênero são um determinante importante e ainda pouco estudado (MINAYO; MENEGHEL; CAVALCANTE, 2012; CAVALCANTE et al., 2012 ). Um dos aspectos que reforça esse ponto de vista é a existência de diferenças agudas entre as prevalências de suicídio de homens e mulheres em praticamente todas as regiões do mundo, pois, tem-se observado uma frequência de mortalidade por suicídio três a quatro vezes maiores no sexo masculino (SHIMITT et al., 2008) e as tentativas de suicídio são maiores em mulheres. Apenas na China e na Índia os percentuais de suicídio são maiores entre mulheres (DREVRIES et al., 2011; OMS 2002; YIP; LIU; LAW, 2008). Acredita-se que essa diferença 47 entre os sexos se deva às diversidades culturais na vida de homens e mulheres, configurandose como desigualdade de gênero. 5.2.1 Desempenho dos papéis de gênero Gênero é uma categoria analítica constituinte das relações sociais entre homens e mulheres e tem sido utilizada para explicar a construção e organização social das diferenças de poder entre os sexos (SAFFIOTI, 1999). Ainda pode ser entendida como uma forma de significar as construções culturais e sociais sobre os papéis apropriados para mulheres e homens, ou seja, é uma maneira de caracterizar as origens sociais das identidades de homens e mulheres (SCOTT, 2003). Nesse sentido, ressalta-se a importância do uso da ferramenta gênero para analisar a mortalidade por suicídio de homens e mulheres, porque as diferenças culturais existentes entre os sexos podem contribuir para os comportamentos autoagressivos. Os papéis de gênero mantidos através da educação diferenciada permanecem ao longo da vida e são aprendidos através das gerações, aprisionando homens e mulheres em estereótipos fixos e rígidos (MENEGHEL et al., 2012; WINCK; STREY, 2008). Esses papéis orientam as relações estabelecidas pelos indivíduos com a família, com pessoas da comunidade e com outros grupos sociais (MOURA; LEFEVRE; MOURA, 2012). Os papéis de gênero produzem uma complementaridade hierárquica, estando ao masculino destinado o domínio público, dimensão consolidada na esfera do trabalho, e de maneira complementar, o feminino fica limitado ao privado, espaço associado ao cuidado da casa e da família (COUTO et al., 2007). Salienta-se que, socialmente, ser homem significa exercer o papel de provedor material e moral, o que garante o respeito por parte do grupo e perante o espaço que o circunda (COUTO et al., 2007). Esse modelo de masculinidade era exercido fielmente pelos homens que cometeram suicídio, pois, a direção dos negócios e a autoridade perante a esposa e filhos estavam sob seu comando, de tal modo que não cabia à mulher nem ao menos o direito de opinar sobre as decisões tomadas, como se observa no depoimento abaixo: É, quem comandava as coisas era o pai, quem resolvia isso era o pai, ela não tinha muito o que dizer, ela dizia “que muitas vezes o pai não aceitava a opinião dela, daí quem resolvia era sempre ele”. (Filha de mulher, 49 anos, Venâncio Aires). 48 Observa-se, na fala acima, que o esposo da suicida desempenhava com autoridade o papel de marido, provedor e chefe da família, de acordo com os parâmetros vigentes na cultura patriarcal. Os homens ―são os detentores do poder, tomam as decisões e são considerados responsáveis pela proteção da família‖ (PINTO; MENEGHEL; MARQUES, 2007, p.239). Gomes (2008) reforça que o modelo de masculinidade hegemônica tem como eixo central o poder, fazendo com que os homens exerçam a dominação sobre as mulheres, mantendo-as submissas e excluindo-as dos processos decisórios. No estudo realizado por Serpa (2010) sobre os papéis masculinos e femininos vividos por pais e mães de meninas vítimas de violência intrafamiliar, foi revelado que as mulheres insistem em buscar no homem a figura estereotipada de provedor e de autoridade máxima no grupo familiar. Em contrapartida, outras pesquisas revelam que, para as mulheres entrevistadas, a imagem do homem ideal não é a do típico patriarca que reúne em si o poder de comando no ambiente doméstico. Elas querem uma relação mais igualitária, baseada no companheirismo, no diálogo, na amizade e dedicação por parte do homem em relação à mulher e os filhos (COUTO, et al, 2007; CORTEZ; SOUZA, 2008). No entanto, na sociedade atual ainda permanecem os papéis tradicionais de gênero e o controle social sobre o seu adequado funcionamento, segundo sexo (CORTEZ; SOUZA, 2008). Interessante notar como ainda se mantém a divisão generificada das tarefas, visível no modo como as mulheres cumprem as responsabilidades consideradas femininas em um script controlado pelos maridos e pela sociedade. A fala da esposa do suicida mostra essa situação: Antigamente as mulheres não trabalhavam fora, ficavam em casa, a comida do marido tinha que estar pronta na hora. Já davam comida para as crianças antes, para o marido almoçar sossegado, a mulher estava em torno da família. [...] Na opinião dele mulher seria dentro de casa, cuidando filho, cuidando da comida e da roupa na hora. (Esposa de homem, 64 anos, São Lourenço do Sul) Nessa perspectiva, o depoimento evidencia que em muitas culturas, principalmente as rurais, o trabalho doméstico e o cuidado dos fihos continuam sendo atribuídos somente à mulher. Mesmo com as modificações ocorridas na família contemporânea, à diferença de papéis entre os sexos ainda permanece na sociedade (BORSA; NUNES, 2011). As concepções tradicionais de gênero fixadas pela cultura estiveram presentes na fala dos homens que participaram do estudo realizado por Cortez e Souza (2010), para eles, a mulher que se embeleza para trabalhar fora de casa contraria o esperado de uma boa esposa e mãe. 49 Neste estudo, observou-se que a mulher camponesa, no papel de filha, mãe e esposa, desempenha o cuidado da família e da casa, e ainda ajuda os homens nas atividades rurais. As falas a seguir mostram os papéis de gênero que as mulheres suicidas exerciam com dedicação e responsabilidade. Aqui na minha cozinha ela ia para pia. [...] Brincava com as crianças, as louças que ela lavava ela mantinha como novas, ela era muito caprichosa. Ela tentou trabalhar até os últimos dias. (Filho de mulher, 71 anos, Candelária) [...] Quando eu chegava da roça estava tudo pronto, a roupa dobradinha, a comida pronta, a mesa arrumada. Se os guris queriam fazer uma foliazinha ela dizia „o pai está cansado‟. Nunca tratamos os guris, sempre com ela. Tudo sempre prontinho. (Filho de mulher, 62 anos, Candelária) Frente a esses depoimentos, observa-se que as mulheres rurais são vistas predominantemente a partir de sua função no espaço familiar e doméstico, na dimensão que afeta a família e a produção agrícola. Assim, a mulher fica presa ao papel social de suporte do núcleo familiar, superposto às tarefas agrícolas na lavoura, ao cuidado dos animais domésticos, a horta e o pomar, colocando-se a serviço de tudo e de todos na família (COSTA, 2012). Na ideologia hegemônica, o papel feminino continua direcionado ao cuidado familiar. Mesmo quando a mulher participa da provisão econômica da casa, ainda lhe é destinado o cuidado com os filhos, marido e a responsabilidade com as tarefas domésticas da casa, sendolhe exigido pelo companheiro o desempenho ―adequado‖ dessas atividades, o que a faz cumprir dupla ou até tripla jornada de trabalho (GUEDES; SILVA; FONSECA, 2008). Do mesmo modo, destaca-se que, na concepção dos homens, cabia exclusivamente à mulher desempenhar as atividades domésticas e os cuidados com os filhos e a família. Essa expectativa significa que a mulher deve dedicar-se de maneira integral ao marido, dando-lhe prioridade em detrimento de si mesma, abandonando quaisquer atividades quando, por exemplo, ele chega em casa do trabalho, ela precisa imediatamente servi-lo em suas demandas. [...] Ele nunca foi uma pessoa de buscar a cueca dele sozinho dentro do guarda-roupa, eu levava toalha de banho tudo, era alcançado tudo, café no lugar. [...] E quando eu comecei a trabalhar eu deixei um pouco isso, eu não tinha mais tempo. (Esposa de homem, 64 anos, São Lourenço do Sul) 50 [...] Ela fazia tudo pra ele, tudo, levava café prontinho pra ele, ele mesmo não largava café na xicara, tudo ela fazia pra ele. (Genro de mulher, 72 anos, Venâncio Aires) Essas falas induzem a pensar que ainda se mantém, na sociedade, padrões tradicionais de gênero e sua mudança tem agudizado conflitos domésticos entre maridos e esposas (CORTEZ; SOUZA, 2008). No estudo de Costa (2012), o autor identificou que, no âmbito familiar, as mulheres são vistas e tratadas apenas como provedoras do bem-estar da família e dos outros, e são desprovidas de demandas próprias e de autonomia. Nesse espaço é mais evidente e materialmente identificável a presença de preconceitos e desigualdades concretas de gênero que, muitas vezes, estimulam a prática discriminatória e limitam as mulheres quanto à tomada de decisões nas questões relativas ao seu cotidiano. Essa situação foi identificada na história de uma mulher de 36 anos que cometeu suicídio, após dedicar toda sua vida ao casamento, família, filhos, afazeres domésticos e trabalho na lavoura, colocando tudo e todos em primeiro lugar, deixando de lado as suas necessidades e desejos. [...] ela parou de estudar cedo, casou nova, daí foi morar lá no interior, teve os filhos, trabalhou com os filhos, cuidando dos filhos, daí como é que eu vou te dizer, eu acho que foi a família. Para ela, ela não fez quase nada. (Prima de mulher, 36 anos, Venâncio Aires) A fala da entrevistada revela que as mulheres ainda são vistas socialmente como cuidadoras e as principais responsáveis por manter o lar e a família, como um refúgio emocional para todos os seus membros. Na concepção dos homens, as mulheres já nascem com um ―dom‖ de responsabilidade cotidiana, de dar apoio emocional aos filhos e à família (MORAES; RIBEIRO, 2012), ou seja, há uma naturalização do trabalho social de cuidar. As mulheres deste estudo, além de cumprirem o papel de gênero, no cuidado com filhos, familiares e executarem os afazeres domésticos, também percorreram um longo caminho como cuidadoras dos companheiros enfermos, antes de colocarem um ponto final em suas vidas. A fala a seguir retrata um casamento atravessado por problemas financeiros e conflitos conjugais. Após longa trajetória de dificuldades, o esposo adoece e ela assume os cuidados do marido. No entanto, quando ele morre, ela não consegue mais atribuir sentido para sua vida, pois foram anos dedicados ao cuidado do esposo violento, como se ela não pudesse usufruir de uma velhice tranquila e não merecesse nada. 51 É que quando meu pai veio do hospital, minha mãe assumiu toda a responsabilidade com ele, em dar os remédios pra ele, a alimentação, ela se dedicou pra ele como se ele fosse um bebê. Até o último dia dele falecer ela pegou o remédio dele e deu na mão dele pra ele tomar. Então ela achava que aquilo ele ia ser eterno. (Filha de mulher, 59 anos, Porto Alegre) Em outra história que se ouviu, a violência de gênero esteve presente durante toda a relação conjugal e quando o marido ficou acamado e hemiplégico em decorrência de um Acidente Vascular Cerebral (AVC), ele continuou agredindo a mulher com o braço que não estava paralisado. Mesmo diante dessa situação, ela acompanhava cuidadosamente o marido e dizia aos familiares “que era dela a responsabilidade de cuidá-lo”. Ela manteve o papel de cuidadora, mesmo sendo maltratada e agredida pelo marido, como pode ser observado na fala abaixo: Mesmo sofrendo ela cuidava dele, sabe o que ela falava pra mim? “Vocês não tem compromisso de cuidar dele, eu tenho que cuidar dele”, então ela queria mesmo fazer as coisas. (Genro de mulher, 72 anos, Venâncio Aires) Até este momento, foram identificadas e descritas as histórias de mulheres que se suicidaram após uma vida em que a violência conjugal era contínua, mas que não as impediu de cuidar do homem agressor quando ele necessitou. Portanto, são dois tipos de histórias de vida com violência perpetrada pelos maridos: um primeiro grupo de mulheres cuidadoras que sofrem violência e se suicidam, e outro em que o agressor que foi cuidado pela esposa na sua enfermidade se suicida. Descreve-se, a seguir, o caso do homem que se suicidou e que também foi cuidado na doença e na solidão pela mulher agredida. Essa mulher cuidadora sofreu violência de gênero durante os vinte anos de casamento. Ele saiu de casa para viver ao lado de outra mulher, porém quando adoeceu voltou para a casa da primeira esposa, que o acolheu e prestou-lhe cuidados até o momento do suicídio. Ele veio pra cá quando ele estava doente, ela [a segunda mulher] não quis saber dele, [...] daí nós cuidamos dele na cirurgia dele. [...] É acolhi numa boa, cuidei, fiz o que pude, levava para o médico, fiquei com ele no hospital, quando ele estava lá eu ia todos os dias no hospital e cuidava dele. [...] Uns dois anos ele ficou morando aqui. (Primeira esposa de homem, 64 anos, São Lourenço do Sul) Nesse contexto, entende-se que os padrões culturais e sociais impõem à mulher a responsabilidade e o compromisso com o cuidado, mesmo quando se trata de um ex-marido, 52 ou mesmo quando há violência e não há respeito. A ideologia e a educação diferenciada de gênero mantêm vivas as velhas divisões de atribuições entre os gêneros, e a culpa funciona como o ônus para as que se recusam a exercer o papel ou para as que o fazem de maneira inadequada. Essas questões sustentam o papel da mulher na sociedade como cuidadora e base da família. O ambiente social estimula tal comportamento, sobrecarregando a mulher com vários papéis que são exercidos inclusive durante a velhice (WEGNER; PEDRO, 2010; MINAYO; MENEGHEL; CAVALCANTE, 2012). Em suma, constatou-se que o desempenho dos papéis de gênero esteve presente na vida de homens que se suicidaram após terem cumprido o modelo de masculinidade dominante, e de mulheres que desempenharam a risca o papel feminino imposto pelos padrões sociais de gênero. 5.2.2 Relações conjugais em que os homens têm o poder e as mulheres se submetem A trajetória das mulheres pela vida é tecida por meio de normas sociais e culturais do que significa ser mulher, vinculadas às lutas e desafios frente às diversidades de um mundo que, mesmo com alguns avanços, ainda pode ser considerado patriarcal (BENITES; BARBARINI, 2009). Nas sociedades patriarcais, apesar dos discursos e leis, o lugar da mulher ainda está marcado por uma posição de submissão e de assujeitamento ao domínio masculino (PORTO; BUCHER-MALUSCHKE, 2012). Os papéis de gênero, naturalizados, determinam o nascer, o viver e o morrer em situação de poder ou de submissão e configuram o destino das mulheres (COSTA, 2012). A ideologia de gênero cimenta essas normas sociais e é transmitida em todas as instituições como, na escola, igreja, trabalho e família, mesmo quando disfarçada ou invisível. No entanto, compreende-se que, ao longo dos séculos, a ideia da mulher como sexo frágil está introjetada no imaginário social. Na concepção de Costa (2012), a aceitação da submissão como algo próprio ao feminino configura e agrava a situação de violência que, muitas vezes, não é identificada ou é banalizada e aceita como natural. No cenário em estudo, os entrevistados relataram a posição de assujeitamento vivida pela mulher no relacionamento conjugal, manifestando o caráter de dominação do homem sobre a mulher. Esse retrato de mulher trabalhadora, cuidadora do lar e da família, obediente e leal ao esposo foi constatado nas histórias de mulheres que cometeram suicídio e também no relato de mulheres que viviam nessa situação antes do esposo suicidar-se. 53 Ela nunca saía sozinha, não sei se meu pai ia deixar ela trabalhar fora, na verdade ela trabalhava somente em casa. (Filha de mulher, 49 anos, Venâncio Aires) Eu nunca saí sozinha na minha vida, [...]eu tinha que viajar pra buscar roupa pra dentro da loja, pra passear eu nunca fiz isso sozinha, e a minha loja era dentro da minha casa. (Esposa de homem, 64 anos, São Lourenço do Sul) Observa-se na fala da esposa que ela queria contribuir para o sustento da casa porque o marido estava desempregado, porém, o trabalho dela desagradava o marido, tensionando a relação. Dessa maneira, ela ficou presa ao dilema de trabalhar e obter o sustento da casa ou agradar ao companheiro que se sentia desvalorizado frente ao papel ativo da esposa. Nesse contexto, a aparente conformidade das mulheres em aceitar o papel de submissão faz com que muitas delas demonstrem dificuldade em atuar de modo mais participativo e igualitário perante os homens nas decisões familiares (SERPA, 2010). Na análise dos papéis de gênero, a sexualidade é percebida como impulso biológico e instintivo, historicamente considerada uma prerrogativa masculina, em que a realização do ato sexual é expressão natural da necessidade do macho em conquistar e dominar a fêmea (GIFFIN, 1994). Por sua vez, Meyer (2009, p.218) afirma que ―é no contexto de relações de poder de gênero e sexualidade naturalizada, sancionada e legitimada em diferentes instâncias do social e cultural, que determinadas formas de violência ocorrem‖. Essa situação de poder do homem, em relação à sexualidade feminina, também está presente na história de uma jovem mulher que cometeu suicídio. Ela era muito submissa a ele, mas graças a Deus ela nunca ganhou nenhuma doença nada dele, eu comentava com ela, tem que usar camisinha e ela dizia não, o amorzinho não gosta, ela era uma pessoa ingênua, muita bondade. (Prima de mulher, 36 anos, Venâncio Aires) A fala representa a dominação ainda exercida pelo homem sobre o corpo e a sexualidade feminina, em que o desejo, prazer e satisfação sexual são reservados aos homens, restando para as mulheres apenas a obediência às exigências masculinas, mesmo quando essas concessões significam comportamentos de risco a doenças ou ao bem-estar. Desse modo, compreende-se que a concepção do masculino como sujeito da sexualidade e do feminino como seu objeto é um valor de longa data na cultura ocidental (MINAYO, 2005). Cabe, ainda, destacar que, na fala do depoente, a sujeição da suicida ao poder masculino deriva de sua 54 ―bondade, ingenuidade, e amor ao marido‖, evidenciando a valorização social dos atributos ditos femininos, mesmo quando significam desqualificação e menorização das mulheres. O modelo hegemônico de relação entre os gêneros, mantenedor de hierarquias e desigualdades, fragiliza as mulheres nas negociações em relação à vida sexual e reprodutiva, fazendo com que elas tenham menos poder nas decisões relativas à gravidez, controle da natalidade, uso de preservativos, tornando-as mais suscetíveis à contaminação de doenças sexualmente transmissíveis. (MARQUES JUNIOR; GOMES; NASCIMENTO, 2012). Ao investigar a atenção às mulheres rurais vítimas de violência, Costa (2012), destacou a dominação simbólica sofrida por essas mulheres nas relações conjugais, incidindo na decisão da mulher que incorporou comportamentos de submissão ou de pressões para a manutenção da família ou ainda na imagem difundida do que é a mulher ideal. Desse modo, o sentimento de segurança do homem em relação à mulher e a certeza da submissão dela reforçam a dominação, cujas formas mais grave são as violências auto ou heteroinflingidas. A violência de gênero perpetrada pelo homem vai ocorrer como uma ação corretiva, quando a mulher tenta romper com a submissão, ou simplesmente como exercício de controle masculino em relação às mulheres (COUTO et al., 2007). Diante desse contexto de dominação e controle dos homens sobre as mulheres, ressalta-se, mais uma vez, que algumas mulheres, antes de se suicidarem, viviam uma relação conjugal tensionada por conflitos e violências. Essas mulheres suicidaram-se ao final de vidas regidas pelo trabalho e pelas normas sociais de gênero, em decorrência de preceitos sociais, religiosos e ideológicos que propugnam a obediência e a submissão das mulheres aos maridos, mesmo quando existe violência. Chegou uma época que, a gente pedia para ela separar dele, que ela não precisava dele, mas ela não tinha coragem, ela tinha pena, ela não queria mais ele como homem, ela tinha pegado nojo dele, [...] mas, eles mantinham um relacionamento “normal”, como se ninguém soubesse de nada. (Filha de mulher, 60 anos, Porto Alegre) As pessoas sabiam, mas era muito difícil ela sair junto com ele, só saia junto com ele quanto tinha uma obrigação de ir numa festinha de primeira comunhão, ou um casamento, que ela tinha uma obrigação se não ela já nem ia junto, ela dizia: “ele só bebe, eu não vou só pra me incomodar, eu vou ficar em casa”. (Genro de mulher, 72 anos, Venâncio Aires) Corroborando com os achados deste estudo, Costa (2012), observou na fala dos participantes, que a submissão da mulher rural se deve principalmente à dependência do marido, às obrigações de esposa e também ao desejo de manter a família unida. O isolamento 55 em que vivem as mulheres rurais também as fragiliza à medida que não possuem grupos para compartilhar os sentimentos ou pedir ajuda quando sofrem violências. As rígidas normas de gênero atribuem à mulher a responsabilidade pelo bom andamento das relações familiares, tanto em relação ao casamento quanto à maternidade. Falhas no desempenho dessas funções produzem danos à autoestima, além de medo e vergonha, fazendo com que elas se sintam impotentes para resolver essas dificuldades relacionais (FRANZOI; FONSECA; GUEDES, 2011). Se, por um lado, a imagem do feminino está associada à submissão e ao sofrimento, existe, ainda, a representação da força e da coragem da mulher para resistir às iniquidades de gênero (SERPA, 2010). Algumas mulheres vítimas de violência, participantes deste estudo, haviam assumido as dificuldades conjugais frente à família e efetuado a separação de corpos dentro do domicílio. Mesmo assim, permaneciam no relacionamento, acatando os padrões sociais vigentes e procuravam evitar conflitos. Nós não dormíamos juntos, eu que saí da cama, eu tinha medo, os outros tinham me dado conselho. (Esposa de homem, 81 anos, Candelária) [...] Eles já dormiam separados, daí ela dormia na cama de solteiro e o pai dormia na cama de casal. (Filha de mulher, 49 anos, Venâncio Aires) Essas mulheres permaneceram na relação conjugal como designam os padrões socioculturais, mas conseguiram se proteger um pouco e não cumprir mais com as ―obrigações‖ de mulher/esposa, devido aos insultos e agressões de que eram alvo. No entanto, a maior parte dos relatos é de mulheres que cedem ao desejo do homem para não contrariá-lo, ou porque julgam que precisam desempenhar a obrigação na relação conjugal independente da sua vontade (SILVA, 2003), pois, na construção da sexualidade e da identidade de gênero, os homens apresentam-se como sexualmente ativos e as mulheres como sexualmente passivas (GIFFIN, 1994). Nesse sentido, entende-se que a posição dos homens nas relações de gênero é construída segundo a noção de ―masculinidade culturalmente hegemônica‖ que enfatiza a virilidade, a agressividade e a força. A masculinidade hegemônica baseia-se no modelo patriarcal, considerado uma estrutura de subordinação das mulheres ao poder masculino (MENEGHEL et al., 2012). Nesse sentido, a desigualdade de gênero pode ocorrer de distintas formas e por inúmeras circunstâncias, a partir da dominação masculina. 56 Destaca-se que, nos municípios estudados, há histórias de homens que se suicidaram depois de terem desempenhado o papel de ―macho e mulherengo‖, como necessidade de afirmação da masculinidade e virilidade. E histórias de mulheres submissas aos comportamentos autoritários e violentos, que suportaram sem reclamar o alijamento das decisões e as infidelidades dos homens. Elas cometeram suicídio após permanecerem longo período em casamentos conflituosos e a autoagressão parece expressar o ―dar um basta‖ (SAGOT, 2000) a essas situações intoleráveis de opressão, quer seja no campo da vida privada ou no espaço do trabalho. Os discursos abaixo revelam histórias de infidelidades sofridas por mulheres que cometeram suicídio. Muitas vezes a violência está em outras coisas muitas vezes piores, [...] a gente morava numa cidade pequena, ele tinha caso com todo mundo. [...] Essa mulher não quer nem ver ele, porque como ele tinha ela, ele tinha minha mãe, e ainda tinha o outros galhos também, e agora ninguém quer. (Filha de mulher, 60 anos, Porto Alegre) É, e que ele arrumou outra mulher e se juntou com a outra, daí que deu esses problema aí, e ela se desgostou. (Companheiro de mulher, 48 anos, Candelária) [...] eu fui começar, a saber, das coisas dele no colégio, que as amiguinhas contavam, aí sabe o que minha mãe contou do teu pai, mas eu peguei tudo aquilo e coloquei dentro de um saco, sabe nunca briguei com ele, mas daí quando a mãe fez isso [suicídio] foi à gota da água. (Filha de mulher, 60 anos, Porto Alegre) Segundo Couto et al. (2007), a recusa da mulher em desempenhar o papel tradicional de ―esposa‖, ou seja, calar-se, servir ao homem sexualmente e aceitar a traição e trair o marido ou vingar-se é uma conduta adotada por muitas mulheres que sofreram violência e, muitas vezes, faz parte das justificativas de homens para as agressões que perpetram às mulheres. Tais situações evidenciam que ser ―uma mulher de respeito‖ aceita em uma cultura de honra significa não só ser capaz de gerar e criar filhos, mas também conformar-se ao modelo de mãe sofrida e esposa digna (GROSSI, 1995), que suporta em silêncio a infidelidade do homem, mantém a família quando o marido não o faz e, finalmente, aceita as violências como mecanismo de correção às suas possíveis falhas. O discurso a seguir mostra a desigualdade de gênero nas relações conjugais, resultando em assimetria de poder que se traduz na relação de dominação/masculina e 57 submissão/feminina. É o caso de um homem que antes de cometer suicídio manteve um relacionamento com outra mulher no mesmo domicílio de sua esposa e filhos. Ele tinha outras mulheres, uma vez tinha em casa, dentro de casa, com a minha mãe e nós tínhamos que ficar quietos, ela era jovem tinha a idade do meu irmão na época. (Filho de homem, 60 anos, Candelária) Esse caso exemplifica o exercício da masculinidade na qual o homem como ―dono e senhor‖ pode ter inúmeras parceiras ao mesmo tempo, inclusive sob o mesmo teto, porque o ato de demonstrar a sexualidade masculina é considerado uma característica de força e virilidade. Para a esposa e os filhos restou apenas o silêncio e a obediência diante da situação humilhante mantida pelo marido e ―patriarca‖ (MINAYO; MENEGHEL; CAVALCANTE, 2012). Os pressupostos das culturas de honra exigem que as mulheres como esposas, filhas ou mães sejam recatadas, submissas e fiéis aos homens, que possuem a função de prover, velar e controlar a conduta moral dessas mulheres. Depende delas manter a honra da família através da fidelidade e do comportamento sexualmente recatado; já, para os maridos é perfeitamente aceitável ter várias mulheres ao mesmo tempo sem sentir-se culpado ou entender que está traindo. Essas atitudes mostram a histórica separação entre a procriação e o prazer, ou entre o grupo de mulheres que serão as esposas e mães e o grupo de mulheres disponíveis para o prazer sexual. Mesmo com o atual discurso do direito feminino ao prazer, para as mulheres casadas ainda permanece o impeditivo do prazer sexual e ―é justamente por ele respeitar [grifo nosso] sua mulher e seus filhos, que ele procura na rua outra mulher, que é paga para a prática sexual‖ (GROSSI, 2004). A seguir, apresentam-se dois casos que correspondem ao padrão relatado anteriormente. Ele era mulherengo, é mulherengo, e ela sabia disso, ele chegou a trazer doença em casa, até é vergonha dizer, mas a verdade tem que ser dita, a sogra chegou a contar pra mim isso. (Genro de mulher, 72 anos, Venâncio Aires) Ele nunca foi uma pessoa boa, a boa era ela, daí ele apanhou na zona, deu um coagulo no cérebro e daí ficou um tempo desacordado, e agora diz que esta em casa. [...] Ele sempre frequentou esses lugares mesmo quando estava casado e ela sabia. (Prima de mulher, 36 anos, Venâncio Aires) 58 Essa necessidade de afirmação da masculinidade, a partir da demonstração de atitudes sexuais ativas, está relacionada ao processo de socialização masculina heteronormativa. O padrão hegemônico de masculinidade normatiza o masculino como sexualmente ativo e agressivo, exercendo poder sobre as mulheres e homens que exercem sexualidades não hegemônicas (GOMES, 2008). Essa situação tem sido observada por autores que estudam a vulnerabilidade feminina à negociação de sexo seguro (BARBOSA, 1999; SANTOS, 2007). Kronbauer e Meneghel (2005) observaram que a recusa do parceiro ao uso de preservativos com a finalidade de prevenção a doenças sexualmente transmissíveis esteve associada à dificuldade das mulheres em efetivar essa negociação e ao contexto machista das relações domésticas, expondo-as a outros tipos de violência. Rodrigues et al. (2012) afirmam que mulheres contaminadas por HIV/Aids relataram que a dor que sentiram com a infidelidade dos companheiros foi maior do que a descoberta da própria doença, porque, para elas, a doença é a comprovação da traição e promiscuidade masculina, e o preço da submissão feminina ao poder masculino. Diante desse contexto, os depoimentos a seguir relatam os casos de homens que tiveram filhos fora do casamento e conflitos entre mulheres que vivem relações paralelas com um mesmo homem. Ele teve uma filha fora do casamento e eu acho que ela ficou sabendo disso. (Genro de mulher, 72 anos, Venâncio Aires) Ele tem filhos fora do casamento sim, que também não querem saber dele, não querem saber dele nem pintado de ouro, ele não está lá com a outra família, porque não querem saber dele. (Filha de mulher, 60 anos, Porto Alegre) Ah! Ele tinha outra mulher, vinte e tantos anos também, e tem um guri com dezoito anos. (Primeira esposa de homem, 64 anos, São Lourenço do Sul) Cabe, ainda, destacar as histórias de homens suicidas que mantiveram uma postura de autoridade e poder com a primeira esposa e no segundo relacionamento conjugal perderam o comando. Essa mudança decorreu do próprio envelhecimento e da perda da potência sexual, de déficit econômico e problemas de saúde, deixando-os impossibilitados de manter o controle da casa, da mulher, da família, do dinheiro e, inclusive, das próprias vidas. As falas dos participantes mostram algumas dessas situações. A mulher chorava muito, mas ela não levantou uma palha para cuidar dele, ela só soube tirar tudo que ele tinha, e na hora do enterro ela chorava 59 muito, mas ela não fez nada por ele, ele baixava no hospital e quem cuidava era eu, ela não queria mais saber dele, porque ele não tinha mais nada. (Primeira esposa de homem, 64 anos, São Lourenço do Sul) Ele tratou melhor a segunda mulher do que ele tratou a minha mãe. (Filho de homem, 84 anos, Venâncio Aires). Esses fatos mostram que homens que se conduziam segundo os preceitos da masculinidade hegemônica tornaram-se muito frágeis quando foram desprezados por mulheres mais jovens em relações conjugais ou quando perderam a posição de poder e de mando (MINAYO; MENEGHEL; CAVALCANTE, 2012). Observa-se, nessas histórias de vida, a manutenção dos papéis sexuais exigidos na cultura por mulheres que se submeteram a maridos autoritários por toda a vida, e homens que foram machistas e violentos e se mantiveram no poder e no controle até envelhecer. 5.2.3 Divisão sexual do trabalho Para enfrentar as questões e os desafios ocasionados pela nova configuração do mundo de trabalho, sob a perspectiva de gênero, é importante compreender e analisar as mudanças ocorridas nas relações sociais, nos domínios da vida familiar e da vida profissional e o modo como estas se articulam com a categoria gênero (SILVA; NOGUEIRA; NEVES, 2010). Diante dos papéis tradicionais de gênero, o trabalho surge, como condição que confere ao homem não apenas o sustento, mas a respeitabilidade diante da mulher, dos filhos e de outros homens. O dinheiro recebido pelo trabalho é considerado fundamental para o sustento da casa e da família, e quando há falta desse recurso uma forte carga negativa acompanhada de angústia, frustração e insegurança, é vivenciada pelo homem (COUTO et al., 2007). Segundo Minayo, Meneghel e Cavalcante (2012), apesar das mudanças ocorridas na divisão sexual do trabalho, os homens ainda desempenham o papel de provedores, calcado na noção de honra e de responsabilidade pela manutenção de mulheres e filhos, que se submetem ao seu poder. Na condição de provedores são responsáveis pelo controle das decisões familiares e gastos financeiros, e nas sociedades rurais preocupam-se em economizar com o objetivo de não contrair dividas, o que pode ser observado nas falas abaixo. Ele não gostava de gastar, ele era muito seguro assim, mão fechada mesmo, não queria gastar, diz que não precisava, por isso as vez eles discutiam. Ela não era assim, ela já gostava mais de gastar, ela gostava de comprar coisa e ele não queria comprar [...] ele gostava de guardar o 60 dinheiro, não gostava de gastar (Filho de homem, 74 anos, São Lourenço do Sul). Quando ela precisava de alguma coisa ela pedia para o pai o dinheiro, ela não era independente que nem a gente é, ela pedia tudo para o pai [...] desde pequena quem ficava cuidando da parte financeira era o pai, nós somos criados assim, se precisava de uma coisinha, um troquinho a gente tinha que pedir. Até hoje ele é mão fechada, mas faltar nunca faltou nada. (Filha de mulher, 49 anos, Venâncio Aires) Constata-se que no contexto vivido por essas pessoas que cometeram suicídio coube às mulheres acatar a autoridade masculina e cumprir o tradicional papel de gênero, ficando as obrigações financeiras a cargo dos homens, divisão que contribuiu para o surgimento de conflitos de ordem conjugal. Vale destacar que a divisão sexual do trabalho é o elemento que faz com que a mulher permaneça em situações de dependência financeira (COSTA, 2012), porque, nesse modelo, o trabalho doméstico feminino, mesmo quando ampliado pelos cuidados na propriedade rural não é remunerado. Desse modo, cabe às mulheres facilitar a carreira profissional do marido e tornar-lhe a vida confortável para obter, em troca, o sustento e a proteção. A inversão de papéis socialmente atribuídos entre homens e mulheres pode provocar estranhamentos, pois essa situação foge dos padrões culturais sobre a ―normalidade‖ das relações de gênero. No momento em que acontece essa inversão, a mulher pode ficar sobrecarregada ao acrescentar às suas atribuições a responsabilidade pelo sustento da família. A partir dessa contextualização relata-se a história de um homem que antes de cometer o suicídio estava desempregado. Para enfrentar a crise econômica doméstica, a mulher começou a trabalhar como representante comercial de roupas e para ajudar o marido deu-lhe a ocupação de motorista. Portanto, houve uma troca nas posições tradicionais de gênero e ela passou a ocupar o lugar de provedora, causando desconforto e inconformidade ao suicida que se sentia subalterno em relação à esposa. Ele não gostava de me repartir com outra pessoa no trabalho, ele gostava que eu ficasse só do lado dele e não trabalhando. (Esposa de homem, 64 anos, São Lourenço do Sul) Nesse caso, o marido não se sentiu mais o ―homem da casa‖ ou o provedor da família, havendo mudança na relação de poder, o que ocasionou tensões e conflitos conjugais (COSTA, 2012). Nas sociedades patriarcais, o prestígio das mulheres provém dos homens, e quando eles possuem rendimento inferior ao da mulher ou estão desempregados podem se 61 sentir abalados em relação à identidade masculina (PINTO; MENEGHEL; MARQUES, 2007). Vale destacar que, para muitos homens, perder o controle sobre as mulheres, o que na cultura patriarcal significa uma falha no padrão de desempenho da masculinidade, pode ser mais intolerável do que a morte ou a realização do ato suicida (MINAYO; MENEGHEL; CAVALCANTE, 2012). Em homens idosos, as crises de masculinidade que incluem a perda da potência sexual, as mudanças no papel de provedores, ocasionadas pela aposentadoria ou doença, podem aumentar o risco de suicídio (MENEGHEL et al., 2012). Observou-se, em alguns casos, que as mulheres que cometeram suicídio, além de desempenharem o papel de cuidadoras da casa e dos afazeres domésticos, participavam do trabalho intenso e estafante das lavouras de fumo, podendo-se afirmar que eram exploradas também pelos maridos, que recebiam e administravam a renda gerada pelo trabalho feminino. Desse modo, compreende-se que, mesmo que as mulheres procurem buscar seu espaço no ambiente de trabalho público, são dominadas pela autoridade masculina. Alguns excertos mostram essa situação: Isso ela mesmo contava, que o homem de tão vadio, arruma coisa para trabalhar na lavoura e o veneno ela que tinha que colocar no fumo. [...] Essa mulher muitas vezes não tinha o que colocar na boca para os filhos comer, porque o que ela fazia o homem botava fora, ela trabalhava de peão para os outros, para fazer uma boinha [comidinha] para os filhos. (Companheiro de mulher, 48 anos, Candelária) Muitas vezes eles iam trabalhar juntos na lavoura, daí ela ia a semana inteira e ele ia dois dias [...] Ele gastava do dinheiro dela, nunca podia dar dinheiro para ele ir pagar as contas, ele gastava tudo, e não pagava. (Prima de mulher, 36 anos, Venâncio Aires) Em outra situação, a mulher que cometeu suicídio era coagida pelo companheiro a manter relações sexuais com outros homens, a fim de obter dinheiro com a exploração sexual do corpo. Sem encontrar saída para essa situação de exploração, ela permaneceu na relação conjugal até o suicídio. Ele botou ela para se prostituir, quando eu vi ela estava se virando [se prostituindo] em Ipanema, e continua vivendo com ele, ele estava com ela porque estava ganhando um beneficio [...] eu nunca fui a favor disso, desse tipo de coisa, nunca fui de dar dinheiro para homem, bem capaz, não mesmo. (Mãe de mulher, 41 anos, Porto Alegre) 62 Observa-se que, muitas vezes, as mulheres não conseguem justificar porque mantêm uma relação que não lhes oferece, nem para si nem para os filhos, o sustento financeiro, o suporte afetivo ou a estabilidade conjugal (SERPA, 2010). Para os profissionais e usuárias de um serviço de saúde do município de São Paulo, a aquisição da independência econômica é uma necessidade das mulheres para sua mudança e libertação da violência (GUEDES; FONSECA, 2011). De qualquer modo, a vida familiar tem sofrido mudanças profundas relacionadas à integração das mulheres no mundo de trabalho, levando a uma progressiva alteração nos papéis de gênero (SILVA; NOGUEIRA; NEVES, 2010). Essas mudanças no trabalho, no contexto do capitalismo neoliberal significaram uma precarização ainda maior na situação das mulheres. Aumentou o número de famílias chefiadas por mulheres, elas recebem menores salários do que os homens, na maioria das funções, mantêm a dupla e até a tripla jornada de trabalho e são consideradas ―os novos pobres‖ em escala mundial. Em contrapartida, os aspectos culturais como, mudança de valores, ingresso feminino no mercado de trabalho, autonomia financeira e aumento do nível de escolaridade podem contribuir para que as mulheres adquiram a independência econômica. Porém, embora a autossuficiência financeira seja importante, ela por si só não garante a autonomia afetiva das mulheres, que podem continuar submissas pelo fato de não conseguirem romper com os padrões inculcados através da ideologia e da educação diferenciada de gênero (FRANZOI; FONSECA; GUEDES, 2011). Essa situação foi observada nas histórias de vida de algumas mulheres que eram independentes financeiramente, mas sustentavam maridos que não as respeitavam. Os discursos abaixo evidenciam esse achado. Ela que controlava, ela que pegava o dinheiro [...] Queria fazer mais que ela podia fazer por ser mulher. (Filho de mulher, 65 anos, São Lourenço do Sul) Ela que sustentava a casa e a aposentadoria que ele recebia não chegava para a cerveja, sexta de manhã ele ia no açougue comprar carne e ela fazia o chequezinho e ele ia lá. [...] O dinheiro dela como professora era para família inteira. (Genro de mulher, 72 anos, Venâncio Aires) Ela tinha que trabalhar e praticamente só ela ganhava dinheiro, porque o dele ele botava tudo na bebida e em jogos e mulheres. (Filha de mulher, 59 anos, Porto Alegre) 63 Algumas mulheres deste estudo, além dos papéis domésticos, exerciam trabalho remunerado fora de casa e eram as provedoras efetivas dessas famílias. Meneghel e Hirakata (2011) reforçam que a entrada maciça das mulheres na força de trabalho possibilitou que muitas alcançassem a independência econômica, ocorrendo um aumento do número de famílias em que a mulher está no mercado de trabalho e o companheiro encontra-se desempregado. No estudo de Moraes e Ribeiro (2012), grande parte dos homens agressivos com mulheres admitiu que, na atualidade, as mulheres devem contribuir com a provisão econômica das famílias. Para os homens das camadas populares a falta de trabalho para suprir as necessidades econômicas da família significa perda do papel de provedor e cobrança por parte das mulheres, às quais eles podem reagir com agressão e violência (COUTO et al., 2007). Enfim, a independência econômica da mulher pode ser o gatilho da violência de gênero perpetrada pelos maridos quando eles se sentem inferiorizados por estarem desempregado ou por receberem um salário menor. Na situação descrita a seguir, os conflitos conjugais ocorreram diante do descaso do esposo em relação à família, pois, além de não contribuir com o sustento da casa, gastava os recursos recebidos em proveito próprio. A mulher, sobrecarregada com os afazeres domésticos e cuidado dos filhos pequenos, apresentava dificuldade em manter financeiramente a família. A negligência do marido foi considerada pelos familiares um fator desencadeante do suicídio da companheira que não suportou ver os filhos passando necessidades. Ele pensava praticamente só nele. [...] Ele bebia todos os dias, ele não tinha emprego fixo, trabalhava na safra e os períodos dele de emprego eram curtos, ele não parava nos emprego, ele ia bêbado, ou eles mandavam ele embora. [...] Em vinte anos a pessoa não melhorar, não ir para frente, não ter nada, nem uma bicicleta, é complicado sabe, se tinha, ainda vendia para trocar por cachaça ou deixava onde estava e não lembrava mais. [...] Ela se queixava dele: „Ah, ele não quer trabalhar, a gente não tem dinheiro‟. (Prima de mulher, 36 anos, Venâncio Aires) Essa fala evidencia a irresponsabilidade do homem no sustento familiar. Estudos mostram que muitos homens enfrentam essa mesma situação e buscam no bar, em companhia dos amigos, tentar esquecer suas obrigações familiares e gastar o dinheiro que deveria ser destinado às provisões da família, cabendo à mulher esperar que a situação familiar melhore. Porém, essas circunstâncias que envolvem gênero e poder podem ser agravadas quando 64 abrangem, além da negligência do marido, a presença de violência de gênero (FONSECA, 2004; LEAL, 2010). O que se observou nessas histórias de vida de homens e mulheres não foi a mudança ou a troca nos papéis sexuais estipulados pela educação diferenciada de gênero, mas, sim, uma sobrecarga para as mulheres que precisavam cuidar dos filhos, do marido, da casa, mantendo os velhos papéis e ainda, suprir economicamente o grupo familiar. Já, os homens eram provedores e afirmavam a sua masculinidade por meio da infidelidade, dominação e exploração das mulheres no trabalho. 5.3 Violência de gênero na história de vida do suicida: a violência vivida e a violência exercida A violência contra as mulheres, nomeada violência de gênero, ocorre em âmbito mundial, e desde 1990 é considerada pela Organização Mundial da Saúde problema de saúde pública (OMS, 2002), dado o seu impacto na qualidade de vida e saúde, no desenvolvimento econômico e social de uma nação e nos gastos do sistema de saúde (SANTOS; VIEIRA, 2011). Essa violência ocorre em todos os países, independente de grupo social, econômico, religioso ou cultural (CASIQUE; FUREGATO, 2006). A violência de gênero resulta de uma relação não igualitária entre homens e mulheres em função de sua condição sexual, e faz parte de um contexto social que legitima essa desigualdade, acarretando um padrão de relações sexuais hierárquico, também denominado de relações sexuais de gênero (AZEVEDO, 1985; MENEGHEL et al., 2003). Esse agravo causa implicações dramáticas não apenas na vida das mulheres, mas no bem-estar das famílias na sociedade (OMS, 2002). A violência baseada em gênero é definida como um comportamento aprendido em uma estrutura marcada por desigualdades de raça, crença, idade e classe social. Compreende agressões de caráter físico, psicológico, sexual e patrimonial, e seus efeitos atingem diretamente a autoestima, a segurança e o bem-estar das pessoas atingidas, em um continuum que pode levar à morte da mulher por suicídio ou por homicídio (MENEGHEL; HIRAKATA, 2011; PINTO; MENEGHEL; MARQUES, 2007). A violência física tem sido considerada qualquer conduta que ofenda a integridade ou a saúde corporal da mulher (BRASIL, 2006), e ocorre através de agressões como, tapas, empurrões, socos, chutes, tentativa de asfixia, uso/ameaça com faca e arma de fogo, tentativas 65 de homicídios, queimaduras, dentre outros (SCHRAIBER; d´OLIVEIRA, 2002; MIRANDA et al., 2010). Já, a violência psicológica compreende qualquer conduta que cause dano emocional e diminuição da autoestima, ou prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento da mulher (BRASIL, 2006). Pode manifestar-se por meio de humilhações, ameaças de agressão à mulher e aos seus filhos, privação da liberdade, impedimento ao trabalho ou estudo, danos propositais a objetos queridos e a animais de estimação, impedimento de contato com a família e amigos (SCHRAIBER; d´OLIVEIRA, 2002; CASIQUE e FUREGATO, 2006). A violência sexual refere-se a toda a ação na qual uma pessoa em relação de poder e por meio de força física, coerção ou intimidação psicológica, obriga a outra ao ato sexual contra a sua vontade. Essas ações ocorrem em uma variedade de situações: estupro, sexo forçado no casamento, abuso sexual infantil, abuso incestuoso e assédio sexual (BRASIL, 2001). A violência patrimonial envolve condutas que configurem a retenção, a subtração e a destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer as necessidades (BRASIL, 2007). A violencia de gênero, especialmente em sua modalidade doméstica e familiar, está presente em praticamente todas as classes sociais, culturas e sociedades (SAFFIOTI, 1999), embora haja um risco maior para as mulheres pobres (KRUG, 2003). Esse tipo de violência tem uma direcionalidade nítida, a maior parte dos casos é a de homens contra mulheres. (MINAYO, 2006, SAGOT, 2000). A violência de gênero perpetrada contra mulheres tem sido considerada o principal componente de adestramento das mulheres para conviverem em uma sociedade patriarcal (ADEODATO et al., 2005; MENEGHEL et al., 2003). Apesar de a violência de gênero ocorrer tanto no espaço público quanto no privado, neste estudo a violência praticada por homens contra as mulheres ocorreu unicamente na esfera privada das relações familiares. Diante desse cenário de investigação, pretende-se relatar de que modo à violência de gênero estava inserida na história de vida das pessoas que cometeram suicídio, buscando compreender as consequências desssa agressão e sua relação com o evento suicídio. Os casos relatados compreendem tanto as histórias que revelam a violência de gênero vivida pelas mulheres suicídas quanto à exercida pelos homens que se suicídaram. 66 5.3.1 Violência de gênero vivida por mulheres suicidas A violência de gênero passou a ser percebida na sociedade somente com o esforço e a luta dos movimentos de mulheres que, a partir da metade do século XX, deram visibilidade a esse fenômeno e procuraram construir estratégias para o seu enfrentamento. O movimento denunciou as diversas formas de violência na tentativa de mudar as condições das mulheres e romper com a dominação masculina. A vitimização da mulher no espaço conjugal foi um dos alvos da atuação dos movimentos feministas, que buscou desnaturalizar os abusos e os maus tratos sofridos pelas mulheres (BRASIL, 2005; MINAYO, 2006). Apesar da elevada frequência, a violência de gênero ainda não é percebida em sua totalidade, em decorrência da subnotificação dos casos e pela sua minimização enquanto problema social (FRANZOI; FONSECA; GUEDES, 2011). Diante disso, compreende-se que a frequência, gravidade e diversidade de tipos de violência indicam a importância do tema e a necessidade de se investigar os seus efeitos no processo de viver, adoecer e morrer das mulheres que as sofrem (LUCENA et al., 2012). Nesse sentido, optou-se por trabalhar nesse eixo temático os casos de violência de gênero perpetrada contra as mulheres suicidas pelos seus companheiros e/ou ex-companheiros, uma vez que, essas situações apareceram nas histórias de vida dessas pessoas. Segundo Winck e Strey (2008, p.116) ―quando um homem agride física ou psicologicamente a uma mulher, o faz também porque sua autoimposição é permitida culturalmente, em uma postura socialmente reificada e naturalizada". No cenário das agressões físicas destaca-se que a vida de algumas mulheres que cometeram suicídio foi atravessada por situações de violência perpetradas pelos companheiros. No caso relatado a seguir, observa-se que a mulher era alvo de agressões físicas e de exploração sexual por parte do marido, que, em verdade, mantinha o poder e o controle do corpo e da vida dessa mulher. Ele era horrível com ela, dava lhe pau, e estava sempre incomodando, batia nela, tanto é que ela até se prostituiu por causa dele, para sustentar ele, e eu falando, xingando, “larga esse cara, não faz filho”. [...] Foi um bom tempo que ela viveu com ele, porque eles se pegavam, brigavam, se davam pau, se largavam, e depois estavam juntos e a gente de mau né. (Mãe de mulher, 41 anos, Porto Alegre) Frente a esse depoimento contata-se que o relacionamento do casal era atravessado por múltiplos episódios de violência seguidos de aparentes reconciliações, que foram se 67 agravando com o tempo e culminaram com o suicídio da mulher. Havia, ainda, o fato de ela sustentar o companheiro apesar do descontentamento da mãe que a estimulava a separar-se. Muitas mulheres apresentam dificuldades para romper com a violência porque elas podem estrar emocionalmente envolvidas com o agressor, depender dele economicamente, ou ainda, não possuir redes de apoio e proteção (MENEGHEL et al., 2011). Em contrapartida, algumas mulheres podem continuar sofrendo violências e ameaças e manter-se em silêncio, porque percebem que o perigo de sair pode ser maior do que permanecer na relação violenta (SAGOT, 2000). Neste estudo, a fala dos entrevistados revelou múltiplas situações de violência vividas pelas mulheres que cometeram suicídio, em cenários de intensa dor e sofrimento. De qualquer maneira, o suicídio representa uma situação limite de total impotência, que pode acontecer frente a ameaças de morte pelo companheiro e pela impossibilidade de romper com as violências. Ele com a minha mãe era bastante agressivo. [...] Ele batia bastante nela. Os primeiros dez anos de casado ele era alcoólatra, violento. (Filha de mulher, 59 anos, Porto Alegre) A briga era com ex-marido. [...] Ela se queixava que ele era muito ruim pra ela e que judiava dela. Todo mundo conta, que era uma tristeza aquilo lá, diz que tinha muita violência. [...] Uma vez ele deu uma tunda de laço nela e ela grudou uma cadeira na cabeça dele. (Companheiro de mulher, 48 anos Candelária) Na fala desse entrevistado fica claro o continuum da violência na vida da mulher que, mesmo separada, continua a sentir temor, ansiedade e insegurança. Sabe-se que mulheres que sofreram violência intensa e/ou contínua podem permanecer simbolicamente sob o controle do agressor, e a distância física dele não diminui o sentimento de medo, angústia e permanente vigilância (MOURA; LEFEVRE; MOURA, 2012). Em alguns casos, o homem não quer que a mulher o abandone e a ameaça de morte caso chegue a deixá-lo. Essas situações podem realmente culminar com o homicídio ou femicídio de mulheres, principalmente nos meses posteriores à separação ou na tentativa de fazê-la. Também pode ocorrer homicídio de mulheres seguido do suicídio dos agressores (MENEGHEL; HIRAKATA, 2011). Na história a seguir, de uma mulher que cometeu suicídio, havia ameaças de morte formulada pelo ex-companheiro e pelo filho mais velho, que era orientado pelo pai a agir 68 dessa maneira. Essas ameaças eram realizadas com o intuito de que ela abrisse mão dos bens para que o patrimônio financeiro adquirido pelo casal ficasse somente com o ex-companheiro. [...] Ela se queixou, um dia o marido tentou matar ela em Sobradinho sabe, por causa dos bens deles. O filho também era muito ruim pra ela, foi o que veio lá em casa querer matar ela. [...] Ela contava que ele apontou uma arma para ela, o filho mais velho. (Companheiro de mulher, 48 anos, Candelária) Algumas formas de violência permanecem ―invisíveis‖ nas estatísticas, pois ficam estritamente associados a questões consideradas da ordem do privado, como as inúmeras violências de cunho psicológico que, muitas vezes, são tão insidiosas que a própria mulher não a percebe como tal (WINCK; STREY, 2008). A violência contra a mulher se constitui em uma prisão, em que ―o próprio gênero, acaba por se revelar uma camisa de força: em que o homem deve agredir, porque o macho deve dominar a qualquer custo, e a mulher deve suportar as agressões porque o seu destino de gênero assim o determina‖ (SAFFIOTI, 2004). No entanto, essa condição imposta socialmente leva a mulher a um sofrimento tão intenso que parece lhe debilitar as possibilidades de cuidar dos outros e de si mesma (SCHRAIBER et al., 2002). A violência sofrida pelas mulheres causa repercussões em sua saúde e qualidade de vida. Estudos revelam que brigas com violência física têm sido associadas a maiores chances de suicídio, pois a agressão física é uma conduta de risco para a autoagressão (SCHRAIBER; d‘OLIVEIRA, 2002; ORES, 2012). Outros estudos mostram que mulheres vítimas de violência são mais propensas ao abuso de álcool, tabaco e drogas, possibilidade de sexo inseguro, entrada tardia no pré-natal, cefaléia, distúrbios gastrointestinais e sofrimento psíquico (SCHRAIBER et al., 2002; SCHRAIBER; d‘OLIVEIRA, 2002; WENZEL et al., 2004; SANTOS; MORÉ, 2011). Além disso, o risco de violência contra as mulheres aumenta quando elas fazem uso de bebida alcoólica (VIEIRA; PERDONA; SANTOS, 2011). Circunstâncias semelhantes a essas, também foram encontradas neste estudo, em que a dependência química por álcool e drogas se fez presente na história de algumas mulheres que cometeram suicídio. O uso dessas substâncias foi resultado do ambiente social e familiar em que elas estavam inseridas: o companheiro de uma delas possuía alambique de cachaça; e em relação à segunda, o marido traficava e usava drogas. O uso de drogas na vida dessas mulheres foi uma válvula de escape para as agressões e sofrimentos vividos no 69 relacionamento conjugal, que, por sua vez, aumentaram a intensidade das agressões, como pode ser constatado nas falas das entrevistadas: Eles tinham problema de relacionamento, é que o pai era meio assim agressivo com ela. [...] O pai não é muito fácil de lidar sabe. [...] Daí ele batia mais nela quando ela passou a beber. Eu dizia o que adianta tu bater nela, isso vai machucar mais ela, isso não adianta, ainda mais pessoa alcoólatra isso não tem o que fazer. (Filha de mulher, 49 anos Venâncio Aires) Mais tarde que ela se envolveu com as drogas [...] Ah, ele era drogado também, essa gente não se envolve com gente direita, só com esses mesmos tipinhos, daí eles brigavam, normal. (Mãe de mulher, 41 anos, Porto Alegre) A violência psicológica silenciada no interior das relações conjugais pode causar mais danos à saúde das mulheres que a violência física (GUEDES; SILVA; FONSECA, 2009). Esse tipo de violência esteve presente nos relacionamentos conjugais das mulheres suicidas, manifesto de distintos modos e situações. Um marido, por exemplo, insultava a mulher usando o dialeto pomerano para os filhos não compreenderem que ele insultava a mulher. Outros, mesmo doentes, continuavam humilhando e desprezando as mulheres que os cuidavam. Esses últimos, não se preocupavam em verbalizar as agressões e desqualificações na presença de outras pessoas, familiares ou estranhos. De noite quando eles tavam deitados, ele começava a xingar, daí brigavam, mas falavam em pomerano. [...] Ele falava “tu é uma vaca, tu é uma cadela”. (Filho de mulher, 65 anos, São Lourenço do Sul) Ele só chamava ela de nome feio, não dava valor, agressivo verbalmente, ele não dava valor e mesmo sofrendo ela cuidava dele [...] Ele arrancava a sonda fora, falava nome feio pra ela, e o engraçado então que quando as enfermeiras davam banho nele no hospital, aí ele dava risada, com os da família era ruim. (Genro de mulher, 72 anos, Venâncio Aires) Ele sempre foi ignorante, qualquer coisa que ela perguntava e ele não sabia dar a resposta, ele já começava com as ignorâncias dele. [...] Ele dizia: “mas tu é uma idiota mesmo, fazer uma pergunta dessas”, ele sempre foi assim, humilhava ela. (Filha de mulher, 60 anos, Porto Alegre) Nessa última fala a filha entrevistada não percebia as atitudes do pai em relação à mãe como violência psicológica, mas achava que o pai era uma pessoa “ignorante e idiota” que humilhava a sua mãe. Em relação a essa situação, Schraiber e D‘Oliveira (2002) revelam que a palavra violência nem sempre corresponde à experiência vivida por mulheres, que, por 70 vezes, não reconhecem os atos agressivos como violência, mas como cobranças ao mau desempenho de funções ou a condutas inadequadas. Cabe, ainda, destacar que, muitas vezes, as mulheres vítimas de violência psicológica até reconhecem a situação como tal, mas pensam que esse fato não é suficientemente grave para tomar alguma atitude ou denunciar aos órgãos competentes. Outras acreditam que não teriam crédito se denunciassem o agressor (CASIQUE; FUREGATO, 2006). Entretanto, a vulnerabilidade emocional e a desproteção causada pela violência são sentimentos que afetam a saúde mental e fragilizam as vítimas, contribuindo para o adoecimento físico e mental (GUEDES; SILVA; FONSECA, 2009). Algumas mulheres que, durante longos períodos, conviveram com situações de violência pensam em suicidar-se, como mostra o estudo realizado por Kronbauer e Meneghel (2005), em que houve associação entre ideação suicida com episódios de violência psicológica e física. Isso comprova a fragilidade das mulheres violentadas que, por sofrerem danos permanentes em termos de autoestima, tornam-se menos seguras do seu valor e mais propensas à depressão, à tristeza e aos pensamentos de morte. Outro elemento presente nas situações de violência conjugal, que representa o sentimento de posse de homens em relação às mulheres, é a expressão dos ciúmes como justificativa dos atos de agressão. Nesse estudo, o ciúme do companheiro também foi identificado como uma das explicações da violência contra as mulheres que cometeram suicídio. O ciúme considerado pelas entrevistadas, “exagerado e doentio”, foi o motivo dos companheiros agirem de maneira agressiva diante de situações em que se sentiam inseguros, porque o homem, como autoridade, “deve manter o controle absoluto” sobre a vida da esposa. Tinha vezes que sim, que o pai chegava a ser agressivo com ela. [...] No começo não era assim questão de bater, ele era ciumento doente, eles eram festeiros, e ela não podia dançar com outros por que senão o pai já ficava meio assim. (Filha de mulher, 49 anos, Venâncio Aires) Ele tinha muito ciúmes, mas a necessidade fazia ela trabalhar, mas brigava igual por causa do ciúmes exagerados, doente, como eu te disse por causa da bebida também. (Filha de mulher, 59 anos, Porto Alegre) Dados semelhantes foram encontrados no estudo realizado por Deeke et al. (2009), em que a maioria das mulheres entrevistadas afirmaram que a presença do ciúme por parte do parceiro ocasionava tensão na relação conjugal. E os homens, por sua vez, asseguraram que os 71 motivos pelos quais as discussões e os episódios de violência aconteciam estavam relacionados ao ciúme das companheiras em relação a amigas e a ex-namorados/maridos. Paradoxalmente, algumas mulheres ainda compreendem as atitudes de ciúme dos companheiros como uma forma de atenção e cuidado. E apesar do ciúme estar associado aos episódios de violência, não são culturalmente interpretados como tal ou sequer como précondição da agressão (SCHRAIBER et al., 2009), Neste estudo, além do ciúme ter se manifestado diretamente em relação às mulheres que mais tarde se suicidaram, observou-se, ainda, em uma das histórias relatas o ciúme de um pai em relação ao cuidado dispensado pelas filhas à mãe, nos momentos que precederam a morte da mulher por ingestão de soda cáustica. Nesse período de muita fragilidade, em que a esposa necessitava dos cuidados e apoio das filhas, o pai fazia intrigas, como forma de manifestar a sua presença na família. No entanto, esse desconforto fez aumentar ainda mais o sentimento de raiva das filhas pelo pai em relação ao suicídio da mãe, após uma vida inteira de humilhações e violências perpetradas pelo marido. Ele disse que ela estava se fazendo, que ela tava enganando todo mundo, que o doente era ele, que ela estava fazendo isso só para gente ficar contra ele de uma vez. Ele ficou com ciúme de nos três estarmos só em volta dela (mãe), e aí ele começou a jogar uma contra a outra, fazendo intriga, ele é medonho, ele é uma pessoa muito ruim. [...] Verbalmente muito ignorante, eu nunca apanhei dele, mas ele é uma pessoa totalmente ignorante, tanto é que a outra família dele não quer ele, ninguém se disponibiliza a cuidar dele. (Filha de mulher, 60 anos, Porto Alegre) Nesse caso, as filhas, além de expressarem sentimento de indignação pela atitude do pai, relataram que no convívio entre eles também havia a presença de discussões e conflitos. Essa situação normalmente é gerada quando a violência praticada pelo homem contra a companheira afeta o relacionamento intrafamiliar pelo fato de que a violência não é aceita pelos filhos, os quais, na tentativa de defender a mãe, brigam com o pai. A violência intrafamiliar é uma forma de comunicação e de relação interpessoal, e quando, em uma casa, se observam maus tratos e abusos contra algum de seus moradores é quase certo que todos acabam sofrendo agressões, embora com diferenciações hierárquicas, sendo que as crianças e adolescentes também costumam se tornar alvos do poder dos adultos (MINAYO, 2006). A violência vivida entre os membros da família expressa dinâmicas de poder nas quais estão presentes relações de dominação e subordinação, porque, nessas relações, homens e mulheres, pais e filhos e diferentes gerações estão em posições opostas, podendo 72 desempenhar papéis rígidos, além de atitudes de enfrentamento, alianças, coalizações, retaliações, configurando situações de extrema agressividade e sofrimento (BRASIL, 2002). A presença de episódios violentos entre pais e filhos esteve presente nas histórias de outras mulheres que cometeram suicídio. Observa-se que a maneira violenta com que os homens agiam com as companheiras repercutia nas atitudes e relações com os filhos. Essas atitudes podem permanecer mesmo após a morte de um dos membros do grupo familiar. Mas com a gente era agressivo verbalmente, não era de bater nos filhos, mas verbalmente bastante agressivo. Ficava transtornado, era outra pessoa. (Filha de mulher, 59 anos, Porto Alegre) Depois que ela se matou, aí ele começou a agredir nós, batia em mim, batia no meu guri, batia na minha esposa, com a mão que ele podia ainda, porque à esquerda estava paralisado, só o lado direito ele mexia. [...] Em casa ele era ruim com a família, a minha esposa sempre diz “meu pai comigo ele sempre foi ruim”. (Genro de mulher, 72 anos, Venâncio Aires) Nessa situação observou-se que a violência física e psicológica está presente no espaço intrafamiliar, não somente praticada contra a esposa que cometeu suicídio, mas também contra os demais familiares. Quando a violência ocorre no ambiente doméstico, ela faz romper o vínculo de confiança básico para o desenvolvimento da vida em família (MARTINS et al., 2007). No estudo desenvolvido por Santos e Moré (2011), a violência exercida pelo companheiro contra o filho fez com que a mulher decidisse denunciar a violência. Sagot (2000) diz que, muitas vezes, uma mulher que viveu toda a vida com um marido agressor, no momento em que ele passa a molestar um filho (a), ela consegue romper com a rota crítica e dar um basta a essa situação. Ainda é pertinente destacar que nas histórias das mulheres que cometeram suicídio surgiu, por parte dos filhos e familiares, um sentimento de revolta e culpabilização em relação ao companheiro pelo suicídio da mulher, devido à presença da violência na relação conjugal. As falas dos entrevistados retrata essa situação: Minha mulher ficava revoltada com o pai dela, e dizia: “em vez de tu tá deitado daquele jeito, tu tinha que tá no cemitério e não a minha mãe”, porque ele nos chamava de nome feio, chamava de vagabunda, de puta, de tudo o que vinha na cabeça. (Genro de mulher, 72 anos, Venâncio Aires) Agora ele quer que a gente o apoie, só que depois do que ela fez, o amor por ele acabou, e ele fez muita coisa ruim quando eu cuidei dela, quando ela estava doente. Era uma coisa para ele se redimir, mas não, ele fez 73 horrores, ele judiou dela. Daí todo mundo já começou a culpar ele. (Filha de mulher, 60 anos, Porto Alegre) Lá foi uma tristeza, e todo mundo culpando ele [...] A família dela não aceita, tão inconformados, os pais dela culpando sempre ele. [...] Ele chorou, lamentou bastante, mas na outra semana estava num baile, ele nunca disse que se sentiu culpado. (Prima de mulher, 36 anos, Venâncio Aires) Olha meu filho deu pau nele, meu genro deu nele, não sei como não mataram esse cara, meu filho tinha uma gana dele e tem até hoje desse homem, ele diz “ai que vontade que eu tenho de matar esse cara, porque minha irmã ficou onde ficou por causa dele”. (Mãe de mulher, 41 anos, Porto Alegre) Observa-se nas falas dos familiares entrevistados, a intensa expressão do sentimento de revolta e culpabilização dos homens pelo suicídio das mulheres. Esse foi um dos sentimentos que emergiu nas narrativas dos familiares, seja de forma clara ou por meio do choro, silêncio e emoção ao relatar o caso, mas, sempre culpabilizando os homens pelo ato suicida das mulheres que eram mães, filhas e primas desses depoentes. Essa variedade de sentimentos, como a negação, a banalização “aqui todo mundo se mata”, a naturalização “pomerano está sempre com a corda na mão”, a perplexidade, a impotência, a vergonha, a culpa e o intenso estigma social percorrem os pensamentos dos familiares dos suicidas, que precisam ser verbalizados com o intuito de reorganização e reestruturação individual e familiar (FIGUEIREDO et al., 2012). Na história de uma suicida percebe-se a existência de conflito familiar antes do suicídio, quando os pais colocavam restrições ao casamento. No entanto, vendo o sofrimento da filha na relação conjugal, realizaram várias tentativas para a separação, mas todas sem sucesso, como mostra a fala da entrevistada: Os pais dela não aceitavam bem o relacionamento dela porque sabiam que ele bebia, que ele era drogado, e eles não gostavam dele, até uma vez fizeram a proposta de ela voltar a morar em casa e levar as criança. Ela ficou duas semanas lá e voltou para casa. Ela dizia que “sentia falta dele, que ela gostava dele, que ele não podia ficar sozinho”. (Prima de mulher, 36 anos, Venâncio Aires) Essa história retrata o modelo do casamento romântico, em que a mulher encontra o homem “ideal”, se apaixona, casa, permanece com ele o resto da vida, “entregando o seu amor”, independente do contexto familiar e social (GROSSI, 1995). Além disso, o casamento 74 nos grupos populares e nas famílias rurais significa para a mulher, além do amor, um status respeitável de mulher casada diante da sociedade (FONSECA, 2004). Na história deste casal do município de Venâncio Aires, o marido mostra-se totalmente descomprometido com a família, vivendo uma vida de festas e gastos enquanto ela se desdobrava para prover o sustento dos filhos. Como no modelo do amor romântico, o casamento dura porque a mulher alimenta emocionalmente a relação e de maneira desigual o homem usufrui a mesma liberdade que tinha antes do casamento e não se priva de satisfazer seus prazeres sem a presença da mulher (GROSSI, 1995). Assim, percebe-se, na fala dos entrevistados, que para algumas mulheres o casamento continua sendo projeto de vida (KISS; SCHRAIBER; d‘OLIVEIRA, 2007), à medida que constroem suas identidades pautadas no que aprenderam da família e foi veiculado na sociedade ao longo de suas vidas. Elas identificam como adequado ao papel feminino o casar, ter filhos, ser fiel ao marido, cuidar da casa e da família, e manter um ambiente familiar harmonioso, independente das condições em que o casamento se encontra, uma vez que, é muito ameaçadora a possibilidade de rompimento da relação conjugal. Esse fato pode ser identificado nos discursos abaixo: Mas ela gostava dele, ela tinha aquele apego, porque foi o primeiro e o único namorado dela. [...] Infelizmente quando a gente ama a gente tapa os dois olhos, e ela jamais se via separada, sem marido, para ela família é pai e mãe não importa o jeito que é, e os filho tudo em roda. (Prima de mulher, 36 anos, Venâncio Aires) Ela sempre contava que esse problema de relacionamento com o pai era desde o inicio do casamento, que quando eles namoravam era uma coisa e depois que casaram era outra, ela dizia. (Filha de mulher, 49 anos, Venâncio Aires) A socialização das mulheres segundo o mito do amor romântico ajuda a manter esperança de que o companheiro violento mude. Essa expectativa alterna-se com episódios de tristeza e desesperança, em que predomina a sensação de fracasso pelo convívio em um relacionamento conjugal violento. Porém, muitas vezes, o desejo de ter uma família e de mantê-la unida parece ser um dos motivos para que a mulher permaneça na posição de subordinação diante das violências (NARVAZ; KOLLER, 2006). Observou-se que, apesar de as mulheres conviverem por longo tempo com a violência, elas não abandonaram os maridos. O casamento, de certa forma, lhes garantia uma posição 75 socialmente valorizada, sustento familiar e amparo aos filhos, além de ser um comportamento socialmente esperado em regiões rurais que compõem a maioria do grupo amostrado. Se ela quisesse se separar do pai [esposo da suicida] na época, ou ela ficava com o pai ou ficava com a avó, que na verdade era a mesma coisa. E ela também não queria por causa dos filhos, ia deixar os filhos aonde? (Filha de mulher, 49 anos, Venâncio Aires) De repente o casamento até foi um refúgio. No momento podia até gostar do meu pai, mas com dezesseis anos casar desesperadamente com uma pessoa que conheceu há quatro meses [...] Ela saiu de um buraco e entrou em outro e como ela era uma mãe assim espetacular ela não queria ver os filhos passarem trabalho longe do pai, e ela nunca falou para família dela que ele era alcoólatra e violento. (Filha de mulher, 59 anos, Porto Alegre) Dados semelhantes aos relatados neste estudo foram encontrados no estudo realizado por Serpa (2010), em que o modelo de família tradicional foi transmitido através das gerações às mulheres que lutavam para manter casamentos fracassados. O casamento é valorizado de tal forma que a própria família aconselha a permanência e a continuação no relacionamento, mesmo quando as mulheres são vítimas de agressões. Assim, as mulheres permanecem no casamento por se considerarem incapazes de sobreviver sozinhas, muitas vezes ouvindo dos familiares e amigos a defesa de maridos, considerados ―bons pais e provedores‖ cabendo a elas ceder para evitar conflitos (MORÉ, 2011; COSTA, 2012; MENEGHEL et al., 2012), No entanto, no momento em que as mulheres se encontram em uma situação limite, elas já não conseguem acreditar que possa haver uma mudança ou que consigam romper com a situação de violência em que vivem. A própria denúncia e busca de ajuda nas instituições que compõem a rede de enfrentamento nem sempre significa que elas rompam com a violência ou que as instituições públicas as protejam (SANTOS; MORÉ, 2011). Assim, muitas mulheres acabam permanecendo na relação conjugal violenta, em prol da família, mantendo em “silêncio” a situação vivida. Questões sociais, religiosas e culturais fazem com que haja pressão social para a permanência delas no casamento. Esse fato evidencia a situação vivida por inúmeras mulheres suicidas que tinham suas histórias de vida marcadas pelo “silêncio, segredo e sofrimento”, diante dos conflitos de ordem conjugal por elas vivenciados. Ela tinha consciência, ela guardava isso em sete chaves, ela era fechada, portanto quando eu falei pra ela, quando aconteceu isso, chega a gente não precisa dele, tu sabe que ele tem outras, que tem outra família, [...]ela 76 nunca se abriu, nunca, mas é que ela sofreu muito, imagina. (Filha de mulher, 60 anos, Porto Alegre) Mesmo ela sabendo de tudo ela defendia ele, pelo que a gente notava isso deixava ela chateada, mas ela não comentava, ela ficava pra ela, e eu acho que foi acumulando e daí chegou um ponto que ela não aguentou mais. (Prima de mulher, 36 anos, Venâncio Aires) Coitada dela, daí ela chorava, mas não falava nada, quando a gente queria saber o que estava acontecendo ela não contava. (Filha de mulher, 49 anos, Venâncio Aires) Ela aguentou todos esses anos sem ninguém saber da família dela. (Filha de mulher, 59 anos, Porto Alegre) Esses casos mostram o silenciamento das mulheres frente às agressões sofridas, que pode decorrer da naturalização da violência que ocorre no espaço privado, e embora o ambiente doméstico seja o espaço considerado socialmente da mulher, nele “tudo pode acontecer” inclusive a violência (CASIQUE; FUREGATO, 2006; LEAL, 2010). A complexidade do fenômeno indica que são inúmeros os motivos para a mulher adotar a posição de silêncio sobre a violência de gênero. Dentre eles estão a determinação de obediência gerada pelo poder patriarcal, o desejo de ter uma família e de mantê-la unida, a falta de apoio de redes de atenção e acolhimento, a dependência emocional e econômica dos companheiros, a culpa e/ou vergonha de ter sofrido a violência (NARVAZ; KOLLER, 2006; MELO; JUNQUEIRA, 2011; COSTA, 2012). Em último lugar está à percepção da mulher acerca do perigo que pode ser o fazer uma denúncia, em certas ocasiões, devido às represálias que podem ocorrer por parte dos agressores (SAGOT, 2000). Algumas mulheres não falam sobre a violência sofrida e nem denunciam os homens pelos maltratos, por receio das ameaças realizadas pelo agressor contra elas e seus familiares (CASIQUE; FUREGATO, 2006), o que faz com que silenciem e suportem as violências durante toda a vida. Neste eixo temático apresentou-se a ocorrência de violência de gênero nas relações conjugais de mulheres que se suicidaram. As violências produzidas foram de matriz física, psicológica, patrimonial e sexual, além de ameaças de morte e retaliação. Essas violências ampliaram-se em relação aos demais membros da família que se posicionaram expressando sofrimento, angústia e raiva. Os membros da família também sofreram e sofrem em decorrência dessas vivências. 77 Essas mulheres silenciaram e suportaram as violências, embora não tenham conseguido resolver os impasses e ao se defrontarem com uma situação limite optaram pelo suicídio. 5.3.2 Violência de gênero exercida pelo suicida A violência de gênero resulta de uma organização social que historicamente tende a privilegiar o masculino, na qual a falta de equidade entre os sexos é imposta pela tradição cultural, pelas estruturas de poder e pelos agentes envolvidos nas tramas das relações sociais (WINCK; STREY, 2008). A categoria violência de gênero tem sido utilizada pelas estudiosas feministas como sinônimo de violência contra a mulher, embora ela seja mais ampla e inclua outras violências dirigidas a homens que não exercem masculinidades hegemônicas, população LGBTs e outros. A violência de gênero pode estar circunscrita ao ambiente doméstico, principalmente de homens contra mulheres, mas pode dirigir-se também a jovens e crianças, ou ser pensada no âmbito social, focando as estruturas generificadas da sociedade e incluindo as instituições sociais, a escola, os serviços de saúde, as mídias e o trabalho. A relação entre os gêneros é hierarquizada e entendida como um princípio que classifica as pessoas e serve como instrumento ideológico de dominação. Para compreender a violência de gênero a partir do ponto de vista dos homens é preciso refletir sobre a construção social da masculinidade (OLIVEIRA; GOMES, 2011). A masculinidade representa um conjunto de características, valores e comportamentos a serem seguidos pelos homens, modificando no tempo, nas classes e nos segmentos sociais. O modelo de masculinidade tem como eixo central o poder, estruturado a partir da noção de que o masculino é superior ao feminino, e é fundamental para que homens exerçam a dominação sobre as mulheres, tornando-as dependentes deles e excluindo-as de processos decisórios (GOMES, 2008). Porém, quando um homem "legitima o seu ato violento, está também retransmitindo um imenso entrecruzar de discursos patriarcais e normalizadores que pertencem à própria história da masculinidade, e das relações de gênero como um todo" (WINCK; STREY, 2008, p.116). Diante desses pressupostos, acredita-se que os comportamentos violentos estejam relacionados ao padrão idealizado de ser homem, de acordo com a forma patriarcal de afirmação de masculinidade (SCHRAIBER et al., 2005). 78 Diante desse contexto, pretende-se abordar a violência de gênero perpetrada pelos homens que cometeram suicídio. As violências praticadas pelos suicidas contra as companheiras e ex-companheiras manifestaram-se por meio de agressões físicas, psicológicas, ciúmes e ameaças. Em relação à violência física, observou-se que as agressões eram perpetradas com extrema crueldade, dentro do contexto normativo da masculinidade dominante. Ele batia com facão, dava soco, me jogava contra a parede, na cabeça ele me batia. [...] Xingava de tudo que era nome, é xingava, ele brigava muito comigo. Ah me machucou muito. [...] Uma vez deixou o meu corpo da cor daquele rádio ali pretinho, bem pretinho. [...] Ele me judiava muito, não dava pra aguentar, me derrubava no chão, me dava soco. (Esposa de homem, 64 anos, São Lourenço do Sul) Ele batia em mim com o que tinha na mão, batia em qualquer lugar, enforcava com as duas mãos, com foice. [...] E ele batia em mim, quebrou meus dentes duas vezes. (Esposa de homem, 81 anos, Candelária) Embora se saiba que a prevalência da violência doméstica de gênero seja elevada na sociedade, as revelações feitas nas falas acima citadas surpreenderam pela intensidade e a gravidade das agressões. Estudos evidenciam que os homens agressores usavam a violência contra as companheiras para puni-las na vigência de comportamentos femininos considerados ―inadequados e/ou inapropriados‖. Além disso, atribuem ―a provocação‖ pelas brigas as mulheres como justificativa para as violências. As agressões também tinham a finalidade de colocar a mulher em seu ―devido lugar‖, no espaço doméstico, isolada e submetida ao controle do companheiro (PINTO, MENEGHEL; MARQUES, 2007; CORTEZ; SOUZA, 2010; MORAES; RIBEIRO, 2012). Alguns homens, com a finalidade de compensar sentimentos de inferioridade, procuram engrandecer-se através do ato violento, pois, agindo dessa maneira, o agressor tem a falsa sensação de poder através da humilhação e da subordinação da vítima (BRASIL, 2002). Alguns autores nomeiam essa dominação masculina de ―síndrome do pequeno poder‖, por estar relacionada à necessidade dos homens de se colocarem em posição superior às mulheres, como forma de compensar a sensação de impotência a que são submetidos nas relações sociais, ou para não perder a importância social nos espaços públicos (SAFFIOTI; ALMEIDA, 1995; OLIVEIRA; GOMES, 2011). 79 A violência que ocorre no ambiente doméstico é também um produto e uma representação da violência à qual a mulher está submetida pela sua própria condição. Isso faz com que a casa, espaço na maioria das vezes considerado o mais seguro, torne-se justamente o mais perigoso para as mulheres (WINCK; STREY, 2008). Corroborando com essa afirmação, o estudo realizado por Cortez e Souza (2010) diz que grande parte das agressões físicas ocorrem no interior da própria casa ou em um ambiente próximo, como o domicílio de vizinhos e parentes, o que facilita o poder de ação do marido sobre a esposa. Essa situação faz com que se entenda que a violência de gênero, quando cometida pelo companheiro contra sua esposa, resulta da liberdade que o homem, como provedor e chefe da casa, têm em agir de maneira agressiva no ambiente que ele ―domina‖. Essa afirmação pode ser observada na fala de alguns entrevistados que relatam a violência praticada pelos homens suicidas. Ele brigava muito com a falecida mãe, ele era muito ruim para falecida mãe, ele batia nela [...] Ele chegava sem motivo, sem a gente saber de nada, chegava bravo em casa assim que nem uma fera, e virava panela e fazia de tudo sabe, dava-lhe coice em cadeira, daí ele sentava num canto e não conversava com ninguém e ninguém podia falar nada. (Filho de homem, 60 anos, Candelária) Eles brigavam era mais dentro de casa entre eles mesmos sabe, quando ele bebia ele ficava agressivo, mas só com ela. (Nora de homem, 58 anos, Venâncio Aires) O pai com a primeira esposa de vez em quando brigava, ás vezes ele chingava ela. Eles tinham umas mínimas discussões, o pior quando ele tinha bebido alguma coisa [...] Ele tratou melhor a segunda mulher do que ele tratou a minha mãe. (Filho de homem, 84 anos, Venâncio Aires) Outro fato que chama a atenção sobre a violência praticada pelos homens que cometeram suicídio refere-se à ideia de que os atos violentos somente eram praticados e/ou intensificados quando o agressor fazia uso de bebida alcoólica. Essa associação tem sido relatada em alguns estudos em que os agressores agiam de maneira violenta quando a companheira tentava evitar que eles usassem o álcool (DEEKE et al., 2009; ZALESKI et al., 2010). No entanto, outros autores questionam a relação entre álcool e violência, e mostram que muitos agressores não fazem uso de bebida alcoólica. A violência de gênero está pautada no poder do homem sobre o corpo feminino, e o consumo de álcool e drogas pode ser 80 considerado um fator facilitador das agressões e não a causa desse comportamento (LEAL, 2010; PINTO; MENEGHEL; MARQUES, 2007; SAFFIOTI, 2009). A violência psicológica também apresenta elevada prevalência nas populações. Ela inicia de maneira insidiosa com críticas, desqualificações e isolamento social dificultando para as mulheres a sua identificação, pois, pelos papéis de gênero cabe a elas aceitar as críticas, mediar conflitos e calar-se frente às decisões do marido. Porém, no momento que os atos verbais se intensificam, com humilhações, privações, xingamentos e uso de palavras torpes, uma carga de sentimentos negativos recai sobre essas mulheres, que se sentem destituídas de valor e autoestima, sentimentos que lhes dificultam o enfrentamento dessa situação. Nas falas dos entrevistados observa-se que os homens suicidas exerciam, com frequência, a violência psicológica contra as mulheres com quem se relacionavam. Me xingava, dizia nome bem ruim, não gosto nem de dizer, dizia que o inferno do demônio era pra me comer viva. [...] Ele brigava só comigo, os outros ele queria bem, chegava alguém ele dizia “faz um mate nega veia”, ele tratava bem. (Esposa de homem, 81 anos, Candelária) Agredir eu nunca vi, mas xingar e discutir, eles discutiam muito [...] as vezes não se trocavam palavras e ficava um de beiço com o outro. [...] Mas, não sei se eles não tinham discutido que ela tava assim de mau humor na cama, porque às vezes eles tavam um de beiço com o outro e a gente não sabia o porquê (Filho de homem, 74 anos, São Lourenço do Sul). Esses excertos evidenciam que a violência psicológica era utilizada pelos homens suicidas para ameaçar e manter as mulheres sob seu domínio. O exercício do poder masculino implica que o homem sinta-se com o direito de extravasar sobre a mulher o seu mau humor, contrariedades, descontentamento relacionado ao trabalho e/ou a vida de forma autoritária, agressiva e desrespeitosa, simplesmente porque ela é sua mulher. Outro modo de expressar a violência psicológica é quando existe cotidianamente uma disputa de poder entre homens e mulheres. Nesse embate, o homem considera-se insultado quando contrariado pela mulher e encontra justificativa para a agressão com a desculpa ―ela me faz perder a cabeça‖, o que resulta de uma ação corretiva ao comportamento ―inadequado‖ (DEEKE, et al, 2009; SCHRAIBER et al., 2009). Nesse caso ele desqualifica a mulher, pode xingá-la, mantê-la isolada socialmente, evitando contato com parentes e amigos, ou puni-la com o silêncio, buscando fragilizá-la. Esse episódio é evidenciado pela esposa do suicida no trecho a seguir. 81 Eu contar o meu problema para conversar, isso não tinha, não tinha diálogo, podia contar que ele não iria ouvir. [...] Um ano atrás eu percebi que ele tinha mudado, que ele tinha ficado meio rebelde, muita revolta, ele descarregava na direção, ou ficava bravo, xingava, eu tinha que fazer tudo com pressa, porque não tinha tempo, a paciência acabou. (Esposa de homem, 64 anos, São Lourenço do Sul) Para as mulheres a ausência de diálogo no relacionamento pode ser um dos principais responsáveis pelo afastamento afetivo do casal e pela ocorrência de discussões e violência. No estudo realizado por Moraes e Ribeiro (2012), as mulheres relataram que o desejo de “mudança e recuperação” do companheiro nem sempre significa restabelecer a relação conjugal, mas, sim, restituir a harmonia e a solidariedade que consideravam perdidas na interação familiar. Para os homens a violência psicológica pode manifestar-se contra as mulheres após uma crise, por exemplo, perda do emprego, falência, perda da produção ou de terra no caso de trabalhadores rurais, doença ou quando ele deseja terminar a relação. Para Couto et al. (2007) os homens só dividem suas preocupações com as esposas, participando dos assuntos da casa, quando são cobrados pela falta de diálogo na relação, considerando-se que o diálogo é uma importante ferramenta para mediar conflitos e manter o entendimento familiar. Alguns comportamentos controladores, como o ciúme, estavam presentes nas condutas dos homens que cometeram suicídio. Esse controle constante e desconfiança em relação à esposa resultavam em discussões e culminavam com episódios de violência e também eram manifestos quando a mulher destinava atenção aos demais familiares. O ciúme deriva do sentimento de insegurança da pessoa afetada e pode se dirigir a quaisquer pessoas com quem o outro mantenha relações. Muitas vezes, a violência psicológica pode acontecer quando o homem sente ciúmes exagerados da companheira. Sempre me agredia, ele tinha muito ciúme de mim, inventava tudo que era coisa dá cabeça. (Esposa de homem, 64 anos, São Lourenço do Sul) Ele sempre foi um marido assim que eu só conversava com ele, que eu seria só dele, quando os filhos vinham para casa a gente já notava a diferença, ele sentia ciúme de mim com as filhas e genros e até do neto, que a gente notava que ele mudava de jeito. (Esposa de homem, 64 anos, São Lourenço do Sul) Nas falas acima observa-se o quanto os homens exerciam ou tentavam exercer o controle sobre a vida das esposas, e as submetiam a situações violentas motivadas pelo ciúme. No entanto, ressalta-se que esse comportamento de controle, que muitas vezes é aceito 82 culturalmente como direito de posse do homem em relação à mulher, significou a deterioração de relações familiares, muitas vezes, anteriormente harmônicas e trouxe efeitos negativos à saúde física e mental das mulheres. Portanto, observou-se que alguns dos homens suicidas apresentaram intenso sofrimento emocional manifesto através da mudança de comportamento com os familiares. Outros foram violentos com as mulheres a vida inteira, mostrando-se descontrolados e agressivos sem apresentar mudanças repentinas no comportamento. A violência levou algumas mulheres dos suicidas ao uso de medicação, com o intuito de suportar as agressões vividas na relação conjugal, uma vez que, elas não tinham outra escolha. A prática da medicalização da violência e dos problemas relacionais é uma constante na sociedade atual (BIGLIA, 2007). A fala da esposa do homem suicida expressa essa situação: Ele brigava muito comigo eu tinha que toma remédio pra depressão porque senão eu não aguentava, é muito problema. [...] Ah bateu, bateu vinte e um anos, por isso que hoje eu sou uma pessoa estragada dos nervos, que nem sei, me judiava muito, e eu tinha criança pequena não podia me separar dele. (Esposa de homem, 64 anos, São Lourenço do Sul) Alguns estudos relatam que mulheres agredidas pelo parceiro começaram a usar antidepressivos e ansiolíticos após o inicio das violências e pensaram na possibilidade de suicídio (ADEODATO et al., 2005; SANTOS; MORÉ, 2011). Nesse sentido, compreende-se que a saúde mental das mulheres que sofrem violência é afetada, e a associação de violência com ideias de suicídio, tentativa de suicídio e suicídio propriamente dito, em mulheres vítimas de violência é bem conhecida (MENEGHEL et al., 2003; SCHRAIBER et al., 2005). Neste estudo, alguns homens que cometeram suicídio ameaçavam de morte suas esposas, não chegando, contudo, a efetivá-la, o que mostra que o ato era realizado com o intuito de atemorizá-las e intimidá-las. [...] Só que para sogra ele sempre tinha falado que ele ia matar primeiro ela depois ele ia se matar, ele sempre tinha falado. (Nora de homem, 58 anos, Venâncio Aires) Mas eu tinha muito medo dele. Ele dizia, se tu chegar perto nega veia eu te mato, eu te levo junto comigo. (Esposa de homem, 81 anos, Candelária) Ah teve, teve violência à vida toda, ele brigava e dizia que ia me matar. (Esposa de homem, 64 anos, São Lourenço do Sul) 83 Essas ameaças à integridade física das mulheres deixavam-nas amedrontadas e inseguras. Apesar de muitas serem ameaçadas, apenas uma das mulheres registrou ocorrência em delegacia. Embora se mostrassem agressivos com as mulheres e familiares, esses homens terminaram por dirigir a violência contra si mesmos. Cabe ressaltar que os homens que cometeram suicídio, além de manter um relacionamento conjugal atravessado por diversas situações de violências, também eram agressivos com os filhos (as), irmãos, e vizinhos próximos. Esses homens tiveram suas vidas marcadas pela violência e pautadas nos padrões de masculinidade hegemônica. Diante desse contexto, estudos revelam que são os homens os principais sujeitos envolvidos nas mais diferentes situações de violência, pois, além de serem os principais autores de atos violentos, também são os principais alvos da violência (SCHRAIBER et al., 2005; GOMES, 2008). Não era normal o que ele fazia. [...] Ele brigava muito com o irmão por causa de terra, é que plantavam os dois no campo do pai dele, eles brigavam, se agarraram até no revólver. [...] Ele brigava com todo mundo, é era bem doente da cabeça, desde novo brigava, puxava encrenca com os vizinhos e tudo. (Esposa de homem, 64 anos, São Lourenço do Sul) O filho mais velho, ele saiu de casa por causa dele, ele discutia muito com o pai, [...] foi trabalhar de pião, aí era muito difícil ele vim em casa, em dez anos não sei se ele veio duas vezes, [...] voltou logo um mês depois que ele faleceu. (Filho de homem, 74 anos, São Lourenço do Sul). Depois que a mãe morreu ele ficou de novo violento com nós. Tocava nós de casa e tínhamos que saí pra casa dos outros. [...] Se chegasse uma visita ele ofendia não queria nem saber quem fosse, muitos parentes nem procuravam mais nós, por causa que ele ofendia. (Filho de homem, 60 anos, Candelária) Pode-se observar no primeiro depoimento a existência de conflitos e disputas pela terra, frequentes no Brasil e também no estado do Rio Grande do Sul. O pequeno proprietário rural tem sido cada vez mais destituído de sua propriedade, quer seja por dívidas ou por problemas decorrentes de alterações climáticas, por disputa entre os membros da família ou grandes proprietários. Essa situação desestabiliza completamente esses pequenos agricultores que têm no trabalho, na família e na terra o seu eixo de sustentação econômica e emocional (MINAYO et al., 2012 a). Esse acontecimento na vida dos homens pode fazer eclodir a violência nas relações de gênero, nas relações com a família, ocasionando brigas entre pais e filhos, irmãos e entre vizinhos ou dirigida a si mesmos. Neste eixo temático analisou-se a relação entre a violência masculina dirigida às mulheres e a morte por suicídio em homens na região sul do Brasil. Foram sete homens que 84 maltrataram suas mulheres durante toda a vida conjugal, alguns de forma violenta e grave, outros desqualificando e menosprezando suas companheiras, impedindo-as de opinar acerca das decisões familiares, submetendo-as ao isolamento, controlando-as com ciúmes exagerados e ameaçando-as de morte. Outros se tornaram violentos repentinamente, após crise econômica, doença ou perda, parecendo saber expressar apenas através do comportamento violento, patriarcalmente instituído, o modo de enfrentar a diversidade. Houve, também, homens que perderam os atributos da cultura de gênero hegemônica (poder, comando e potência sexual). Alguns homens ainda apresentaram comportamentos agressivos com filhos, familiares e pessoas do convívio próximo. Talvez a associação entre a violência de gênero e suicídio esteja mais clara na vida das mulheres. Nos homens, parece que as limitações nos papéis de gênero podem constituir o gatilho que leva à impotência e à situação limite que o suicídio representa. 5.4 Histórias de violência de gênero que foram determinantes para o suicídio de mulheres O suicídio é definido como uma violência autoinfligida e pode ser a maneira encontrada pelas pessoas para o alívio do sofrimento. Esse evento não se explica por um único nexo causal e pode ser motivado por inúmeras situações como, sobrecarga financeira, abusos e desqualificações, adoecimento e morte de familiares, doenças, isolamento social, e a ocorrência de tentativas e suicídio na família (MANN, 2002; CAVALCANTE; MINAYO, 2012). Embora o suicídio seja um fenômeno reconhecidamente de múltiplas causas, observase que as desigualdades ligadas a gênero são fator explicativo importante, porque estão presentes em todas as sociedades e, na maioria das situações, são desfavoráveis às mulheres (MENEGHEL et al, 2012; MINAYO; MENEGHEL; CAVALCANTE, 2012). Alguns estudos mostram que as situações ligadas a gênero que podem determinar e/ou potencializar ao ato suicida estão relacionadas ao assujeitamento pelo trabalho, crises financeiras, doenças, submissão a normas sociais, presença de violência, início precoce da vida sexual em comunidades conservadoras, gravidez indesejada, e a exposição a violências e discriminações, como é o caso de mulheres que exercem a prostituição (BEAUTRAIS, 2006; DREVIES et al., 2011; SHAMANESH et al., 2009; HONG et al., 2007). Ou seja, esses 85 estudos indicam o quanto as desigualdades ligadas ao gênero e às violências podem estar presentes na vida de mulheres que se suicidaram. Diante disso, julga-se pertinente relatar a história de mulheres que de maneiras distintas tiveram suas vidas marcadas por uma longa trajetória de violência de gênero, e que, sentindo-se impotentes perante os problemas vivenciados na relação conjugal, encontraram no ato suicida a resposta para essa situação. Relatam-se quatro histórias significativas, em que a violência de gênero revelou-se fator determinante para o suicídio das mulheres. As histórias foram denominadas de: ―A mulher que cuidava e sofria violência”, “A violência simbolizada no ato suicida da mulher”, “Ameaçada de perder a filha e a propriedade” e “Violências que aprisionam”. Apesar das diferenças amostrais na faixa etária, escolaridade, origem étnica e local de moradia, essas histórias mantem um mesmo padrão, expresso nas violências de gênero, nas desigualdades, e no modo de viver e sofrer a vida. A mulher que cuidava e sofria violência A primeira história trata de uma mulher de 72 anos, professora aposentada, moradora da zona rural do município de Venâncio Aires, e responsável por prover o sustento da casa, pois a renda do esposo como caminhoneiro supria apenas os gastos pessoais do marido. Nesse caso, a violência de gênero esteve presente durante toda a vida conjugal: além das agressões físicas praticadas contra a mulher, havia insultos, ofensas e traições. Ele também teve uma filha fora do casamento. Já na maturidade o marido sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC), que o deixou hemiplégico e acamado, e mesmo doente ele continuou a agredi-la violentamente, batendo nela com o braço que não estava paralisado. Além disso, durante toda vida desqualificou, insultou e desprezou a companheira. Mesmo assim, ela cuidava dele e dizia aos familiares “eu não quero dar serviço para vocês” e “que era dela a responsabilidade de cuidá-lo”. Durante a última hospitalização do marido, em virtude do AVC, ocorreu uma discussão entre o casal, e ele a agrediu fisicamente. Diante desse ato praticado pelo esposo, a mulher exaurida pelo cuidado intensivo e pela vida de violências, perguntou à enfermeira do hospital qual o tempo de sobrevida do marido. A enfermeira, procurando tranquiliza-la, disse-lhe que não se preocupasse, que o prognóstico era bom, ele ficaria melhor. A mulher, que já havia dito ao ver o rio repleto pelas cheias “esse rio está bom para se matar”, inconformada com a perspectiva de seguir vivendo com a violência colocou 86 um fim na própria vida, pulando da mesma ponte onde havia se debruçado e feito o comentário que, na realidade, era um aviso. E eles tiveram um bate boca dentro do hospital e ele agrediu ela, e aí ela tinha dito eu vou sumir daqui e tu nunca mais vai me ver, ela tirou aliança e correntinha de ouro, botou tudo dentro do armário no hospital, junto com a bolsa e o talão de cheque e dinheiro deixou tudo lá. Ele até podia ter evitado isso, podia ter chamado alguém do hospital, porque ela caminhou dois quilômetros até que ela se jogou no rio. [...]Ela sempre dizia quando a gente passava no rio Castelhano, “que vontade de pular nesse castelhano e sumir pra sempre”, isso ela falava, só que não se dava bola. (Genro de mulher, 72 anos, Venâncio Aires) Diante dessa história, pergunta-se: O que fez com que essa mulher que não dependia financeiramente do marido, possuía uma profissão e um nível de escolaridade maior do que a dele tenha permanecido durante toda a vida suportando todo o tipo de violência? Acredita-se que toda a raiva que uma vida de violência e humilhação produziu, ela dirigiu contra si mesma. Supõe-se que ela possa ter permanecido na relação conjugal violenta por inúmeros fatores intimamente relacionados às questões tradicionais de gênero, pois: casou-se muito jovem, não era natural da localidade, não tinha parentes na cidade, tinha uma rede social limitada, e, por vergonha das atitudes do marido, optava em permanecer somente em casa e recusava-se a sair na companhia dele, não entedia o dialeto alemão que o marido falava, e não se sentia socialmente aceita, como pode ser visto na fala do entrevistado “o que para ela machucou muito, ela não falava alemão, entendia, mas não falava, ela se sentia meio excluída”. Na história relatada, observa-se que durante toda a vida essa mulher cumpriu rigorosamente com o papel feminino de mãe, esposa, cuidadora da família e da casa, além de assumir o papel de provedora econômica da família. Na realidade, acumulava as atribuições socialmente esperadas como ―femininas‖, acrescentando-lhes a função ―masculina‖ de provedora. No entanto, o sofrimento e a exaustão pelos anos de violência sofrida pelo marido podem ter levado essa mulher a decidir em finalizar sua vida, como na atribuição causal realizada pelo familiar “foi à situação dele, foi à agressão por parte dele” que a levou ao suicídio. A violência simbolizada no ato suicida da mulher 87 A segunda história é a de uma mulher de 49 anos, agricultora, moradora da zona rural do município de Venâncio Aires. Casou-se muito jovem, constituiu família, e já no inicio do casamento o esposo mostrou uma face violenta que não tinha aparecido no período de namoro, pois discussões, brigas e violência começaram a surgir, e ela dizia: “quando a gente namorava era uma coisa e depois que casamos era outra”. Sem expectativa de mudança do comportamento do marido, sem apoio familiar, e não tendo como sair de casa, pois dependia financeiramente dele e tinha filhos pequenos, esta mulher permaneceu na relação conjugal violenta. A filha da suicida que concedeu a entrevista enfatiza que “se a mãe quisesse se separar do pai na época, ou ela ficava com o pai ou ficava com a avó, que na verdade era a mesma coisa”. Além do trabalho desempenhado no campo, a renda familiar ainda era aumentada com a produção de cachaça do alambique que possuíam. Essa mulher, na meia idade, tornou-se alcoólatra e a violência praticada pelo esposo cresceu frente essas situação. O consumo de bebida alcoólica se intensifica mais tardiamente e está relacionada à solidão e aos conflitos familiares (WENZEL et al., 2004; SANTOS; MORÉ, 2011). No entanto, por não suportar mais as agressões perpetradas pelo marido, ela comete o suicídio deitada na cama do esposo e com a arma de fogo que a ele pertencia. [...] O pai era muito rígido, enchia o saco dela, e a mãe tinha aquele discurso: “o pai é muito ruim comigo”, por isso que eu estou bebendo. [...] Ela simplesmente pegou a arma 32 assim, deitou na cama do pai e meteu o pé, quando ela se matou ela foi deitar bem na cama do pai, não foi na cama dela que ela dormia sempre. [...] Eu acho que ela pensou que não queria mais viver. E quando a mãe se matou o pai dizia, “meu isso é uma vergonha o que todo mundo vai falar”. (Filha de mulher, 49 anos, Venâncio Aires) A história dessa mulher foi marcada por uma vida dedicada ao cuidado da família, ao trabalho doméstico e à lavoura, desempenhando os papéis de gênero socialmente impostos à mulher. Entretanto, quando os episódios de violência conjugal se intensificam, ela busca na bebida alcoólica a amenização do sofrimento, o que gera a intensificação dos atos violentos por parte do marido. A escolha do leito conjugal, no momento do suicídio, ocupado apenas pelo marido, é uma escolha simbólica, uma forma de protesto pelo sofrimento, insultos e agressões sofridas. E a morte provocada por arma de fogo marca indelevelmente – com sangue, com horror, como um grito - o local e a presença dessa mulher, de certa maneira revidando com o malestar gerado pela autoagressão. Diante do suicídio da mulher, o esposo diz: “meu isso é uma vergonha”, atribuindo a ela o comportamento transgressor. 88 Ameaçada de perder a filha e a propriedade A terceira história é a de uma mulher, agricultura, 48 anos, que teve um casamento marcado pela elevada incidência de conflitos e violência. Como na história anterior, era obrigada pelo esposo a trabalhar intensamente nas lavouras de fumo, enquanto ele não se envolvia no trabalho e os lucros do plantio ficavam apenas com ele que não pagava nem ao menos um salário para a mulher. Ela pede a separação judicial, fato que resulta na intensificação das discussões e agressões. Ele a expulsa da própria casa e em seguida traz outra mulher para viver com ele. Diante disso, ela sai de casa com a filha caçula e procura regularizar a situação, porém como ela havia saído o marido afirma que ela perdeu o direito sobre a propriedade. Uma “guerra” inicia entre o casal pela guarda da filha e pelos bens que foram adquiridos durante a vida conjugal. O entrevisto relata que “a guria não queria ir morar com o pai”. Desse modo, ameaças de morte começaram a ser realizadas contra a mulher, inclusive pelo filho mais velho que optou em viver com o pai. A mulher, mesmo morando com outro companheiro, mostrava-se muito angustiada e temerosa de perder a guarda da filha, pois segundo o entrevistado “ela era muito agarrada com aquela criança”. O processo judicial tramitava lentamente quando ela recebeu a visita do filho que a pressionou para desistir das terras. Imediatamente após a visita do filho ela se suicidou no galpão do fumo. Ela falava que ele era muito ruim pra ela e que judiava dela [...] Ele ficou na casa e levou outra pra morar com ele, e não quis dar nada da parte dela das terras, isso deixou ela muito desgostosa, e esse que foi o fim dela [...] e tavam brigando na justiça por causa dos bens e pela guarda da menina. Eles queriam tiraram as coisas dela, e tiraram, e diziam que ela ia perder a guarda da guria, e ela era muito agarrada com aquela criança, e a guria com ela. O processo de separação estava na justiça, e o advogado contava que eles estão fazendo uma sujeira sem tamanho com ela. (Companheiro de mulher, 48 anos, Candelária) Diferente das histórias anteriores, essa mulher consegue, inicialmente, romper com a violência de gênero sofrida por parte do marido, porque pede a separação judicial e sai de casa. No entanto, mesmo não vivendo mais com ele, a violência permanece, por meio de ameaças de morte pela disputa dos bens materiais adquiridos durante a relação conjugal e pela guarda da filha. Frente a essa situação, compreende-se que várias violências estavam dirigidas contra essa mulher: as ameaças de morte, a perda da guarda da filha e a violência patrimonial 89 pela tentativa de retenção e subtração de seus bens, direitos e recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades de sobrevivência (BRASIL, 2006). Assim, essa mulher que viveu uma verdadeira “guerra” pela busca de seus direitos e pela guarda da filha, chegou em um momento da vida que se viu “sem saída” e o medo das ameaças e da perda judicial da filha fizeram com que buscasse, por meio do ato suicida, o fim do sofrimento intenso e a resolução dos conflitos. Violências que aprisionam A última história refere-se a uma mulher de 41 anos, moradora da periferia de Porto Alegre, descrita pela entrevistada, mãe da suicida, como “uma rica de uma guria, uma sarará bonita”, que se envolveu afetivamente com um homem agressivo e violento. Além da violência física, ela sofria exploração sexual por parte do marido que a obrigava a prostituir-se para ficar com o dinheiro. O marido, como usuário e traficante de drogas, estimulava a mulher a usar essa substância, e conforme a entrevistada: “a gente perde os filhos da gente para imundície dessa droga”. A mulher que se suicidou, mãe de seis filhos, já não conseguia mais administrar o cuidado da casa e da família, e os filhos ficavam aos cuidados das filhas já adultas e da avó materna, pois ela se encontrava sem condições físicas e psicológicas para tomar conta deles. A entrevistada relatou o sofrimento de perceber a filha em situação de sofrimento e drogadição: “quando tu se depara com as criaturas na rua, são dores, queira o não tu fica, tu é mãe”. A mulher “presa” na prostituição e nas drogas, controlada com violência pelo marido, não encontrava mais sentido para a vida e se suicidou. Ela apanhava muito, ele dava nela assim, de deixar ela esguichada no chão [...] Ele dominava ela, um baita de um sem vergonha, ele quem botava ela pra se prostituir e pegar o dinheiro, pra sustentar ele de certo, [...] Mais tarde que ela se envolveu com as drogas [...] Eu não gostava e não gosto dele, ele não é uma pessoa de caráter, é um cara que não vale nada porque ele nunca foi pai presente, nem participa com os filhos, nem atenção ele dá para as crianças, esses podem dizer que são órfãos de pai e mãe (Mãe de mulher, 41 anos, Porto Alegre) Assim, a violência, a exploração sexual e o uso de drogas levavam essa mulher a permanecer submissa ao marido no relacionamento, porque não conseguia romper com esse contexto. A mãe tentou ajudá-la inúmeras vezes, retirando-a da casa do marido, levando-a a consultas médicas para o tratamento das drogas, contudo não obteve sucesso. Nesse caso 90 sobrepõe-se às violências de gênero a violência estrutural da sociedade, expressa na precariedade socioeconômica, na dificuldade de acesso aos serviços de saúde e outros equipamentos sociais, na inexistência de redes de atenção e cuidado que consigam conter as pessoas em momentos de crise e desesperança. Essas quatro histórias que se consideram significativas remetem a ideia de que as desigualdades e violências de gênero são condições que podem levar as mulheres ao suicídio. Ou seja, a violência doméstica, o abuso sexual, a existência de padrões conservadores de gênero e o sofrimento de mulheres são considerados fatores preditores de autoagressão (MENEGHEL et al., 2012). Assim, "o suicídio pode ser entendido como uma situação limite na vida de mulheres, quando é encarado como a única saída para os conflitos sociais ou interpessoais geradores de sofrimento intenso e mal-estar" (MENEGHEL, et al., 2013, p.212). A partir dessas quatro histórias constata-se que a violência de gênero esteve presente na vida dessas mulheres, embora manifestada para cada uma delas de forma diferente. Uma das mulheres estava sobrecarregada com os papéis femininos instituídos socialmente de mãe, cuidadora da casa e dos afazeres domésticos acrescidos ao de provedora econômica da família; a outra cumpriu com os tradicionais papéis de gênero, servindo e cuidando dos outros, e a adição ao álcool levou o marido a agredi-la de forma cada vez mais violenta, sem ter a compreensão de que o alcoolismo é uma doença; a terceira delas consegue sair de um casamento violento com um pedido de separação, mas a retaliação vem por meio de ameaças de morte, de tomada da propriedade e de posse da guarda da filha; a última mulher foi vítima da exploração sexual do marido e do envolvimento com drogas. Todas elas, após uma rota crítica atravessada pelas violências de gênero, não conseguem encontrar outra saída para a dor e o sofrimento vivido a não ser por meio do suicídio. 91 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste estudo buscou-se investigar o suicídio sob a perspectiva de gênero em municípios da região sul do Brasil, assim como descrever as características sociodemográficas das pessoas que cometeram suicídio e identificar a presença de violência de gênero na história de vida destas pessoas. Após uma longa trajetória de leituras, observações e reflexões acerca da temática estudada, e principalmente em decorrência da experiência vivenciada no campo de estudo, evidenciou-se a importância de se conhecer o modo de vida e as relações de conjugalidade de homens e mulheres que se suicidaram, utilizando a categoria gênero para análise desse evento. Foi possível observar que a maioria dos suicidas eram mulheres, brancas, de origem alemã, agricultoras e moradoras das zonas rurais dos municípios. No que se refere ao modo de vida dos suicidas, o estudo mostrou a dedicação e o comprometimento de homens e mulheres ao trabalho, constituindo-se o eixo central na vida dessas pessoas. A família também representa um grupo muito importante para os suicidas, principalmente para as mulheres, decorrente da educação e socialização a partir das normas e condutas de gênero. Quanto ao modo de vida dos suicidas, o isolamento social também esteve presente, uma vez que, alguns viviam isolados e expressavam sentimentos de tristeza, pessimismo e depressão. As diferenças de gênero se expressam no modo como homens e mulheres enfrentam os problemas, visto que os homens reagem de maneira agressiva e descontrolada, e as mulheres com choro, tristeza e silenciamento. Entretanto, ambos buscavam na família o apoio para a resolução dos problemas. A maioria dos entrevistados relatou suicídio na família, além de histórias prévias de ideação e tentativa nas pessoas que se suicidaram. Dentre os métodos empregados na prática do suicídio, o enforcamento foi o meio mais utilizado, e o local de maior ocorrência foi à área externa, como galpões de fumo e árvores. As pessoas que concederam as entrevistas em sua maioria eram mulheres próximas das vítimas, o que indica um padrão predominante de gênero no cuidado ou na responsabilização familiar. No que se refere às desigualdades de gênero nas relações de conjugalidade, observouse o rígido desempenho dos papéis tradicionais de gênero, em que as mulheres eram responsáveis pelos afazeres domésticos e cuidados da família, acrescidos do trabalho na lavoura e responsabilidade econômica. Os homens como provedores exerciam o poder e o 92 comando da família, afirmando sua masculinidade por meio da infidelidade, dominação e exploração das mulheres no trabalho. No cenário da violência de gênero, observou-se que ela estava presente nas histórias de vida de homens e mulheres suicidas selecionadas nesta amostra. As mulheres sofreram insultos, ameaças e agressões pelos companheiros, demonstrando o sentimento de posse de homens em relação a elas. A presença de violência nas relações conjugais produziu consequências negativas à saúde, bem estar e qualidade de vida das mulheres que se suicidaram. Por outro lado, essas mulheres, mesmo convivendo com violência, não abandonaram os maridos, e permaneceram na relação cumprindo com o modelo de família tradicional, mantendo em silêncio as agressões sofridas. Os comportamentos violentos dos homens suicidas foram potencializados pelo padrão idealizado do ―ser homem‖, como maneira de afirmação da masculinidade. Esses homens exerceram relações de poder e violência de gênero contra as esposas por meio de humilhações, privações, agressões físicas e ameaças, com o intuito de mostrar que estavam no comando e controle da relação conjugal. Assim, entende-se que as desigualdades de gênero e as violências são um fator de vulnerabilização de mulheres e homens e não podem deixar de serem analisados quando se estuda o suicídio. No que se refere à violência intrafamiliar, observou-se a maneira violenta com que os homens agiam com filhos, familiares e demais conhecidos, expressas pelas dinâmicas de poder nas quais estão presentes relações de dominação e subordinação. Além disso, surgiu por parte dos filhos e familiares das mulheres suicidas um sentimento de revolta e culpabilização em relação aos homens violentos pela morte autoinfligida dessas mulheres, repercutindo nas atitudes e relações familiares. Achamos pertinente relatar histórias de quatro mulheres suicidas que tiveram suas vidas marcadas por uma longa trajetória de violência de gênero, em que agressões físicas, psicológicas, exploração sexual, violência patrimonial e ameaças se faziam presentes. Elas se sentiram impotentes perante os problemas vivenciados na relação conjugal encontraram no ato suicida a resposta para essa situação. Cabe destacar que essa pesquisa constituiu um espaço de escuta e de identificação de familiares que encontravam-se em risco de suicídio em decorrência do intenso sofrimento vivido pela perda do familiar. Essas pessoas foram ouvidas, orientadas e encaminhadas aos serviços de saúde dos municípios pelos profissionais de saúde que acompanhavam o estudo. Além disso, o contato com os familiares possibilitou romper com o tabu de falar sobre um assunto ainda tão velado na sociedade. 93 Diante dos resultados obtidos, entende-se que o suicídio é um evento que pode ser prevenido, e o setor saúde, em especial a atenção básica, tem papel fundamental na identificação de pessoas em risco, entendendo os fatores que influenciam esse comportamento e estabelecendo estratégias preventivas e de intervenção. Contudo, ressalta-se a importância do preparo desses profissionais para trabalhar com esse fenômeno complexo e de causas múltiplas. ―É preciso ir além dos textos escritos e investir na formação de profissionais capazes de compreender e atuar com eficiência no apoio às pessoas em risco para suicídio e aos familiares que sofrem a perda de seus entes queridos‖ (MINAYO; GRUBITS; CAVALCANTE, 2012, p. 2037). Cabe destacar que os profissionais de saúde podem realizar ações de promoção e prevenção direcionadas a mudanças no estilo de vida dessas pessoas, estimulando-os a prática de atividade física, participação em grupos, clubes e associações comunitárias, com o intuito de que as pessoas se percebam integradas socialmente. No entanto, acredita-se que este estudo traz algumas reflexões que podem contribuir para o estudo sobre o suicídio e construção do conhecimento na área da saúde, uma vez que permitiu revelar situações antes desconhecidas pelos serviços, em especial no que tange a presença do rígido desempenho dos papeis de gênero e os conflitos interpessoais na história de vida de homens e mulheres, representando um cenário que aumenta o risco para os comportamentos auto-agressivos. Para finalizar, destaca-se que esse estudo não tem a finalidade de se dar por encerrado, uma vez que a temática do suicídio é ampla e possibilita outras reflexões. No entanto, esperase que os resultados obtidos nessa investigação possam servir de apoio para pesquisas futuras voltadas à temática, focando o uso da categoria gênero para a ampliação e compreensão do fenômeno. 94 REFERÊNCIAS ABASSE, M. L. F. et al. Análise epidemiológica da morbimortalidade por suicídio entre adolescentes em Minas Gerais, Brasil. 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Estado civil ________________________Naturalidade___________________ Religião: ______________________Grau de Instrução:___________________ Profissão:______________________Ocupação: ________________________ Endereço:_______________________________________________________ Zona: ( ) Urbana ( ) Rural Cor: ( ) Branco ( ) Pardo ( ) Negro ( ) Amarelo ( ) Índio Família Nome do Cônjuge _____________________________________Idade:______ Filhos (idades):___________________________________________________ _______________________________________________________________ Outras uniões/casamentos/filhos _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ Método utilizado para o suicídio____________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ Motivo_________________________________________________________ _______________________________________________________________ Local:__________________________________________________________ Data ____/______/______Hora:______________________________________ Pessoa que respondeu à entrevista_________________________________ Idade:________Contato:___________________________________________ Qual a sua relação com a pessoa que morreu? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________ Observações relevantes ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________ 106 APÊNDICE B - Roteiro da Entrevista I) Contato Inicial Objetivo: Esclarecer sobre a pesquisa, assegurar um consentimento esclarecido, criar empatia e assegurar o sigilo da identidade pessoal e familiar a) Leitura e esclarecimentos sobre o Termo de Consentimento b) Preenchimento dos Dados de Identificação c) Montar o Genograma Familiar II) Caracterização Social 1) Qual a profissão e grau de instrução da pessoa que cometeu suicídio? 2) Qual a profissão e grau de instrução do cônjuge e dos filhos? 3) O que era relevante no trabalho/emprego? (Dificuldades, limites e possibilidades). 4) Ele (a) era aposentado (a) e/ou fazia alguma outra atividade? 5) Qual a renda e as fontes de rendimento familiar por ocasião de sua morte? (ordenado fixo e outros). 6) Como era a casa que ele (a) morava? (própria, alugada, outros; número e tipo de cômodos/peças; rede de esgotos, água encanada, luz elétrica, coleta de lixo; número de residentes). 7) Poderias descrever o bairro e local de moradia? III) Retrato e Modo de Vida (de quem cometeu o ato suicida) 1) Como você descreve ele (a)? Qual a origem dele (a)? (italiana, alemã, polonesa, afrobrasileira, portuguesa, outra) Qual a origem do pai e da mãe dela? 2) Com quem ele (ela) se parecia mais? Fisicamente? Modo de ser? 3) Ela se aborrecia com freqüência? Em que tipo de situação? 4) Como ele (ela) reagia diante de situações difíceis? Havia algo que a chateava mais? 5) Antes do ocorrido, ele (ela) teve história de perdas (filhos, marido, irmãos, amigos, emprego, patrimônio etc.)? 6) Como ele (ela) lidava com as situações de perda? 7) Como era o relacionamento com os familiares (marido, filhos, irmãos, pais, parentes)? E com os amigos? 107 8) Que mudanças viveu? Rupturas de relacionamentos? Reconstrução de vínculos? 9) Onde e com quem encontrava apoio? 10) Ele (ela) teve apoio de parentes, vizinhos, colegas ou ex-colegas de trabalho, grupos religiosos ou outras pessoas? Como foi este apoio? 11) Participava de Partido político, Sindicato e Organização Profissional, Clubes e Associações voluntárias e ou comunitárias? 12) Que investimentos na vida foram importantes? Família? Estudo? Emprego? Outros? 13) Há história anterior de doença grave? Qual? Dos nervos? Tratamentos? 14) Há algo que ele (ela) teria gostado de mudar em sua vida, se tivesse tido essa chance? IV) Avaliação da atmosfera do ato de suicídio 1) Conte, como ocorreu o ato suicida? (Qual o método escolhido? Ele foi planejado? Houve algum aviso prévio? Foi deixada alguma mensagem?) 2) Onde ocorreu o suicídio? Em que data, dia da semana e hora? 3) Como foram as circunstâncias do suicídio? (Qual o tempo decorrido entre o suicídio e o auxílio? Quem o encontrou e em que circunstâncias? Como foram os procedimentos? O que foi feito? 4) Como a família lidou com o momento do sepultamento? 5) Anteriormente, a pessoa manifestou pensamentos ou sentimentos suicidas? Com que freqüência, duração e intensidade? 6) Como a família vê esse gesto? (sobre o suicídio) E por que a família acha que ele (ela) agiu assim? (causas, fatores associados) 7) Houve tentativas anteriores? Já houve suicídios ou tentativas de suicídio na família ou no círculo de amigos? Quais e há quanto tempo? V) Estado mental que antecedeu o suicídio (se o entrevistado puder responder) 1) A pessoa estava confusa ou parecia ter alguma alteração no fluxo dos pensamentos? 2) A pessoa falava de pensamentos, sentimentos ou idéias que pareciam ―irreais‖? 3) A pessoa parecia ter alteração nas percepções, ouvindo vozes ou tendo visões? 4) A pessoa estava deprimida, ou muito agitada, ou oscilava entre essas fases? 5) A pessoa costumava falar de sentimentos de culpa, tristeza ou desespero? 6) A pessoa foi avaliada ou acompanhada por psiquiatra ou psicólogo? Que diagnóstico, tratamento, orientações ou recomendações foram feitas? 108 VI) Imagem da Família 1) Como está sendo a reação da família (de seus integrantes) frente a este gesto? 2) Esse acontecimento trouxe algum problema à família? Que tipo? 3) A família já recorreu a algum tipo de apoio? Qual? A família tem encontrado dificuldade na busca desse apoio? Quais dificuldades? 4) Como a família está buscando prosseguir e confortar-se? VII) Relação Conjugal, vulnerabilidade de gênero e violência 1) (Se tinha companheiro) Como era a relação com o companheiro? 2) Você tem conhecimento se eles brigavam? Havia ciúmes na relação? Havia ameaças? Violência? 3) O companheiro humilhava, menosprezava, chamava com nomes ofensivos ou colocava apelidos? 4) Usava o dinheiro ou mexia no patrimônio sem que quisesse? 5) O companheiro exercia controle sobre ela? Deixava fazer as coisas que queria? Podia trabalhar fora de casa? Freqüentar a casa de parentes e amigos? Chegar tarde? Pertencer a grupos? 6) Você tem alguma coisa a dizer que nos não perguntamos? 109 APÊNDICE C - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido O senhor(a)_______________________________________________, familiar de ____________________________________ foi selecionado para participar da pesquisa intitulada: “Suicídio em municípios do sul do Brasil - um enfoque de gênero‖, que tem por objetivo estudar o suicídio sob uma perspectiva de gênero em municípios da região sul do Brasil. Consideramos que sua participação será de extrema importância, uma vez que a troca de informações sobre o assunto pode diminuir o sofrimento dos familiares. Informamos que o suicídio é um fenômeno universal que atinge as mais diferentes sociedades e, em geral, está associado a mais de uma causa. A forma de participar dessa pesquisa consiste em responder a uma ou mais entrevistas que esclareçam as circunstâncias em que a pessoa da sua família suicidou-se. Existe ampla liberdade para responder ou não a quaisquer perguntas que sejam realizadas. A participação nesse estudo é voluntária e, caso o Sr (a) aceite conversar conosco, ainda assim, poderá desistir a qualquer momento. As informações que o senhor (a) nos prestar serão usadas para fins de estudo e será mantido o sigilo sobre a identificação das pessoas. Solicitamos permissão para gravar a entrevista, pois esse procedimento irá nos ajudar a analisar o material que foi produzido. Durante a entrevista não faremos avaliações ou juízos de valor. A pesquisa poderá ajudar na prevenção de outros casos e se houver necessidade iremos encaminhar os familiares aos serviços de saúde. Estou suficientemente esclarecido e dou consentimento para participar da pesquisa, assinando este consentimento em duas vias, ficando com a posse de uma delas, ____________________________________ Participante da Pesquisa ___________________________________ Responsável pelo estudo Local_______________________ Data ___, de________________,_______. Em caso de duvida ou reclamação contatar com as pesquisadoras Stela Nazareth Meneghel e Lilian Zielke Hesler no telefone (55) 99079456 e email: lilianhesler@yahoo.com.br 110 APÊNDICE D - Termo de Confidencialidade e Publicação dos Dados Título do projeto: ―Suicídio em municípios do sul do Brasil - um enfoque de gênero‖. Pesquisador responsável: Stela Nazareth Meneghel Instituição/Departamento: Universidade Federal do Rio Grande do Sul/UFRGS - Escola de Enfermagem. Telefone para contato: (55) 99079456 Local da coleta de dados: Departamento Médico Legal (DML) O pesquisador do presente projeto se compromete em adotar todos os procedimentos éticos para preservar a privacidade das pessoas cujas informações pessoais e endereços serão coletados no Departamento Médico Legal, pertencente à Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio Grande do Sul. As informações são procedentes de laudos de necropsia de pessoas maiores de 18 anos e residentes em Porto Alegre. O pesquisador afirma que estas informações serão utilizadas apenas para propósitos acadêmicos, objetivando aprofundar o conhecimento sobre este tema com objetivo de propor medidas de prevenção e intervenções nos serviços de saúde. As publicações em revistas científicas da área que serão realizadas a partir desta pesquisa, sob nenhuma hipótese irão divulgar nomes das pessoas, familiares ou de instituições e/ou profissionais que forneceram informações. Será mantido o anonimato e a confidencialidade de todas as informações, preservando a identificação das pessoas que cometeram suicídio e de suas famílias. ___________________________________ Stela Nazareth Meneghel Responsável pelo Estudo 111 ANEXOS A – Autorização do Departamento Médico Legal Porto Alegre, 01 de março de 2012. AUTORIZAÇÃO O Departamento Médico Legal autoriza a coleta de dados de laudos de necropsia de pessoas maiores de dezoito anos que cometeram suicídio, residentes em Porto Alegre. Esses dados serão utilizados para a pesquisa ―Suicídio em municípios do sul do Brasil – Um Enfoque de Gênero‖, coordenada pela Dra. Stela Nazareth Meneghel, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. O objetivo é estudar o suicídio segundo a perspectiva de gênero em municípios da região sul do Brasil. 112 ANEXOS B – Autorização da Secretaria da Saúde de São Lourenço do Sul Porto Alegre, 09 de março de 2012. AUTORIZAÇÃO Eu, Arilson Cardoso, Secretário Municipal de Saúde de São Lourenço do Sul, autorizo a coleta de dados por meio de entrevistas com familiares de pessoas que cometeram suicídio, residentes no município. Esses dados serão utilizados para a pesquisa ―Suicídio em municípios do sul do Brasil – Um Enfoque de Gênero‖, coordenada pela Dra. Stela Nazareth Meneghel, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. O objetivo é estudar o suicídio segundo a perspectiva de gênero em municípios da região sul do Brasil. 113 ANEXOS C – Autorização da Secretaria da Saúde de Venâncio Aires Porto Alegre, 06 de março de 2012. AUTORIZAÇÃO Eu, Wilson Francisco Gauer, Secretário Municipal de Saúde de Venâncio Aires, autorizo a coleta de dados por meio de entrevistas com familiares de pessoas que cometeram suicídio, residentes no município. Esses dados serão utilizados para a pesquisa ―Suicídio em municípios do sul do Brasil – Um Enfoque de Gênero‖, coordenada pela Dra. Stela Nazareth Meneghel, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. O objetivo é estudar o suicídio segundo a perspectiva de gênero em municípios da região sul do Brasil. 114 ANEXOS D – Autorização da Secretaria da Saúde de Candelária Porto Alegre, 05 de março de 2012. AUTORIZAÇÃO Eu, Aristides Feistler, Secretário Municipal de Saúde de Candelária, autorizo a coleta de dados por meio de entrevistas com familiares de pessoas que cometeram suicídio, residentes no município. Esses dados serão utilizados para a pesquisa ―Suicídio em municípios do sul do Brasil – Um Enfoque de Gênero‖, coordenada pela Dra. Stela Nazareth Meneghel, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. O objetivo é estudar o suicídio segundo a perspectiva de gênero em municípios da região sul do Brasil. 115 ANEXO E – Carta de Aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da UFRGS